CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REGRAS DE CONDUTA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTO COM A VÍTIMA
FISCALIZAÇÃO POR MEIOS TÉCNICOS DE CONTROLO À DISTÂNCIA
Sumário


I – O especial regime atinente à suspensão da execução da pena previsto no art. 34º-B, nº 1, da Lei nº 112/2009, de 16.09 [redação introduzida pela Lei nº 129/2015, de 03.09], visa essencialmente a proteção da vítima de crime de violência doméstica, o que passa, entre o mais, pela fixação de regras de conduta que assegurem esse desiderato, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
II – No caso vertente, o Tribunal a quo não fundamentou a não aplicação (extraordinária, excecional) da regra de conduta de “afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”, cuja aplicação comum, ordinária a lei impõe, sendo certo que não justifica a ausência dessa cominação a pretensa desnecessidade de aplicação dessa regra de conduta em virtude de ter sido aplicada ao arguido pena acessória de idêntico jaez.
III – Os fundamentos de aplicação da pena acessória e da regra de conduta e a respetiva consequência do seu incumprimento não são inteiramente coincidentes. Se em ambas as medidas se pode descortinar o intuito legal de promover a proteção da vítima, há-de considerar-se que a aplicação da pena acessória visa outras finalidades, em parte coincidentes com as que subjazem à aplicação das penas principais; acresce que o não cumprimento da regra de conduta prevista no art. 34º-B, nº 1, da Lei nº 112/2009 pode conduzir, em última instância, à revogação da suspensão da execução da pena (cf. arts. 55º e 56º do CP), servindo assim de fator motivador para o condenado adotar uma conduta conforme àquela regra, enquanto o inadimplemento da pena acessória é suscetível de integrar a tipicidade objetiva do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo art. 353º do CP.
IV – A justificação para a determinação de fiscalização do cumprimento da pena acessória por meios técnicos de controlo à distância, não se pode ater acriticamente ao preceituado no art. 152º, nº 5 do Código Penal, olvidando o disposto no citado art. 35º, nº 1, da Lei nº 112/2009, que exige a emissão de um juízo judicial sobre a imprescindibilidade de utilização daqueles meios técnicos para proteção dos direitos da vítima, medida que constitui uma forte limitação à liberdade, não só do arguido, como também da vítima.
V – Acresce que nem da sentença nem das atas de julgamento decorre que tenha sido colhido o consentimento do arguido para implementação dos meios técnicos de controlo à distância (vulgo, vigilância eletrónica), acrescendo que inexiste invocada na decisão recorrida a dispensa, fundamentada, dos necessários e legais consentimentos, com base na absoluta necessidade daqueles meios para proteção da vítima (cfr. art. 36º, nº 7, da Lei 112/2009).
VI - Em conformidade, cumpre revogar a imposição ao arguido dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a vítima.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

I.1 - No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 5324/20.8T9BRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Braga - Juízo de Competência Genérica de ..., por sentença proferida a 13.07.2021 e depositada no dia 30.08.2021 (fls. 209 a 225/referência 174344917 e fls. 226/referência 17408921, respetivamente), foi decidido:

“Por tudo o exposto, julgo a acusação totalmente procedente, por provada e, em consequência, decido:

a) Condenar o arguido, J. O., como autor material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) e n.º2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova, de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP e condicionada à obrigação de frequentar programa de prevenção da violência doméstica, e efectuar tratamento da sua dependência alcoólica, em instituição adequada, com internamento, ficando adstrito a comparecer perante essa instituição de saúde sempre que solicitado para o efeito, nos termos dos artigos nos termos dos artigos 50.º, n.º5 e 52.º, n.º1, alínea c) e n.º 3, 53.º, n.ºs 1 e 2 do CP com a advertência que a violação de tais condições e incumprimento do regime de prova, poderá ser determinada a revogação da suspensão da pena de prisão - artigos 51.º, n.º1, alínea a), 52.º, n.º1, alíneas b) e c) e 53.º do CP.

b) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos, devendo manter-se afastado da residência dela bem como do seu local de trabalho por esse período temporal devendo essa proibição de contactos ser fiscalizada por meios de controlo à distância (cfr. Lei nº33/2010, de 02 de Setembro).

c) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s - art. 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1 do Código de Processo Penal e art. 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III anexa.
d) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante E. G. e, em consequência, condeno o demandado, J. O. a pagar à demandante a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros, à taxa legal de 4% a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demandado do demais peticionado.

e) Custas cíveis por demandante e demandado na proporção do decaimento – 527.º do CPC.

f) Valor do pedido de indemnização cível: 15.000,00€ (quinze mil euros) – arts. 296.º, 297.º e 306.º do CPC.”

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido J. O. (fls. 227 a 243), o qual veio a ser julgado por este Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 10/01/2022, onde se decidiu:

A) Declarar a nulidade da sentença recorrida por aplicação ao arguido de pena acessória não invocada na acusação, fora das condições legais (art. 379º, nº1, alínea b), do Código de Processo Penal), determinando-se, consequentemente, a remessa dos autos à primeira instância para reabertura da audiência, a fim de ser suprida a apontada nulidade, com comunicação ao arguido, nos termos e para efeitos do preceituado no art. 358º, nºs 1 e 3, do aludido diploma legal, da eventualidade de lhe ser aplicada aquela concreta pena acessória.

B) Em conformidade com o decidido em A), julgar prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo recurso do arguido J. O..

Na sequência da sobredita decisão deste Tribunal superior, foi dado cumprimento em primeira instância ao ali determinado, tendo-se procedido à reabertura da audiência de julgamento onde foi comunicada a alteração da qualificação jurídica, de acordo com o formalismo legal, e foi proferida nova sentença, em 23/05/2022 [referência 17940641] – depositada em 26/05/2022 [referência 17947482] -, contendo o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto, julgo a acusação totalmente procedente, por provada e, em consequência, decido:

a) Condenar o arguido, J. O., como autor material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º1, alínea a) e n.º2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, sujeita a regime de prova, de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP e condicionada à obrigação de frequentar programa de prevenção da violência doméstica, e efectuar tratamento da sua dependência alcoólica, em instituição adequada, com internamento, ficando adstrito a comparecer perante essa instituição de saúde sempre que solicitado para o efeito, nos termos dos artigos nos termos dos artigos 50.º, n.º5 e 52.º, n.º1, alínea c) e n.º 3, 53.º, n.ºs 1 e 2 do CP com a advertência que a violação de tais condições e incumprimento do regime de prova, poderá ser determinada a revogação da suspensão da pena de prisão - artigos 51.º, n.º1, alínea a), 52.º, n.º1, alíneas b) e c) e 53.º do CP.

b) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos, devendo manter-se afastado da residência dela bem como do seu local de trabalho por esse período temporal devendo essa proibição de contactos ser fiscalizada por meios de controlo à distância (cfr. Lei nº33/2010, de 02 de Setembro).
c) Condenar o arguido nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s - art. 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1 do Código de Processo Penal e art. 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela III anexa.
d) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante E. G. e, em consequência, condeno o demandado, J. O. a pagar à demandante a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros, à taxa legal de 4% a contar da data da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demandado do demais peticionado.
e) Custas cíveis por demandante e demandado na proporção do decaimento – 527.º do CPC.
f) Valor do pedido de indemnização cível: 15.000,00€ (quinze mil euros) – arts. 296.º, 297.º e 306.º do CPC.”

I.2 – Discordando da nova sentença proferida em primeira instância, o arguido J. O. deduziu recurso em que após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório [referência 13202183]:

“1. O tribunal a quo não deu igual tratamento e valorização às declarações proferidas pelo arguido e pela assistente; do confronto com a prova produzida - declarações e depoimentos - resulta a não observação das regras da imparcialidade.

2. A convicção do Tribunal a quo formou-se, assim, com base em erro manifesto, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum, sendo evidente os princípios contraditórios em que ela alicerçou a decisão, não logrando formar uma convicção de certeza.

3. Existe, pois, erro notório na apreciação da prova que deve determinar decisão diversa da recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 410º, nº2 b) e c) e 412º, nº3 a) e b) do CPPen. que assim foram violadas.

4. Os factos assentes, perpetrados pelo ora Recorrente, não se enquadram na previsão do art. 152.º do C. Pen., podendo configurar, antes e apenas, crime de ameaças e injúrias.

5. Para a existência do crime de violência doméstica é necessário que os factos praticados: afetem de modo grave e saúde física, psíquica ou emocional da vítima; que essa afetação comprometa de igual modo gravemente o desenvolvimento (ou a revelação / manifestação), da sua personalidade (e da sua maneira de ser), e com isso ponha em causa (ou seja suscetível de pôr em causa), a dignidade da pessoa humana (ser livre e responsável), o que não se verifica no caso presente.

6. Ora, não decorre da sentença em crise, nomeadamente dos factos provados, que o Arguido, ora Recorrente, tenha agido de forma a diminuir e afectar a dignidade da assistente, menos ainda, que tenha afectado a sua saúde física ou psíquica.

7. Os factos dados como provados, praticados pelo Arguido, apesar de graves, não assumiram, objectivamente, contornos violentos.

8. Os factos provados – e as circunstâncias em que foram praticados – não são reveladores de qualquer especial gravidade ou crueldade por parte do arguido, sendo certo que não ficou demonstrado sequer que este tivesse especial ascendente sobre a assistente.

Além disso,

9. A conduta do arguido não preenche qualquer circunstância agravante prevista no nº 2 do art. 152º do C. Pen.

10. Não existindo qualquer desvalor na conduta do arguido, não se justifica a punição agravada prevista no nº 2 do art. 152º do CPPen.

11. Assim, pelas razões que se aduziram, é forçoso concluir que os factos assentes, perpetrados pelo arguido/recorrente, não se enquadram na previsão do art. 152º do CPen.

Sem prescindir,

12. Caso o supra exposto não seja atendido, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que a pena principal aplicada ao arguido, bem como as obrigações associadas, são claramente exageradas, perante os factos dados como provados.

13. Ponderada a globalidade da matéria factual provada e não provada, a pena de prisão suspensa na sua execução e obrigações encontradas para o arguido são manifestamente excessivas.

14. O arguido é um cidadão exemplar, não tem antecedentes criminais, é uma pessoa estimada e considerada na comunidade onde vive.

15. Assim, considerando os factos dados como provados, o arguido estar integrado no meio onde reside, ser uma pessoa bastante considerada e estimada, ter o apoio familiar, ser de condição socioeconómica muito modesta, não ter antecedentes criminais nem processos pendentes que o relacionem com qualquer tipo de ilícito,

16. O tribunal deveria ter aplicado uma pena especialmente atenuada e fixada no mínimo legal, ou seja, um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.

17. Ao recorrente foi ainda aplicada a pena de proibição de contactos com a ofendida pelo período de 2 anos.

18. A aplicação desta pena acessória, tal como das demais, depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso.

19. Ora, os argumentos aduzidos na sentença recorrida – “receio manifestado pela ofendida, em sede de audiência de discussão e julgamento, de que o arguido se aproxime de si e concretize as ameaças que por várias vezes proferiu” não nos parecem suficientes para justificar a aplicação da pena acessória ao arguido;

20. Desde logo, dos factos apurados resulta que o arguido e a assistente estão separados de facto desde o dia 3 de Dezembro de 2019 e nada se apurou quanto ao comportamento do arguido desde essa altura até Junho de 2020 e desde então até hoje.

21. Por outro lado, a sanção principal satisfaz de forma adequada e suficiente as necessidades da punição sendo, consequentemente, desnecessária a aplicação de uma pena acessória.

22. Deve, pois, ser revogada a condenação do arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos.

23. Resulta ainda da sentença recorrida a utilização de meios de controlo à distância para verificação do cumprimento da sanção acessória.

24. Sucede que a utilização de meios de vigilância eletrónica do cumprimento da medida depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.

25. Como claramente resulta da letra do art. 35º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, a aplicação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância depende da demonstração de a mesma se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, o que não se mostra minimamente observado na sentença recorrida.

26. Por seu lado, de acordo com o 36º, n.º 7, do mesmo diploma, a dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem, determinada pelo tribunal a quo, estava igualmente dependente dessa decisão fundamentada sobre a imprescindibilidade da referida fiscalização por meios eletrónicos para a proteção dos direitos da vítima.

27. Na ausência dessa fundamentação, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.

28. Refira-se ainda que da matéria de facto provada não resultam circunstâncias concretas que apontem no sentido de a proteção dos direitos da vítima reclamar essa forma de fiscalização.

29. Pelo que, face à falta de fundamentação e da dispensa do consentimento do arguido, deve a sentença recorrida ser revogada na parte em que determinou a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos do arguido com a assistente por meios técnicos de controlo à distância,

30. Por violação, entre outros, dos arts. 40º, 70º a 73º e 152º, nº 3 e nº 4 do CPen. e os arts. 35º e 36º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro.

31. Quanto ao valor da indemnização fixada, esta deve ser adequada e proporcional à gravidade objectiva dos factos, tomando em conta todas as regras de bom senso e da justa medida das realidades da vida.

32. Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, assim como à do lesado. Tudo devidamente sopesado em juízos de equidade, aos quais não podem também ser alheias as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes.

33. Como tem sido assinalado de forma constante na jurisprudência, a indemnização por danos não patrimoniais, se nunca poderá constituir um enriquecimento sem causa, também não pode ser meramente simbólica ou miserabilista, devendo fixar-se em montante que tendencialmente viabilize o fim a que se destina.

34. Ora, o arguido não praticou qualquer facto ilícito de onde possa decorrer a obrigação de indemnização a que foi condenado.

35. O valor da indemnização pelo dano não patrimonial fixada pela douta sentença mostra-se totalmente desajustado e desconforme com a aplicada em casos idênticos, que tem vindo a ser fixada em valores que variam entre 750,00€ e 1.000,00€.

