PROCESSO CONTRAORDENACIONAL
OBRIGATORIEDADE DE ASSISTÊNCIA POR DEFENSOR
Sumário

I - Ao contrário do que sucede nas fases anteriores do processo contraordenacional, na fase de recurso para o tribunal da Relação é obrigatório que o arguido se mostre assistido por defensor.
II - A arguida, sendo advogada, está legalmente impedida de assumir a sua própria defesa em processo penal nos casos em que a lei reserva ao defensor a prática de determinados atos.

Texto Integral

Proc. n.º 2502/22.9T9AVR.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 2
Relator. Paulo Costa.
Adjuntos:
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha


Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo contraordenacional supra mencionado a correr termos no Juízo Local de Aveiro, Juiz 2, por sentença datada de 24-10-2022, foi decidido:
«Em face do exposto, julgo improcedente a impugnação deduzida pela arguida AA e mantenho a decisão administrativa de fls. 6 verso e 7.
Custas a cargo da arguida, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 93.º do RGCO, fixando a taxa de justiça em 1,5 UC, em conformidade com o disposto na Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais – sem prejuízo do apoio judiciário de que a mesma beneficia.
Notifique e deposite.
Dê conhecimento à Câmara Municipal de Aveiro, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 70.º do RGCO.»

*
Inconformada, a recorrente AA interpôs recurso.
O tribunal a quo não obstante ter invocado o disposto no art. 73º do regime Geral da Contraordenações e Coimas, atento o valor da coima, admitiu o recurso aceitando poder o tribunal ad quem entender que o mesmo seja manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
A recorrente solicitou a nulidade da decisão apresentando nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1- Em 1 de Abril de 2022 a Recorrente foi notificada, por citação única de 99 decisões administrativas em processo de contra-ordenação, conforme resulta do processo administrativo que consta dos autos.
2- Dessas 99 contra-ordenação, existem apenas quatro alegadas zonas de estacionamento de duração limitada, em que o veículo alegadamente estaria estacionado sem o pagamento devido, a Rua ... e ..., Av. ..., Rua ... e Rua.... Na Rua ... e ....
3- Em todos os processos em que foi notificada, conjuntamente, em 1 de Abril de 2022, a matéria a conhecer é exactamente a mesma, só alterando a data da infracção (o que pode relevar para efeitos de notificação e de prescrição); e o local, sendo apenas, as quatro ruas acima mencionadas.
4- Em todos os processos, deste Juízo Local, distribuídos, veio requerer o seguinte: Que Conforme se afere dos autos, a par da notificação no âmbito dos presentes, foi a Recorrente notificada no dia 1 de Abril nas Instalações da Polícia Municipal de Aveiro, das decisões melhor indicadas na certidão junta por aquela entidade. Foram-lhe então entregues as decisões e apresentada a folha que costa dos autos como “certidão de notificação”. Não conhecendo a Recorrente os diversos processos, nem os tendo consultado, naquele momento, deduziu que a notificação era única em virtude de uma cumulação de processos.
5- Eis que com as notificações que ora recebeu, percebeu que não e que cada decisão deu origem a um processo judicial. De facto a Recorrente apresentou uma impugnação por cada decisão, porque assim a lei e a jurisprudência já se pronunciou a impor tal prática. Contudo requereu, também, e por cautela, novamente, uma vez que assinou a notificação mas não consultou o processo a fim de ver se a Policia Municipal havia apensado os processos, requereu em 5 de Abril essa mesma apensação, enviando junto com as impugnações- Doc. 1 que junta (Requerimento que não foi junto aos autos pela entidade administrativa, mas pela Recorrente).
6- Ora sendo que tais decisões notificadas no mesmo dia referido, dia 1 de Abril de 2022, contra a mesma arguida e abrangendo a prática reiterada da mesma infracção, entendeu a Policia Municipal notificar das várias decisões, numa só notificação única. O que não foi tido em conta em sede de impugnação, nem sequer houve pronuncia sobre o requerido, o que só agora teve a Recorrente conhecimento da não cumulação/apensação de processos. Ora, não havendo conexão de processos, nem a entidade administrativa os cumulou como determinava a Lei, certo é que também não poderia fazer uma citação única, para todos, pela mesma ordem de razão.
7- Tal viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, a mesma que vê que para a entidade administrativa vale uma notificação única, um só acto para o conjunto vasto de processos, já para a Recorrente, terá a mesma de se sujeitar ao pagamento das taxas de justiça correspondentes a todos os processos distribuídos para ver a sua questão apreciada, superior à multa aplicada para cada um deles. O que não faz qualquer sentido.
8- Cada processo em que a Recorrente era notificada teria de pagar uma taxa de justiça superior ao valor da coima que lhe havia sido aplicada. Não teve outra solução que requerer apoio judiciário para todos os processos, o que metade ainda hoje não foi deferido, e assim tais processos estão parados a aguardar uma decisão da segurança social, não obstante a invocação do deferimento tácito.
