IMPUGNAÇÃO PAULIANA
REQUISITOS
Sumário

1–São quatro os requisitos necessários à procedência da acção de impugnação pauliana: a) - Realização, pelo devedor, de acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e que não seja de natureza pessoal (artº 610º, proémio, 1ª parte); b) - Anterioridade do crédito (artº610º al. a) 1ª parte;); c) – A impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito (artº 610º al. b) do CC); c)- A má fé do devedor e do terceiro, sendo o acto de disposição oneroso (artº 612º do CC).

2–Para efeitos do requisito impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito (artº 610º al. b)), não se exige que do acto tenha resultado a insolvência ou o agravamento da insolvência do devedor,bastando que haja prejuízo para o credor, quando os outros bens que o devedor detém são de impossível, difícil ou dispendiosa execução, ao contrário dos alienados, de modo a tornar-se praticamente impossível a sua execução.

3–Quanto ao requisito má fé, basta que o devedor estivesse consciente da sua situação económica e que o terceiro adquirente dela soubesse para que o acto lesivo dos credores fosse considerado praticado de má fé.

Texto Parcial

Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO (seguir-se-á, de perto, o relatório da sentença da 1ª instância por espelhar com a clareza necessária as vicissitudes processuais e não ter sido objecto de reparo por qualquer das partes).

1–MJSCFintentou a presente acção com a forma de processo comum contra:
1ª– MSC,
2º–GLS,
3ª– ALS,
4º–MSGC,
5º–LSC,  e
6ª– FSC,

pedindo:
a)–Se declare nula, por violação do disposto nos arts. 601º e 817º do CC, a permuta outorgada no dia 13 de Agosto de 2015, no Cartório Notarial sito na AVª..... ..... ..... ....., nº ..., ...º, em L____, nos termos da qual CSC cedeu à primeira ré o direito de propriedade sobre sete imóveis, que são os que seguintes:
i)-Prédio misto sito em S____ B____, na freguesia de L____ (N..... S..... R.....), descrito na Conservatória de Registo Predial de L____, sob o número …, inscrito na matriz rústica da mesma freguesia na secção …;
ii)-Prédio rústico denominado e sito em C____- E.....-P....., na freguesia de R____ S____, descrito na Conservatória de Registo Predial de R____G____ sob o número…, inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…;
iii)-Prédio rústico denominado e sito em C____ V.....-M..... de D....., descrito na Conservatória do Registo Predial de R____ G____, sob o número …, e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…;
iv)-Prédio rústico sito em T____, na freguesia de F..... da A....., descrito na Conservatória do Registo Predial de R____ G_____ sob o número…, da mesma freguesia, e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…;
v)-Prédio rústico sito em R____, na freguesia de F..... da A....., descrito na Conservatória de Registo Predial de R____ G____ sob o número…, da mesma freguesia e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…;
vi)-Prédio rústico sito em L____, na freguesia de L..... (S..... C..... Descrito na Conservatória de Registo Predial de L____ sob o número…, da mesma freguesia e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…;
vii)-Prédio rústico sito em F____, G..... do B......, na freguesia de F....., descrito na Conservatória do Registo Predial de P____ D____ sob o número…, da mesma freguesia, inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…;
b)-Se determine, nos termos do art. 289º do CC, a restituição à Herança de CSC, representada pelos segundo a sexto réus, do direito de propriedade sobre os identificados bens imóveis;
c)-Se determine o cancelamento no Registo Predial das inscrições respeitantes à aquisição direito de propriedade a favor da primeira ré, que tiveram por causa a referida permuta, sobre os bens imóveis identificados em a);

Subsidiariamente, para o caso de não procederem os pedidos anteriores, o que se admite como mera hipótese e sem conceder:
d)-Se declare que a escritura pública de permuta, identificada em 1, foi outorgada com o objectivo de diminuir a garantia patrimonial do crédito da autora e impossibilitar, ou agravar a impossibilidade, de cobrança do crédito da autora, no valor de 62.732,46 euros, a que acrescem os juros de mora vincendos, custas judiciais e honorários do Agente de Execução, respeitante à sentença condenatória proferida no processo nº …, bem como a cobrança do crédito que a autora venha ser titular no segundo processo de prestação de contas que corre os seus termos na Comarca de Lisboa, Instância Local Cível, proc. nº ….;
e)-Se determine que a autora tem direito à restituição dos bens imóveis à Herança de CSC, podendo executá-los no património do obrigado à restituição, a primeira ré, e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Alegou, em síntese, que no âmbito da escritura de divisão de coisa comum outorgada no dia 14/07/2014, foram adjudicados a CSC, irmã da Autora e da 1ª Ré, 7 imóveis sitos na ilha de …Açores, aos quais foi atribuído o valor total de €196.223,90.
Por sentença de 15 de Julho de 2015, no processo de prestação de contas nº …, CSC foi condenada a pagar à Autora e aos seus irmãos a quantia de €215.174,29, sendo a parte da Autora 1/4, no montante de €53.793,57 acrescida de custas de parte juros vincendos.
CSC faleceu no dia 05 de Outubro de 2015 no estado de solteira e, em 15 de Julho de 2004 havia outorgado testamento nos termos do qual instituiu seus únicos herdeiros, os 2º a 6º RR.
Em 30 de Dezembro de 2016, aquando da instauração da execução de sentença, a Autora constatou que os prédios mencionados estavam registados a favor da 1ª Ré na sequência de permuta outorgada em 13 de Agosto de 2015, tendo a falecida, CSC, recebido em troca o direito de uso e habitação, vitalício, sobre a fracção autónoma “J” de um prédio sito em Lisboa, onde já vivia sozinha e que havia sido adjudicada à 1ª Ré.
Sucede que em Fevereiro de 2017 a Autora instaurou acção executiva contra os 2º a 6º RR na qualidade de herdeiros de CSC mas até à data não conseguiu penhorar bens da falecida.
Entende que em Agosto de 2015, CSC sabia que os seus bens imóveis podiam ser penhorados pelo que decidiu colocá-los “a salvo” em nome da 1ª Ré. O direito de uso e habitação vitalício tem um valor patrimonial muito inferior ao dos 7 imóveis e extinguiu-se com a morte de CSC. O património da falecida foi esvaziado de todos os imóveis de valor e a 1ª Ré sabia que com a permuta a Autora ficava impossibilitada de satisfazer o seu direito de crédito.
Conclui que a permuta padece de nulidade uma vez que teve por objectivo impedir a satisfação do crédito da Autora, por violação do disposto nos arts. 601º e 817º do Cód. Civil, além de que em todo o caso se verificam os requisitos da impugnação pauliana.

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2– Citados, vieram a 1ª Ré, e os 4º, 5º e 6ª Réus (MJMC, MSGC, LSC, FSC) apresentaram contestação onde dizem que, através da permuta, a falecida quis pagar à 1ª Ré, sua irmã, a utilização que fazia, até à data gratuita, do andar em que residia no Restelo e que havia sido adjudicado à 1ª Ré e que actualmente podia ser arrendado por cerca de €2.500,00/€3.000,00 mensais. Acrescentam que a falecida CSC tinha bens que responderiam pela eventual cobrança da dívida, como diversas quotas indivisas em diversos imóveis, sitos em Vila Viçosa e em Sesimbra. O objectivo principal da falecida era compensar a irmã pelo prejuízo que lhe causava mensalmente e que queria poder usufruir do andar em que habitava, o qual, em 30 anos (que era a expectativa de vida da falecida) poderia render €720.000,00.
Defendem que os arts. 601º e 817º do Cód. Civil não contêm nenhuma norma imperativa susceptível de ser violada e gerar nulidade do acto. Não houve qualquer simulação na escritura pública de permuta nem intuito de enganar terceiros.
Quanto à impugnação pauliana defendem que o valor dos bens, que identificam, com que a falecida ficou é manifestamente superior ao valor da dívida, não impossibilitando a satisfação integral do crédito da Autora o facto de o património remanescente da herança se encontrar em compropriedade.
Concluem pela absolvição dos RR dos pedidos.