36. Sopesando em conjunto a natureza e a gravidade dos danos sofridos pela ofendida, a capacidade económica do demandado e da demandante e os valores habitualmente fixados pela jurisprudência em situações semelhantes, consideramos excessivo e inadequado o valor da indemnização de €5.000,00 fixado na sentença recorrida pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, que assim se deve expressivamente reduzir.

37. Pelo que, no uso do juízo de equidade que deve presidir à sua fixação, deverá aquele valor indemnizatório de €5.000,00 ser reduzido, para valor não superior a 1.000,00€, sempre na esteira da aplicação daquele princípio.

38. Decidindo de forma diversa, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da lei, designadamente dos artigos 494º e 496º do CCiv., pelo que a Sentença recorrida deve ser revogada e proferido Acórdão tendo em conta o supra exposto.

39. O arguido, com o devido respeito, não se pode conformar com a Sentença proferida, pelo que deve ser revogada e proferido Acórdão tendo em conta o supra exposto.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser o Recorrente absolvido do crime pelo qual foi condenado, ou quando assim se não entenda, ser condenado pela sua moldura penal mínima sem a agravação, sem a sanção acessória e sem a indemnização aplicadas, só assim se fazendo, JUSTIÇA.

Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que pugna pela improcedência do recurso [referência 13273464].

A Assistente, E. G., não deduziu resposta ao recurso

I.3 - Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que conclui que deverá o recurso interposto ser declarado improcedente com exceção da parte em que se insurge que a pena de afastamento da vítima seja feito através da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância da pena acessória de proibição de contacto com a vítima [referência 8337629].

Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir reportam-se a:

A – Alegado erro notório na apreciação da prova [art. 410º, nº2, al. c), do CPP];
B – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto/erro de julgamento;
C - Não preenchimento pela factualidade apurada do crime de violência doméstica (art. 152º do Código Penal), ou, pelo menos, inexistência de qualquer das circunstâncias agravantes previstas no nº2 desse preceito legal;
D – Da pugnada atenuação especial da pena principal aplicada ao arguido e excessividade da mesma;
E – Excessividade das obrigações associadas à suspensão da execução da pena;
F – Da alegada desnecessidade de aplicação da pena acessória e falta de fundamentação da sua fiscalização mediante meios de controlo à distância, bem como da dispensa de consentimento do arguido para a utilização destes;
G – Do alegado valor desajustado fixado a título de quantum indemnizatur.

*

III – APRECIAÇÃO:

III. 1 – Factualidade dada como provada e não provada na decisão recorrida e respetiva motivação:

“1. O arguido J. O. e a ofendida E. G. casaram-se entre si, em 1997, tendo-se divorciado em 2015.
2. Deste casamento nasceu um filho, T. J., nascido em - de Novembro de 1998.
3. O arguido e a ofendida estabeleceram residência em ..., ....
4. Após o divórcio, no ano de 2018, a ofendida e o arguido reataram a relação conjugal passando a viver em condições análogas às dos cônjuges, tendo a ofendida terminado esta relação com o arguido em 3 de Dezembro de 2019, facto que não foi bem aceite por este.
5. O comportamento do arguido é agravado pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
6. Desde então, o arguido passou a dizer publicamente, e em voz alta, por ... que “é por isso que elas aparecem mortas e ela não vai ser diferente”.
7. Em data não concretamente apurada do mês de Junho de 2020, o arguido deslocou-se a casa da ofendida, sita na Rua ..., em ..., a ver se a mesma ali se encontrava.
8. Aí chegado, o arguido, aproveitando que a ofendida estava a sair de casa, começou a segui-la pela rua abaixo, dizendo em voz alta “sua puta, sua borrachona, qualquer dia passo-te com a mota por cima”.
9. O arguido proferiu tais expressões, de forma a ser ouvido por todos na rua.
10. No dia - de Julho de 2020, pelas 21h, a ofendida estava com a testemunha P. R. a passear no Largo do …, em ..., quando se apercebeu da presença do arguido.
11. Assim que o arguido avistou a ofendida, começou a apodá-la de “puta, porca, vaca, badalhoca”, fazendo-o em voz alta, de forma a todos que se encontrassem na rua poderem ouvir.
12. Nas circunstâncias espácio-temporais descritas em 10), o arguido fazia-se transportar numa Moto 4, com um junco de grandes dimensões para agredir a ofendida, só não o conseguindo por a ofendida estar acompanhada.
13. A testemunha P. R. acompanhou a ofendida até sua casa, tendo o arguido seguido-as e permaneceu algum tempo à porta de casa da ofendida, a ver se a mesma voltava a sair.
14. O arguido durante os meses de Julho e Agosto de 2020, diariamente colocou-se à porta de casa da ofendida, sita na Rua ..., ..., ..., à espera que a mesma saísse.
15. O comportamento do arguido coloca a ofendida em constante sobressalto.
16. O arguido no fim-de-semana de 22 e 23 de Agosto de 2020, colocou-se à porta do trabalho, à espera que a mesma saísse.
17. Assim que avistou a ofendida, disse-lhe que queria falar com ela e perante a recusa da ofendida, continuou a segui-la até sua casa.
18. Quase diariamente o arguido publicamente, pela localidade que habita, apoda a ofendida de “puta, vaca, badalhoca, vaca do monte que não tens boi certo”;
19. Nos fins-de-semana de 07/08 de Novembro e 14/15 de Novembro de 2020 o arguido deslocou-se a casa da ofendida e tentou forçar a porta para entrar na mesma, só não conseguindo por a sua nora o ter impedido.
20. Ainda durante o mês de Novembro de 2020, o arguido deixou vários bilhetes na caixa do correio da ofendida, com os seguintes dizeres:
“Amo-te Muito” “Podiamos ser amigos”
“Por muito que tenha tentado não sou capaz. Estou no fim” Não tenho conseguido tirar-te do meu… Estou a sofrer”.
21. Na sequência do comportamento do arguido, a ofendida trocou todas as fechaduras das portas de acesso ao exterior, bem como passou a ter as janelas de casa fechadas, sentindo-se prisioneira no seu interior.
22. O arguido praticou todas as condutas acima referidas contra a ofendida, sua ex-companheira e mãe do seu filho, com a intenção de a molestar física e psicologicamente, o que logrou concretizar.
23. Agiu o arguido com o propósito concretizado de vexar, amedrontar, controlar a mesma, criando um clima de violência, de despotismo, de temor, insegurança, rebaixamento e humilhação em seu redor.
24. O arguido atuou indiferente à relação matrimonial que manteve com a ofendida e à presença do filho que têm em comum.
25. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser proibida a sua conduta.

Mais se provou que:
26. O arguido J. O. cresceu no contexto de um agregado familiar de recursos humildes com dez filhos, em que o pai era pedreiro e a mãe doméstica, dedicando-se também à agricultura. Apesar das limitações económicas nunca passou por privações e ainda que o pai fosse mais austero, o ambiente relacional também era pautado pela afetividade.
27. Foi com algumas dificuldades que concluiu o 6.º ano de escolaridade, sendo que os estudos não eram valorizados pela família. Tal como os irmãos, ainda enquanto estudava, teve que começar a ajudar os pais em tarefas relacionadas com a agricultura e a pecuária. Aos 13 anos de idade, como forma de procurar contribuir para o sustento da família, já tinha por hábito ajudar a cuidar de gado dos lavradores da freguesia onde residia.
28. Quando terminou o 6.º ano desistiu da escola e, à semelhança do pai, começou a trabalhar como operário na área da construção civil, tendo trabalhado até 2018 para várias empresas desse ramo de atividade. Também era frequente fazer biscates aos fins de semana como forma de obter mais rendimentos.
29. Em 1997 contraiu matrimónio com a ofendida, altura em que saiu de casa dos progenitores e alugou uma casa em ..., .... Um ano depois foi pai, sendo que o filho atualmente tem 22 anos de idade.
30. Alguns anos mais tarde, com recurso a empréstimo bancário, construiu uma casa na mesma freguesia, onde passou a viver com a família. Em 2016, na sequência de problemas de relacionamento com o cônjuge divorciou-se.
31. O arguido sinaliza que começou a consumir bebidas alcoólicas ainda na infância e reconhece que, há já vários anos, tem um problema de dependência do consumo de bebidas alcoólicas que requer acompanhamento clínico especializado.
32. À data dos factos que deram origem ao presente processo, J. O. tinha-se divorciado recentemente e saído da casa onde residia com a ex-cônjuge e com o filho, tendo ido morar para casa de uma irmã que o acolheu.
33. Alguns meses depois optou por efetuar tratamento ao alcoolismo. Inicialmente fez a desintoxicação numa unidade de alcoologia em Coimbra, à qual se seguiram o internamento e a reabilitação na comunidade terapêutica do Centro de Solidariedade de .../Projeto Homem, onde esteve cerca de 7 meses.
34. Depois desse tratamento, em 2017, emigrou para França, onde esteve cerca de um ano e três meses a trabalhar na construção de infraestruturas rodoviárias. Quando regressou voltou a residir com a ex-cônjuge que o aceitou novamente na sua casa e foi convidado a integrar o corpo de sapadores florestais do município de ..., trabalho que tem vindo a realizar até ao presente.
35. Em 2019, na sequência do ressurgimento de conflitos com o ex-cônjuge, optou por sair novamente de casa e voltou a residir na casa da irmã. Nesse período recaiu no consumo de bebidas alcoólicas. A propósito desse relacionamento afetivo o arguido admite que continua a nutrir um sentimento de forte afetividade pela ex-cônjuge.
36. Aufere um salário de cerca de 725,89 euros mensais. O seu trabalho tem merecido uma avaliação muito positiva por parte dos responsáveis do serviço, mas, o facto de ter recaído no consumo de bebidas alcoólicas, bem como a instabilidade emocional e afetiva que tem vivido recentemente, têm contribuído para alguma instabilidade no contexto laboral, encontrando-se de baixa médica desde abril do corrente ano.
37. Tem sentido dificuldade em lidar com a separação da ex-cônjuge e que, com a instabilidade emocional vivida, sentia um maior impulso para consumir bebidas alcoólicas, situação que também se estava a repercutir na instabilidade laboral e falta de assiduidade ao trabalho.
38. Em abstrato, demonstrou um discurso crítico e de censura face ao tipo de crime, manifestando também consciência do respetivo impacto nas vítimas.
39. É considerado pelos seus amigos uma pessoa trabalhadora e pacífica.
40. O arguido não regista antecedentes criminais.
41. O arguido encontra-se desde 22 de Maio de 2021 integrado no Programa Terapêutico/Educativo do Centro de Solidariedade de ... – Projecto ..., em regime de internamento, transitando no dia 23.05.2022 para a fase de Reinserção Social do Projecto ... em Braga.
Dos factos relativos ao pedido de indemnização civil
Além dos factos demonstrados sob os pontos provou-se também que:
42. Em consequência do vertido em 1) a 25) a demandante sente medo e insegurança;
43. Em consequência do referido em 1) a 25) a demandante sente-se oprimida e teme sair de casa, principalmente à noite;
44. A demandante tem receio de refazer a sua vida afectiva, porque sabe que se o arguido a vir com outro homem tornar-se-á violento;
45. O comportamento do demandado coloca a demandante em constante sobressalto, medo profundo e stress.
46. A demandante vê-se constantemente insultada e vexada pelo demandado em todos os cafés e sítios públicos da freguesia onde reside.
47. O referido em 3) a 25) e 42) a 45) gera na demandante sentimentos de tristeza, angústia e desespero;

Factos Não Provados:

Não se provou que:
Da acusação
a) O arguido e a assistente divorciaram-se em 2014;
b) A ofendida terminou o casamento com o arguido no ano de 2016;
c) Nas circunstâncias referidas em 18) o arguido apoda a ofendida de “vaca do monte que não tens dono”.

Do Pedido de Indemnização Cível:
d) Era comum que o demandado soltasse o canídeo da demandante para que este fugisse da habitação, sabendo que tal situação iria perturbar e afectar a demandante, em virtude de esta gostar muito do seu animal de estimação;
e) Apesar de nunca ter agredido fisicamente a Demandante, na constância do matrimónio, por várias vezes lhe “levantou a mão”, fazendo o gesto como se a agredisse, por forma a ameaçar a Demandante, o que logrou conseguir;
f) Chegando mesmo a dizer-lhe, nessas alturas “que a matava”, caso o deixasse;

Consigna-se que não foram reconduzidas aos factos provados, nem aos não provados, as afirmações de cariz jurídico ou meramente conclusivo que integram o pedido cível, por constituírem mera argumentação, repetição da acusação, não possuírem relevância jurídico-penal ou pertinência para aferição dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.