9- Para além da determinação da natureza urgente, como aconteceu em todos os processos distribuídos ao Juiz que proferiu a sentença em recurso, teria de pagar cerca de 10.000,00€ em taxas de justiça, tão só porque a autoridade administrativa achou que bastava uma certidão única e o Tribunal “esqueceu-se de que podia apensar os processos” em que então seria devida apenas uma taxa de justiça.
10- Pior tal actuação se torna, quando mesmo sendo procedente a impugnação, como entendeu este Juiz, por exemplo no proc. nº 2524/ 22.0T9AVR, que se deve fixar custas em 1,5 UCs. Tais custas seriam a cargo da arguida, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (cf. o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2014), mas é de ter em conta o apoio judiciário de que a mesma beneficia.
11- Ou seja, mesmo tendo razão a Arguida, em vez de pagar 45€ de coima, pagaria então 153€, só porque tinha razão. Não faz sentido e é uma total violação aos princípios mais básicos. Por cada um dos processos em separado. Quando apensados só teria custas de um processo.
12- A conexão impõe-se porque estão verificados todos os pressupostos legais ¯ atento o disposto nos artigos 24.º, 25.º, 28.º e 29.º do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi do n.o 1 do artigo 41.o do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO) ¯ da conexão subjectiva (artigo 25.o do RGCO ¯ “ao não ser observada tal conexão de processos, como não foi, está em causa o princípio da economia processual e de meios e acarreta entraves ao direito de defesa da Arguida, violando o disposto no arto 32.o, no 10 da Lei Fundamental, extensível aos processos de contraordenação, por identidade de razão. A não determinação da conexão de processos é de toda injusta, contrária à lei que a prevê legitimamente para casos como o dos autos.
13- Por outro lado, viu a arguida precludida a possibilidade de no seu interesse legítimo, ver a sua conduta julgada como infracção continuada, nos termos do disposto no arto 77.o do CPenal, aplicável subsidiariamente arto 32.o do RGCO. Porque de facto, todas as infracções que deram origem aos processo ora distribuídos, são estacionamentos em locais em que a Policia Municipal cobra taxa, ilegalmente, porque não se verificarem os requisitos impostos pelo Regulamento do Estacionamento das zonas de duração limitada, nomeadamente, são locais sem a sinalização imposta por aquele, sendo que este facto deverá ser apreciado a nível da culpa da Recorrente.
14- No que se refere à apensação, prevê a lei (cfr. artigos 24o e seguintes do CPP) e também a jurisprudência que, em determinadas circunstâncias, a entidade administrativa pode efectuar a “apensação” dos processos de contra-ordenação (apensação na fase administrativa, constituindo um único processo) ou então, já na fase judicial, pode e deve o juiz efectuar a apensação dos recursos de contra-ordenação, a qual deve ter lugar no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (cfr. artigo 29o, no 2 do CPP).
15- No proc. 2718/22.8T9AVR do Juiz 3 deste Juízo Local Criminal foi oficiada a Camara sobre a decisão do requerimento apresentado a 5 de Abril, vindo a mesma dizer que conforme o art 186º do CE o seu poder de apreciação tinha-se esgotado. Não comunicou tal conclusão à ora Recorrente dizendo expressamente “motivo pela qual não foi remetida qualquer resposta para a Recorrente”. E também, ao que parece também não foi remetido o requerimento de 5 de Abril ao Tribunal. Assim, confirma-se que houve omissão de pronúncia, uma vez que a ora Recorrente só agora foi notificada do entendimento da Autoridade Administrativa, a qual desconhecia, e se a mesma não podia conhecer da matéria, por falta de competência, primeiro, deveria ter notificado a Recorrente desse entendimento, logo aqui existe uma irregularidade.
16-Com efeito, pese embora seja dirigida ao tribunal, a impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que proferiu a decisão que aplicou a coima, não sendo, pois, um acto praticado em juízo. E tanto é assim que uma vez interposta a impugnação judicial e até ao envio dos autos ao Ministério Público, a autoridade administrativa pode revogar a decisão de aplicação da coima (cf. artigo 184.o do Código da Estrada e, no regime geral, artigo 62.º, n.º 2 do RGCO.
17- Não tendo a autoridade administrativa se pronunciado sobre o requerido, havendo assim uma nulidade nos termos da (al. a) do n.o 1 do art. 379.º do CPP, a qual foi, também, invocada.
18- Nestes autos veio-se indeferir a Conexão de processos com a seguinte fundamentação: Apesar de se verificar uma conexão de processos prevista no art. 25º do CPP (aplicável por via do nº 1 do art. 41º do RGCO) não se procederá à apensação de processos porque - tendo em conta que estão pendentes no Juízo Local Criminal de Aveiro mas de 100 recursos de contraordenações contra a arguida, distribuídos por três Juízos, em momentos processuais distintos, com questões distintas suscitadas e prova também distinta- a apensação de processos representa um risco para a realização da justiça em tempo útil e a pretensão punitiva do estado, iria retardar excessivamente a decisão por despacho ou julgamento ( cot aos b( e c) do art. 30º do Código de Processo Penal).