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3–Citados, os 2º e 3º Réus (GLS e ALS) também apresentaram contestação na qual começam por pedir a apensação da presente acção com a acção nº …. que corre perante o J5, acção esta movida pelo 2º Réu na qual pede se declare nula ou anulada a escritura de permuta de 13 de Agosto de 2015.
Aduzem estes Réus que em 15 de Julho de 2004, CSC lavrou um testamento em que instituiu como seus únicos herdeiros os sobrinhos ora 2º a 6º Réus. Por força dos processos de inventário havidos por óbito dos pais da Autora e da 1ª Ré, a 1ª Ré estava bem ciente do valor dos bens que vieram a caber à irmã CSC. Ora, os imóveis permutados à 1ª Ré eram os únicos bens imóveis em que CSC tinha a titularidade da propriedade plena e exclusiva em seu nome. Referem que, após o falecimento de CSC, a 1º Ré revelou que o propósito do negócio era evitar que a Autora pudesse executar judicialmente os bens dos Açores da CSC na sequência da condenação no processo de prestação de contas. Alegam que se verificam assim os requisitos da simulação absoluta e que caso assim não se entenda a permuta resulta de uma situação de inferioridade e fragilidade de CSC que foi aproveitada pela 1ª Ré, nos termos do art. 282º nº 1 do Cód. Civil.
Concluem pela requerida apensação das acções e caso assim não se entenda se declare nula ou anulada a permuta.

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4–A Autora apresentou articulado de resposta no qual refere que os bens imóveis identificados na contestação da 1ª, 4º, 5º e 6ª RR na sua maioria não estão registados a favor da falecida CSC, pelo que não são bens penhoráveis, e o valor realizável das quotas em seu nome é muito reduzido, razão pela qual não foram os trocados na permuta.
Pugnou pelo indeferimento da apensação requerida pelos 2º e 3º RR e requereu a ampliação da causa de pedir quanto ao facto de a 1ª Ré ter informado a sua irmã S..., mãe dos 2º e 3º Réus, que o motivo da realização do negócio era evitar que a irmã MJMC, a Autora, pudesse executar judicialmente os bens dos Açores. Mais defende que a perícia não contribui para a boa decisão das questões suscitadas nos autos.

5–A 1ª Ré, e os 4º, 5º e a 6ª Réus pugnaram pelo desentranhamento deste articulado, o qual foi mantido por despacho de 11/02/2019 (fls. 429).

6–Mediante requerimento de 23/05/2019 (fls. 443 e segs.) a 1ª Ré, e os 4º, 5º e 6ª Réus vieram rectificar algumas das quotas da falecida CSC sobre imóveis que haviam indicado.

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7–Foi realizada audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador que decidiu que o alegado pela Autora não constituía uma alteração ou ampliação da causa de pedir.
Foi definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Foi determinada a realização de perícia relativamente aos imóveis indicados pela 1ª, 4º, 5º e 6ª Réus, a fls. 529 verso, cujo relatório consta de fls. 561 e segs.

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8–Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com data de 12/03/2022, com o seguinte teor decisório:
Decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência decide-se:
a)- julgar improcedente o pedido principal de declaração de nulidade da escritura de permuta, absolvendo os RR deste pedido;
b)- julgar procedente o pedido subsidiário e consequentemente declarar INEFICAZ relativamente à Autora e na medida da satisfação do seu crédito a permuta dos prédios transmitidos à 1ª Ré através da escritura de permuta outorgada no dia 13 de Agosto de 2015, a que respeita o ponto 8 dos factos provados, podendo a Autora executá-los no património da 1ª Ré para exclusiva satisfação do seu crédito sobre a falecida CSC que lhe foi reconhecido no processo de prestação de contas nº …, que correu termos perante o J 9 do Juízo Central Cível de Lisboa, da Comarca de Lisboa.