Motivação da decisão de facto
O Tribunal formou a sua convicção relativamente à matéria de facto, com base na apreciação crítica da prova produzida em julgamento, nomeadamente, nas declarações da assistente e nos depoimentos das testemunhas, conjugada com a prova documental junta aos autos, nomeadamente os assentos de casamento e de nascimento, para prova dos factos vertidos em 1) e 2).
O arguido prestou declarações, confessando parcialmente os factos de que se encontrava acusado, assumindo no entanto uma postura de desresponsabilização e projectando na ofendida/assistente E. G. a responsabilidade de estar submetido a julgamento, referindo que tinham discussões como qualquer casal, que se divorciaram a bem e após reatarem a relação conjugal, vivendo novamente como se marido e mulher fossem, a ofendida permaneceu com ele enquanto o dinheiro que ele (arguido) tinha amealhado em França existia, após o que separou-se dele novamente e colocou-o fora de casa. Mais referiu que nunca “perseguiu” a ofendida, apenas foi a casa dela numa situação buscar correio, pois ainda tinha cartas que eram endereçadas para a sua antiga morada e, por outro lado, tinha de efectuar o percurso pela rua onde habita a ofendida porque é o que lhe fica mais perto para chegar à residência onde habita.
Por último referiu ainda que consome bebidas alcoólicas mas apenas esporadicamente.
Para prova dos factos vertidos em 3) a 25) e 42) a 45) (estes últimos referentes ao PIC) o Tribunal considerou as declarações da assistente, E. G. a qual, de forma espontânea, humilde, coerente e sincera relatou os factos tal como os mesmos ocorreram e constam dos factos provados, revelando boa recordação dos mesmos, que foram descritos de forma circunstanciada, revelando por vezes emoção o que não retirou coerência e objectividade às suas declarações. As declarações da assistente foram totalmente espontâneas, revelando um genuíno medo, o que é próprio nestes processos, revelando, como se disse alguma emoção, e mereceu-nos toda a credibilidade.
Em síntese, referiu que casou com o arguido em 1997, tendo-se divorciado em Maio de 2015, tendo um filho em comum com o mesmo. Posteriormente, no ano de 2018, reataram a relação conjugal passando a viver como se fossem marido e mulher, tendo a ofendida terminado a relação com o arguido em 3 de Dezembro de 2019, facto que não foi bem aceite por este. Referiu ainda que o arguido, pese embora os tratamentos efectuados ao seu problema com o álcool, mantém os consumos de bebidas alcoólicas em excesso. Relatou de forma muito precisa e circunstanciada os factos vertidos em Junho de 2020, explicando que estava em casa da sua mãe pois uma a sua irmã estava em ... de visita à mãe, após o período de confinamento motivado pela pandemia e também o período de convalescença do seu filho (sobrinho e afilhado da ofendida e do arguido) que havia sofrido um AVC com 15 anos de idade. O arguido apareceu junto a casa da sua mãe e pediu para entrar, julgando a ofendida que o mesmo iria apenas ver o sobrinho e afilhado. Nessa sequência o arguido começou a discutir com a ofendida, verbalizando acusações contra si tendo a sua irmã intervindo e pedido ao arguido que parasse com aquele comportamento. Como o arguido não parou a ofendida saiu de casa da sua mãe e dirigiu-se para a sua residência tendo aquele seguido no seu encalço a discutir e chamando-lhe “puta”, “borrachona” e ainda “qualquer dia passo-te a moto por cima”. Tal episódio foi presenciado por uma vizinha que alertada pelo barulho veio à porta ver o que se passava, não tendo o arguido se coibido de parar o seu comportamento. Relatou com elevado pormenor o episódio ocorrido em Julho de 2020 quando se encontrava a realizar uma caminhada com uma amiga e as expressões que o arguido lhe dirigiu. Mais referiu que o arguido fazia-se transportar numa moto 4, trazendo um junco consigo, o que até aí nunca sucedeu, crendo a ofendida que o mesmo seria para ser utilizado contra si.
Referiu ainda que o arguido durante os meses de Julho e Agosto de 2020 e mesmo posteriormente a ter sido sujeito a interrogatório judicial colocava-se à porta da sua residência (dela ofendida) à espera que a mesma saísse, assumindo o mesmo comportamento à porta do seu local de trabalho. Confirmou ainda que o arguido a apoda de “puta”, “vaca”, “badalhoca” e “vaca do monte que não tens boi certo”
Referiu também que ao ser apodada com as expressões que o arguido lhe dirige, sentiu-se e sente-se envergonhada, humilhada e triste. Mais referiu que sente medo e receio de sair à noite e de sair sozinha, tendo sempre a companhia de amigas, pois a qualquer momento o arguido pode aparecer e não pode prever o que ele lhe fará. Referiu ainda, visivelmente emocionada que vive uma vida oprimida e prisioneira dentro da sua própria casa, na medida em que o arguido constantemente a persegue e ronda a sua casa.
Mais referiu que esta situação é conhecida em ... e comentada, o que a deixa envergonhada e humilhada, tanto mais que o arguido refere publicamente “é por isso que elas aparecem mortas e ela não vai ser diferente”, explicando a ofendida que o homicídio de uma mulher às mãos do seu marido em ... ocorrido em Março de 2019, ainda está muito presente na comunidade e o arguido serve-se disso para a atormentar.
Confirmou igualmente que o arguido em dois fins de semana do mês de Novembro de 2020, a seguir ao feriado de Todos os Santos, tentou forçar a entrada na sua residência só não conseguindo porque a sua “nora”, namorada do seu filho, o impediu.
A assistente confirmou ainda que em consequência dos comportamentos do arguido trocou todas as fechaduras da sua casa e passou a ter as janelas sempre fechadas, vivendo uma vida, segunda a própria, de prisioneira na sua própria casa.
Mais confirmou o teor dos bilhetes deixados pelo arguido na sua caixa do correio.
Foi igualmente considerado o depoimento da testemunha, T. J., filho do arguido e assistente, o qual de forma espontânea, humilde, coerente e sincera corroborou, no essencial o depoimento da assistente, designadamente o episódio ocorrido em Junho de 2020, quando o arguido se deslocou a casa da sua avó, as expressões que o arguido dirigia à sua mãe, quer directamente a esta quer publicamente pela freguesia de .... Mais confirmou a tentativa do arguido forçar a entrada na casa da sua mãe por duas vezes tendo sido impedido pela namorada da testemunha.
Referiu igualmente que o seu pai sempre teve problemas com o álcool, consumindo bebidas alcoólicas em excesso.
Confirmou ainda o estado de espírito da sua mãe e as consequências que o comportamento do arguido geram na mesma, nomeadamente o medo e receio de sair sozinha à rua, o desespero, a tristeza e a angústia.
Por sua vez a testemunha P. R., amiga da assistente, com conhecimento directo e de forma objectiva, circunstanciada e isenta confirmou as declarações da assistente relativamente aos factos ocorridos em 28 de Julho de 2021, quando acompanhava a assistente numa caminhada, confirmando ainda que o arguido apodou a assistente de “puta”, “vaca” e badalhoca”.
Mais referiu que a assistente sente-se ansiosa, receosa e com medo de sair de casa sozinha.
A testemunha M. A. amiga da assistente referiu que numa das vezes em que tinha combinado sair com a assistente juntamente com outras amigas, foram buscá-la a casa e mais adiante do local viu o arguido escondido a observar a porta da residência da assistente. Confirmou que a assistente sentia-se transtornada e com medo de sair à rua e sair com outras pessoas porque o arguido andava sempre a rondar a sua residência.
Por último o Tribunal considerou ainda o depoimento da testemunha M. G., a qual com conhecimento directo dos factos e de forma absolutamente espontânea, objectiva e isenta confirmou o episódio ocorrido em Junho de 2020 junto à casa da mãe da assistente, confirmando ainda as expressões que o arguido dirigiu à assistente, acrescentando que a própria mãe da assistente sentiu-se muito incomodada e transtornada com a situação assim como a própria assistente.
Cumpre, ainda, salientar que os factos provados de 22) a 25) e relativos ao dolo, porquanto insusceptíveis de prova directa, decorrem dos factos objectivos provados, o que, considerando as regras da experiência comum e através de presunções naturais, permite de forma segura inferir tais conclusões.
Com efeito, o arguido ao praticar as suas condutas não teve outra intenção que não a de molestar física e psicologicamente a ofendida o que conseguiu. Dos factos objectivos provados, dúvidas não restam que o arguido não teve outro propósito que não fosse vexar, amedrontar, rebaixar e humilhar a sua ex-esposa, criando um clima de medo e insegurança, indiferente ao facto de ter sido casado com a assistente e de terem um filho em comum e do especial dever de respeito pela ofendida enquanto sua ex-esposa e ser humano, bem sabendo que agia contra a lei e o direito.
Face à prova produzida em audiência de julgamento, em especial das declarações e depoimentos sinceros, emotivos, objectivos e isentos da assistente e testemunhas inquiridas, conjugados com a confissão ainda que parcial dos factos pelo arguido, não teve o Tribunal quaisquer dúvidas em considerar provados os factos constantes do despacho de acusação, tal como foram considerados provados.
A situação vivenciada pela assistente revela sofrimento, tristeza, angústia e humilhação manifestamente atentatórios da sua dignidade enquanto ser humano e mulher.
Relativamente às condições pessoais, situação sócio-económica e personalidade do arguido – factos vertidos em 26) a 39) - foi considerado o relatório social junto aos autos conjugado com os depoimentos das testemunhas M. B. e J. D., amigos do arguido que referiram conhecer o mesmo, considerando-o uma pessoa trabalhadora e pacífica, não lhe conhecendo actos de violência, acrescentando a testemunha M. B. que o arguido tem um problema de adição de álcool.
No que respeita aos factos vertidos em 39) – relativos à personalidade do arguido - foram considerados os depoimentos das testemunhas, G. R. e J. F., os quais de forma isenta, objectiva e credível confirmaram tal factualidade merecendo acolhimento por parte do Tribunal.
Quanto à demonstração dos antecedentes criminais do arguido, vertida em 40) tomou-se em atenção o seu Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
No que concerne ao facto vertido em 41) foi considerado o teor do documento junto aquando da reabertura da audiência para comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, como determinado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
No que concerne aos factos não provados vertidos em a) a c) resultaram os mesmos da prova produzida em audiência de julgamento em sentido contrário àqueles e relativamente aos vertidos na alínea d) a f) funda-se a sua consideração na ausência de produção de prova bastante sobre a verificação dos mesmos no decurso da audiência de discussão e julgamento, na medida em que nem a assistente nem nenhuma das testemunhas inquiridas os confirmaram.”
*

III. 2 – Análise das concretas questões suscitadas pelo recurso do arguido:


III.2.1 – Do apontado vício de erro notório na apreciação da prova [artigo 410º, nº2, al. c), do Código de Processo Penal]:

Invocando o disposto no art. 410º, nº2, al. c), do CPP, afirma o arguido/recorrente que o tribunal recorrido incorreu no vício de erro notório na apreciação da prova – cfr. conclusões 1ª a 3ª.
Alega, em súmula tribunal que o Tribunal a quo não deu igual tratamento e valorização às declarações proferidas pelo arguido e pela assistente, sendo que do confronto com a prova produzida - declarações e depoimentos - resulta a não observação das regras da imparcialidade. A convicção do Tribunal a quo formou-se, assim, com base em erro manifesto, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum, sendo evidente os princípios contraditórios em que ela alicerçou a decisão, não logrando formar uma convicção de certeza.
Vejamos.

Preceitua o art. 410º do Código de Processo Penal [na parte ora relevante]:

“1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum:
[…]
c) Erro notório na apreciação da prova.”
O erro notório na apreciação da prova “é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência” (2).
Como é jurisprudência pacífica (3), só há erro notório na apreciação da prova quando for de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão (não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo).
O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Perante a simples leitura do texto da decisão, o “homem médio” conclui, legitimamente, que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Como referido no acima citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015, “Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.”
Assim entendido, é manifesto que no caso sub judice não se verifica o invocado vício, pois não se deteta, ao nível da apreciação da prova, qualquer erro na sentença recorrida, e muito menos notório ou manifesto.
Aliás, o recorrente não alega qualquer fundamento fáctico para sustentar a ocorrência do invocado vício, pois não especifica qualquer trecho da motivação da decisão sobre a matéria de facto donde decorra, no cotejo com as provas produzidas em audiência, manifesta errada interpretação e aplicação das regras de experiência comum, do normal suceder.
Salvo o devido respeito, o que o arguido/recorrente expressa na respetiva motivação de recurso é a sua discordância face à decisão de facto tomada pelo Tribunal recorrido – cujos concretos pontos de facto nem especifica, como veremos infra –, pois que, na perspetiva daquele, face à prova produzida, nomeadamente por confrontação das declarações da assistente com as por ele prestadas em audiência de julgamento, o Tribunal recorrido não devia ter considerado como provada a factualidade suscetível de integrar a prática do crime de violência doméstica que lhe foi imputado na acusação pública.
Ou seja, o recorrente alega, incorretamente, a existência de erro notório na apreciação da prova, quando, na verdade, como resulta do corpo da motivação e das conclusões, não é isso que pretende invocar. Com efeito, não é o vício do art. 410º que entende que se verifica; o que o recorrente alega, socorrendo-se dos preditos meios de prova gravados, é que a apreciação da prova é manifestamente errada. Todavia, isto, tratando-se antes de erro de julgamento e cabendo no domínio da impugnação da matéria de facto, é uma realidade distinta do erro notório na apreciação da prova, vício que, frisa-se, deve emergir unicamente do próprio texto da decisão recorrida.
A pugnada errada apreciação da prova produzida em julgamento não se evidencia, no caso, no texto da decisão.
Na decisão de facto tomada pelo tribunal a quo e, outrossim, na motivação que a estribou e que consta expressamente do texto da sentença recorrida, não se descortinam evidentes, crassos erros, raciocínios ilógicos ou arbitrários, incongruências ou contradições notórias na apreciação da prova que, à luz das regras da experiência comum, que permitam concluir a qualquer cidadão comum, medianamente formado, que os factos em apreço não poderiam ter acontecido, pelo menos da forma como foram dados como provados.
Tanto assim é que, como vimos, o recorrente para defender o seu ponto de vista sentiu necessidade de recorrer a prova gravada (com a genérica, não concretizada, invocação de declarações prestadas em audiência de julgamento), quando para o cumprimento do requisito legal de alegação do vício em causa, nos termos do art. 410º, nº2, al. c), teria de se ater ao texto da decisão recorrida.
Por conseguinte, não se verifica o alegado vício do erro notório na apreciação da prova.