19- Quanto á omissão de pronuncia da CMA, acerca do requerimento enviado a 5 de Abril, prazo para as impugnações, vem o Tribunal ad quo decidir: “A arguida veio invocar a omissão de pronúncia da Câmara Municipal de Aveiro quanto ao seu pedido dirigido a essa entidade, de apensação dos processos contraordenacionais aí pendentes. Não resulta da lei que tal omissão de pronúncia constitua nulidade, pelo que se aplica à respetiva arguição o regime previsto no artigo 123.º do Código de Processo Penal (aplicável por via do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO), estando ultrapassado o prazo aí previsto. Acresce que a arguida recorreu da decisão administrativa condenatória e nada disse no requerimento de recurso acerca desta questão – sendo certo que é esse requerimento que define o objeto do presente recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa (não sendo esse o caso). Face ao exposto, não se conhecerá da alegada omissão de pronúncia.”
20- Não podia a Recorrente alegar uma nulidade no prazo de 10 dias da notificação (01.04.2022) simplesmente porque naquele momento não conhecia o vício, e tanto não conhecia que assinou uma notificação única para os vários processos. Tanto não conhecia, que em 5 de Abril enviou requerimento à Autoridade Administrativa para apensar os processos e só agora através do Proc. no 2718/22.8 T9AVR do Juiz 3, (em 20 de Setembro) veio saber que o seu requerimento nem foi apreciado, nem remetido ao Tribunal. Nada disto foi considerado.
21-Assim, a omissão de conhecimento da questão da apensação dos vários processos instaurados contra o mesmo arguido pela prática de contraordenações, implica nulidade por falta de fundamentação à semelhança do que se encontra previsto no n.º 5 do art. 97.º do C.P.P. quanto aos despachos decisórios, com especificação dos motivos de facto e de direito, e por referência ao previsto no art. 120.º n.º 2, d), do C.P.P. pelo que se deve anular a decisão recorrida, a fim de que, em nova decisão, a dita nulidade seja suprida.
22- Sucede ainda, a forma de actuação dos três Juizes do Juízo Local Criminal de Aveiro, é completamente díspar e fere os mais elementares direitos de defesa da Recorrente. No Juiz 1 foi a Recorrente notificada para nos termos do art. 64º nº 2 do RGCO vir dizer aos autos se se opunha ou não à decisão por despacho, sem mais qualquer diligência de prova. No Juiz 2 a mesma notificação era realizada, mas oficiava-se no mesmo despacho a Camara Municipal de Aveiro e a Autoridade Tributária a fim de saber a morada fiscal da Arguida e o local exacto da infracção e a sinalização existente a fim de recolher prova para julgar o elemento comum de todos os processos. O que constitui uma nulidade, na medida em que para a Recorrente poder exercer o direito de opção a que se refere o art. 64º nº 2 teriam todos os meios de prova já sido recolhidos, o que não foi norma neste Juiz. Porém, tal nulidade foi sanada com nova notificação para os efeitos do art. 64º nº 2 depois de toda a prova recolhida. No Juiz 3 e muito bem, primeiro recolheu-se toda essa prova e só posteriormente veio a ser notificada a Arguida para os efeitos do art. 64º nº 2 do RGCO. Porém, tal disparidade de actuações, levou a que nuns processos existisse já prova produzida que não existia em outros e que é absolutamente fundamental, uma vez que quanto a essa prova, bastava recolher uma vez. Isto tanto para a Autoridade Tributária que foi notificada 99 vezes a fim de vir dizer o mesmo e por exemplo, para os 50 processos distribuídos cuja localização da alegada infracção era a Rua ... e ..., em que bastava uma vez e tanto pedido de informação veio gerar informação contraditória e omissa em alguns processos e noutros não.
22- A Recorrente ao requerer a junção da prova já existente em outros processos, como aconteceu no presente, viu as suas pretensões indeferidas, em nome do princípio da celeridade processual, quando apenas com os requerimentos apresentou estava a tentar sanar a “confusão” que é o julgamento dos processos em separado, com prova distinta, o que poderá levar e levará a decisões contraditórias, porque não assentes na mesma prova e o que se deve pretender evitar, não apenas pela dignificação da justiça.
23- Assim, vê-se a arguida obrigada a nuns processos em que se admite a prova recolhida noutros a não se opor à decisão por despacho e nos que não foi admitida toda a prova, a se opor aquela decisão por despacho. Quanto se a decisão sobre a conexão de processo tivesse sido logo apreciada, estariam todos há muito em condições para decidir por despacho, uma vez que todas a prova está recolhida mas dispersa pelos 89 processos.
24- Efectivamente e assim, é entendido, quase unanimemente pela jurisprudência e em suma, que: que a possibilidade de apensação de processos, permite que as causas fiquem unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão, com vista a assegurar a prossecução dos objectivos que a justificam: a economia de actividade processual e a coerência ou uniformidade de julgamento (cfr.artº.267, do C.P.Civil). Em sede processual penal a apensação de processos está ligada a motivos de competência por conexão, tal como dispõe o artº.24 e seg., do Código de Processo Penal (as normas do Código Processo Penal são aplicáveis ao caso dos autos por força do disposto no artº.41, nº.1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas).
