ACÇÃO ESPECIAL DO CONTENCIOSO DE INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA
ABONO DE FAMÍLIA
ASSOCIAÇÕES SINDICAIS
ASSOCIAÇÕES DE EMPREGADORES OU COMISSÕES DE TRABALHADORES
ARTICULADO SUPERVENIENTE
ADITAMENTO DO PEDIDO
Sumário

Se, na configuração do autor, uma sentença proferida noutro processo, anulando as deliberações dum órgão de associação sindical, pode constituir mais um fundamento de declaração de nulidade/anulação de Assembleias Gerais da mesma entidade e respectivas deliberações, de data posterior, tanto basta para que deva ser entendido como um novo elemento de facto constitutivo do direito que o autor se arroga, para efeitos de admissão de articulado superveniente e notificação da parte contrária para responder (art. 588.º, n.º 4 do CPC), não cabendo, liminarmente, apreciar e decidir da efectiva bondade da pretensão do autor.

A acção com processo especial regulada nos arts. 162.º e 164.º e seguintes do CPT, que tem por objecto a declaração de nulidade de deliberações e outros actos de órgãos de associações sindicais e outras entidades viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos, não comporta o aditamento nos termos do art. 28.º do mesmo diploma de pedidos com finalidade diversa.

(Elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


1.Relatório


Em 31/12/2021 AAA intentou acção de impugnação de deliberações de assembleias gerais, com processo especial do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores (arts. 162.º e 164.º e ss. do CPT), contra BBB alegando, em síntese:
- a Ré é uma associação sindical de docentes e investigadores do ensino superior, a qual foi constituída em 1989, sendo na altura aprovados os seus primeiros Estatutos;
- o Autor é professor do ensino superior e associado da Ré;
- em 11 de Dezembro de 2021 foram realizadas duas Assembleias Gerais da Ré, com a seguinte ordem de trabalhos:
a)-a Assembleia Geral agendada para as 13:30h tinha como ponto único da Ordem de Trabalhos a “Renovação das deliberações tomadas nas Assembleias Gerais do BBB de 19/07/2019 e 20/11/2020 que procederam a alterações aos estatutos, com efeitos retroactivos à data de aprovação das deliberações renovadas”;
b)-a Assembleia Geral agendada para as 16:30h tinha como ponto único da Ordem de Trabalhos a “Discussão e apreciação do relatório elaborado pela CFD sobre a readmissão do ex-associado …”;
- em razão de factualidade que descreve, a Comissão de Fiscalização e Disciplina não agiu de acordo com os seus deveres estatutários e legais em todo o procedimento que culminou no relatório sujeito ao crivo da segunda Assembleia Geral de 11/12/2021 e, por tal motivo, deverá ser declarada a nulidade do referido relatório, bem como da aludida Assembleia Geral e deliberação aí tomada;
- em razão de factualidade que descreve, os comportamentos procedimentais dos vários órgãos da Ré que culminaram nas convocatórias para ambas as Assembleias Gerais de 11/12/2021, nas próprias Assembleias Gerais e nas deliberações tomadas nas mesmas, padecem de diversos vícios substantivos e de forma, consubstanciados numa cultura muito pouco democrática, que conduzem irremediavelmente à sua nulidade/anulabilidade, devendo estas serem reconhecidas e declaradas nos presentes autos.
Termina, pedindo que sejam reconhecidas e declaradas as nulidades/anulabilidades do relatório da Comissão de Fiscalização e Disciplina sujeito à aprovação dos associados na segunda Assembleia Geral de 11/12/2021, das convocatórias para ambas as Assembleias Gerais de 11/12/2021, das próprias Assembleias Gerais, das suas deliberações e respectivas actas. Caso assim se não entenda, deverá ser reconhecida e declarada a nulidade de parte da deliberação da primeira Assembleia Geral de 11/12/2021, nomeadamente, quando decide aplicar os efeitos da mesma retroactivamente até à data da aprovação das deliberações renovadas.

A Ré apresentou contestação, em que excepciona a ilegitimidade e falta de interesse em agir do Autor, a ilegitimidade da Ré e o abuso de direito do Autor, e, por outro lado, se defende por impugnação.

Por despacho de 9/03/2022, determinou-se a notificação do Autor para se pronunciar sobre a matéria de excepção, nos termos do art. 3.º, n.º 3 do CPC, o que o Autor fez através de resposta apresentada em 25/03/2022.

Ainda em 25/03/2022, o Autor, invocando o art. 588.º do CPC ex vi art. 60.º, n.º 3 do CPT, apresentou articulado superveniente, alegando, em síntese:
- em vários segmentos da petição inicial, nomeadamente nos arts. 30.º, 68.º e 82.º da mesma, o Autor invocou a existência de uma acção judicial – Processo n.º 525/21.4T8LSB –, nos termos da qual impugnou a deliberação da Comissão de Fiscalização e Disciplina de 16/12/2020, relativa à reinscrição do Doutor …, juntando, para o efeito, a respectiva P.I. como doc. 24;
- em tal acção, foi proferida sentença, datada de 2/01/2022 e já transitada em julgado, a qual anulou as deliberações da Comissão de Fiscalização e Disciplina adoptadas na sua reunião de 16/12/2021;
- a decisão judicial supra referida tem especial importância para uma justa e boa composição do presente litígio e é posterior à data da entrada desta acção (31/12/2021), pelo que consubstancia a definição de factos posteriores, tal como são configurados no art. 588.º, n.º 1 do CPC;
- as deliberações da primeira Assembleia Geral de 11/12/2021 devem ser anuladas pelas razões já invocadas na petição inicial e também em resultado da sentença agora conhecida.
Termina, pedindo que sejam reconhecidas e declaradas as nulidades/anulabilidades do relatório da Comissão de Fiscalização e Disciplina de 08 de Novembro de 2021, bem como as deliberações tomadas nas Assembleias Gerais de 11 de Dezembro de 2021. Deve igualmente o Réu ser condenado a retratar-se, em mensagem dirigida pela Direcção a todos os associados do Sindicato, da afirmação feita no requerimento de convocação da Assembleia Geral, juntando para o efeito a petição inicial do processo 525/21.4T8LSB021 e respetivos documentos anexos, bem como a sentença proferida no mesmo, devendo colocar tal documentação, igualmente, no espaço correspondente do sítio do Sindicato na Internet, bem como a pagar ao Autor uma quantia diária fixada de acordo com critérios de razoabilidade por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.
Juntou cópia da sentença invocada, datada de 2/01/2022, sem certificação, designadamente, do trânsito em julgado, da qual resulta que foi julgada procedente a respectiva acção instaurada pelo Autor contra o Réu e, em consequência, anuladas as deliberações da Comissão de Fiscalização e Disciplina adoptadas na sua reunião de 16/12/2020.

Na sequência de despacho para o efeito, o Réu veio pronunciar-se em 11/05/2022, pugnando pela inadmissibilidade do articulado superveniente, alegando, em síntese:
- a sentença que anulou a deliberação da Comissão de Fiscalização e Disciplina de 16/12/2020 não constitui facto constitutivo, modificativo ou extintivo do direito de anulação das deliberações das Assembleias Gerais de 11/12/2021, a que respeitam os presentes autos;
- o objecto da referida acção 525/21.4T8LSB já era conhecido do Autor à data da propositura da presente acção;
- é inadmissível a cumulação de pedidos, nomeadamente por incompetência do tribunal do trabalho.

Em 11/07/2022, foi proferido o seguinte despacho:
«O autor veio apresentar articulado superveniente, com os fundamentos ali expressos.
Notificado o réu para se pronunciar opôs-se à admissibilidade do articulado superveniente.
Cumpre decidir.
O autor, AAA, propôs a presente acção especial contra BBB, pedindo que sejam reconhecidas e declaradas as nulidades/anulabilidades do relatório da Comissão de Fiscalização e Disciplina sujeito à aprovação dos associados na segunda Assembleia Geral de 11.12.2021, das convocatórias para ambas as Assembleias Gerais de 11.12.2021, das próprias Assembleias Gerais, das suas deliberações e respectivas actas.
Dispõe o artigo 588.º do Código de Processo Civil, que “1– Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2–Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3– O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a)- Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;
b)- Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c)- Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores. (…)”.
A primeira questão que se coloca é saber se os factos alegados no articulado superveniente oferecido pelo autor são supervenientes.
O autor, invoca como fundamento para oferecer o articulado superveniente, os factos que foram objecto da decisão transitada em julgado proferida no âmbito do processo n.º 525/21.4T8LSB que correu termos no Juiz 6 deste Juízo de Trabalho de Lisboa.
Contudo e, desde logo, como refere o réu, não se vislumbra em como a decisão ali proferida tenha implicação nestes autos, designadamente seja apta a causar uma modificação ou extinção dos factos aqui alegados, sendo inexistente a relação entre os dois.
Tal é suficiente para carecer de fundamento, designadamente quanto ao primeiro dos pressupostos ínsitos no artigo 588.º, n.º 1, CPC, o articulado superveniente oferecido pelo autor.
Nesta conformidade, não admito o articulado superveniente.»

O Autor, inconformado, veio interpor recurso do despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1.Entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao não admitir o articulado superveniente apresentado em 25 de março de 2022.
2.Ora, ao contrário do que foi entendimento do Tribunal recorrido, a decisão proferida no processo n.º 525/21.4T8LSB, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 6, pronuncia-se sobre factos relacionados com os que estão a ser apreciados nos presentes autos, pois é passível de configurar mais um fundamento que pode conduzir à declaração de nulidade ou anulação das Assembleias Gerais de 11/12/2021 e/ou das deliberações aí tomadas.
3.Com efeito, no processo n.º 525/21.4T8LSB, o Recorrente peticionou a anulação de uma deliberação da Comissão de Fiscalização e Disciplina de 16.12.2021, a qual incidia sobre o pedido de readmissão do associado NESG..., pronunciando-se desfavorável ao mesmo.
4.Contudo, a convocatória da primeira assembleia Geral de 11.12.2021 foi baseada num requerimento da Sr.ª Presidente da Direção, no qual se afirma que o citado processo n.º 525/21.4T8LSB visa a anulação de uma deliberação da Assembleia Geral do BBB sobre revisão de Estatutos.
5.Ora, a sentença junta com o articulado superveniente demonstra que tal não corresponde à verdade e que a formação da vontade da primeira Assembleia Geral de 11/12/2021 foi viciada pelo requerimento da Sr.ª Presidente da Direção.
6.Trata-se de um facto superveniente e com especial relevância para o desfecho deste processo, pois o que se aprecia nestes autos são as várias irregularidades processuais cometidas pelos órgãos da Ré no processo desenvolvido para a realização das Assembleias Gerais de 11/12/2021, as quais podem conduzir, como se espera, à declaração de nulidade/anulabilidade das mesmas e/ou das deliberações nelas tomadas.
7.Por outro lado, o relatório da Comissão de Fiscalização e Disciplina que veio a ser submetido à Assembleia Geral de 11/12(2021 – embora sem a necessária acta da reunião e com a intervenção de membros sobre os quais recaiam incidentes de suspeição não decididos e, como tal, com um impedimento legal para intervirem – contém uma parte relativa à deliberação adoptada pela mesma Comissão numa composição anterior – a de 20 de dezembro de 2020 – que está integrada na descrição do processo deliberativo que conduziu à elaboração do relatório.
8.Ora, anulada judicialmente a deliberação adoptada com a anterior composição, deve o relatório ser considerado inexistente, bem como a deliberação que sobre ele incidiu na segunda Assembleia Geral de 11/12/2021.
9.De qualquer forma, a circunstância da convocação da segunda Assembleia Geral de 11/12/2021 se ter realizado com base num pedido de convocação que menciona a deliberação de 16 de dezembro de 2020 da Comissão de Fiscalização e Disciplina que deixou de existir com a sentença proferida no processo n.º 525/21.4T8LSB, exige igualmente a declaração de nulidade/anulabilidade da referida Assembleia Geral.
10.Por último, mas não de somenos importância, o Tribunal a quo lavra em manifesto erro de interpretação das normas jurídicas aplicáveis in casu, pois, para além do disposto no art.º 588.º, n.º 1 do CPC, ex vi art.º 60.º, n.º 3 do CPT, dever-se-á ter ainda em consideração o disposto no art.º 28.º do CPT, ex vi o mesmo art.º 60.º, n.º 3 do referido diploma legal.
11.Com efeito, do que resulta da interpretação dos art.os 60.º, n.º 3 e 28.º do CPT, dúvidas não podem existir que o legislador pretendeu abrir o leque das hipóteses de apresentação dos articulados supervenientes, relativamente ao que resulta em matéria civil no art.º 588.º do CPC.
12.Ou seja, a admissibilidade da apresentação do articulado superveniente em matéria de direito laboral e das associações encontra fundamento, não só no disposto no art.º 588.º do CPC, mas também nas situações previstas no art.º 28.º do CPT, mais concretamente nas que se fazem referência nos n.os 2 e 3 desta norma legal.
13.Reportando-nos ao caso dos presentes autos, dúvidas não podem subsistir quanto à superveniência da decisão proferida no processo n.º 525/21.4T8LSB; quanto ao facto de, na perspectiva do Recorrente, proferida a referida decisão judicial, existir uma nova causa de pedir que pode conduzir à declaração de nulidade/anulabilidade das convocatórias das Assembleias Gerais de 11/12/2021, das próprias Assembleias Gerais e das suas deliberações; bem como que, com o articulado superveniente apresentado em 25 de março de 2022, foram apresentados dois novos pedidos.
14.Estamos, pois, perante um articulado que, não só é permitido nos termos do disposto no art.º 588.º do CPC, como preenche os requisitos constantes no art.º 28.º do CPT.
15.Assim, por tudo o que se deixa exposto, entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao não admitir o articulado superveniente que apresentou em 25 de março de 2022 e, consequentemente, violou o disposto nos art.os 588.º do CPC e 28.º e 60.º do CPT.»

O Réu não apresentou resposta ao recurso do Autor.

Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público aposto o seu visto.

Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

2.– Questões a resolver

Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, a questão que se coloca a este tribunal é a da admissibilidade do articulado superveniente apresentado pelo Autor.

3.–Fundamentação

3.1.-Os factos a atender são os decorrentes do Relatório.
3.2.-Vejamos, então, se é admissível a apresentação do articulado superveniente do Autor.

A presente acção segue a forma de processo especial do contencioso de associações sindicais e outras entidades, a que se referem os arts. 162.º e seguintes do CPT. De acordo com aquele preceito, tais processos seguem os termos do processo comum previsto no Código, salvo o disposto nos artigos seguintes, não havendo lugar a audiência prévia.

Nos termos do art. 164.º, tratando-se de acção de declaração de nulidade de deliberações e outros actos de órgãos das associações sindicais e outras entidades viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos, a mesma deve ser intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso, em regra no prazo de 20 dias. A petição inicial da acção deve ser acompanhada de documento comprovativo do teor da deliberação ou, não sendo possível, do oferecimento da prova que o requerente possuir a esse respeito.

Acrescenta o art. 165.º que o juiz manda citar o réu e ordena que este apresente os documentos relativos à situação objecto de impugnação que ainda não tenham sido juntos aos autos, podendo o mesmo contestar no prazo de 10 dias e, ainda que não conteste, devendo enviar ao tribunal os documentos referidos.

Com os articulados são requeridas quaisquer diligências de prova (art. 166.º).

Nada se diz, pois, sobre a admissibilidade de apresentação de articulado superveniente.

Assim, nos termos do n.º 3 do art. 60.º, aplicável por força do citado art. 162.º, só são admitidos articulados supervenientes nos termos do art. 588.º do CPC ou para os efeitos do art. 28.º.

No seu requerimento de 25/03/2022, o Autor invocou expressa e exclusivamente o art. 588.º do CPC, que tem a seguinte redacção:

Termos em que são admitidos
1–Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2–Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3–O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a)- Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento;
b)- Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c)- Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4–O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5–As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6–Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.

Ou seja, como ensina José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, Coimbra Editora, 2013, pp. 146-147), “[p]odem, depois do último articulado da parte, ocorrer novos factos – ou elementos de facto – constitutivos da situação jurídica do autor (ou do facto objeto da ação de simples apreciação) ou factos modificativos ou extintivos dessa situação (superveniência objetiva). Pode também ocorrer que só depois do seu último articulado o autor tenha conhecimento de outros factos – ou elementos de facto – constitutivos, ou o réu conhecimento de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjetiva). Em ambos os tipos de situação, pode ter lugar articulado superveniente, em que a parte a quem o facto é favorável o alegará (art. 588, n.ºs 1 e 2), juntamente, se for caso dela, com a superveniência subjetiva.”

Retornando ao caso dos autos, verifica-se desde logo que o articulado superveniente foi apresentado prematuramente, uma vez que, não havendo lugar a audiência prévia no processo especial que a presente acção segue, apenas deveria ser oferecido no momento a que se refere a al. b) do n.º 3, isto é, nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final.

Não obstante, uma vez que a prática prematura do acto não foi o fundamento da oposição do Réu nem do despacho que o não admitiu, e atendendo aos princípios da adequação e economia processual (arts. 6.º e 130.º do CPC), entende-se que o mesmo não deve ser tido como determinante do não aproveitamento do acto, se o mesmo observar os demais requisitos de admissibilidade.

Ora, entrando nessa apreciação, constata-se que o Autor alega que, no processo n.º 525/21.4T8LSB, aquele peticionara a anulação duma deliberação da Comissão de Fiscalização e Disciplina de 16/12/2020 que incidia sobre o pedido de readmissão do associado …, pronunciando-se desfavoravelmente, sendo que, na convocatória da primeira Assembleia Geral de 11/12/2021, a que respeitam os presentes autos, é feita alusão errada ao fim daquela acção, assim viciando a formação da vontade de tal Assembleia Geral, pelo que a sentença ali proferida demonstra que se verifica mais uma irregularidade cometida pelos órgãos do Réu na realização das Assembleias Gerais de 11/12/2021, constituindo mais um fundamento de nulidade/anulabilidade das mesmas e/ou das deliberações nelas tomadas. Por outro lado, o relatório da Comissão de Fiscalização e Disciplina que veio a ser submetido à Assembleia Geral de 11/12/2021 contém uma parte relativa à deliberação antes adoptada pela mesma Comissão, pelo que, anulada esta por aquela sentença, deve o relatório ser considerado inexistente, bem como a deliberação que sobre ele incidiu na segunda Assembleia Geral de 11/12/2021, e esta ser declarada nula/anulada.

Em suma, na configuração do Recorrente, a sentença datada de 2/01/2022, proferida no processo n.º 525/21.4T8LSB, que julgou procedente a respectiva acção instaurada pelo Autor contra o Réu e, em consequência, anulou as deliberações da Comissão de Fiscalização e Disciplina adoptadas na sua reunião de 16/12/2020, pode constituir mais um fundamento de declaração de nulidade/anulação das Assembleias Gerais de 11/12/2021 e respectivas deliberações, o que basta para que deva ser entendido como um novo elemento de facto constitutivo do direito que o Apelante se arroga, para efeitos da admissão do articulado e notificação da parte contrária para responder (art. 588.º, n.º 4 do CPC), não cabendo em sede liminar apreciar e decidir da efectiva bondade da pretensão do Autor mas apenas se é «manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa», o que não ocorre.
Note-se, contudo, que a factualidade superveniente alegada é apenas essa, ou seja, a prolação da sentença no processo n.º 525/21.4T8LSB, que anulou as deliberações da Comissão de Fiscalização e Disciplina adoptadas na sua reunião de 16/12/2020, e nenhuns outros factos invocados no articulado de 25/03/2022, que alegadamente foram conhecidos através daquele processo (instaurado em 7/01/2021 – cfr. Doc. n.º 24), pois esses podiam ter sido alegados na petição inicial da presente acção (apresentada em 31/12/2021), sendo certo que alguns o foram.

Por outro lado, no articulado superveniente, o Apelante invocou expressa e exclusivamente o art. 588.º do CPC, nunca referindo o disposto no art. 28.º do CPT, a que agora alude em sede de recurso, embora, a par do pedido já formulado na petição inicial, tenha ali formulado outros pedidos, a saber, a condenação do Réu a retratar-se, em mensagem dirigida pela Direcção a todos os associados do Sindicato, da afirmação feita no requerimento de convocação da Assembleia Geral, juntando para o efeito a petição inicial do processo 525/21.4T8LSB021 e respetivos documentos anexos, bem como a sentença proferida no mesmo, devendo colocar tal documentação, igualmente, no espaço correspondente do sítio do Sindicato na Internet, bem como a pagar ao Autor uma quantia diária fixada de acordo com critérios de razoabilidade por cada dia de atraso no cumprimento da sentença.

Ora, de qualquer modo, nos termos do citado art. 28.º do CPT, é permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir à petição inicial se posteriormente ocorrerem factos que o permitam ou, tendo ocorrido antes, o autor justifique a sua não inclusão na petição inicial, mas desde que a todos os pedidos corresponda a mesma forma de processo.

Como acima se explicitou, a presente acção segue a forma de processo especial regulada nos arts. 162.º e 164.º e seguintes do CPT, que tem por objecto a declaração de nulidade de deliberações e outros actos de órgãos das associações sindicais e outras entidades viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos, não comportando pedidos com a finalidade visada pelo Autor, pelo que a pretensão do Apelante improcede também nesta parte.

4.–Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido e admite-se o articulado superveniente de 25/03/2022, na parte em que alega, como fundamento do pedido formulado na petição inicial, a prolação de sentença datada de 2/01/2022 no processo n.º 525/21.4T8LSB, que julgou procedente a respectiva acção instaurada pelo Autor contra o Réu e, em consequência, anulou as deliberações da Comissão de Fiscalização e Disciplina adoptadas na sua reunião de 16/12/2020, devendo o tribunal recorrido determinar a notificação do Réu nos termos do art. 588.º, n.º 4, in fine, do CPC.
Custas na proporção de 2/3 pelo Apelante e 1/3 pelo Apelado.



Lisboa, 1 de Fevereiro de 2023


Alda Martins
Sérgio Almeida
Francisca Mendes