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8-Inconformados os 1ª, 4º, 5º e 6ª réus (MJMC, MSGC, LSC, FSC), vieram interpor o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I.–Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal “a quo” que declarou ineficaz relativamente à ora Recorrida e na medida da satisfação do seu crédito a permuta dos prédios transmitidos ora Recorrente através da escritura outorgada no dia 13 de Agosto de 2015, podendo a Autora executá-los no património da ora Recorrente para exclusiva satisfação do seu crédito sobre a falecida CSC que lhe foi reconhecido no processo de prestação de contas no …8TVLSB, que correu termos perante o J 9 do Juízo Central Cível de Lisboa, da Comarca de Lisboa.
II.–Nos termos da alínea b) do artº 610º do CC, “os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do podem ser impugnados pelo credor, se b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.
III.–No entanto, a sentença sob recurso julgou procedente a impugnação pauliana deduzida por considerar que “... a permuta, ao retirar da esfera patrimonial da devedora os únicos (7) imóveis detidos em propriedade plena e livres de ónus e encargos, se não impossibilitou, pelo menos agravou sobremaneira as possibilidades de a Autora de se fazer pagar ou satisfazer integralmente o seu crédito através de bens da devedora.”
IV.–Isto é, o tribunal “a quo”, de forma explícita, não concluiu pela impossibilidade ou o agravamento da impossibilidade de cobrança, como a lei prevê, mas satisfez-se tão somente com o agravamento das possibilidades, isto é, com as dificuldades práticas da sua concretização, assim violando o disposto no art.º 610.º do CC.
V.–Por outro lado, o artigo 612º exige verificado o requisito de má fé do devedor e do terceiro, o que não resultou provado tendo em conta as declarações de parte da Ré MSC e o depoimento da testemunha AC... tendo o tribunal “a quo” entendido a expressão legal “a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”, como reportando-se a um prejuízo que não é a impossibilidade de cobrança ou o agravamento da mesma, mas tão somente a maior dificuldade prática na cobrança, assim dando, erroneamente, por verificado tal requisito.
VI.–Deverá ser alterada a redacção do Facto Provado 36, passando a sua redacção ser a seguinte:
Até à presente data a Autora não conseguiu penhorar bens da herança da falecida CSC com vista à satisfação do crédito exequendo, aguardando-se a liquidação do imposto de selo pelo Serviço de Finanças.
VII.–A nova redacção resulta da correcta conjugação do depoimento, acima transcrito, da testemunha LC..., com a certidão e comunicação do AE na execução movida pela Autora, juntos pela Autora com o seu requerimento de 09/02/2022 a fls. 757 e segs.
VIII.–Na verdade, de tal depoimento e documentos resulta que a não concretização da penhora resulta da não liquidação do imposto de selo pelos Serviços de Finanças e que o valor do crédito exequendo não corresponde aos referidos € 99.892,99, já que calculados de forma ilegal violando o disposto no Anexo VII e nº 11º ao artº 50º da Portaria 282/2013 de 29 de Agosto.
IX.–A redacção do Facto Provado 37, deverá ser alterada tendo em conta, não só a experiência comum, como a necessidade de enquadramento crítico do depoimento da testemunha LC... e o transcrito depoimento da testemunha M.ª LC..., passando a ter a seguinte redacção:
A venda de quotas indivisas de bens imóveis em compropriedade em sede executiva, em particular quando não representam a maioria, apresenta dificuldades e acarreta sempre a sua desvalorização (art. 8.º do articulado de resposta da Autora).
X.–À data da permuta, momento em que deve ser considerado, o crédito da Autora, tinha o valor de € 53.793,57 acrescida das custas de parte e juros vincendos.
XI.–O valor do património imobiliária da falecida depois da permuta, nos termos da perícia constante de fls. 561 e segs. e cujas conclusões foram aceites pelas partes, é, tendo em conta os Factos Provados 20, 21, 22 e 24, em termos meramente aritméticos e imediatamente susceptível de execução para cobrança da dívida à Autora, de € 196 359,85.
XII.–Isto é, três vezes mais do que o valor da dívida à data da permuta.
XIII.Pese embora o mesmo se encontre desvalorizado por corresponder a quotas partes indivisas de prédios, nada nos autos se provou no sentido de que tal desvalorização fosse de 100, 200 ou 300%!
XIV.–Acresce que a este património imobiliário da falecida – o que foi objecto da perícia – por si só suficiente para responder pelo crédito da Autora, mesmo com a depreciação de serem quotas partes – existe ainda outro património que comprovadamente pertence à falecida e que, com a mera dificuldade prática da necessidade de actualização dos registos, responde também pela dívida em causa, como resulta dos Factos Provados 20 a) a d) e das declarações de parte da Recorrente e da testemunha VF... de que resultou que a parte da falecida ,só numa das verbas não avaliadas, teria um valor de cerca de €15 000,00.
XV.–Existe, ainda, no património da falecida, o valor dos depósitos bancários de €15 993,75 e de € 11.571,98 (cfr. Facto Provado 25), num total de € 223 925,58, pelo que o valor da dívida exequenda a cobrar do património imobiliário da falecida, deduzido deste valor dos depósitos bancários é de € 26 227,84.
XVI.–Deverá ser aditado um Facto Provado novo, com a numeração 25 A, com a seguinte redacção:
O valor do património imobiliário da Ré, nos termos da perícia efectuada, tendo em conta a sua quota parte nos bens avaliados, corresponde a € 196 359,85, valor a que acresce o valor dos depósitos bancários de €15 993,75 e de €11 571,98 (cfr. Facto Provado 25), num total de € 223 925,58, existindo ainda património imobiliário não avaliado e ainda não registado em nome da falecida devedora.
XVII.–Concluir que património imobiliário no valor pericialmente atribuído de € 196 359,85, embora consistindo em quotas parte de bens imóveis e, por isso mesmo, desvalorizado, não assegura o pagamento de € 26 227, 84 não resulta dos autos, nem de qualquer sabedoria da vida, não tendo qualquer fundamento factual ou legal.
XVIII.–Sendo certo que se encontra provada nos autos a existência de mais património imobiliário da falecida não avaliado.
XIX.–Inexiste, assim, qualquer impossibilidade, teórica ou prática de cobrança do crédito em causa, mas apenas uma maior dificuldade, pelo que a sentença sob recurso violou o disposto no artº 610º b) do Código Civil, devendo ser revogada e substituída por outra que, considerando não estarem reunidos os requisitos previstos no art.º 610.º e 612º do CC, julgue improcedente o pedido subsidiário da Autora.

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9–A autora contra-alegou, sem formular conclusões, pugnando pela improcedência do recurso.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.

1-Objecto do Recurso.

É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)-A Impugnação da Matéria de Facto;
b)-A revogação da sentença com a absolvição dos réus do pedido.

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2- Matéria de Facto.

A 1ª instância decidiu a matéria de facto nos seguintes termos:

Factos Provados:
1.–Em 15 de Julho de 2004 CSC, irmã da Autora e da 1º Ré, outorgou testamento nos termos do qual instituiu seus únicos herdeiros os segundo a sexto Réus (art. 7º da petição inicial e art. 23º da contestação dos 2º e 3º RR).
2.–No dia 15 de Julho de 2014 foi outorgada escritura pública de divisão de coisa comum entre CSC e 3 dos seus irmãos, a 1ª Ré, ASC, e SLS, com vista à divisão dos bens que lhe foram adjudicados em regime de compropriedade no âmbito do processo de inventário nº 20.646/00.6YXLSB (art. 1º da petição inicial).
3.–Conforme consta da identificada escritura junta à p.i como doc. nº 1 e cujo teor se dá por reproduzido, foram adjudicados a CSC diversos bens imóveis situados na Ilha de S. Miguel, nos Açores, bem móveis e dinheiro, no valor total de €428.945,43 (art. 2º da petição inicial).
4.–Os bens imóveis situados na Ilha de S. Miguel adjudicados a CSC foram os seguintes:
a)-Prédio misto sito em S____ B____, na freguesia de descrito na Conservatória de Registo Predial de L____ (Açores), sob o número… na secção O sob os artigos …e … e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo …; a este prédio os outorgantes atribuíram o valor de €87.030,00 para efeitos de divisão;
b)-Prédio rústico denominado e sito em C___ - E.....-P....., na freguesia de R____ S____, descrito na Conservatória de Registo Predial de R____ G_____ sob o número… os outorgantes atribuíram o valor de €2.664,99 para efeitos de divisão;
c)-Prédio rústico denominado e sito em C____ V.....-M..... de D....., descrito na Conservatória do Registo Predial de R____ G____, sob o número …, e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…; a este prédio os outorgantes atribuíram o valor de €50.000,00 euros para efeitos de divisão;
d)-Prédio rústico sito em T____, na freguesia de F..... da A....., concelho de R____ G____, descrito na Conservatória do Registo Predial de R____ G____ sob o número… e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo…,; a este prédio os outorgantes atribuíram o valor de €5.715,42 euros para efeitos de divisão;
e)-Prédio rústico sito em R_____, na freguesia de F____ da A....., concelho de Ribeira Grande, descrito na Conservatória de Registo Predial de R____ G____ sob o número… e inscrito na matriz sob o artigo…,; a este prédio os outorgantes atribuíram o valor de €9.842,56 euros para efeitos de divisão;
f)-Prédio rústico sito em L____, na freguesia de Lagoa (S..... C.....), concelho de L____ (Açores), descrito na Conservatória de Registo Predial de L____ (Açores) sob o número…, e inscrito na matriz sob o artigo…, ; a este prédio os outorgantes atribuíram o valor de €38.000,00 euros para efeitos de divisão;
g)-Prédio rústico sito em F____, G..... do B....., na freguesia de F....., concelho de P____ D____, descrito na Conservatória do Registo Predial de P____ D____ sob o número…inscrito na matriz sob o artigo…; a este prédio os outorgantes atribuíram o valor de €2.970,93 euros para efeitos de divisão (art. 3º da petição inicial).
5.–Por sentença de 15 de Julho de 2015, transitada em julgado em 30 de Novembro de 2016, proferida no processo de prestação de contas nº ….8TVLSB, que correu termos na Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de Lisboa, J9, CSC foi condenada a pagar à Autora e aos seus irmãos, a saber: à 1ª Ré (mãe da 6ª Ré), a ASC (pai dos 4º e 5º Réus), e a SLS (mãe dos 2º e 3º Réus), a quantia de €215.174,29, sendo a parte da Autora de 1/4, no valor de €53.793,57 acrescida das custas de parte e juros vincendos (art. 4º da petição inicial e art. 69º da contestação dos 2º e 3º RR).
6.–CSC foi notificada pela secretaria judicial da douta sentença identificada no artigo precedente no dia 15 de Julho de 2015, na pessoa da sua Ilustre Mandatária Judicial (art. 5º da petição inicial).
7.–Em 12 de Maio de 2014, a Autora instaurou segundo processo de prestação de contas - o primeiro processo, relativo aos anos de 2000 a 2008, foi o processo nº …10.8TVLSB - respeitante ao período entre 2009 e 2013, em que CSC exerceu o cargo de cabeça de casal da herança de sua mãe, que corre actualmente os seus termos na Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível, proc. nº …..6YXLSB-G, tendo esta sido citada no dia 30 de Maio de 2014 (art. 18º da petição inicial).
8.–No dia 13 de Agosto de 2015, no Cartório Notarial sito na Av..... ..... ..... ....., nº ..., ..º, em L____, foi outorgada escritura pública de permuta, junta à p.i. como doc. nº 14, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nos termos da qual a falecida CSC cedeu à 1ª Ré o direito de propriedade sobre os sete imóveis acima identificados, a que as outorgantes atribuíram o valor total de €102.052,53, recebendo em troca o direito de uso e habitação vitalício sobre a fracção autónoma designada pela letra "J" correspondente ao quinto andar esquerdo e arrecadação na subcave, do prédio urbano sito na Rua …, freguesia de B____, concelho de Lisboa, ao qual foi atribuído o valor de €95.456,00 euros e a quantia da €6.696,53 euros em dinheiro (arts. 13º e 22º da petição inicial e arts. 84º a 88º da contestação dos 2º e 3º RR).
9.–A aquisição dos sete prédios a favor da 1ª Ré MSC, tendo como causa a permuta, foi registada nas Conservatórias do Registo Predial em 14/08/2015 (art. 103º da contestação dos 2º e 3º Réus).
10.–CSC transmitiu para a 1ª Ré todo o seu património imobiliário em que detinha, sozinha, a totalidade do direito de propriedade, e que era composto pelos 7 imóveis acima identificados (art. 20º da petição inicial e art. 82º da contestação dos 2º e 3º RR).
11.–A 1ª Ré sabia que com a permuta a falecida CSC ficava desprovida de bens imóveis em propriedade plena (art. 25º da petição inicial em parte – resposta explicativa).
12.–À data da permuta a Autora e os seus irmãos estavam desavindos e com litígios processuais no âmbito dos processos de partilha por óbito dos seus pais (facto instrumental resultante da discussão da causa).
13.–CSC vivia sozinha na fracção autónoma designada pela letra "J", que pertencia aos pais, correspondente freguesia de Belém, concelho de Lisboa, onde veio a falecer no dia 5 de Outubro de 2015 (art. 16º da petição inicial).
14.–A referida fracção autónoma havia sido adjudicada à 1ª Ré no âmbito da divisão de coisa comum acima referida (art. 17º da petição inicial).
15.–CSC e a 1ª Ré acordaram na sobredita permuta para obviar a uma penhora da Autora sobre os imóveis permutados e também como forma de compensar a 1ª Ré pelo facto de CSC ter residido e continuar a residir na fracção “J” após a adjudicação da fracção à 1ª Ré nas partilhas efectuadas e que utilizava gratuitamente (art. 19º da petição inicial e art. 7º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
16.–CSC não queria abdicar de residir na fracção onde já residia desde a adolescência e pretendia compensar a irmã MSC pelo prejuízo que lhe causava mensalmente, mantendo do mesmo passo a segurança de poder usar e fruir do andar em que habitava e em que sempre tinha vivido sem se preocupar nem com o pagamento de rendas nem com oposições à renovação do contrato de arrendamento, nem eventuais acções de despejo, ponderando a expectativa de ter ainda mais 30 anos de vida (art. 11º, 18º e 20º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus e art. 45º da contestação dos 2º e 3º Réus).
17.–O andar é um 5º andar… com cerca de 180m2, com 6 assoalhadas, 3 casas de banho, um pé direito de 2,8m e uma varanda a contornar toda a fracção com 1,5m de largura (art. 8º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
18.–O andar é virado a Nascente e a Sul e tem uma vista panorâmica entre a Ponte sobre Tejo e Cascais (art. 9º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
19.–À data da permuta podia ser arrendado por quantia não concretamente apurada mas não inferior a €1.500,00 por mês, valor que tem vindo a subir desde então (art. 10º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
20.–Aquando da permuta CSC detinha as seguintes quotas de propriedades indivisas:
-1/5 dos imóveis indivisos sitos em Vila Viçosa, a saber:
a)-1/24 do prédio urbano sito na Rua …inscrito na matriz predial urbana sob artº …com o valor patrimonial de €133,74;
b)-1/24 do prédio urbano sito na Rua…, inscrito na matriz predial urbana sob art. …, da Freguesia de Vila Viçosa com o valor patrimonial de €190,89;
c)-1/48 do prédio urbano sito na Praça…, inscrito na matriz predial urbana sob o artº …, com o valor patrimonial de €10.098,96;
d)-1/48 de um jazigo em mármore, sito no Cemitério Municipal de …;
e)-prédio urbano denominado “Herdade da …” inscrito na matriz sob o artigo…da freguesia de B____, com o valor patrimonial de €783,55;
f)-prédio urbano sito em Vila Viçosa, freguesia de P____, inscrito na matriz sob o artigo…, com o valor patrimonial de €6362,58;
g)-prédio urbano sito na Freguesia de Vila Viçosa, freguesia de P_____, inscrito na matriz sob o artigo… com o valor patrimonial de €3946,21;
h)-prédio urbano denominado “Herdade…”, sito na Freguesia de Vila Viçosa, Freguesia de P____, inscrito na matriz sob o artigo …com o valor patrimonial de €3371,98;
i)-prédio urbano denominado “Herdade da …”, sito na Freguesia de Vila Viçosa, Freguesia de P_____, inscrito na matriz sob o artigo … com o valor patrimonial de €1.567,00;
j)-370/1000 do prédio Rústico denominado “Herdade de …”, inscrito na matriz sob o artigo…, com o valor patrimonial de €8,22;
k)-94/1000 de prédio rústico, denominado “Herdade da…” inscrito na matriz sob o artigo… da freguesia de P____, com o Valor patrimonial de €172,26;
l)-370/1000 do prédio rústico, denominado “Herdade do…”, inscrito na matriz sob o artigo…, com o valor patrimonial de €42,98;
m)-370/1000 de Prédio rústico, denominado “Herdade do…”, inscrito na matriz sob o artigo…, com o Valor patrimonial de €18,98;
n)-163/1000 de Prédio rústico, denominado “Herdade da ….” inscrito na matriz sob o artigo…, com o Valor patrimonial de €2.227,41;
o)-1/4 de Prédio Urbano sito na Rua… de Vila Viçosa, inscrito na matriz sob o artigo… com o valor patrimonial de €111,34;
p)-prédio urbano denominado “Herdade da M…”, sito na freguesia de B_____, inscrito na matriz sob o artigo …com o valor patrimonial de €1.132,15 (art. 13º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
21.–E era titular de uma quota indivisa de 1/5 nos seguintes imóveis sitos em Sesimbra, a saber:
a)-Fração “GGGG” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de S_____, Concelho do Castelo, sob…;
b)-Fração “R” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de S______, Concelho do Castelo, sob o nº......;
c)-2/144 da fração LL, do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de S_____, Concelho do Castelo, sob o nº…;
d)-2/144 da fração DDD, do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de S_____, Concelho do Castelo, sob o nº…;
e)-2/144 da fração A do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de S_____, Concelho do Castelo, sob o nº…;
f)-2/144 da fração G do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial de S_____, Concelho do Castelo, sob o nº … (art. 14º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
22.–Os bens (em quotas de 1/5) sob as alíneas e) a i) do ponto 20, e nas alíneas a) a f)  o ponto 21, tinham, em Agosto de 2015, respectivamente, os seguintes valores:
-€1.598,00;
-€1.358,40;
-€1.156,20;
€1.598,00;
-€3.995,00;
-€48.509,60;
-€8.000,00;
-€285,33;
-€285,33;
-€346,17;
-€206,75 (art. 17º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus; relatório pericial junto a fls. 561 e segs. tendo em conta a rectificação da proporção de 1/5 de 1/6, para 1/5 do valor total de alguns prédios, conforme req. de 23/05/2019– resposta explicativa).
23.–CSC era titular de 1/6 de uma participação de 20% no capital social da sociedade de administração de pedreiras….(art. 15º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
24.–CSC era titular de uma quota de 1/5 do prédio misto sito em Vila Viçosa, freguesia de …, denominado “Herdade da…”, inscrito na matriz sob o artigo…, com o valor patrimonial de €5.133,20, e com o valor de transacção à data da permuta de €646.532,00 para a propriedade plena livre de ónus e encargos (art. 16º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus).
25.–Em Maio de 2019 encontravam-se depositadas em duas contas bancárias de CSC, em depósitos à ordem, as quantias de €15.993,75 e de €11.571,98 (art. 17º da contestação da 1ª, e 4º a 6º Réus – resposta explicativa).
26.–CSC faleceu no dia 5 de Outubro de 2015, no estado de solteira com 58 anos de idade (art. 6º da petição inicial).
27.–Por sentença de 19 de Outubro de 2016, junta à p.i. como doc. nº 13 e se dá por integralmente reproduzida, transitada em julgado em 30 de Novembro de 2016, proferida no Apenso A do processo de prestação de contas nº …10.8TVLSB, os 2º a 6º Réus foram declarados habilitados no referido processo no lugar da falecida CSC (art. 8º da petição inicial).
28.–Após o falecimento de CSC, o pai do 2.º Réu e da 3.ª Ré, ALS, foi convocado e esteve presente numa reunião ocorrida em Novembro de 2015 entre a 1ª Ré e ASC, e os sobrinhos da falecida F e MSC, com o objectivo de ler o testamento, tratar da declaração de bens, falar sobre a habilitação de herdeiros e participação do óbito às finanças e entrega da relação de bens, imposto a liquidar, bem como sobre informação sobre os processos judiciais em curso, da falecida (art. 92º da contestação dos 2º e 3º Réus).
29.–Nessa reunião foi dito pelo pai do 2º Réu e da 3ª Ré que havia que desfazer a permuta e que essa situação era a que melhor protegia a própria 1ª Ré MSC, pois na sua óptica os credores não deixariam de a incomodar, ao que a 1ª Ré MSC e ASC revelaram abertura para ver se era possível “desfazer o negócio” (arts. 94º e 95º da contestação dos 2º e 3º Réus).
30.–Posteriormente, o pai do 2.º Réu e da 3.ª Ré foi informado em nova reunião de que, consultado o mesmo notário que havia lavrado a escritura de permuta, era possível realizar o distrate, em que participariam de um lado a 1ª Ré MSC e do outro em vez da falecida CSC, os sobrinhos seus herdeiros testamentários (art. 99º da contestação dos 2º e 3º Réus).
31.–A 1ª Ré MSC disse que não se opunha e que era favorável a fazer o distrate, desde que no mesmo dia se fizesse a habilitação de herdeiros e a divisão dos bens, pelo que antes haveria de se acordar em como fazê-lo, o que não chegou a acontecer (art. 100º da contestação dos 2º e 3º Réus).
32.–Em 2016 o 2º Réu moveu acção contra a 1ª Ré, com o nº …16.9T8LSB, a qual correu termos no Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 5, através da qual aquele pediu se declarasse nula ou, subsidiariamente, anulada a escritura pública de permuta, de 13 de Agosto de 2015, invocando que o negócio foi simulado, e caso assim não se entenda, que se trata de um negócio usuário, na qual foi proferida sentença em 05/07/2019, confirmada em sede de recurso por acórdão da Relação transitado em julgado, que julgou a acção improcedente e absolveu a aí Ré do pedido, conforme decisões juntas em certidão a fls. 705 e segs. e que se dão por reproduzidas (arts. 1º e 2º da contestação dos 2º e 3º Réus e certidão de fls. 705 e segs. junta pela 1ª Ré).
33.–Em data não concretamente apurada, para efeitos de instauração de execução de sentença, aquando da consulta o registo predial com vista à obtenção de certidões prediais dos prédios adjudicados à falecida no âmbito da escritura pública de 15 de Julho de 2014, a Autora tomou conhecimento de que os mesmos se encontravam registados a favor de uma irmã, a 1ª Ré, na sequência de permuta (arts. 9º a 11º da petição inicial).
34.–Em todos os prédios figurava registo de uma acção instaurada pelo 2º Réu contra a 1ª Ré, actual proprietária dos prédios anteriormente pertencentes a CSC, que deu origem ao processo nº …/16.9T8LSB, distribuída ao Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa, nos termos da qual aquele pediu que fosse declarada nula ou anulada a permuta celebrada por escritura pública de 13 de Agosto de 2015 entre a primeira Ré e a falecida (art. 12º da petição inicial).
35.–No dia 9 de Fevereiro de 2017, a Autora instaurou processo de execução contra os 2º a 6º Réus, na qualidade de herdeiros da falecida CSC, tendo por título executivo a sentença identificada no ponto 5, sendo o valor da quantia exequenda de 62.732,46 euros, a que acrescem os juros de mora vincendos, custas judiciais e honorários do Agente de Execução, distribuída ao Juízo de Execução da Comarca de Lisboa, J5, processo …17.0T8LSB e que se encontra a correr os seus termos, conforme requerimento executivo junto à p.i. como doc. nº 16 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (art. 14º da petição inicial).
36.–Até à presente data a Autora não conseguiu penhorar bens da herança da falecida CSC com vista à satisfação do crédito exequendo, aguardando-se a liquidação do imposto de selo pelo Serviço das Finanças sendo que o valor da quantia exequenda, incluindo juros e despesas de execução, ascende actualmente, à data de 07/02/2022, à quantia de €99.892,99.”(redacção resultante da decisão sobre a impugnação da matéria de facto)
37.–A venda de quotas indivisas de bens imóveis em compropriedade em sede executiva, em particular quando não representam a maioria, raramente encontra interessados e acarreta sempre a sua desvalorização (art. 8º do articulado de resposta da Autora).

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Matéria de facto não provada:

Não se provou:
1.–A matéria alegada pela Autora no art. 19º (na parte e no sentido em que esse tenha sido o único propósito das partes envolvidas na permuta), e 25º (na parte e no sentido em que à data da permuta CSC não tivesse outros bens) da p.i..
2.–A matéria alegada pela 1ª, e 4º a 6ª Réus nos arts. 7º e 18º (na parte e no sentido em que esse tenha sido o único propósito das partes envolvidas na permuta), da sua contestação;
3.–A matéria alegada pelos 2º e 3º RR no art. 91º (que no próprio dia do falecimento de CSC, a 1ª Ré tenha informado a sua irmã SSC que o motivo da realização do negócio era evitar que a irmã MJMC pudesse executar judicialmente os bens dos Açores da CSC, na sequência da sentença condenatória referida e na possível futura sentença condenatória do segundo processo de prestação de contas, e assim protegê-la e ao seu património), da sua contestação.

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3 As Questões Enunciadas.

3.1- A Impugnação da Matéria de Facto.

Os 1ª, 4º, 5º e 6ª réus, no seu recurso, impugnam parcialmente a decisão sobre a matéria de facto, concretamente, pretendem seja aditado um trecho e retirado outro ao ponto 36 dos factos provados, seja alterada a redacção do ponto 37 dos factos provados e, seja aditado um ponto, 25-A, aos factos provados.
Vejamos cada um destes pontos.
Assim, quanto ao ponto 36 dos factos provados.
Os apelantes defendem que à redacção do ponto 36 deve ser acrescentado um trecho, no sentido de “…aguardando-se a liquidação do imposto de selo pelo Serviço das Finanças.”,  e retirado outro trecho “…sendo que o valor da quantia exequenda, inclui juros e despesas de execução, ascende, actualmente, à data de 07/07/22, à quantia de 99 892,99€…”, passando a ter a seguinte redacção:
Até à presente data a Autora não conseguiu penhorar bens da herança da falecida CSC com vista à satisfação do crédito exequendo, aguardando-se a liquidação do imposto de selo pelo Serviço de Finanças.”
A redacção dada pela 1ª instância ao ponto 36 foi, recorde-se:
Até à presente data a Autora não conseguiu penhorar bens da herança da falecida CSC com vista à satisfação do crédito exequendo, sendo que o valor da quantia exequenda, incluindo juros e despesas de execução, ascende actualmente, à data de 07/02/2022, à quantia de €99.892,99”.
A 1ª instância fundamentou a sua decisão sobre o ponto 36 dos factos provados, dizendo:
O ponto 36 resulta da análise dos documentos (certidão e comunicação do AE na execução movida pela Autora) juntos pela Autora com o seu req. de 09/02/2022 a fls. 757 e segs. em conjugação com as declarações de LC... que confirmou o seu teor e explicou que nem as quotas registadas em nome da falecida foi possível penhorar por se aguardar o pagamento do imposto de selo já que os herdeiros não se habilitaram como tal nas finanças.”
Para fundamentarem as pretendidas alterações ao ponto 36 dos factos provados, os apelantes invocam o depoimento da testemunha LC... (agente de execução), de que transcrevem certos trechos e, dos documentos (certidão e nota de liquidação) emitida por esse agente de execução e juntas a estes autos a 09/02/2022.
Pretendem impugnar a correcção do valor indicado pelo agente de execução, na “nota de liquidação” do valor em dívida a título de capital, juros, remuneração fixa e variável e despesas várias, num total de 99 892,99€  junta aos autos a 09/02/2022, invocando um acórdão do STJ, 10/09/2019 (Graça Amaral) que, segundo os apelantes decidiu “Trata-se de requisito que se caracteriza sempre que o acto praticado implique a colocação do devedor numa situação de produzir ou agravar a impossibilidade de o credor conseguir a satisfação do seu crédito, maxime, obter a execução judicial do mesmo. Nessa medida, o juízo de aferição quanto à sua verificação reportar-se-á, necessariamente, à data do acto impugnado.”.
Pois bem, salvo o devido respeito, o que esse  acórdão decidiu teve a ver com a situação (diferente da dos autos) no sentido de ser irrelevante, para efeitos da impugnação pauliana, a existência de património de devedores solidários, constando do sumário desse acórdão “O critério para aferir do requisito previsto no artigo 610.º, alínea b), do Código Civil, (impossibilidade ou agravamento dessa impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito) é o da avaliação do património do devedor de onde saiu o bem, mostrando-se irrelevante a suficiência do património dos restantes devedores solidários.”.
Além disso, não cabe nesta acção de impugnação pauliana determinar qual é o valor da quantia exequenda em dívida e muito menos o modo como é aplicada/calculada a remuneração adicional do agente de execução. Isso é matéria da estrita competência da acção executiva.
Não vemos assim que haja fundamento para alterar, rectius, eliminar do ponto 26 dos factos provados o trecho “…sendo que o valor da quantia exequenda, inclui juros e despesas de execução, ascende, actualmente, à data de 07/07/22, à quantia de 99 892,99€…
Por outro lado, quanto à pretensão dos recorrentes de ser acrescentado um trecho …aguardando-se a liquidação do imposto de selo pelo Serviço das Finanças.
Pois bem, dessa certidão, emitida a 04/02/2022 e junta a este processo a 09/02/2022, consta:
(…)
Do depoimento, ouvido integralmente, da testemunha, LC..., agente de execução, prestado a 10/02/2022, resulta que as partes transcritas na alegação correspondem ao que por ele foi sendo dito – a que acresce, ainda, a parte do depoimento, não transcrito nas alegação dos recorrentes, em que essa testemunha foi confrontada com as duas certidões prediais, juntas a 21/01/2021, uma relativa um prédio misto nº…, freguesia de B_____, denominado “Herdade da…”, em regime de compropriedade, na proporção de 1/5 para cada um dos comproprietários, incluindo a falecida CSC e, outro, urbano, nº…, freguesia do Castelo, S_____, também em compropriedade, na proporção de 1/5, mostrando-se registadas penhoras sobre as fracção/quota de 1/5, em ambos os prédios, pertencentes a ASC, pela quantia de 2 233 355.13€, sendo credora a CGD, penhoras essas registadas a 11/02/2019; sendo que ele esclareceu que é muito difícil vender quotas de imóveis nestas condições, em que os titulares e/ou herdeiros estão desavindos e existem penhoras com aqueles valores sobre quotas desses imóveis. Pela experiência que tem, não se consegue vender prédios ou quotas de prédios nessas condições. O que às vezes, raramente, pode suceder é que os outros comproprietários possam adquirir a quota a vender mas, mesmo assim, a credora, instituição bancária, só liberta a penhora quando a quantia em dívida lhe for paga – tendo confirmado, a instâncias do Ilustre Mandatários dos apelantes, que há atraso das Finanças na liquidação do imposto de selo, porque as finanças estão a aguardar a avaliação das quotas de uma sociedade.

Portanto, nesta parte procede a impugnação da matéria de facto quanto ao ponto 36. Que passará a ter a seguinte redacção:
Até à presente data a Autora não conseguiu penhorar bens da herança da falecida CSC com vista à satisfação do crédito exequendo, aguardando-se a liquidação do imposto de selo pelo Serviço das Finanças sendo que o valor da quantia exequenda, incluindo juros e despesas de execução, ascende actualmente, à data de 07/02/2022, à quantia de €99.892,99.” (alteração que se insere no ponto 36 dos factos provados).

Quanto ao ponto 37 dos factos provados.
(…), em face desses meios de prova concorda-se com a redacção dada ao ponto 37 pela 1ª instância.

O aditamento do ponto 25-A.         
(…) Não vemos razão para aditar o pretendido ponto 25-A aos factos provados.

Em suma, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto no que toca ao ponto 26 dos factos provados.

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3.2- A revogação da sentença com absolvição dos réus do pedido.

Os apelantes pretendem a revogação da sentença que julgou procedente a impugnação pauliana, alegando que, por um lado, não se verifica o requisito previsto no artº 610º al. b) do CC, argumentado, no essencial, que o património imobiliário avaliado da falecida CSC, após a permuta sob impugnação, monta a 196 359,85€, a que acresce o valor dos depósitos bancários de 15.993,75€ e de 11.571,98€. Além disso, defendem não se verificar o requisito má fé exigido pelo artº 612º do CC, porque quer a falecida quer a primeira ré tinham consciência da existência de outro património suficiente para suportar o pagamento do crédito da autora decorrente da acção de prestação de contas.
Vejamos então.
Em termos simples e pacificamente aceites, a impugnação pauliana é um dos meios de conservação da garantia patrimonial, legalmente concedido ao credor, com assento no artº 610º e segs do CC. Com ela, visa-se permitir ao credor executar bens que foram objecto de disposição pelo devedor, no património do obrigado à restituição, na medida do interesse do credor. Assim sendo, o pedido típico da pauliana será o de reconhecer ao credor a faculdade de executar o bem alienado, no património do adquirente, reconhecendo-se, implicitamente, que a disposição de bens impugnada é ineficaz em relação ao credor impugnante.
Como é sabido, são quatro os requisitos necessários à procedência daquela acção de impugnação pauliana:
a)-Realização, pelo devedor, de acto que diminua a garantia patrimonial do crédito e que não seja de natureza pessoal (artº 610º, proémio, 1ª parte);
b)-Anterioridade do crédito (artº610º al. a, 1ª parte, do CC);
c)-A impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito (artº 610º al. b) do CC);
c)-A má fé do devedor e do terceiro, sendo o acto de disposição oneroso (artº 612º do CC).
Vejamos se, no caso dos autos, se podem considerar verificados estes requisitos.

Assim, quanto ao primeiro: acto lesivo da garantia patrimonial.
Sem necessidade de grandes desenvolvimentos, este requisito reporta-se à realização, pelo devedor, de actos que impliquem a diminuição da garantia patrimonial do crédito (artº 610º, 1ª parte, proémio). Quer dizer, a acção de impugnação pauliana é dirigida a impedir actos praticados pelo devedor destinados a diminuir a garantia patrimonial do crédito seja por virtude de se repercutirem em termos negativos no património activo, como sucede com a venda ou doação de um imóvel, seja por efeito de aumentarem o passivo, como sucede com a assunção de dívidas ou prestação de garantias.
Pois bem, no caso sob recurso é pacífico que, com a escritura de permuta, celebrada a 13/08/2015 (ponto o dos factos provados) dos sete prédios (especificados no ponto 4 dos factos provados) de que a CSC era proprietária plena, ocorreu uma diminuição do seu património, rectius, da garantia patrimonial das suas responsabilidades patrimoniais.
Sem necessidade de outros desenvolvimentos, conclui-se pela verificação deste requisito: acto lesivo da garantia patrimonial.
Passemos ao segundo requisito: anterioridade do crédito.
Também este requisito, estabelecido pelo artº 610º al. a), 1ª parte, é de fácil compreensão: destinando-se a impugnação pauliana a proteger o património, enquanto garante do cumprimento das obrigações, é condição para o seu exercício a existência de um crédito que justifique a sua utilização. Ou seja, apenas quem seja credor poderá impugnar um acto de diminuição da garantia patrimonial (verificados os demais requisitos, evidentemente).
No caso dos autos, não resta a mínima dúvida que o crédito da autora, decorrente da condenação da CSC, na acção de prestação de contas, no pagamento, aos seus irmãos, incluindo a ora autora e a ora 1ª ré, da quantia total de 215 174,29€, ficando cada um dos quatro irmãos, credor pelo valor de 53 793,57€, constitui um crédito anterior ao acto de disposição patrimonial. Na verdade, apurou-se que a sentença de condenação na acção de prestação de contas, datada de 15/07/2015, constituiu a ora autora credora da CSC pela quantia de 53 793,57€ (ponto 5 dos factos provados). E que a CSC foi notificada dessa sentença (ponto 6) e, posteriormente, em 13/08/2015, a CSC celebrou com a 1ª autora a escritura de permuta, pela qual transmitiu à 1ª ré os únicos sete imóveis de que era proprietária plena, em troca da atribuição do direito de uso e habitação vitalício da fracção autónoma (ponto 8). Portanto, é fácil concluir que o crédito da ora autora é anterior ao acto de disposição patrimonial.
Em suma, está verificado o mencionado 2º requisito.
Quanto ao terceiro requisito: A impossibilidade ou agravamento da impossibilidade de satisfação integral do crédito.
Este requisito está previsto no artº 610º al. b). E é relativamente à respectiva verificação que os apelantes fundam a sua pretensão de revogação da sentença, dizendo, como referimos, que a CSC, apesar da permuta dos setes imóveis (em propriedade plena) ficou com património avaliado em 196 359,85€ a que acresciam depósitos bancários de 15 993,75€ e de 11 571,98€.
Vejamos então.
Através deste requisito pretende-se não bastar que o devedor tenha praticado acto que diminua o seu património e a consequente garantia patrimonial dos credores. Exige-se que essa diminuição ponha em perigo a possibilidade de satisfação do crédito. “Não é necessário que o credor proceda à execução do património do devedor para que se verifique a impossibilidade deste assegurara satisfação do crédito, sendo suficiente o mero perigo concreto dessa frustração.” (Cf. Cura Mariano, Impugnação Pauliana, 2ª edição, 2008, pág. 172). E continua este autor “A impossibilidade referida no artº 610º nº 1, al. b) do CC, não deve ser apenas uma impossibilidade jurídica, abrangendo também as hipóteses em que se verifica uma impossibilidade prática, quando a qualidade e características dos bens existentes no património torne fortemente improvável a sua submissão a uma execução judicial. (…) revelando-se improvável que o credor possa vir a obter a satisfação do seu crédito, através desses bens, não devem os mesmos contar para aferir da subsistência da garantia patrimonial.” (Ob. Cit., pág. 180 e seg.).
Aliás, Vaz Serra (BMJ nº 75, Abril de 1958, Responsabilidade Patrimonial) escreveu “Normalmente, o prejuízo do credor traduz-se em do acto resultar a insolvência ou o agravamento dela; mas pode acontecer que, não tendo resultado do acto a insolvência ou o agravamento da insolvência, haja, todavia, prejuízo para o credor, quando os outros bens são de impossível, difícil ou dispendiosa execução, ao contrário dos alienados, de modo a tornar-se praticamente impossível a sua execução.” (pág. 199).
Também Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. II, 6ª edição, pág. 446) diz “O Código de 1966, através da nova formulação do requisito, pretendeu deliberadamente colocar ao alcance da pauliana os actos deste tipo, que, não provocando embora, em bom rigor, a insolvência do devedor, podem criar para o credor a impossibilidade de facto (real, efectiva) de satisfação integral do seu crédito, através da execução forçada.” E citando Vaz Serra, acrescenta “Para que a pauliana proceda, bastará nessa ordem de ideias ao impugnante alegar e provar que os bens remanescentes do devedor, necessários à cobertura do seu passivo, são de difícil, dispendiosa ou precária apreensão no processo executivo.” (Antunes Varelas, ob. Cit., pág. 447, nota 3).
Igualmente Menezes Leitão (Garantias das Obrigações, 4ª edição, 2012, pág. 70) refere que pode recorrer á impugnação pauliana o credor quando “…também o acto que produza ou agrave a impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito…”.
Do mesmo modo, Almeida Costa, (Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 724) defende “Assim, quando o devedor continue solvente, mas o credor não possa de facto obter a satisfação do deu crédito, dada a impossibilidade ou dificuldade prática de executar os restantes bens do devedor…” pode socorrer-se da acção de impugnação pauliana.
No mesmo sentido, Gonçalo dos Reis Martins (CC anotado, AAVV, coord. Ana Prata, vol. I, pág. 791) “A impossibilidade deverá ser interpretada não só tendo em conta o previsto no artº 611º in fine, ou seja, no sentido de não existirem bens penhoráveis de igual ou maior valor, mas também no sentido de abranger as situações em que, na prática, a execução dos bens do devedor se torna excessivamente onerosa ou impossível em consequência do acto a impugnar.”
Pois bem, visto este entendimento, vejamos o caso dos autos.
Ficou provado que o património imobiliário que restou à CSC, após a permuta pela qual “se desfez” dos sete imóveis sobre os quais detinha a propriedade plena, é constituída por direitos de compropriedade em diversos imóveis mencionados nos pontos 20, 21, 22 e 24 dos factos provados, todos em avos, na melhor das hipóteses em quotas de 1/5.
Ora, analisando a perícia realizada a parte desses imóveis, verifica-se que as pedreiras se mostram descativadas há vários anos, daí, o baixo valor por que foram avaliados. Os prédios urbanos sitos em Vila Viçosa, mencionados no ponto 20, estão indivisos com quotas pertencentes à CSC na ordem de 1/5 de 1/24 avos; outros de 1/5 de 1/48 avos, 1/5 de 370/1000, 94/1000, 163/1000.
O património imobiliário mais valioso, será 1/5 da fracção autónoma de Sesimbra e 1/5 na “Herdade …”. Porém, conforme decorre das certidões prediais desses dois imóveis (juntas a 21/01/2021) - prédio misto nº …, freguesia de B____, a Herdade …, em regime de compropriedade, na proporção de 1/5 para cada um dos comproprietários, incluindo a falecida CSC e, outro, urbano, nº …, freguesia do Castelo, S_____, também em compropriedade, na proporção de 1/5 - revelam-se registadas penhoras sobre as fracções de 1/5 pertencentes a ASC, em ambos os prédios, pela quantia de 2 233 355.13€, sendo credora a CGD, penhoras essas registadas a 11/02/2019.
Ora, como bem referiu a testemunha LC..., agente de execução – na acção executiva que a ora autora move contra os ora réus - é muito difícil vender quotas de imóveis nestas condições, em que os titulares e/ou herdeiros estão desavindos e existem penhoras com aqueles valores sobre quotas desses imóveis. Pela experiência que tem, não se consegue vender prédios ou quotas de prédios nessas condições. O que às vezes, raramente, pode suceder é que os outros comproprietários possam adquirir a quota a vender, mas, mesmo assim, a credora, instituição bancária, só liberta a penhora quando a quantia em dívida lhe for paga.
Concorda-se inteiramente com este entendimento. As regras da experiência assim o demonstram. Aliás, esse foi igualmente o entendimento da 1ª instância.
A circunstância de o património imobiliário indiviso da falecida CSC ter sido avaliado em cerca de 196 359,85€, não significa que, através dele, a autora possa obter a satisfação do seu crédito. Como vimos acima, citando Cura Mariano, a impossibilidade referida no artº 610º al. b) “…abrangendo também as hipóteses em que se verifica uma impossibilidade prática, quando a qualidade e características dos bens existentes no património torne fortemente improvável a sua submissão a uma execução judicial…” ou como ensina Vaz Serra, a impossibilidade de satisfação do crédito também ocorre “…quando os outros bens são de impossível, difícil ou dispendiosa execução, ao contrário dos alienados, de modo a tornar-se praticamente impossível a sua execução.”.
É o que sucede nos autos.
Por conseguinte, somos a entender que também este requisito se mostra preenchido.

Finalmente, o quarto requisito: a má fé do devedor e do terceiro, sendo o acto de disposição oneroso.
Entendem os apelantes, na sua alegação que este requisito não se verifica porque, após a permuta, a CSC ficou com património suficiente para solver o crédito que a ora autora detinha sobre ela.
Ora bem, estabelece o artº 612º nº 2 do CC que entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.
Esta má fé subjectiva deve verificar-se cumulativamente nas pessoas do devedor e do terceiro adquirente, sem que isso signifique a necessidade de qualquer conluio ou concertação entre estes sujeitos. Ambos podem ter consciência do prejuízo que causa aos credores do primeiro o acto praticado, sem que essa representação seja objecto de comunicação ou de percepção entre eles (Cf. Cura Mariano, ob. cit., pág. 185 e seg.).
Basta que o devedor estivesse consciente da sua situação económica e que o terceiro adquirente dela soubesse para que o acto lesivo dos credores fosse considerado praticado de má fé.
Tendo presente a noção de prejuízo referida, pode dizer-se que a má fé é a consciência de que o acto em causa vai provocar a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou um agravamento dessa impossibilidade.
Não é necessário que essa consciência se traduza num juízo de certeza sobre a verificação futura desta consequência, bastando-se um juízo de possibilidade. É suficiente para que os autores do acto tenham consciência das suas consequências danosas que as prevejam como possíveis, tendo-as presentes no seu espírito. (Cf. Cura Mariano, ob. cit. pág. 191; Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Por Presunção no Direito Civil, pág. 239).
A consciência do prejuízo não é, em regra, susceptível de prova directa mas sim de prova indirecta (Cf. Raúl Guichard da relevância jurídica do conhecimento no direito civil, pág. 35 e segs.; Cura Mariano, ob. cit. pág. 200 e segs; Luís Filipe Sousa, ob. cit. pág. 240; Ac. Rel. Lisboa, de 29/09/2005, Fernanda Isabel; de 25/03/2003, Abrantes Geraldes; de 27/05/2010, Teresa Albuquerque).

No caso dos autos, ficou provado no ponto 15 dos factos provados, de resto não impugnado, que “CSC e a 1ª Ré acordaram na sobredita permuta para obviar a uma penhora da Autora sobre os imóveis permutados e também como forma de compensar a 1ª Ré pelo facto de CSC ter residido e continuar a residir na fracção “J” após a adjudicação da fracção à 1ª Ré nas partilhas efectuadas e que utilizava gratuitamente.”

Ou seja, resulta da primeira parte desse ponto 15 que quer a CSC quer a ora 1ª ré fizeram a permuta com vista a afastar a penhora desses imóveis por banda da ora autora; sendo certo que ambas sabiam, por terem sido partes na acção de prestação de contas, que a ora autora era credora da CSC pelo valor de 53 793,57€, acrescido de juros e demais despesas.
Sem necessidade de outros considerandos, resta concluir que também este requisito se mostra verificado.

Em suma: verificados os quatro requisitos acima enunciados, temos de concordar com a decisão da 1ª instância que julgou procedente a acção de impugnação pauliana, com as consequências daí advenientes em termos de facultar à autora a penhora dos sete imóveis objecto da permuta, até ao valor da satisfação integral do seu crédito, juros e demais despesas inerentes à acção executiva.

Em síntese: o recurso improcede.

***

III-DECISÃO.

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença sob recurso.


Custas no recurso, pelos réus apelantes, na vertente das custas de parte (as custas na vertente das taxas de justiça mostram-se previamente satisfeitas e não ocorreram actos tributáveis como encargos).



Lisboa, 26/01/2023



(Adeodato Brotas)
(Vera Antunes)
(Jorge Almeida Esteves)