25- Não sendo deferida a Conexão de processos e porque a prova existe de forma dispersa em três juízes do Juízo Local Criminal de Aveiro, viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, violando o disposto no arto 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.o 120/2 d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.º 41º, nº 1 , do Dec-Lei no 433/82, de 27.10, que institui o Regime Geral das Contra – ordenações. O que se requer que se reconheça.
26- O mau andamento processual é que tem obstado à celeridade e não a Recorrente, que vê sucessivamente os seus direitos afectados gravemente porque tal andamento processual foi determinado “em cima do joelho”. De facto a não conexão de processos, impede que a Recorrente possa fazer valer a prova recolhida noutros autos, onde se discute exactamente a mesma questão, na mesma rua e às vezes no mesmo lugar de estacionamento, só que em dias diferentes, o que é uma violação grave dos direitos de defesa da Recorrente. violando o disposto no art 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.º 120/2 d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.º 41º, nº 1 do RGCO.
27- A competência por conexão encontra a sua razão justificativa, antes de tudo o mais, na economia processual. Mas não só, pois a ela acrescem - quando não mesmo se sobrepõem - razões de boa administração da justiça penal (juntando processos conexos será provavelmente mais esgotante a produção probatória e respectiva cognição) e mesmo de prestígio das decisões judiciais, pois desaparecerá o perigo de uma pluralidade de decisões sobre infracções conexas se contradizerem materialmente. Como está a acontecer e o que motiva o presente recurso.
28- Para além disso e apenas por culpa do Tribunal que, em sede de despacho liminar, não conheceu logo da questão da competência por conexão, ou mais tarde quando tal irregularidade foi suscitada nos autos, é que a Arguida vê decisões completamente contraditórias, sobre a mesma questão, uma total arbitrariedade que compromete seriamente o princípio da segurança jurídica, afectando direitos da arguida de forma grave e ainda, face a uma clara contradição de julgados nos processos, a justiça fortemente perturbada. Se não vejamos:
29- Nos autos em análise, na impugnação apresentada pela Recorrente, a mesma veio arguir a prescrição do procedimento contraordenacional. Uma vez que se imputa à mesma a prática de uma contra-ordenação prevista na alínea d) do art. 71º do Código da Estrada, cujo prazo prescricional começou a correr à data da prática dos factos 13-03-2019, pelo que nos termos do art. 188º, 27ªA e artigo 28º do Regime Geral das Contra-ordenações, ao prazo de prescrição de dois anos, acrescenta-se o prazo da interrupção de um ano e seus meses da suspensão. Três anos e seis meses, portanto. Quanto a esta fundamentação nada há a apontar. E assim sendo o prazo de prescrição completar-se-ia no dia 13-09-2022.
30- Assim não entendeu o Tribunal ad quo, pelo que dispõe a douta sentença, que nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO, há que ter em conta os períodos de suspensão da prescrição previstos na legislação temporária da Pandemia Covid-19 [uma suspensão de 86 dias entre 09.03.2020 e 02.06.2020 (cf. os n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º e o artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, conjugados com o artigo 37.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março; bem como o artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio) e outra suspensão de 74 dias entre 22.01.2021 e 05.04.2021 (cf. o artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e os artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/21, de 5 de abril)], que totalizam 5 meses e 10 dias. … Em face do exposto, improcede a questão da prescrição suscitada pela arguida.
31- Certo é que tal questão da prescrição já foi julgada noutros autos, que resultaram dessa mesma notificação conjunta de todas as decisões, distribuídos ao juiz 3 que entende não se aplicar aquela superação. Mormente, Proc. nº 2507/22.0T9AVR, cuja data da infracção é de 04/03/2019; Proc. 2538/22.0T9AVR, cuja data da infracção é de 15/05/2019; Proc. nº 2506/22.1T9AVR, cuja data da infracção é de 15/03/2019; Proc. nº 2501/22.0T9AVR cuja data da infracção é de 06/02/2019 e Proc. nº 2503/22.7T9AVR cuja data da infracção é de 14/03/2019. Acresce que as causas de suspensão da contagem dos prazos de prescrição criadas com as medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e doença COVID-19, não se aplicam a factos ocorridos antes da vigência das normas que criaram tais novas causas de suspensão (neste sentido vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de Janeiro de 2021 e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Abril de 2021 e de 9 de Março de 2022, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt, considerando a unidade do sistema jurídico, atento o disposto no n.º4 do artigo 2.º do Código Penal.
32- Temos então sobre a mesma matéria duas decisões de dois recursos contraordenacionais de duas decisões da CMA, notificadas no mesmo, dia, à mesma arguida, completamente contraditórias. Pelo que se requerer a este Venerando Tribunal que se conheça de, em primeiro, saber se as causas de suspensão previstas na legislação temporária da pandemia Covid-19, se aplicação a factos anteriores à sua entrada em vigor. Sendo que a Recorrente adere à douta fundamentação das sentenças proferidas pelo Juiz 3, e que transcreve nas suas alegações de recurso supra.