III.2.2Impugnação da decisão sobre a matéria de facto [art. 412º, nº3, als. a) e b) do CPP]:

Neste conspecto, as alegações produzidas pelo recorrente J. O. coincidem, isto é, são comuns às que nas conclusões 1ª a 3ª aduziu para tentar fundamentar o erro notório na apreciação da prova [cfr. Ponto III.2.1], ainda que convoque expressamente a norma do art. 412º, nº3, als. a) e b), do CPP.

Preceitua o art. 412º do CPP, na parte que ora releva:

“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

3 – Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

6 – No caso previsto no nº4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Ressuma do disposto no nº1 do art. 412º que o recorrente, na motivação, de forma clara e concisa, mas completa, deve expor as razões do seu inconformismo, isto é, os fundamentos de facto e de direito por que entende que o tribunal decidiu de forma incorreta. O cumprimento deste mandamento legal é essencial ao conhecimento do recurso por parte do tribunal ad quem.
Como assertivamente menciona o Exmo. Juiz Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças [ob. cit., pp. 23 e 24], «…se a motivação…é um todo, é, no entanto, verdade que nela se distinguem formal e substancialmente as conclusões.»; «…as conclusões devem dizer em argumentos secos, as razões definitivas da discordância expostas na motivação, no seu arrazoado. Cometerá, assim, grave erro o recorrente que depois de expor os fundamentos no corpo motivador, depois se esquece deles nas conclusões; mas erro igualmente grave ocorre quando o recorrente apresenta fundamentação nas conclusões que não tratou de modo nenhum na motivação.»
E explicita: «Como se disse, as conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não trazem nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões. E porque assim é, está pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência que sem prejuízo do conhecimento oficioso que em determinados casos se impõe ao Tribunal, são as conclusões que delimitam o objeto e âmbito do recurso. E não podia ser de outra maneira. De facto, se o objeto do recurso constitui o assunto colocado à apreciação do Tribunal; se das conclusões obrigatoriamente devem constar, se bem que resumidos, os fundamentos de facto e de direito do recurso, necessariamente teriam de ser as conclusões que delimitam o objeto e o âmbito do recurso.»
Resulta do disposto nos nºs 3 e 4 do art. 412º que quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, é-lhe imposto um especial dever de especificação, o que bem se compreende tendo em vista a natureza e objeto do recurso previsto na lei. Um recurso, que, consabidamente, «não constitui uma impugnação sem fronteiras da matéria de facto na 2ª instância, mas que se traduz apenas numa “intervenção cirúrgica” do Tribunal da Relação. Intervenção esta, no sentido de indagar se houve erro de julgamento, corrigindo-o, se for caso disso, nos concretos pontos de facto, devidamente identificados pelo recorrente.» [ibidem, p. 31].
O artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
No caso vertente, o arguido/recorrente incumpriu, in totum, o dever de especificação legalmente imposto.

Assim, olvidou, quer nas alegações quer nas conclusões da motivação, a indicação dos concretos pontos da matéria de facto sobre os quais julga ter existido erro de julgamento, e, bem assim, a indicação das concretas provas que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida (ónus que só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da contestada). (4)
Na verdade, o recorrente não identificou, como podia e devia, os pontos de facto sobre os quais incide a sua discordância relativamente ao juízo probatório emitido pelo tribunal recorrido, concretizando-os, nomeadamente por referência ao respetivo número com que são elencados nos factos provados ou não provados.
Acresce que, o recorrente não fundamentou a sua divergência face à decisão da matéria de facto tomada pelo Tribunal a quo em concretas passagens de declarações dos arguidos ou de testemunhas prestadas em audiência de julgamento (contextualizando-as por referência ao tempo consignado na ata) ou no concreto conteúdo de documentos juntos aos autos, dos quais se pudesse inferir, indubitavelmente, que obrigavam a decisão fática diversa (e, frisa-se, relativamente a quais concretos pontos dessa decisão).
As apontadas omissões são absolutas e intransponíveis, inviabilizando a formulação de convite ao aperfeiçoamento, pois que este não se destina a suprir oblívios de exposição de pressupostos legalmente exigidos. (5)
Destarte, encontra-se este Tribunal ad quem impedido de conhecer do erro de julgamento invocado pelo recorrente, e, como tal, improcede, manifesta e irremediavelmente, a impugnação ampla da matéria de facto tida em mente por ele.
Cumpre ainda lavrar uma breve nota acerca da alegada não observância das regras da imparcialidade por parte do Tribunal a quo, para afirmar que também essa asserção se revela inapelavelmente condenada ao insucesso, porquanto não consubstanciada por matéria factual e de direito que a sustente.
É óbvio que não revela parcialidade, por si só, a circunstância de o Tribunal recorrido ter conferido credibilidade às declarações da assistente em detrimento da versão de negação dos factos veiculada pelo arguido em audiência de julgamento, uma vez que o fez de modo fundamentado e dentro dos limites balizados pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP.

III.2.3Subsunção dos factos provados ao Direito – crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art. 152º, nº1, al. a), e nº2, do Código Penal:

Com base na factualidade que deu como provada - e que agora se toma por estabilizada na sequência da manifesta improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto deduzida pelo arguido, e porque não se vislumbra que a douta sentença padeça de algum dos vícios vertidos no art. 410º, nº2, do CPP ou nulidades de conhecimento oficioso - o Tribunal a quo julgou procedente a acusação pública e condenou o arguido J. O. pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º, n.ºs 1, al. a), e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP e condicionada à obrigação de frequentar programa de prevenção da violência doméstica, e efectuar tratamento da sua dependência alcoólica, em instituição adequada, com internamento, ficando adstrito a comparecer perante essa instituição de saúde sempre que solicitado para o efeito, nos termos dos artigos nos termos dos artigos 50.º, n.º5 e 52.º, n.º1, alínea c) e n.º 3, 53.º, n.ºs 1 e 2 do CP com a advertência que a violação de tais condições e incumprimento do regime de prova, poderá ser determinada a revogação da suspensão da pena de prisão - artigos 51.º, n.º1, alínea a), 52.º, n.º1, alíneas b) e c) e 53.º do CP.
Mais condenou o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos, devendo manter-se afastado da residência dela bem como do seu local de trabalho por esse período temporal devendo essa proibição de contactos ser fiscalizada por meios de controlo à distância (cfr. Lei nº33/2010, de 02 de setembro).
O arguido/recorrente discorda da qualificação jurídica operada em primeira instância, defendendo que a factualidade dada por provada na sentença recorrida é insuficiente para integrar a tipicidade objetiva e subjetiva do tipo legal de crime de violência doméstica, podendo, quando muito, preencher os crimes de ameaça e injúrias.

Invoca para tanto, resumidamente [cf. conclusões 4ª a 8ª]:

- Para a existência do crime de violência doméstica é necessário que os factos praticados: afetem de modo grave e saúde física, psíquica ou emocional da vítima; que essa afetação comprometa de igual modo gravemente o desenvolvimento (ou a revelação / manifestação), da sua personalidade (e da sua maneira de ser), e com isso ponha em causa (ou seja suscetível de pôr em causa), a dignidade da pessoa humana (ser livre e responsável), o que não se verifica no caso presente.
- Não decorre da sentença em crise, nomeadamente dos factos provados, que o Arguido, ora Recorrente, tenha agido de forma a diminuir e afectar a dignidade da assistente, menos ainda, que tenha afectado a sua saúde física ou psíquica.
- Os factos dados como provados, praticados pelo Arguido, apesar de graves, não assumiram, objectivamente, contornos violentos.
- Os factos provados – e as circunstâncias em que foram praticados – não são reveladores de qualquer especial gravidade ou crueldade por parte do arguido, sendo certo que não ficou demonstrado sequer que este tivesse especial ascendente sobre a assistente.
Conhecendo.
Vejamos então se a factualidade dada por provada é suficiente e idónea para integrar as condutas perpetradas pelo arguido no tipo de crime de violência doméstica agravado pelo qual veio a ser condenado.

Prescreve o art. 152º do Código Penal, onde se prevê o crime de violência doméstica [na parte que ora releva]:

“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: [redação anterior à introduzida pela Lei nº 57/2021, de 16.08] (6)
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge [redação conferida pela Lei nº 19/2013, de 21.02]
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima;
(…) é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.” [redação da Lei nº 44/2018, de 09.08]

Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011, processo nº 170/10.0GAVLC.P1, disponível em www.dgsi.pt., «no ilícito de violência doméstica é objectivo da lei assegurar uma “tutela especial e reforçada” da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pelo seu carácter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, evidenciem um estado de degradação, enfraquecimento ou aviltamento da dignidade pessoal quanto ao perigo ou de ameaça de prejuízo sério para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima».
O sobredito aresto seguiu, nesta parte, a tese proposta por Nuno Brandão, in “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Revista Julgar, 12 (Especial), p. 9-24, segundo a qual «o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração para justificar esta específica modalidade de incriminação se prende com os riscos para a integridade psíquica da vítima que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolongam no tempo» (pág. 18).
No crime de violência doméstica tutela-se a dignidade humana dos sujeitos passivos aí elencados, mormente na vertente da sua saúde, seja a nível físico ou psíquico, ou na vertente da sua privacidade, seja de liberdade pessoal ou de autodeterminação sexual. (7)
O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é, assim, primordialmente, a saúde da vítima, entendida nas suas vertentes de saúde física, psíquica e mental, visando a incriminação protegê-la de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa, afetem a dignidade pessoal e individual da pessoa que com o agente mantém (ou manteve) vínculos relacionais estreitos e/ou duradouros.
E a necessidade prática da criminalização das espécies de comportamentos descritos no art. 152º, nº1, als. a) e b) resultou da consciencialização ético-social dos tempos recentes sobre a gravidade individual e social destes comportamentos; não porque estejamos perante um fenómeno novo ou recente, mas antes porquanto atualmente vinga uma maior e mais ampla consciencialização acerca da inadequação e da gravidade e perniciosidade desses comportamentos, o que os faz encarar como um problema de dimensão social.
No apontado sentido, também Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette (in “Código Penal Anotado e Comentado, 2ª Edição, anotação 4 ao art. 152º, págs. 438 e 439):
«As relações conjugais, como outras – de certa analogia ou proximidade, que o legislador equipara àquelas –, desenrolam-se, por via de regra, num determinado clima de confiança, solidariedade e respeito, que resiste à atinente cessação, persistindo para além dela. O aproveitamento da cobertura que as mesmas relações podem facultar à prática de condutas violentas por qualquer dos respetivos sujeitos, atuando sobre o outro, em contradição com a índole mesma daquele clima e com os ditames do vínculo estabelecido, seja ele qual for, torna-se, por isso, muito em particular reprovável. A lei, assim, dado que tais condutas vão acontecendo com alguma regularidade, optou por enérgica intervenção específica, tentando reagir contra a violação da harmonia estruturante das relações em causa. Repugna-lhe, com efeito, toda a forma de violência, em nome da preservação da paz doméstica (lato sensu), cuja negação gravemente se repercute na própria paz social – minando-lhe os alicerces –, a cujo nível as referidas relações dispõem de precípuo lugar. Por isso, acorre em defesa das vítimas, atribuindo-lhes um meio capaz de garantir boa proteção da vida, da integridade física e psíquica, da liberdade e da dignidade, contra qualquer inflição de maus tratos, dos quais se não excluem, v.g., «castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais». Em tal proteção se consubstancia a tutela penal aqui estruturada e conferida. A qual, mediatamente, não deixa de alastrar ao bem supra-individual que é a referida paz doméstica».
Estamos perante um crime específico, porquanto pressupõe que o sujeito activo se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo, a vítima dos seus comportamentos. O sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre ou se tenha encontrado, para com o agente ou sujeito activo, numa relação de namoro, conjugalidade ou vivência análoga à dos cônjuges.
As condutas típicas preenchem-se com a inflição de maus tratos físicos (ofensas à integridade física simples) e maus tratos psíquicos (ameaças, humilhações, provocações, molestações).
A conduta típica do crime de violência doméstica inclui, assim, para além da agressão física (mais ou menos violenta, reiterada ou não), a agressão verbal, a agressão emocional (p. ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade), a agressão sexual, a agressão económica (p. ex., impedindo-a de gerir os seus proventos) e a agressão às liberdades (de decisão, de ação, de movimentação, etc.), as quais, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima, indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima.
Estes maus tratos podem ser infligidos de modo reiterado ou não (conduta isolada).
A este propósito urge ter presente a jurisprudência que já antes da alteração legislativa de 2007 considerava que uma conduta ainda que isolada podia configurar um crime de maus tratos desde que pela sua gravidade pusesse em causa a dignidade humana do cônjuge ofendido. (8)
Importa aquilatar nessas situações se o comportamento único do agente reveste, ainda assim, uma certa gravidade, traduzindo crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária da sua parte, a ponto de constituir causa justificativa da dissolução do vínculo conjugal, por comprometer a possibilidade de vida em comum.
O conjunto de ações típicas que integram o ilícito criminal em apreço, uma vez analisadas à luz do contexto especialmente desvalioso em que são cometidas, constituirão maus tratos quando revelem uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou em estado de agressão permanente.
Tais comportamentos integram o conceito legal de “maus tratos” quando geram uma situação consubstanciadora de um padrão comportamental associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima.
O que justifica a punição mais severa do agente através deste tipo legal de crime numa situação de concurso aparente com as ofensas à integridade física simples [ou outra conduta penalmente típica suscetível de integrar a violência doméstica], é precisamente o desprezo do agressor pela dignidade pessoal da vítima, enquanto revelador de um pesado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto – Cf. Nuno Brandão, ob. cit., p. 18.
Como referido no aludido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.09.2011 - citando também Nuno Brandão e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.05.2010, relatado pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho - «o importante é, pois, analisar e caracterizar o quadro global da agressão física de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos, que, por si, constitui um risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima. Nesse caso, impõe-se a condenação pelo crime de violência doméstica, do art. 152º do CP. Se não, a situação integrará a prática de um ou vários crimes de ofensas à integridade física simples, do art. 143º, do CP».
E acrescenta-se: «a acção não pode limitar-se a uma mera agressão física ou verbal, ou à simples violação de alguma ou algumas das liberdades da pessoa (vítima) tuteladas por outros tipos legais de crimes. Importa que a agressão (em sentido lato) constitua uma situação de “maus tratos”. E estes (maus tratos) só se dão como verificados quando a acção do agente concretiza actos violentos que, pela sua imagem global do facto e pela gravidade da situação concreta são tipificados como crime pela sua perigosidade típica para a saúde e bem-estar físico e psíquico da vítima».
A agravação prevista na alínea a) do nº2 do art. 152º funda-se no propósito legislativo de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica com vítimas menores ou ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítimas “indiretas” dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. Por outro lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas (9) – cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, anot. 13 ao art. 152º, p. 406.
O elemento subjetivo do tipo preenche-se por qualquer forma de dolo e deve abranger a circunstância que agrava o crime.
Dito isto, afigura-se-nos possível extrair do teor do recurso deduzido pelo arguido que o seu entendimento sobre o ilícito criminal em questão é restritivo, estanque, procurando verificar face a cada ação por si desenvolvida se a mesma integra, de per si, os elementos objetivos do tipo de crime, quando o que importa é atentar no quadro global de atuação do agente para inferir se o padrão comportamental que ele denota está associado a uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima, se dele ressuma o desprezo do agressor pela dignidade pessoal da vítima (enquanto elemento revelador de um acentuado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto).
Assim sendo, como também entendeu, acertadamente, o tribunal a quo, ponderando a factualidade dada por provada, dúvidas não sobejam de que se mostra integralmente preenchida a tipicidade objetiva e subjetiva do crime-base de violência doméstica.
In casu, os diversos comportamentos ali descritos adotados pelo arguido a partir de dezembro de 2019 e mantidos até meados de 2020, após a cessação da coabitação promovida pela ofendida, sendo reiterados e dolosos, consubstanciam episódios graves de ofensas à honra e consideração da vítima, de ameaças à vida desta, bem como à sua liberdade de autodeterminação e movimentação (perseguição, molestações), consubstanciando, no quadro global do cometimento dos factos, pungente afetação da dignidade e autoestima da assistente enquanto pessoa humana.
Foram atos perpetrados pelo arguido sobre a ofendida E. G., sua ex-cônjuge, após o termo da união de facto (ocorrida na sequência de reatamento de relacionamento subsequente ao decretado divórcio), no quadro global de desrespeito e humilhação a que a sujeitou, sendo, em nosso entendimento, suficientes para integrar o predito conceito dos “maus tratos” típicos da “violência doméstica” por tais comportamentos representarem, em relação à vítima, no quadro do relacionamento interpessoal por eles vivenciado, um potencial de agressão que supera a proteção oferecida pelos também tipificados crimes de injúrias, ameaças e perseguição quando considerados isoladamente.
Atenta a sua pertinência para o caso sub judice, urge tecer ainda algumas considerações sobre a figura da perseguição ou stalking, conduta que passou a integrar um crime autónomo no ordenamento penal português a partir de 05.09.2015, que, por força da Lei nº 83/2015, de 05.08, aditou o art. 154º-A ao Código Penal, que no seu nº1 estatui: “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal”.
Stalking (fenómeno também conhecido por perseguição persistente) é um termo inglês que designa uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade repetidamente a esfera de privacidade da vítima, empregando táticas de perseguição e meios diversos, tais como ligações telefónicas, envio de mensagens SMS ou através de correio eletrónico ou publicação de factos ou boatos em sites da Internet (cyberstalking), remessa de presentes, espera da sua passagem nos lugares que frequenta, etc.- - resultando dano à sua integridade psicológica e emocional, restrição à sua liberdade de locomoção ou lesão à sua reputação. Os motivos dessa prática são os mais variados: amor, desamor, vingança, ódio, brincadeira ou inveja (10).
O stalking/assédio persistente é, na definição acolhida pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), uma forma de violência definida como um conjunto de comportamentos de assédio praticados, de forma persistente, por uma pessoa contra outra, sem que esta os deseje e/ou consinta. O stalking é, portanto, um assédio persistente (11).
Donde, o autor destes comportamentos de assédio pode ou não ser alguém que a vítima conhece, ainda que frequentemente o assédio persistente seja perpetrado por ex-parceiros/as íntimos/as.
Na obra “Coleção Ações de Formação – Stalking: abordagem penal e multidisciplinar”, publicação do Centro de Estudos Judiciários, ano 2013, pág. 6, apresenta-se a seguinte noção de stalking: «O stalking é um padrão de comportamentos de assédio persistente, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo. Estes comportamentos podem consistir em ações rotineiras e aparentemente inofensivas (como oferecer presentes, telefonar frequentemente) ou em ações inequivocamente intimidatórias (por exemplo, perseguição, mensagens ameaçadoras). Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afeta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens. O stalking consiste na vitimação de alguém que é alvo, por parte de outrem (o stalker), de um interesse e atenção continuados e indesejados (vigilância, assédio, perseguição), os quais podem gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.»
Helena Granjeia, na obra supra citada (12), refere como um dos fatores a considerar na avaliação do risco em casos de stalking, no que tange em particular ao risco de violência, a probabilidade do stalker causar dano físico a um terceiro (vítima primária ou alvo secundário).
Entre os comportamentos integradores de stalking mais comuns e que podem relevar para a apreciação do ajuizado caso, contam-se os seguintes:
- enviar repetidamente cartas, e-mails, bilhetes, SMS e/ou efetuar telefonemas de conteúdo inofensivo e não ameaçador;
- tentar persistentemente aproximações físicas e/ou pedidos para encontros, reuniões, etc.;
- observar, perseguir e aparecer “coincidentemente” nos locais frequentados pela vítima;
- ficar junto à porta de casa da vítima, no seu local de trabalho, e/ou estabelecimentos de ensino que frequenta;
- espalhar rumores, dar falsas informações ou revelar segredos da vítima aos seus amigos e/ou familiares;
- destruir e/ou danificar os bens pessoais da vítima e/ou o seu património (ex.: o seu telemóvel; a sua habitação);
- enviar repetidamente cartas, e-mails, bilhetes, SMS e/ou efetuar telefonemas ameaçadores. As ameaças podem ser diretas, implícitas ou simbólicas;
Recorrendo ainda à sobredita página da Internet da APAV (apav.pt/stalking/índex.php/icons), dir-se-á que o caráter persistente e imprevisível dos comportamentos impostos pelo autor do assédio persistente tem efeitos altamente penalizantes na saúde física e mental, no bem-estar emocional e no estilo de vida da vítima.
As vítimas veem-se frequentemente confrontadas com a necessidade de ajustar as suas rotinas diárias, sentindo-se cada vez mais aterrorizadas e sem controlo sobre as suas vidas.
Algumas das consequências que podem derivar para a vítima do stalking, ao nível da sua saúde física, saúde mental e bem-estar emocional e/ou do seu estilo de vida, são: a) medo, hipervigilância, desconfiança, sensação de perigo iminente, perturbações de ansiedade, depressão e tentativa de suicídio; b) alteração de rotinas diárias, mudança de emprego, aumento de encargos/despesas em resultado da necessidade de adquirir ou reforçar medidas de segurança (exemplo: mudar a fechadura da casa; aquisição de alarmes, etc.).
Destarte, atento o supramencionado conceito de stalking conclui-se, como Artur Guimarães Ribeiro (ob. cit., no âmbito do estudo “Quadro normativo penal e processual penal do stalking: medidas de coação e punição, tutela da vítima”, págs. 69, 70 e 71), que «um dos contextos em que o comportamento, a conduta do stalker se torna mais visível é no contexto da violência doméstica».
Por outro lado, atente-se que o abalo psicológico e instabilidade emocional demonstrados pelo arguido em várias ocorrências, nomeadamente quando não hesitou em injuriar a ofendida em plena via pública, de modo audível por terceiros, e quando tentou, violentamente, forçar a entrada na casa onde aquela habitava, é suscetível de potenciar na vítima, como aconteceu, o receio de que ele concretizasse as ameaças de lhe causar a morte, que indiretamente lhe dirigiu, mantendo-a num estado de constante sobressalto.
Assim, é possível descortinar um quadro global de atuação do arguido em que impera uma incapacidade para controlar a sua personalidade obsessiva, persecutória, emocionalmente desequilibrada, e propensão para tentar controlar a vivência da sua ex- cônjuge e, ulteriormente, ex-companheira, associada a um total desrespeito pela pessoa da ofendida/assistente E. G., não se coibindo de, recorrentemente e sem motivo que pudesse minimamente tentar justificar tais comportamentos, afetar a sua integridade psíquica, a sua honra e consideração e o direito a uma existência em paz, tratando-a como “algo” (que lhe pertencia) e não como “alguém” (livre de decidir autonomamente sobre o seu destino).
A conduta do arguido, pelo seu carácter persistente e potencialmente violento e, mormente, pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima e manifesto desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”, implicando sérios riscos para a integridade física e psíquica da ofendida.
Tudo feito com o desiderato, conseguido, de menorizar a vítima enquanto mulher e ser humano, quando o que lhe era exigível era que a respeitasse.
Destarte, os atos perpetrados pelo arguido, perspetivados em conjunto, afetam, de modo assaz relevante, a dignidade humana da ofendida, a sua saúde psíquica e a sua liberdade de determinação, não apenas através de ameaças, injúrias e perseguição, mas também através da criação de um clima de intranquilidade, insegurança, fragilidade e humilhação. Tais comportamentos eram idóneos a gerar, como geraram, causal e adequadamente, efeitos perniciosos na vivência pessoal e social da vítima.
E não impede tal conclusão a circunstância de os factos em causa se terem desenrolado num lapso temporal não muito longo, de cerca de um ano, porquanto a duração da conduta violadora do tipo, sendo um fator indiciador não despiciendo, não constitui um requisito decisivo do seu preenchimento. No caso, naquele não muito longo período de tempo, o arguido adotou inúmeros diversos comportamentos censuráveis, num crescendo de gravidade e agressividade, que é suficiente para concretizar o ataque ao bem jurídico protegido pela norma incriminadora.
Por outro lado, face aos factos dados por provados nos pontos 22 a 24, preenchido se mostra o elemento subjetivo do crime de violência doméstica.
Acresce que inexiste qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa (cfr. ponto 25 dos factos provados).
Pelo exposto, bem decidiu o tribunal a quo ao condenar o arguido, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs 1, al. a) do Código Penal.
Contrariamente, entendemos que assiste razão ao arguido/recorrente quanto à alegada errada interpretação do nº2 do artigo 152º do CP que diz ter sido realizada pela Mma. Julgadora [cfr. conclusões 9ª a 11ª].
Com efeito, a factualidade objetiva dada como provada é insuscetível de preencher qualquer das circunstâncias agravantes especiais previstas nas alíneas do nº2 do art. 152º do CP, nomeadamente as vertidas na sua alínea a).
Na verdade, da factualidade provada não ressuma que o arguido tenha cometido qualquer facto típico no domicílio da vítima, não relevando para efeito de preenchimento da circunstância qualificativa os factos cometidos próximos, mas ainda no exterior do respetivo imóvel (tentando forçar a abertura da porta de entrada), porquanto, como supra expusemos, o que justifica e é determinante para o agravamento, por força do associado incremento do grau de ilicitude do facto, é que os factos sejam perpetrados no interior da casa de morada da vítima, onde esta está, em regra, mais vulnerável, até pela ausência de terceiros que possam presenciar/testemunhar os acontecimentos e, eventualmente, prestar-lhe auxílio.
Por outro lado, é óbvio que igualmente se mostra inverificada a qualificativa assente na “presença de menor”, pois que, para além de não decorrer sequer da factualidade apurada que o arguido cometeu os factos na presença do filho comum do casal, este já tinha 21 anos de idade (!) à data da prática do primeiro facto integrador da tipicidade objetiva do imputado ilícito criminal.
Em conformidade, procede, nesta parte, o recurso formulado pelo arguido, devendo ser revogada a sentença recorrida no que tange ao agravamento do crime-base de violência doméstica ali considerado.

III.2.4Da pretendida atenuação especial da pena principal/excesso da medida concreta da pena:

Fundamentando o seu recurso neste segmento alega o recorrente, resumidamente, que [conclusões 12ª a 16ª]:

- Ponderada a globalidade da matéria factual provada e não provada, a pena de prisão suspensa na sua execução e obrigações encontradas para o arguido são manifestamente excessivas;
- O arguido é um cidadão exemplar, não tem antecedentes criminais, é uma pessoa estimada e considerada na comunidade onde vive;
- Considerando os factos dados como provados, o arguido estar integrado no meio onde reside, ser uma pessoa bastante considerada e estimada, ter o apoio familiar, ser de condição socioeconómica muito modesta, não ter antecedentes criminais nem processos pendentes que o relacionem com qualquer tipo de ilícito, o tribunal deveria ter aplicado uma pena especialmente atenuada e fixada no mínimo legal, ou seja, um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo.

Apreciando:
Conforme decorre do art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).
Segundo Figueiredo Dias (13), quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».
O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo (14):
«(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».

O mesmo ensinamento é veiculado por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:
«A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena.»
Assim, na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Casuisticamente, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do art. 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.
A operação de fixação da pena, dentro dos sobreditos limites, faz-se, segundo o art. 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:
- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a);
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).
No caso sub judice, tendo presente que desaparece a agravação do crime de violência doméstica – cfr. Ponto 2.3 da presente decisão –, temos que o crime perpetrado pelo arguido é abstratamente punível com pena de 1 a 5 anos de prisão – cf. art. 152º, nº1, alínea a), do Código Penal.
No que tange à determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, o tribunal a quo expendeu na fundamentação:
“Neste domínio tem aplicação o princípio “nulla poena sine culpa” expressamente consagrado nos art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal, quando estabelece que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”.
Este preceito não poderá deixar de ser conjugado com o que dispõe o art.º 71.º, nº 1, do Código Penal, quando prescreve que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”.
Para efeitos de determinação da medida concreta da pena, confere-se supremacia à culpa do agente e às exigências de prevenção especial, as quais no caso concreto revestem contida relevância perante os motivos que já ficaram enunciados.
Termos em que, para efeito de conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, se deverá fixar, em princípio, a pena no ponto da escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial.
Assim, a pena deverá ser fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à mesma, funcionando entre ambos os fins de prevenção geral e especial.
A determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos no art.º 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção –, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (art.º 71.º, n.º 2, alíneas a) a f), do Código Penal).
(…)
Ponderando o que dispõem o art.º 152.º, n.ºs 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, ao crime de violência doméstica corresponde uma pena de prisão abstracta mínima de 2 (dois) anos e a máxima de 5 (cinco) anos.
Importa ponderar os seguintes factores relativos à conduta do arguido:
- As elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir relativamente a infracções desta natureza. Com efeito, a violência doméstica constitui problema cada vez mais visível na nossa sociedade, o que tem vindo a ser demonstrado pelo número crescente de denúncias feitas às forças de segurança e pelo número de mortes de mulheres vítimas deste crime (de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna morrem, em média, em Portugal, quatro mulheres por mês. Em cerca de 30% das situações, a mulher foi morta já depois de estar separada do agressor). O encorajamento da denúncia tem surgido num contexto de mudança de valores que leva cada vez mais as vítimas a quebrar o silêncio e o ciclo de violência em que as suas trajectórias de vida se têm inscrito.
É, por outro lado, sabido que uma das alturas de mais necessidade de protecção das vítimas de violência doméstica contra as investidas dos seus agressores é precisamente nas situações de ruptura do casamento ou da relação e enquanto o inquérito e o julgamento decorrem.
O sistema judicial não pode, pois, alhear-se à necessidade de combater a proliferação das situações de violência doméstica, de que a sociedade tem uma cada vez maior consciência e para as quais exige, por parte da ordem jurídica, uma resposta decidida e que não deixe quaisquer dúvidas quanto à intolerabilidade de comportamentos como aquele que aqui está em causa.
- Em sede de culpa, a conduta do arguido justifica uma censura ético-jurídica elevada, já que podia e devia ter agido de outro modo, tendo agido com dolo na sua forma mais intensa – dolo directo – e com total desprezo pela dignidade da vítima.
- O elevado grau da ilicitude, tendo em conta o modo de execução dos factos, o tempo de vida em comum entre o arguido e a ofendida – casamento de 16 anos e posterior reatamento da relação em união de facto durante pouco mais de um ano - e o grau de violação de deveres que lhe eram impostos face à especial relação que mantinha com a ofendida, sua ex-esposa e mãe do seu filho, sendo aqui de atender aos actos concretamente adoptados, designadamente: as expressões dirigidas à sua ex-esposa e mãe do seu filho que visavam, além de ofender, humilhar, rebaixar e amedrontar, que se foram intensificando após a ruptura da relação e as perseguições encetadas à ofendida que lhe causaram medo, temor e receio.
- As consequências da conduta do arguido, que do ponto de vista psicológico, revestem, no caso, alguma gravidade, tendo em conta as circunstâncias concretas e o período temporal em que o crime foi cometido, demonstrando a vítima bastante vulnerabilidade, desgaste emocional.
- A ausência de interiorização do mal cometido e de arrependimento pelos factos praticados e pelas consequências daí decorrentes, demonstrando a completa falta de juízo crítico sobre os actos graves que praticou, assumindo sempre uma postura de desculpabilização e completo alheamento ao sofrimento causado à ofendida/assistente.
- A sua conduta posterior à prática do crime reiterando novamente o seu comportamento, já após a sujeição a primeiro interrogatório judicial e a aplicação de medidas de coação, violando reiteradamente as medidas de coação impostas o que levou à aplicação de medida de coação mais gravosa;
- A ausência de antecedentes criminais e as condições pessoais do arguido e a sua situação económica - resultaram assentes com base no relatório social supra referido, que se dá aqui por integralmente reproduzido.
Pelo exposto, julgo proporcional e adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática do crime de violência doméstica pelo qual vem acusado.”
As sobreditas considerações aduzidas pela Exma. Juiz a propósito das elevadas exigências de prevenção geral associadas ao tipo de criminalidade em apreço e das exigências de prevenção especial verificadas no caso e, outrossim, as circunstâncias agravantes e atenuantes gerais que por si foram valoradas merecem a nossa inteira concordância, sendo certo que a favor do arguido foram ponderadas a inexistência de antecedentes criminais, a sua inserção social e familiar e a sua condição económico-financeira, circunstâncias igualmente invocadas pelo arguido no seu douto recurso.
Divergindo do decidido em primeira instância, alega ainda o recorrente que as circunstâncias gerais atenuantes verificadas in casu justificam a atenuação especial da pena, de acordo com os arts. 72º e 73º do CP, reclamando a punição pelo mínimo legal, ou seja, 1 ano de prisão.
Mas não lhe assiste razão.

Dispõe o art. 72º, nºs 1 e 2, do Código Penal:

“1 - O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.”

A atenuação especial da pena deve ter lugar somente em casos extraordinários ou excecionais, assim reconhecidos pelo julgador ou expressamente contemplados na lei, constituindo a acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade de pena o pressuposto material da atenuação. A «diminuição acentuada» verificar-se-á «quando a imagem global do facto, resultante da atuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.» (15)
In casu, face à factualidade dada por provada, é notória a inaplicabilidade dos eventuais fundamentos previstos nas alíneas a) a c), sendo ainda certo que nem o tempo decorrido sobre a prática do último ato de execução do crime se pode qualificar de muito extenso, nem a conduta posterior ao crime assumida pelo arguido se pode classificar de exemplar para o efeito pretendido; na verdade, como nota o Tribunal a quo, apesar de o arguido não possuir antecedentes criminais, designadamente por factos cometidos após a prática do ajuizado crime, em nada o abona «A sua conduta posterior à prática do crime reiterando novamente o seu comportamento, já após a sujeição a primeiro interrogatório judicial e a aplicação de medidas de coação, violando reiteradamente as medidas de coação impostas o que levou à aplicação de medida de coação mais gravosa.»
Por conseguinte, não se vislumbra qualquer circunstância que mitigue, de modo vincado, a ilicitude do facto, a culpa do arguido ou a necessidade da pena a cominar-lhe, pelo que inexiste fundamento para a clamada atenuação especial da pena, a operar nos termos do art. 73º do CP.
Dito isto, julgamos que a ponderação concatenada dos factos dados como provados e dos preditos fatores de determinação da medida concreta da pena a que o tribunal a quo lançou mão, com a relevante correção atinente à moldura penal abstrata aplicável, impõe uma redução da medida da pena de prisão fixada.
Considerando o concreto circunstancialismo fático verificado in casu, a medida da pena de prisão cominada ao arguido, de 2 anos e 6 meses de prisão, pressupondo uma moldura penal abstrata cujo mínimo legal corresponde ao dobro do que é efetivamente aplicável, mostra-se desproporcional e excessiva para acautelar os fins de jaez preventivo, geral e especial, positivo, que subjazem à aplicação da sanção criminal (balizados pela culpa manifestada pelo arguido).
Em conformidade, ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial as atinentes ao grau de culpa do agente e, sobretudo, à necessidade da pena, entendemos que a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão é proporcional à gravidade da ação ilícita ajuizada, adequa-se e revela-se idónea e suficiente à satisfação das necessidades de afirmação do bem jurídico violado, bem como à finalidade de procurar que o arguido não volte a delinquir e se reinsira socialmente.
Concluindo: a fixação da pena de prisão em 1 ano e 8 meses (em substituição da pena de 2 anos e 6 meses aplicados em primeira instância) coincide já com o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, não colocando em causa a crença da comunidade na validade da norma jurídica violada e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.
Por outro lado, em conformidade com o supra exposto e tendo em consideração o preceituado no art. 50º, nº5, do Código Penal, fixamos agora o período de suspensão da execução da pena de prisão em 1 (um) ano e 8 (oito) meses, o qual julgamos adequado e suficiente para promover as exigências de prevenção especial positiva apuradas no caso que nos ocupa.
Consequentemente, procede parcialmente o douto recurso deduzido pelo arguido.

III. 2.5Excessividade das obrigações associadas à suspensão da execução da pena:

Neste segmento recursório, o arguido J. O., escudando-se nos mesmos argumentos esgrimidos para pugnar pela atenuação especial e redução da pena principal, insurge-se contra o que considera serem as manifestamente exageradas obrigações associadas à suspensão da execução da pena [cf. conclusões 12ª a 16ª].
Nas alegações (ponto 47), mas sem menção nas conclusões, invoca ainda o recorrente que, como ficou provado, o arguido encontra-se desde 22 de maio de 2021 integrado no Programa Terapêutico/Educativo do Centro de Solidariedade de ... – Projeto Homem, primeiro em regime de internamento, tendo transitado no dia 23.05.2022 para a fase de Reinserção Social do Projeto Homem, em Braga.
Analisando:
Como vimos, o Tribunal recorrido determinou que a pena de prisão aplicada ao arguido ficasse suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP e condicionada à obrigação de frequentar programa de prevenção da violência doméstica, e efectuar tratamento da sua dependência alcoólica, em instituição adequada, com internamento, ficando adstrito a comparecer perante essa instituição de saúde sempre que solicitado para o efeito, nos termos dos artigos nos termos dos artigos 50.º, n.º5 e 52.º, n.º1, alínea c) e n.º 3, 53.º, n.ºs 1 e 2 do CP.
Estatui o art. 34º-B, nº1, da Lei nº 112/2009, de 16.09 [redação introduzida pela Lei nº 129/2015, de 03.09], olvidado pelo Tribunal a quo decisão recorrida, que “1 - A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.”
Ora, compulsada a matéria de facto dada como provada, decorre a necessidade de o arguido se consciencializar da censurabilidade das condutas por si perpetradas sobre a vítima e a imperiosidade de tratar a sua problemática aditiva, que incrementa o risco de adoção de novos comportamentos criminosos. Por conseguinte, adequado se mostra o regime de prova imposto pelo Tribunal recorrido, bem assim as regras de conduta fixadas, com o desiderato de auxiliar o condenado a integrar-se socialmente e, concomitantemente, de tentar obviar à prática de novos factos ilícitos criminais.
Ademais, deveria até o Tribunal a quo ter reforçado as medidas de proteção da vítima previstas no citado normativo legal, impondo como regra de conduta associada à suspensão da execução da pena o “afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio”.
Conforme se observa no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.04.2018, proferido no Processo nº 1619/15.0T9GRD.C1, disponível in www.dgsi.pt, «O regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime em causa [violência doméstica], em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de proteção da vítima. O que redunda, em outras palavras, que a não imposição de um tal regime conducente a facultar a suspensão da execução da pena de prisão, há-de ser excecional e devidamente fundamentado. A não imposição de um tal regime conducente a facultar a suspensão da execução da pena de prisão, há-de ser excecional e devidamente fundamentado. A finalidade da norma do art. 34-B) da Lei n.º 112/2009 é definir regras de proteção da parte mais débil nas relações tipificadas neste crime, acautelando, sobretudo, uma sua eficácia real. Entre elas, desde logo, o afastamento dos intervenientes.»
No caso, constata-se que a Mma. Julgadora não fundamentou a não aplicação (extraordinária, excecional) daquela regra de conduta, cuja aplicação comum, ordinária a lei impõe. Se o motivo determinante dessa omissão eventualmente consistiu numa pretensa desnecessidade de aplicação dessa regra de conduta em virtude de ter sido aplicada ao arguido pena acessória de idêntico jaez, então cumpre referir que esse possível argumento não colhe pois que os fundamentos de aplicação de cada uma delas e a consequência do seu incumprimento não são inteiramente coincidentes. Na verdade, se em ambas as medidas se pode descortinar o intuito legal de promover a proteção da vítima, há-de considerar-se que a aplicação da pena acessória visa outras finalidades, em parte coincidentes com as que subjazem à aplicação das penas principais; acresce que o não cumprimento da regra de conduta prevista no art. 34º-B, nº1, da Lei nº 112/2009 pode conduzir, em última instância, à revogação da suspensão da execução da pena (cf. arts. 55º e 56º do CP), servindo assim de fator motivador para o condenado adotar uma conduta conforme àquela regra, enquanto o inadimplemento da pena acessória é suscetível de integrar a tipicidade objetiva do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo art. 353º do CP.
De todo o modo, atento o princípio processual penal da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art. 409º do CPP, está este Tribunal da Relação impedido de determinar agora a aplicação, a título de nova regra de conduta a cujo cumprimento ficaria igualmente subordinada a suspensão da execução da pena, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
Aqui chegados, importa, contudo, lavrar uma breve nota para explicar que não é descabida a asserção do recorrente quanto ao excesso da imposição ao condenado de sujeição a tratamento à sua problemática de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, em regime de internamento, ainda que, à data da prolação da decisão recorrida e neste atual momento não haja fundamento para revogar, nessa parte, o decidido quanto ao regime de internamento.
No facto provado sob o nº 41, consta: “O arguido encontra-se desde 22 de Maio de 2021 integrado no Programa Terapêutico/Educativo do Centro de Solidariedade de ... – Projecto ..., em regime de internamento, transitando no dia 23.05.2022 para a fase de Reinserção Social do Projecto ... em Braga.”
Assim sendo, afigura-se-nos que se é desajustado obrigar o condenado a retornar a uma fase de internamento quando ele, no âmbito do processo de desintoxicação aditiva a que se sujeitou, pode já ter ultrapassado essa etapa, o que teria eventualmente ocorrido no dia coincidente com o da prolação da sentença recorrida (23.05.2022), com a prevista passagem para a fase de reinserção social (em ambulatório, portanto), o certo é que na data da decisão, bem como no presente momento, se desconhece se tal alteração de regime de tratamento ocorreu efetivamente, devido à conclusão com êxito da fase cumprida em regime de internamento. Porém, se tal sucedeu, o Tribunal a quo terá sempre a faculdade de, oficiosamente ou a requerimento, determinar a alteração do conteúdo dessa particular regra de conduta (cf. art. 51º, nº3, ex vi art. 52º, nº4, ambos do CPP).
Destarte, soçobra o recurso nesta parte.

III. 2.6Desnecessidade de aplicação da pena acessória/falta de fundamentação da sua fiscalização mediante meios de controlo à distância, bem como da dispensa de consentimento do arguido para a utilização destes:

Neste conspecto, requerendo a revogação da condenação na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, pelo período de 2 (dois) anos, e, subsidiariamente, face à invocada falta de fundamentação e da dispensa do consentimento do arguido, a revogação da sentença na parte em que determinou a fiscalização do cumprimento da pena acessória por meios técnicos de controlo à distância alega, em súmula, o arguido/recorrente [conclusões 17ª a 30ª]:

- A aplicação da pena acessória fixada, tal como das demais, depende da ponderação das circunstâncias concretas de cada caso;
- Os argumentos aduzidos na sentença recorrida – “receio manifestado pela ofendida, em sede de audiência de discussão e julgamento, de que o arguido se aproxime de si e concretize as ameaças que por várias vezes proferiu” – não nos parecem suficientes para justificar a aplicação da pena acessória ao arguido;
- Desde logo, dos factos apurados resulta que o arguido e a assistente estão separados de facto desde o dia 3 de Dezembro de 2019 e nada se apurou quanto ao comportamento do arguido desde essa altura até Junho de 2020 e desde então até hoje.
- Por outro lado, a sanção principal satisfaz de forma adequada e suficiente as necessidades da punição sendo, consequentemente, desnecessária a aplicação de uma pena acessória.
Subsidiariamente,
- Resulta ainda da sentença recorrida a utilização de meios de controlo à distância para verificação do cumprimento da sanção acessória;
- Sucede que a utilização de meios de vigilância eletrónica do cumprimento da medida depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local;
- Como claramente resulta da letra do art. 35º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, a aplicação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância depende da demonstração de a mesma se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, o que não se mostra minimamente observado na sentença recorrida.
- Por seu lado, de acordo com o 36º, n.º 7, do mesmo diploma, a dispensa do consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivem, determinada pelo tribunal a quo, estava igualmente dependente dessa decisão fundamentada sobre a imprescindibilidade da referida fiscalização por meios eletrónicos para a proteção dos direitos da vítima.
- Na ausência dessa fundamentação, apresenta-se como injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância.
- Da matéria de facto provada não resultam circunstâncias concretas que apontem no sentido de a proteção dos direitos da vítima reclamar essa forma de fiscalização.
- Ocorre violação, entre outros, dos arts. 40º, 70º a 73º e 152º, nº 3 e nº 4 do CP e os arts. 35º e 36º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro.

Decidindo:
Estipula o artigo 152º, nº 4 e 5, do Código Penal, na redação vigente à data da prática dos factos:

“(…)
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. (16)
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.” [redação da Lei nº 19/2013, de 21.02]
As penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.
Encontrando-se as penas acessórias sujeitas ao princípio da não automaticidade, este mostra-se assegurado pelas circunstâncias de a proibição de contacto com a vítima se tratar de uma pena não obrigatória, dependendo a sua aplicação de um juízo de adequação e necessidade para atingir, em complemento com a pena principal, as finalidades punitivas, e ser temporária e variável, isto é, por ser uma verdadeira pena, cuja aplicação implica apreciação e graduação, em medida certa e determinada.

No caso vertente, o Tribunal recorrido justificou a sua aplicação nos seguintes termos:

«Atendendo ao receio manifestado pela ofendida, em sede de audiência de discussão e julgamento, de que o arguido se aproxime de si e concretize as ameaças que por várias vezes proferiu, entendemos adequado aplicar a pena acessória de proibição de contactos com a assistente/ofendida, pelo período de 2 (dois) anos, devendo manter-se afastado da residência dela, bem como do seu local de trabalho, por esse período temporal.»
Assim sendo, contrariamente ao que defende o recorrente, a decisão de aplicação da pena acessória de proibição de contactos do condenado com a vítima não é infundamentada. O Tribunal aduziu o motivo pelo qual considerou necessária a sua aplicação; se o arguido discorda de tal fundamento, por o considerar inidóneo, é outra questão, que contende já com o mérito da decisão.
Entendemos que a fundamentação afirmada pelo Tribunal a quo, não sendo exemplar – admite-se – mostra-se suficiente e capaz para o efeito pretendido.
Com efeito, o alegado receio subjetivo manifestado pela vítima não é infundado, antes encontra arrimo nas circunstâncias objetivas que rodearam a prática dos factos pelo arguido, ressumando da factualidade provada a pertinência da aplicação da pena acessória, atendendo às reiteradas condutas de ameaças de morte veladas dirigidas à vítima bem como de perseguição da mesma, incluindo nas proximidades da sua residência e local de trabalho, desse medo abalando seriamente o bem-estar desta e o seu direito a uma existência em paz.
Consideramos, contudo, que por força da diminuição do grau de ilicitude do facto decorrente da não verificação da agravação prevista nas alíneas do nº2 do art. 152º, com a consequente diminuição da medida concreta da pena principal aplicada e do respetivo período de suspensão da sua execução [cf. decidido supra: Ponto III.2.3], justifica-se, rectius, impõe-se a redução do período de vigência da proibição de contactos decretada, que se julga, adequada e proporcionalmente, fixar em 1 (um) ano e 3 (três) meses.
Vejamos agora se se mostra fundada e acertada a decretada fiscalização do cumprimento da proibição de contactos mediante meios de controlo à distância.
Pela sua assertividade e pertinência, reproduzimos o expendido a este propósito pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no douto parecer que deduziu nos autos:
«Aqui chegados, cumpre-nos manifestar a nossa concordância com o recorrente no que diz respeito ao facto da sentença recorrida ter determinado que pena de afastamento da ofendida/assistente ser fiscalização por meios técnicos de controle à distância.
É que, a Lei 19/2013 de 21/2, deu nova do nº 1 do artº 35º da L. 112/2009 de 16/9 (regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas), passando a dispor:
“1 - O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.” (realce nosso)
Por outro lado, ao artº 36º, da mesma lei foi-lhe foi acrescentado o nº 7, passando a ter a seguinte redação:
“1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
3 - O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto.
4 - Sempre que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no requerimento.
5 - As vítimas e as pessoas referidas no n.º 2 prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o enviam posteriormente ao juiz.
6 - Os consentimentos previstos neste artigo são revogáveis a todo o tempo.
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.”
Ao acrescentar-se o acima referido nº 7, parece que o controlo à distância não é de facto automático, havendo necessidade, para serem dispensados os consentimentos, que o juiz fundamente a imprescindibilidade da utilização de meios técnicos de controlo à distância para a proteção dos direitos da vítima.
Ora, não resulta nem da sentença nem das atas de julgamento que tenha havido qualquer consentimento, sendo certo que a fundamentação que é utilizada na sentença recorrida para a fiscalização com utilização de meio técnicos serve apenas quanto à aplicação em geral da sanção acessórias decidida, conforme supra se referiu.
Nada se referiu de substancial quanto à efetiva necessidade e imprescindibilidade da medida acessória de proibição de contacto com a vítima dever ser controlado por meios técnicos à distância, medida que constitui uma forte limitação à liberdade não só do arguido, como também da vítima.
Em suma, a sentença recorrida não explicita as razões concretas pelas quais entende que a proteção da vítima exige que o controlo do afastamento seja feito por meios técnicos, limitando-se a referir que “Atendendo ao receio manifestado pela ofendida, em sede de audiência de discussão e julgamento, de que o arguido se aproxime de si e concretize as ameaças que por várias vezes proferiu, entendemos adequada gravidade dos atos por si praticados exigem uma proteção adicional da vítima”, o que se nos afigura insuficiente para permitir concluir que é imprescindível para a proteção da vítima o controlo por meios técnicos.
Em face do exposto, e concluindo, deverá o recurso interposto ser declarado improcedente com exceção da parte em que se insurge que a pena de afastamento da vítima seja feito através da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.»
Concordamos com a posição assumida pela Exma. PGA neste concreto aspecto.
O art. 35º, n.º 1, da Lei n.º 112/2009, de 16.09, dispunha que “O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, pode, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.”

Por seu turno, estatuía o art. 36.º do mesmo diploma legal que:
“1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.”
Entretanto, a Lei n.º 19/2013, de 21.02, alterou, por um lado, a redação do n.º 5 do art. 152º do Código Penal, estabelecendo-se agora que o cumprimento da pena acessória deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, e, por outro lado, alterou a Lei n.º 112/2009, cujo art. 35º passou a prescrever, em termos semelhantes aos da norma do Código Penal, que “O tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52.º e 152.º do Código Penal, no artigo 281.º do Código de Processo Penal e no artigo 31.º da presente lei, deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância."

E o art. 36.º do mesmo diploma passou a dispor o seguinte:
“1 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
2 - A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.
(…)
7 - Não se aplica o disposto nos números anteriores sempre que o juiz, de forma fundamentada, determine que a utilização de meios técnicos de controlo à distância é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima.”
Assim, como se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 06.02.2017, proferido no Processo nº 201/16.0GBBCL.G1, disponível in www.dgsi.pt: «A utilização de meios de vigilância eletrónica do cumprimento da medida de vigilância controlada depende, não só da verificação de um concreto juízo de imprescindibilidade dessa medida para a proteção da vítima, mas também da obtenção de consentimento do arguido, da vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima e das que possam ser afetadas pela permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local. A anuência das pessoas afetadas com a restrição da liberdade pode ser suprida se o tribunal, em decisão fundamentada, concluir que na situação concreta e perante a ponderação dos valores e direitos em conflito, a aplicação de meios técnicos de controlo à distância constitui uma medida indispensável para a proteção dos direitos da vítima. Sendo caso de definição de uma pena acessória, a indicação das concretas razões de facto que subjazem ao juízo de imprescindibilidade de aplicação dos meios eletrónicos e da dispensa do consentimento deve constar da própria sentença.»

Aduz-se ainda na fundamentação desse douto arresto:
«Constata-se que, apesar da substituição do termo “pode” por “deve” na previsão da fiscalização de cumprimento pelos meios de controlo à distância, o legislador não prevê a fiscalização por meios eletrónicos como o “regime regra”, muito menos “impõe” que assim se proceda, mantendo-se a exigência, em todo o caso, de um juízo positivo sobre a imprescindibilidade da utilização desses meios para a proteção da vítima, conforme claramente resulta do texto do citado art. 35º, n.º 1.
Com efeito, na redação original do Projeto de Lei n.º 194/XII-1ª, donde resultou a mencionada alteração legislativa, constava a revogação de todo o artigo 36º, desse modo se pretendendo suprimir as exigências de consentimento para a implementação dos meios de controlo – Vd. http://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/12/01/136/2012-03-07/47?pgs=47-48&org=PLC. No entanto, aquando da audição parlamentar nesse processo legislativo, o Professor Germano Marques da Silva, discordou do projeto, nos seguintes termos:
“C) Revogação do artigo 36° da lei n° 112, de 16 de setembro
O consentimento para a utilização de meios técnicos de controlo à distância não respeita apenas ao arguido, mas também à própria vítima e das pessoas que vivam com o agente ou a vítima. Não é razoável impor medidas restritivas da liberdade à própria vítima ou a terceiros inocentes sem o seu consentimento. Também a necessidade de consentimento do arguido pressupõe que na falta de consentimento são aplicáveis medidas alternativas mais gravosas.
Parece-me de todo inaceitável a revogação deste artigo 36° porque a medida seria então inconstitucional por imposição de uma medida restritiva de liberdade à própria vítima ou a terceiros inocentes. No que respeita ao arguido poder-se-ia prescindir do seu consentimento, considerando que a imposição da medida constitui uma pena, mas a experiência da vigilância eletrónica mostra a ineficácia da medida quando não é aceite pelo arguido.

Se a medida de vigilância controlada for imposta sem consentimento é necessário prever a sanção para o seu incumprimento, sanção que há-de ser equivalente à que seria aplicável na falta de consentimento. Por isso que também relativamente ao arguido não pareça justificar-se a revogação do art. 36°, embora neste caso não se suscitem questões de inconstitucionalidade.” - Vd. http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheAudicao.aspx?BID=93762.
Esta apreciação mereceu parcial concordância na comissão parlamentar da especialidade, surgindo então a redação final do atual n.º 7 do art. 36º.»
No caso sub judice, compulsada a sentença recorrida, constata-se que a Mma. Juíza limitou-se a invocar o teor do art. 152º, nº 5, do CP para justificar a fiscalização do cumprimento da pena acessória por meios técnicos de controlo à distância, olvidando o disposto no citado art. 35º, nº1, da Lei nº 112/2009, carecendo de concretização factual, sendo a decisão, por isso, omissa quanto ao impreterível juízo judicial sobre a imprescindibilidade de utilização daqueles meios técnicos para proteção dos direitos da vítima, medida que constitui uma forte limitação à liberdade, não só do arguido, como também da vítima.
Por outro lado, nem da sentença nem das atas de julgamento decorre que tenha sido colhido o consentimento do arguido para implementação dos meios técnicos de controlo à distância (vulgo, vigilância eletrónica), acrescendo que inexiste invocada na decisão recorrida a dispensa, fundamentada, dos necessários e legais consentimentos, com base na absoluta necessidade daqueles meios para proteção da vítima (cfr. art. 36º, nº7, da Lei 112/2009).
Em conformidade, não se deve manter a imposição ao arguido dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a vítima, pelo que, nesta parte, o recurso merece provimento.

III. 2.7Da indemnização civil fixada na sentença recorrida:

No recurso por si deduzido, o demandado/recorrente J. O. defende que não existe fundamento legal para a sua condenação, visto que não cometeu qualquer facto ilícito que constitua crime. Nesta parte, o eventual êxito do recurso estava associado a uma pretendida não prova dos factos imputados na acusação/pedido de indemnização civil, que, no entanto, não vingou por força da manifesta improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, o recorrente contesta o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal recorrido, entendendo que aquele não deve ser superior a € 1.000,00.

Para tanto, alega que [conclusões 31ª a 38ª]:

- A indemnização deve ser adequada e proporcional à gravidade objectiva dos factos, tomando em conta todas as regras de bom senso e da justa medida das realidades da vida;
- Assim, deve atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, assim como à do lesado. Tudo devidamente sopesado em juízos de equidade, aos quais não podem também ser alheias as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes;
- Como tem sido assinalado de forma constante na jurisprudência, a indemnização por danos não patrimoniais, se nunca poderá constituir um enriquecimento sem causa, também não pode ser meramente simbólica ou miserabilista, devendo fixar-se em montante que tendencialmente viabilize o fim a que se destina;
- O valor da indemnização pelo dano não patrimonial fixada pela douta sentença mostra-se totalmente desajustado e desconforme com a aplicada em casos idênticos, que tem vindo a ser fixada em valores que variam entre 750,00€ e 1.000,00€. Sopesando em conjunto a natureza e a gravidade dos danos sofridos pela ofendida, a capacidade económica do demandado e da demandante e os valores habitualmente fixados pela jurisprudência em situações semelhantes, é excessivo e inadequado o valor da indemnização de €5.000,00 fixado na sentença recorrida pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, que assim se deve expressivamente reduzir;
- Pelo que, no uso do juízo de equidade que deve presidir à sua fixação, deverá aquele valor indemnizatório de €5.000,00 ser reduzido, para valor não superior a 1.000,00€, sempre na esteira da aplicação daquele princípio;
- Decidindo de forma diversa, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da lei, designadamente dos artigos 494º e 496º do CC.

Apreciando:
Preceitua o art. 129º do Código Penal que “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”
A responsabilidade civil extracontratual ou por factos ilícitos vem prevista nos arts. 483º e seguintes do Código Civil (aplicáveis por força do disposto no art. 129º do CP), que fixa no nº1 do art. 483º o princípio geral nesta matéria: "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesse alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
No âmbito da responsabilidade civil em apreço tanto são atendíveis os danos suscetíveis de avaliação pecuniária – danos patrimoniais – como os que, não o sendo, mereçam pela sua gravidade a tutela do direito – não patrimoniais ou morais (cfr. art. 496º, nº1 do C.C.).
Tem-se entendido que os danos morais ou prejuízos de natureza não patrimonial correspondem àquilo que se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante da situação do lesado gerado pelo ato ilícito a que foi sujeito – vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-92, CJ, IV, 31 e do Tribunal da Relação do Porto de 2-5-80, CJ, III, 61; na doutrina, por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, p. 499.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), acrescendo que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização – Pires de Lima/Antunes Varela, ob. e p. cit.
O montante indemnizatório há-de ser fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que alude o art. 494º do Código Civil (ex vi nº4 do art. 496º do mesmo diploma legal), ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se revelem pertinentes.

O Tribunal recorrido fundamentou a decisão da parte cível nos seguintes termos:
«A demandante deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado peticionando o pagamento de indemnização no valor global de 15.000,00€ a título de danos não patrimoniais.
O ressarcimento de tais danos deve ser, em consequência do princípio da adesão consagrado no artigo 71º do Código Processo Penal, deduzido no processo penal.
Nos termos do artigo 129º do Código Penal a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, de acordo com os artigos 483º, 496º, 562º e 566º, todos do C. Civil.
Preceitua o art. 483º, nº1 do C.Civil que “aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade: o facto que viola o direito de outrem, a ilicitude, a imputação subjectiva (a culpa) do facto ao agente; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No caso sob apreço encontram-se preenchidos todos estes pressupostos.
Como resulta dos factos provados, o arguido, por diversas vezes apelida diariamente a ofendida de “puta, vaca, badalhoca, vaca do monte que não tens boi certo”
Mais se provou que o arguido ameaça atentar contra a vida da ofendida – veja-se que resultou provado que numa das ocasiões disse: sua puta, sua borrachona, qualquer dia passo-te com a mota por cima”.
Provou-se ainda que causa sofrimento emocional, humilhação, vergonha, tristeza e deixando-a emocionalmente perturbada, com receio e medo do arguido. Provou-se ainda que a demandante sente-se oprimida e angustiada.
Ora, não restam dúvidas que, com a sua conduta, o arguido violou o direito à saúde, física e psíquica da ofendida, ao seu bem-estar e sossego, tendo, deste modo, a demandante cível, direito a uma indemnização, que deverá ser fixada tendo-se em conta os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
O princípio geral vigente nesta matéria é o prescrito no art. 562º do C.Civil, nos termos do qual “quem estiver obrigado a reparar um dano, deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, devendo dar-se preferência, sempre que possível, à restituição natural (art. 566º, nº 1 do C.Civil).
Quando essa reconstituição não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, deve fixar-se uma indemnização em dinheiro.
No que concerne à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais postula o art. 496º do Código Civil, no seu n.º 1, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Os danos não patrimoniais, correspondem aos prejuízos que, como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, os danos de natureza estética que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, por atingirem bens que não integram a esfera patrimonial do lesado, apenas podem ser compensados mediante uma obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma compensação do que uma indemnização.
Como refere VAZ SERRA, “A indemnização por danos não patrimoniais não é uma indemnização no sentido próprio, por não ser equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no status quo ante. É, tão só, uma satisfação ou compensação do dano sofrido, que não é verdadeiramente avaliável em dinheiro.” (in B.M.J., n.º 83-83).
Relativamente à quantificação da indemnização por este tipo de danos, de acordo com o artigo 496.º, n.º 3, do C. Civil, deverá a mesma ser fixada equitativamente pelo Tribunal atendendo à justiça do caso concreto, às regras da boa prudência e à criteriosa ponderação das realidades da vida, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias cuja influência se faz sentir (cfr. artigos 496. ° n.º 3 e 494. ° do Código Civil).
Nestes termos, e remetendo-nos ao caso concreto, a ofendida tem direito a ser indemnizada pelos danos que advieram do arguido e que se julgaram como provados, uma vez que a sua actuação, mais que ilícita, é criminosa, a sua actuação foi dolosa e originou danos indemnizáveis (o sofrimento físico e psicológico, a vergonha e humilhação da demandante) e patenteia-se o necessário laço causal entre estes e aquela (actuação).
Assim sendo, perante o grau de culpabilidade do arguido manifestado na prática dos factos, tendo actuado sempre com dolo directo, a gratuitidade das humilhações perpetradas, o desrespeito manifestado pela ofendida, o sofrimento emocional causado, segundo o referido juízo de equidade, tem-se por ajustado o montante indemnizatório de €5.000,00 (cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos.
A demandante peticiona ainda juros moratórios, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Quanto ao pedido de juros legais desde a citação e até efectivo e integral pagamento, cumpre referir a este propósito que, de acordo com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 29/05/2002, publicado no D.R., I.ª Série A, de 07/06/2002, apenas haverá que computar os juros vincendos a partir desta data, relativamente aos danos não patrimoniais, procedendo assim parcialmente a pretensão da demandante.»
Compulsada a sobredita fundamentação, constata-se que na mesma o Tribunal tomou convenientemente em consideração os parâmetros e critérios legais de determinação da indemnização, não se descortinando nessa decisão violação ostensiva das regras de experiência e da lógica e, muito menos, das normas legais aplicáveis.
A decisão em causa mostra-se devidamente fundamentada.
Todavia, afigura-se-nos excessivo o montante indemnizatório estabelecido relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante civil.
Ponderando também, em concatenação:
- A mediana gravidade dos factos, que, sendo censuráveis, se consubstanciam essencialmente em maus tratos psicológicos, mas sem que o demandado tenha alguma vez atentado ou sequer tentado atentar contra a integridade física da vítima;
- O lapso temporal em que ocorreram os maus tratos, que não é assaz significativo (cerca de um ano);
- A circunstância de, não obstante a culpa do arguido ser intensa, este ter assumido, posteriormente aos factos, a necessidade de se submeter a tratamento à sua problemática aditiva relacionada com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, fator potenciador das impetradas condutas criminosas, e que o demandante, que se saiba, não mais se abeirou da ofendida;
- A precária condição económica do lesante (desconhecendo-se, em concreto, a da lesada),
Afigura-se-nos como proporcional e equitativa, atendendo ao momento atual, para tentar compensar os danos não patrimoniais sofridos pela demandante, como consequência direta e necessária das condutas ilícitas e culposas do demandado, a quantia indemnizatória de € 3.000,00 (acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados da data da sentença recorrida e até efectivo e integral pagamento).
Destarte, procede parcialmente o recurso quanto a este fundamento.
*

V - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o douto recurso interposto pelo arguido/demandado civil J. O. e consequentemente:

A) Revogar a douta sentença recorrida no que concerne à condenação do arguido, como autor material, de um crime agravado de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº1, al. a), e nº2, do Código Penal, na pena de 2 anos de 6 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, condenando-o agora o arguido pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 8 meses.
B) Revogar a douta sentença recorrida no que tange à infundamentada determinação da fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos com a vítima mediante meios técnicos de controlo à distância.
C) Revogar a douta sentença recorrida relativamente ao montante indemnizatório ali fixado, reduzindo-se o mesmo a € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados da data da sentença recorrida e até efectivo e integral pagamento.
D) Quanto ao mais, julgar improcedente o recurso, mantendo o decidido na douta sentença recorrida.
*
Sem tributação (arts. 513º, nº1, e 514º, ambos do CPP, a contrario).

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
*
Guimarães, 21 de novembro de 2022,

Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
Pedro Freitas Pinto (Adjunto)
[assinatura eletrónica]
Fátima Sanches (Adjunta)
[assinatura eletrónica]
(Acórdão elaborado pelo relator e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)


1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças, in “Processo Penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto”, Revista Julgar, nº 10, 2010, p. 29.
3. Entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2011, processo 308/08.7ECLSB.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 09703/2018, processo 628/16.7T8LMG.C1, de 03/06/2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, de 14/01/2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, e de 17/12/2014, processo 872/09.3PAMGR.C1; e do Tribunal da Relação de Lisboa de21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
4. Resulta inequivocamente do preceituado no nº3 do art. 417º que as especificações do art. 412º, nºs 3 e 4, devem constar nas conclusões (para além, obviamente, da sua alegação em sede do arrazoado da motivação).
5. Cfr., por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2004, processo nº 04P3195, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/03/2015, processo nº 594/11.5T3AVR.C1, e de 24/04/2012, processo nº 14/10.2SJGRD.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
6. Na redação vigente, posterior aos factos, introduzida pela Lei nº 57/2021, de 16.08, prescreve o corpo do nº1 do art. 152º: “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: (…)”
7. cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2010, processo nº 179/08.3GDSTS.P1, in www.dgsi.pt.
8. Cf., a título exemplificativo, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 13.06.2007, in www.dgsi.pt, do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.1997, CJSTJ, III, 235, e de 17.10.1996, CJSTJ, IV, 170, da Relação de Évora de 23.11.1999, CJ, V, 283 e de 25.01.2005, CJ, I, 260, e da Relação do Porto, de 12.05.2004, Recurso 6422/03-4ª Secção, e de 06.10.2010, processo nº 296/08.0PDVNG.P1, in www.dgsi.pt.
9. Trata-se de fenómeno há muito estudado e constatado. Assim, segundo dados das Nações Unidas (1995) e da Unicef (2000), “os riscos de mulheres e crianças serem alvo de prática de violência em casa é largamente superior ao risco de os sofrerem no exterior, sendo que alguns estudos referenciados pela O.N.U. (1995) apontam no sentido de que cerca de 70% dos homicídios perpetrados contra as mulheres ocorreram no seu próprio lar – cfr. Nelson Lourenço e Maria João Leote de Carvalho, in “Violência Doméstica”, edição conjunta da PGR e do Gabinete da Ministra para a Igualdade, Junho de 2000, pág. 36.
10. Obtida de “http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Stalking.
11. Texto disponível no sítio da internet com o endereço apav.pt/stalking/índex.php/o-que-e.
12. Na apresentação sob a epígrafe “Avaliação do risco em casos de stalking: pressupostos, modelos e análise de um caso prático”, p. 23.
13. “Direito Penal Português II, As Consequência Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
14. “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.
15. Figueiredo Dias, ibidem, p. 306.
16. Entretanto, a redação do nº4 foi alterada pela Lei nº 57/2021, de 16.08, alargando o âmbito de aplicação das penas acessórias aí previstas aos casos em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal.