SOCIEDADE POR QUOTAS
EXCLUSÃO JUDICIAL DE SÓCIO
PRESCRIÇÃO
Sumário

Nas sociedades por quotas é de 90 dias o prazo para o exercício judicial da exclusão de sócio contados do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador de tal exclusão.

Texto Integral

Processo nº 5367/20.1T8VNG-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 6

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
No decurso da audiência prévia realizada a 23.03.2022 foi proferido despacho saneador que, entre o mais, conheceu da excepção da prescrição invocada, em sede de contestação, pela ré AA, concluindo pela improcedência da mesma por considerar ser de 20 anos o prazo de prescrição relativamente à acção judicial de exclusão de sócio que “A..., L.da” e BB instauraram contra aquela.
2. Não se resignando a Ré com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1. O despacho recorrido julgou improcedente a excepção da prescrição, entendendo ser aplicável à acção de exclusão de sócio o prazo geral de prescrição de 20 anos, não se justificando a aplicação, por analogia, do prazo de 90 dias previsto nos artºs 186º nº 2 e 254º nº 6 do Código das Sociedades Comerciais.
2. O pedido de exclusão de sócio da Ré é deduzido com fundamento em alegados comportamentos desleais, ilícitos, censuráveis e prejudiciais à sociedade, ao abrigo do no artº 242° do Código das Sociedades Comerciais,
3. Apesar de não estar expressamente previsto o prazo para a propositura da presente acção, por força da prescritibilidade consignada no n° 1 do artº 298° do Cod, Civl, esta não poderia ser intentada a todo o tempo.
4. Trata-se de um caso omisso, não previsto expressamente no Código das Sociedades Comerciais, pelo que há que fazer apelo ao disposto no artº 2° do referido diploma, o qual dispõe que "Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adoptado."
5. O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante) a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à aplicação, com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito.
6. Ora, o Código das Sociedades regula situações que se fundam em factos perfeitamente coincidentes, como sejam a ocorrência de prejuízos para a sociedade por comportamentos dos gerentes, nas sociedades por quotas (artº 254° CSC) e por comportamentos dos sócios, nas sociedades em nome colectivo (artº 186° do CSC), prevendo-se em ambos os casos o prazo de prescrição de 90 dias para o exercício do direito.
7. Sendo idênticas as situações, quer pela sua natureza, quer pelos fundamentos, deve aplicar-se por analogia à exclusão de sócio prevista no artº 242° do C.S.C o prazo de prescrição de 90 dias para a deliberação e instauração da acção aí prevista.
8. E essa é a solução jurídica que melhor se adapta quer ao instituto da exclusão de sócio, quer aos princípios jurídicos gerais que enformam todo o sistema jurídico, pois a acolher-se o prazo geral de 20 anos para a exclusão estar-se-ia a promover um alargamento do prazo geral de prescrição do direito com manifesta violação da unidade do sistema jurídico.
9. Acresce que, a exclusão de sócio se funda na manutenção da organização social e prossecução do fim comum do ente social, e tem sempre por fundamento um acto que se entende ser prejudicial à sociedade e com gravidade que justifique a não manutenção do sócio na sociedade, o que não se compagina com a possibilidade de prolongar no tempo, até ao limite de 20 anos, a efectivação do direito à exclusão.
10. Além disso, a aceitação do prazo geral de prescrição de 20 anos não é compaginável com a previsão de um prazo de 30 dias previsto no artº 242° n° 3, para a amortização da quota, sendo evidente a incompatibilidade de aceitar um prazo de prescrição de 20 anos.
11. Acresce que, não é de acolher a argumentação expendida no saneador recorrido em abono da aplicação do prazo geral de prescrição de que o sócio visado pode exonerar-se da mesma nos termos do disposto na al. b) do n° 1 do artº 240° do CSC.
12. Não se afigura haver razões que fundamentam a aplicação do prazo geral de prescrição de 20 anos à exclusão de sócio, sendo o prazo de 90 dias" justificado ou razoável", e o mais consentâneo com os princípios gerais do sistema jurídico.
13. O despacho recorrido violou as disposições dos artigos 2º, 241º, 242º, 186º, nº 2 e 254º, nº 6, todos do CSC.
14. Assim, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o segmento decisório do saneador recorrido que julgou improcedente a excepção da prescrição, declarando-se prescrito o direito de exclusão da R., absolvendo-a do pedido”.
A apelada “A..., L.da” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar qual o prazo de prescrição para judicialmente pedir a exclusão de sócio.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais relevantes para conhecimento do objecto do recurso são os descritos no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Tendo sido excepcionada pela ré a prescrição do exercício judicial do direito de exclusão de sócia, foi tal excepção julgada improcedente no despacho saneador proferido em sede audiência prévia.
É contra tal decisão que se insurge a recorrente através do presente recurso.
Refere a decisão recorrida: “Decorre do disposto no nº 2 do artigo 242º do Código das Sociedades Comerciais que: "A proposição da ação de exclusão deve ser deliberada pelos sócios; que poderão nomear representantes legais para o efeito."
Tendo em conta este preceito legal e o disposto no artigo 246º, nº. 1, alínea g), do mesmo diploma legal, resulta claro que a ação em questão tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral, como escreve Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, pág. 61.
Só a sociedade, após deliberação dos sócios, em Assembleia Geral, tem o direito de, por ser judicial, propor a exclusão de um sócio.
Por esse motivo, o conhecimento anterior pelos sócios ou sócio de factos, que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio, não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida ação.
O direito à exclusão de um sócio pertence, pois, à sociedade e não aos sócios.
O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando ação contra a sociedade, nos termos conjugados dos artigos 254º, nºs. 1 e 5 e 257º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais.
É nesta perspetiva que se tem de entender o disposto no nº. 6 do artigo 254º deste Código, que diz:
"Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da atividade exercida pelo gerente, ou em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados no início dessa atividade."
Efetivamente, podendo o sócio ou sócios, por si intentarem ação de destituição de gerente sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respetivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade.
A questão que, agora, se coloca consiste em apurar se o prazo de 90 dias fixado no nº. 6 do artigo 254º do Código das Sociedades Comerciais, para o exercício do direito da destituição do gerente, pode ser aplicado para o exercício do direito de exclusão de sócio.
É nosso entendimento que não.
Desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta ação, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social.
Ou seja, o direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.
Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), nº. 1, do artigo 240º do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial.
Quer isto dizer, que a sociedade não está obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio.
Terá de ter em conta tão só o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.
Daí não resulta, porém, qualquer prejuízo para o sócio, que se encontre na referida situação, pois o mesmo pode pedir, como se disse, a sua exoneração, com amortização quase imediata da sua quota, nos termos do nº. 3 do artigo 240.º do Código das Sociedades Comerciais ou esperar pelo exercício do direito de exclusão pela sociedade, no decurso do prazo ordinário de prescrição, para se defender dos factos, que determinaram a deliberação de exclusão.
Se assim é, não é de aplicar, por analogia, um prazo especial instituído para outra situação jurídica, como seja, o prazo para o exercício do direito de destituição de gerente.
Assim sendo e face ao exposto, julga-se improcedente a referida exceção de prescrição”.
A exclusão de sócio, disciplinada, quanto às sociedades por quotas, nos artigos 241.º e 242.º do C.S.C., implica a perda da titularidade da quota e a consequente perda da qualidade de sócio por parte do sócio excluído.
A perda dessa qualidade depende da iniciativa da sociedade, contra o desejo ou a inação do sócio excluído[1].
Nas sociedades por quotas, os sócios apenas podem delas ser excluídos nos casos previstos nos artigos 241.º e 242.º do C.S.C., ou seja, a sociedade por quotas apenas pode excluir um sócio “nos casos e termos previstos na presente lei”, bem como nos casos respeitantes à pessoa ou ao comportamento do sócio fixados no contrato que confiram à sociedade esse poder de exclusão, mediante deliberação (n.º 1 do artigo 241º), ou em decisão judicial, a ser proferida em acção proposta pela sociedade contra o sócio que pretende ver excluído, acção que tem de ser antecedida de deliberação dos sócios no sentido da propositura dessa acção (n.º 2 do artigo 242.º), e com fundamento em que o sócio demandado teve um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, que causou ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes (n.º 1 do artigo 242º do CSC).
O artigo 242.º do CSC, que regula o procedimento destinado à exclusão de sócio, não prevê qualquer prazo de prescrição desse direito da sociedade.
Na omissão de determinação expressa desse prazo, importa equacionar se deve entender-se ser de 20 anos o prazo de prescrição do direito da sociedade de exclusão de sócio, como defendeu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2003[2], e a cujos argumentos adere a decisão recorrida, ou se, ao invés, se deve considerar o prazo de 90 dias, por aplicação analógica do artigo 254.º, n.º 6 do CSC, ex vi do artigo 2.º do mesmo diploma legal, como entre outros, já sustentava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.1997[3], para o qual “a aplicação do prazo ordinário de prescrição, de 20 anos (artº 309º do Cod. Civil), deve ter-se como liminarmente rejeitada, por ser de todo incompatível com as exigências de celeridade que são próprias do direito comercial”, sendo de 90 dias o prazo previsto no artigo 186.º do CSC para a exclusão de sócio nas sociedades em nome colectivo.
Existindo justa causa, a destituição do gerente, que não terá necessariamente de deter a qualidade de sócio, pode ser requerida por qualquer sócio, nos termos do artigo 257.º, n.º 4 do CSC, podendo explicar-se o curto prazo de prescrição – 90 dias – por estar em causa a própria actividade da sociedade e do seu órgão de gestão corrente.
Com tal situação não se confunde a exclusão de sócio, cujo direito apenas cabe à sociedade, na sequência da deliberação dos sócios, como insistentemente a decisão recorrida faz notar.
Tratam-se, pois, de realidades distintas e inconfundíveis.
Ainda assim mostra-se claramente excessivo o prazo de prescrição de 20 anos para o exercício do direito de exclusão de sócio, não se compadecendo a vida societária com incertezas e delongas, sendo esse prazo incompatível “com as exigências de celeridade que são próprias do direito comercial”, de que fala o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.1997.
Além disso:
- ocorrendo fundamento para a exclusão do sócio por deliberação dos sócios com fundamento em factos respeitantes à sua pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato, a deliberação de exclusão tem que ser tomada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto, como decorre da conjugação dos artigos 241.º, n.º 2 e 234.º, ambos do CSC;
- é também de 90 dias, a contar do conhecimento do facto que lhe atribui tal faculdade, o prazo para o sócio se exonerar da sociedade, como decorre do artigo 240º, n.º 3 do CSC;
- é de 90 dias, quanto às sociedades por quotas, o prazo regra para a definição dos titulares das quotas ou gerência fixado no Código das Sociedades Comerciais: artigos 225.º, n.º 2, 226.º, n.º 1, 234.º, n.º 2, 240.º, n.º 3, 254.º, n.º 3.
Daí dever entender-se que “o prazo de prescrição para exercício judicial pela sociedade do direito de exclusão de sócio, é de 90 dias a contar do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador, por aplicação analógica do disposto nos arts. 241º e 234º”, tal como defende o acórdão da Relação de Évora de 18.10.2012[4], entendimento seguido pela generalidade da jurisprudência[5].
Uma vez que, no caso concreto, a acção não foi proposta no prazo de 90 dias contados do conhecimento do facto ou comportamento fundamentador do pedido de exclusão de sócia formulado contra a ré, ora apelante, verifica-se, quanto a tal pedido, a invocada prescrição, pelo que, relativamente à pretensão formulada pelos autores na petição inicial sob a alínea a), deve ser a mesma absolvida do respectivo pedido: artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Procede, como tal, o recurso da decisão que julgou improcedente a invocada excepção de prescrição, revogando-se tal decisão.

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Síntese conclusiva:
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na procedência do recurso, em revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição invocada pela Ré.
Em consequência, julgando verificada a referida excepção, absolve-se a Ré do pedido de exclusão de sócia contra ela formulado.
Custas do recurso: pela apelada.
[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]

Porto, 14.12.2022
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 9.02.2009, processo 7518/2008-1, www.dgsi.pt.
[2] Processo 03A323, www.dgsi.pt.
[3] CJ, ASTJ, 1997, tomo III, pág. 126.
[4] Processo 2992/11.5TBSTB-A.E1, www.dgsi.pt.
[5] Entre outros, acórdão da Relação do Porto de 13.07.2021, processo 4019/19.0T8STS-A.P1; da Relação de Coimbra, de 12.07.2022, processo 2999/21.4T8CBR-A.C1; da Relação de Guimarães de 25.05.2016, processo 3160/13.7TBBRG.G1, todos em www.dgsi.pt.