33- Depois, os presentes autos, como em todos os processos atribuídos ao Juiz 1, que proferiu a sentença em recurso, tem todos natureza urgente, com a seguinte fundamentação “ Tendo em conta a data da prática dos factos e o disposto no art. 188º do Código da Estrada e nos art. 27º, 27º A e 28º, todos do RGCO, existe clara vantagem para a realização da justiça em conferir ao processo natureza urgente, o que se determina, nos termos previsto no art. 103º nº 2 al c) do código de processo penal, aplicável ex vi do art. 41º nº 1 do RGCO.
34- Ao contrário do que aconteceu neste Juiz, muito bem andou, o Juiz 3 do mesmo Juízo criminal, nas sentenças atrás mencionadas, que decretou a natureza urgente até à notificação da Arguida, cessando tal natureza logo após aquela notificação para efeitos do art. 27º A do RGCO e depois, então acolheu, o entendimento de que a suspensão em virtude da legislação temporária da pandemia não se aplicava a factos anteriores à publicação dessas leis. Por sua vez, no Juiz 1 existe apenas um processo com natureza urgente.
35- E este é mais um argumento pela qual a Sentença nestes autos não poderia acolher tal posição de superação dos prazos de prescrição previstos na legislação temporária da pandemia Covid-19, e este prende-se, como acima se referiu ao facto de ao conferir natureza urgente ao presente processo, em nome do Princípio da Celeridade Processual, aplicado na sua plenitude sem qualquer ponderação, esta que se impunha na medida em que tal legislação temporária se referia expressamente que tal suspensão não se aplicava aos processos urgentes.
36- Efectivamente naquela altura o processo não era urgente, mas fica por conhecer qual a interpretação que deve ser feita à aplicação das leis temporárias que suspendem os processos de contra-ordenação, quando posteriormente o processo adquire natureza urgente. Outra questão em que se impõe uma melhor aplicação do direito, a fundamentação a fim da resposta a essa questão jurídica.
37- Apenas se alegou existir risco de prescrição, e nada mais para se determinar a natureza urgente. A ser assim, e defendendo que a aplicação é automática, leva á conclusão que também deverá ser automática a proibição da retroatividade penal. Este é um princípio processual penal, bem mais absoluto que o princípio da celeridade processual. Para o Tribunal ad quo a aplicação do Princípio da Celeridade Processual faz-se sem qualquer reserva, automaticamente, apenas e só pelo risco da prescrição. Já o Princípio da não retroactividade da lei penal, verga ao entendimento, de que não é absoluta ou, o que é dizer o mesmo, que admite ponderação com valores ou princípios de sentido contrário. A douta sentença, com tais decisões, não respeita os princípios da unidade axiológica, da concordância prática que devem orientar a interpretação dos princípios basilares do processo penal. Daí que se pugne por uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 73º nº 2 do RGCO
38- Desta forma o presente recurso visa obter a melhoria da aplicação do direito e à promoção da uniformidade da jurisprudência, previsto no n.º2 do art. 73.º do RGCC, uma vez que a sentença em recurso afecta gravemente os direitos da Arguida sob o seu da celeridade processual, que mais não é que a decisão constante “em cima do joelho” norteada apenas para a condenação da mesma, violando direitos elementares, e em que a justiça, no caso concreto, se mostra fortemente perturbada. Porque de forma alguma, é desenhada sob o único princípio de condenação do arguido. Havendo vários erros grosseiros para tão só nortear uma condenação.
39- A sentença em crise afecta direitos da arguida de forma grave e ainda, face a uma clara contradição de julgados, pelo que deverá, este Venerando Tribunal intervir por forma a à melhoria da aplicação do direito e sanar a contradição de julgados por forma a promover a uniformização da jurisprudência, ao abrigo do art. 73º nº 2 do RGCO . Assim,
A) deverá o presente recurso ser procedente e em consequência deverá ser perfilhado o entendimento, da sentença proferida pelo Juiz 3 de que não é aplicável aos processos de contra- ordenação a suspensão dos prazos de prescrição, previstos na legislação temporária Covid 19, por três ordens de razão, correspondentes cada uma a decisões deste Venerando Tribunal da Relação e neste sentido, deverá declarar-se a prescrição, promovendo assim a uniformização da jurisprudência e evitando a contradição de julgados em processos que tinham todas as condições e requisitos para terem sido apensados, evitando tais contradições.
B) Saber se uma vez declarado urgente o processo, tal tem relevância na aplicação da suspensão dos prazos de prescrição, previstos na legislação temporária Covid 19. Entendendo a recorrente que, logo que se declarada o processo com natureza urgente se excluí a aplicação da suspensão, na medida em que tal comprará a ratio leis de tal legislação, que prevês expressamente que não se aplica a suspensão a processos de natureza urgente. Reitera-se o que já se disse sobre tal questão e entende-se que a natureza urgente do processo afasta a suspensão imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (e posteriormente, pela Lei nº 4-B/2021).
C)- Por fim, deverá considerar-se que não sendo deferida a Conexão de processos e com a fundamentação para tal indeferimento, tendo ainda em conta existirem elementos de prova de forma dispersa em três juízes do Juízo Local Criminal de Aveiro, viola os mais elementares direitos de defesa da Recorrente, violando o disposto no art 32º, nº 10 da Lei Fundamental e consubstancia uma nulidade, nos termos do preceituado no art.º 120/2 d) do Código de Processo Penal, aplicado subsidiariamente por força do disposto no art.º 41º, nº 1 , do Dec-Lei no 433/82, de 27.10, que institui o Regime Geral das Contra – ordenações.»
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal respondeu ao recurso, pugnando pela rejeição do recurso, suscitando questão prévia da falta de constituição de mandatário para litigar nesta Relação, na medida em que a recorrente atua na qualidade de advogada em causa própria.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pugnando igualmente pela respectiva rejeição.
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Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente apresentou resposta reafirmando a sua argumentação e considerando por força da constituição poder estar neste juízo sem mandatário constituído e para o caso de se assim se não considerar, requerendo seja notificada para constituir mandatário ou a sua nomeação.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência
Apreciando a questão prévia suscitada pelo MP na primeira instância.
Quer da resposta do MP na primeira instância, quer do parecer do senhor PGA nesta Relação, emerge a conclusão de que na fase de recurso para o Tribunal da Relação, é obrigatória a assistência da arguida por defensor, nos termos do artigo 64º, nº 1, e) do CPP, ex vi dos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4 do RGCO, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10, na redacção da Lei nº 109/2001, de 24/12.
Vejamos então se o recurso interposto pela arguida, advogando em causa própria, deve ou não prosseguir apesar de ter sido admitido na primeira instância e se, ou se, conforme preconiza o senhor PGA deve ser notificada a arguida para constituir mandatário.
Como é sabido, este Tribunal da Relação não está vinculado pela decisão do tribunal de primeira instância que admitiu o recurso (artigo 414º, nº3, do CPP).
Como bem refere Henriques Gaspar (In Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2014, pág. 228.) “A obrigatoriedade de defensor nos recursos tem a razão de ser na especificidade do meio; o recurso é um remédio jurídico contra erros de julgamento de facto ou de direito, nos limites e pressupostos de admissibilidade previstos na lei. Nos recursos dirigidos aos tribunais superiores, a matéria e o objeto apresentam componente técnicas e jurídicas, cuja apresentação e discussão não podem ser compreendidas fora do exercício da defesa técnica através de defensor.”
Acresce dizer que a arguida sendo advogado, está legalmente impedida de assumir a sua própria defesa em processo penal nos casos em que a lei reserva ao defensor a prática de determinados atos.
A arguida, sendo advogada, está legalmente impedida de assumir a sua própria defesa em processo penal nos casos em que a lei reserva ao defensor a prática de determinados atos, encontrando-se o sentido e o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores definido na Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, sendo que, nos termos do artigo 1.º, n.º 7, apenas se consideram atos próprios dos advogados e dos solicitadores, os atos que forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito da atividade profissional, o que desde logo afasta a possibilidade de a arguida advogar em causa própria, pois, nos termos do artigo 1º, nº 10, “Nos casos em que o processo penal determinar que o arguido seja assistido por defensor, esta função é obrigatoriamente exercida por advogado, nos termos da lei”.
Como se diz no Ac STJ de 01.07.2009, proc. nº 279/96.0TAALM.S1, “Com a entrada em vigor da Lei nº 49/2004, de 24.08, firmou-se o entendimento que o advogado-arguido carece de constituir outro advogado que o defenda, atendendo a que o exercício da advocacia é incompatível com qualquer cargo, função ou atividade que afetem a isenção, independência e dignidade da função, idêntica disciplina se impondo quando seja arguido um magistrado”.
Assim, quanto ao processo de contraordenação, a arguida pode impugnar a decisão da autoridade administrativa para o tribunal de 1ª instância sem obrigatoriedade de assistência por advogado, nomeado ou constituído. Porém, no recurso da decisão para o Tribunal da Relação é obrigatória a assistência de advogado, nomeado ou constituído.
Na verdade, é inquestionável a obrigatoriedade de constituição de defensor nos recursos, quer em processo penal, quer em processo de contraordenação em caso de recurso para o tribunal da relação, cfr. artigo 64º, nº 1 al. e) do CPP, ex vi dos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4 do RGCO, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10.
Acresce que o artigo 32º, da CRP ao estabelecer as garantias do processo criminal e, concretamente, o direito que tem o arguido “a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.”, definindo a lei “os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.”, sendo que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”, também afasta a possibilidade de a arguida, em processo penal, advogar em causa própria, sendo incompatíveis os direitos de defesa que lhe assistem (nomeadamente o de estar representada em todos os atos por defensor e, em concreto, nos casos em que seja dispensada a sua presença).
E daí que se coloque a questão de ser assegurada uma defesa eficaz e efetiva à arguida, para além da questão de, como supra se referiu, em certas fases do processo, os papéis de arguido e defensor serem incompatíveis, havendo poderes atribuídos por lei ao defensor inconciliáveis com o exercício em simultâneo da defesa pelo próprio arguido, sendo a autodefesa em processo penal incompatível com o estatuto do arguido. (Neste sentido o Ac. STJ de 20.11.2014 processo 7/14.0TAVRS.S1, acessível em www.dgsi.pt.)

Essa incompatibilidade estende-se, afinal, a todas as fases processuais, incluindo o recurso, pois, apesar de a arguida ser tecnicamente uma excelente advogada, mantêm-se a exigência de assistência de defensor, fundamentada na necessidade de continuar a garantir que a arguida tenha uma defesa eficaz, e na necessidade de que o defensor, enquanto tal, dê toda a colaboração à administração da justiça, pois o defensor é um órgão autónomo da administração da justiça, competindo-lhe colaborar com o Tribunal, de forma diferenciada, na descoberta da verdade e na realização do direito. (V. neste sentido o Ac. S.T.J., de 06-12-01, P° 3.347/01.)
E, se a arguida por entender que as suas qualidades técnicas são excelentes, quiser prestar os seus conhecimentos ao seu defensor ou mandatário poderá sempre fazê-lo sem que o seu nome apareça envolvido no patrocínio judiciário.
Assim, a arguida, sendo advogada, está legalmente impedida de assumir a sua própria defesa em processo penal nos casos em que a lei reserva ao defensor a prática de determinados atos.
Ao contrário do que sucede nas fases anteriores do processo contraordenacional na fase de recurso ordinário – recurso para o tribunal da relação - é obrigatório que o arguido se mostre assistido por defensor, cfr. artigo 64º, nº 1 al. e) do CPP, ex vi dos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4 do RGCO, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27.10, na redação atualmente em vigor decorrente da Lei nº 109/2001, de 24/12 (última alteração).
No sentido de ser de autodefesa em processo penal ser incompatível com o estatuto do arguido, uma vez que há poderes atribuídos por lei ao defensor inconciliáveis com o exercício em simultâneo da defesa pelo próprio arguido, vide v.g. Ac STJ de 20.11.2014, processo 7/14.0TAVRS.S1, acessível em www.dgsi.pt.
Destarte, a arguida recorrente, apesar de advogada, tem de estar representada obrigatoriamente por outro advogado ou defensor, até porque na fase de recurso pode acontecer que o processo seja reenviado e o defensor terá de retomar as suas funções. Neste sentido, Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, 3.ª ed., Editorial Verbo, 1996, págs. 295/296; Parecer n.º E-21/97, do Conselho Geral da Ordem do Advogados, de 4 de Maio de 1999, in http://www.oa.pt/; Acs. Do STJ, de 19/03/1998, BMJ, 475, pág. 498, e de 6/12/2001, in http://www.gde.mj.pt/jstj; Ac. do Tribunal Constitucional n.º 578/01, de 18/12/2001, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, e ainda Parecer da Ordem dos advogados n º 26/PP/2012-G segundo o qual : 1.ª(…) 6.ª – E, em sede contra - ordenacional, só será obrigatória a constituição/nomeação de advogado ou de defensor oficioso a arguido – advogado se houver recurso (Cfr. al. d) do n.º 1 do art. 64.º do CPP e n.º 4 do art. 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social) - sendo também o que resulta dos artigos 61.º, 64.º, 76.º, nº 1 e 2, 78.º e 189.º, todos do Estatuto da AO, o qual deixou de permitir o exercício da advocacia em causa própria.
Também é expressivo o Ac. RC de 13.06.2007, processo nº 910/06.1TBCTR.C1, disponível em www.dgsi.pt, no qual se preconiza que “Na fase de recurso, mesmo no processo contraordenacional, impõe-se a representação do arguido/recorrente, advogado, por outro advogado ou defensor”. E, no mesmo sentido o Ac. do TRG de 16.06.2008, processo 426/08-2, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário refere que “Em processo de contraordenação, tal como em processo crime, o arguido que seja advogado não pode assumir o seu auto patrocínio” e ainda o A. TRG de 25-01.2021, processo n º 6032/19.8GMR.G1.
No caso em apreço, as alegações de recurso mostram-se subscritas pela arguida, advogada, que não escolheu defensor e nem constituiu mandatário, não se encontram reunidas as condições para recorrer não sendo caso de ordenar a notificação da arguida para constituir mandatário e ou de se ratificar qualquer ato, porquanto se mostra precludido o prazo de recurso.
A este propósito pode dizer- se que a ratificação prevista no art. 48º do CPC só tem sentido quando alguém pratica um ato em nome de outrem, art. 268º do CC e este vem posteriormente avalisar tal ato. O que não é ocaso dos autos, já que quem aqui praticou o ato, ou seja, recorreu foi a própria dona do negócio.
Por sua vez, entende-se que não tem aplicação o disposto no art. 41º do CPC, por força
do disposto no art.º 4.º, do CPP, porque em 2.ª instância, e por existir norma expressa nesse âmbito - art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP, não há lacuna a integrar com recurso ao art.º 4.º, do CPP.
Reconhecendo-se ponderosos interesses em a arguida advogada, auto-patrocinar e promover –se, não menos relevante é o reconhecimento de essa defesa ou promoção dever ter lugar num clima desapaixonado e de serenidade, o que no fundo milita no próprio interesse do advogado arguido e da justiça em geral, tanto mais que essa qualidade não o pode silenciar no exercício dos direitos de defesa esparsos no art.º 61.º, do CPP e 32.º, da CRP, que asseguram ao arguido o direito a um processo justo, a “ due processo of law”, como acima já se teve ocasião de dizer.
Reconhecendo-se ponderosos interesses em a arguida advogada, auto-patrocinar e promover –se, não menos relevante é o reconhecimento de essa defesa ou promoção dever ter lugar num clima desapaixonado e de serenidade, o que no fundo milita no próprio interesse do advogado arguido e da justiça em geral, tanto mais que essa qualidade não o pode silenciar no exercício dos direitos de defesa esparsos no art.º 61.º, do CPP e 32.º, da CRP, que asseguram ao arguido o direito a um processo justo, a “ due processo of law”, como acima já se teve ocasião de dizer.
A independência ou a equidistância em relação à questão a decidir concorrem decisivamente para o apuramento da descoberta da verdade material e discussão das matérias de direito e conferem à defesa condição de credibilidade necessária para a sua imagem, sendo que o facto de o advogado poder advogar em causa própria não pode validamente retirar-se que o possa fazer no âmbito específico do processo penal, pois aí se discutem prevalentemente interesses públicos, que é de todo o pragmatismo uma interpretação restritiva, atenta a fundada dicotomia direito processual civil – direito processual criminal, baseada na específica natureza dos interesses em confronto.
Donde decorre que o próprio processo penal estabelece no art. 414º, n º 2 as condições para recorrer, impondo como necessária a presença de defensor oficioso ou advogado constituído, art. 64º, n º 1, al. e) do CPP, pelo que a peça recursória deve ser subscrita por um deles e não pelo próprio arguido e estabelece ele próprio as situações em que é possível sanar-se a falta de alguma dessas condições, como é o caso da ausência das conclusões, art. 414º, n º 2 in fine.
Por sua vez, sendo condição necessária a apresentação do recurso, mormente as motivações de recurso por advogado, de pouco serviria recorrer ao art. 41º do CPC, na medida em que este, dada a natureza civilística dos interesses em questão, aceita ato praticado pela própria parte, seguindo o processo civil o seu curso, aproveitando-se o já realizado, dispensando a ratificação, claro está, uma vez que este instituto não tem aplicação para o próprio dono do negócio ratificar o que ele próprio fez ou para o advogado ratificar atos do dono do negócio.
Posto isto, ainda que por hipótese no caso dos autos se notificasse para constituir advogado, este não poderia ratificar o que quer que fosse relativamente àquilo que a arguida tivesse feito e nesta perspetiva, o ato desta (recurso com as suas motivações) continuaria a carecer da condição necessária de ser elaborado por advogado, ato próprio de advogados exercido no interesse de terceiro e no âmbito da atividade profissional.
No fundo trata-se de tratar diferentemente aquilo que é desigual –art.º 13.º, da CRP.
Nestas circunstâncias, aquele ato é ineficaz e tendo sido o recurso interposto só pela arguida que quis advogar em causa própria e mostrando-se decorrido o prazo respetivo, não pode o mandatário ou defensor oficioso sequer ratificar o processado, não se devendo conhecer do recurso.
Com efeito, uma vez que se mostra ultrapassado o prazo perentório em que o ato podia ser validamente praticado pela entidade competente, sendo ineficaz a interposição de recurso e a apresentação da motivação, não pode este Tribunal dele conhecer, verificando-se, sim, que a subscritora não tem as condições necessárias para o efeito, não pode o recurso ser recebido, nos termos do artº 414º, nº 2, porquanto se trata de ato processual praticado por quem não detinha poderes para tal.
Assim, porque a recorrente não reúne as condições necessárias para recorrer, de acordo com o disposto no artigo 414º, nº 2 do CPP, o recurso não devia ter sido admitido pelo tribunal a quo.
Não obstante, e como resulta do disposto no artigo 414º, nº3, do CPP, este tribunal superior não está vinculado pela decisão do tribunal de primeira instância.
Destarte, o recurso é rejeitado sempre que “se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º” – artigo 420º, nº1, b), do CPP.
Por consequência, impõe-se a rejeição do presente recurso.

VI.
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 414º, n.º 2, e nº 3, e artigo 420º, nº 2, b), do CPP, decide-se rejeitar o recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC`s.

(elaborado e revisto pelo relator nos termos do disposto no artigo 94º nº 2 do C.P.P.)
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Sumário:
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Porto, 25 de Janeiro de 2023

(Texto elaborado e integralmente revisto pela relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)

Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha