AGENTE DE EXECUÇÃO
APELAÇÃO
Sumário

I) O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar, devendo ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres estatutários, legais, regulamentares e que os usos, costumes e tradições profissionais lhe imponham, estando obrigado a pugnar pela boa aplicação do direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão (cfr. artigos 121.º, 124.º e 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro).
II) O agente de execução caso atue dolosa ou negligentemente, causando danos (patrimoniais ou morais), incorrerá em responsabilidade civil, nos termos gerais, quando se encontrem preenchidos todos os requisitos do artigo 483.º do CC.
III) Nos termos do artigo 855.º do CPC compete ao agente de execução receber o requerimento executivo, prosseguindo para a realização de diligências prévias à penhora, caso não o rejeite nem tenha dúvidas que haja se suscitar ao juiz, e competindo-lhe, de acordo com o artigo 719.º, n.º 1, do CPC, efetuar as diligências de penhora, mas devendo usar de especial cuidado e humanidade em situações de natureza mais sensível, nomeadamente aquelas que envolvam penhoras e, em especial, quando esteja em causa a casa de habitação efetiva do penhorado ou da sua família ou se verifique a presença de menores (cfr. artigo 23.º, n.º 3, do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução).
IV) Nos termos do artigo 177.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, o agente de execução pode delegar noutro agente de execução (ou em sociedade de agentes de execução) a competência para a prática de atos num processo, podendo as delegações ter feição total (para a prática de todos os actos) ou parcial (apenas para a prática de determinados actos), sendo que, ao agente de execução delegado é remetido o processo via sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, acompanhado de relatório elaborado pelo delegante, sendo que, na delegação de competências para a prática de determinados atos, deve ser especificado o ato ou atos delegados, mantendo-se o agente de execução delegante responsável a título solidário com o delegado (cfr. artigos 2.º, n.ºs. 1, al. c) e 2, do então vigente Regulamento n.º 435/2009, DR, 2.ª série, n.º 216, de 6 de novembro de 2009, p. 45418 e ss.).
V) Tendo à agente de execução sido delegada a prática dos atos de penhora de bens móveis e de citação dos executados, tendo acesso ao requerimento executivo e aos documentos que o acompanhavam, deveria a mesma verificar se o título executivo autorizava a penhora dos bens móveis que se pretendia levar a efeito, se os executados figuravam no título executivo como devedores, bem como, se a morada onde iria efetuar a penhora respeitava aos executados, assim como, se os bens penhorados eram de sua pertença, sendo que, em caso de dúvida, dever-se-ia abster de realizar a penhora, sem que tais dúvidas fossem dissipadas, pelo que, é ilícita e culposa – e geradora de indemnização – a conduta da agente de execução que vem a concretizar a penhora sobre bens de terceiros, sem que ocorresse alguma das situações em que tal era admissível (cfr. artigo 818.º do CC) e sem verificar que o título executivo não respeitava à pessoa dos executados (quanto ao ora 3.º autor) ou àqueles a quem pertenciam os bens que foram objeto de penhora (quanto aos ora 1.º e 2.º autores).

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:

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1. FL, ML E BP, identificados nos autos, instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra IGLEEXCUTU - CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE IMÓVEIS S.A. e LS, ambos também identificados nos autos, peticionando a sua condenação nos seguintes termos:
“a) Sejam os Réus condenados solidariamente a pagar ao 1º A. e à 2ª A., a título de Indemnização por danos patrimoniais a quantia global de 19.951,62€ (dezanove mil novecentos e cinquenta e um euros e sessenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
b) Sejam os Réus condenados a pagar solidariamente ao 1º A. e à 2ª A., a título de Indemnização por danos não patrimoniais a quantia de 10.000,00€ (dez mil euros), a cada um dos A., acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
c) Sejam os Réus condenados solidariamente a pagar ao 3º A., a título de Indemnização por danos não patrimoniais a quantia global de 10.000,00€ (dez mil euros), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
d) Seja a 1ª Ré condenada a pagar ao 3º A., a título de danos patrimoniais a quantia de 2.650,00€ (dois mil seiscentos e cinquenta euros), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento”.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- O 3.º A. (filho dos primeiros RR.) foi executado no processo n.º 743/13.9TBCSC, sendo ali exequente a 1.ª R e agente de execução a 2.ª R.;
- No âmbito dessa acção, em 12-10-2016, pelas 10.00 horas, com a presença da GNR de Alcabideche, foi efectuada a penhora (e consequente retirada) de diversos bens móveis que compunham o recheio da casa onde residem os 1º e 2ª A.A., sita na Rua …, N.º …, Malveira da Serra, 2755-208 Alcabideche, Cascais, sendo que, à época, também ali residia o 3.º R.;
- Foi nomeado fiel depositário dos bens o administrador da 1.ª R. e os bens foram depositados na sua sede;
- Os referidos bens constituíam o recheio da casa de morada de família e não eram propriedade do executado, aqui 3.º A., pertencendo aos 1.º e 2.º AA.;
- No início da diligência, a 2.ª A., encontrava-se sozinha em casa, e debaixo de forte tensão e totalmente intimidada, acabou por cair de costas e bater com a cabeça, tendo um dos elementos da GNR chamado o 112, e após assistida no local, foi levada para as urgências do Hospital de Cascais;
- Ainda, o 1.º R. tentou provar que era o efectivo proprietário, mostrando comprovativos da aquisição de inúmeros bens que a 2.ª Ré estava a remover, mas esta recusou verificar a veracidade da propriedade dos bens;
- Os 1.º e 2.ª AA. são pessoas de idade, honestas e honradas e padecem de graves problemas de saúde, sofrendo a 2.ª A. de doença do foro cancerígeno e o 1.º A. de doença do foro cardíaco e o 3.º A. é uma pessoa que sofre de deficiência grave dos membros superiores e da coluna, em virtude de acidente de viação quando tinha 18 anos;
- O representante da 1.ª Ré continuava aos gritos e com comportamentos intimidatórios, nada fazendo a 2.ª Ré para evitar ou controlar tais comportamentos, sem sequer respeitaram o lar e a privacidade dos AA.;
- Ficaram os primeiros AA. sem qualquer porta no interior da sua residência, inclusive a da casa de banho e do seu quarto de casal, sendo que todos os bens penhorados eram modestos e de manifesto valor reduzido ou sem qualquer valor comercial, até pelo seu muito uso e pela sua idade, no entanto, não deixaram de ser penhorados e removidos;
- O 3.º A. somente foi citado para o processo de execução em 19-10-2016, tendo-lhe sido entregue nessa data o requerimento executivo e auto de penhora e veio a opor-se à execução e à penhora, vindo a ser rejeitada a execução contra o 3.ª A. e, em consequência, sido declarada extinta, bem como, os embargos de terceiro intentados pelos 1.ª e 2.ª AA., tendo sido ordenado o levantamento da penhora, o que até ao momento não sucedeu;
- Em consequência directa da conduta dos Réus, os 1º e 2ª A.A. sofreram um prejuízo patrimonial global de 19.951,62€, conforme orçamentos solicitados pelos 1º e 2ª A.A. para a aquisição dos bens penhorados, em género e qualidade equivalente;
- Mercê das condutas dos Réus, os A.A. sofreram humilhação, pânico, angústia, vexame e medo, o que causou um grave transtorno e perturbação físicos, quer no momento quer durante e após a intervenção abrupta e violenta de que foram vítimas, bem como perante a atitude arbitrária e prepotente daqueles, em insistirem num acto de penhora de bens móveis, que eram unicamente o recheio da sua residência, todos eles essenciais à sua via pessoal, familiar e social;
- Os AA., a partir dessa data, ficaram na sua vivência constrangidos e deixaram de receber os vizinhos e amigos em casa, pois não tinham sequer cadeiras para os sentar ou sequer portas para que pudessem ir à casa de banho;
- E, pelos mesmos motivos, os 1º e 2ª A.A. deixaram de poder receber os seus filhos e respectivos cônjuges, porque a casa estava vazia;
- É o agente de execução que verifica a penhorabilidade de bens e a legitimidade dos Exequentes e Executados, para isso tem o acesso prévio ao título executivo e, nesse âmbito não podia desconhecer que a execução tinha como títulos dois cheques emitidos por uma sociedade, também executada nos autos – BP Unipessoal, Lda., sendo inequívoco que o 3.ª A., enquanto pessoa individual não figurava nestes dois títulos e assim foi decidido por sentença em 20-10-2017 e não pode a 2.ª Ré invocar desconhecimento de que os bens que penhorou constituíam o essencial à economia doméstica dos 1º e 2.ª AA., antes se impondo que, na qualidade de agente de execução, e mantendo a decisão de penhorar tais bens, que constituísse como fiéis depositários os A.A., pois sabia que a sua remoção não só esvaziaria um lar, como danificaria os bens e impediria como tem impedido os A.A. de viverem com um mínimo de dignidade humana e uma vida familiar e social condigna; e
- Mercê da perseguição de que foi alvo pela 1ª Ré e sempre sob a ameaça de que esvaziavam a casa dos seus pais, o 3.º A. acabou por lhes entregar a quantia global de €2650,00, com a qual a 1.ª R. se locupletou na medida em que o R. foi declarado parte ilegítima na execução, do que não podia desconhecer, já que tinha mandatários constituídos no processo.
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2. Citada, a ré LS contestou, tendo assumido o exercício de funções como agente de execução no aludido processo executivo, as quais lhe foram delegadas pelo agente de execução PB, reconduzindo-se a sua intervenção ao acto de penhora e citação, pelo que, era a este a quem competiam os deveres elencados pelos AA. e, por outro lado, invocou que os AA. não lograram provar a propriedade dos bens penhorados.
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3. Também a ré IGLEEXCUTU – CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE IMÓVEIS S.A. contestou, defendendo-se por exceção – invocando a prescrição dos eventuais direitos dos autores – e por impugnação - alegando que, não só o processo executivo se balizou pelo estrito cumprimento dos deveres legais, como ainda hoje não foi feita prova de que os bens penhorados eram propriedade de terceiro.
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4. Dispensada a realização de audiência prévia, foi elaborado despacho saneador - onde foi julgada improcedente a exceção de prescrição invocada – procedendo-se à identificação do litígio e à enunciação dos temas da prova.
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5. Teve lugar audiência final, após o que, em 02-12-2021, foi proferida sentença decidindo:
“A) Condenar a R. LS a pagar aos AA. FL a quantia de € 13 720,16, acrescida de juros de mora à taxa de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08-04), desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais;
B) Condenar a R. LS a pagar a cada um dos AA. FL e ML a quantia de €9000,00 (num total de €18.000,00) e ao A. BP a quantia de €3000,00, acrescidas de juros de mora a calculados à taxa de 4% (Portaria n.º 291/03, de 08-04), desde a data da prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento;
C) Absolver a R. Igleexcutu – Construção do contra si peticionado;
D) Absolver a R. LS do demais contra si peticionado;
E) Condenar AA. e RR. nas custas devidas, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando-se em 33% para os AA. e 66% para a RR. (…)”.
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6. Não se conformando com esta decisão, dela apela a ré LS, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A - O ponto RR da factualidade considerada por provada deverá ver a sua redação alterada por molde a enquadrar a verdadeira dinâmica processual, passando a ser considerado por provado no ponto RR o que se segue: RR. A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, a qual veio a ser desassociada do processo do processo e substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na Ré LS.”
B - Constituem temas da prova a apurar:
A residências dos AA.
C - A este propósito a testemunha AP, irmã e filha dos AA, declarou
Questionada minuto 16.19 m gravação 20210928142225, “mas o seu irmão não residia nesta casa?”
Respondeu: “Residia nesta casa….”
Questionada novamente minuto 16.33 “Mas era aqui que ele residia?”
Respondeu: “Essa era a morada dele, mas tinha a namorada dele, e por vezes dormia na casa da namorada.”
D - Por forma a dar cumprimento ao ponto 1 dos temas da prova, deverão ser aditados os factos provados passando a conter o ponto ZZ1, o qual deverá contemplar a seguinte redação: “Os AA residiam na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755–208 Alcabideche, Cascais.”
E - A douta sentença estriba a condenação da ré LS em três razões de direito.
Os bens penhorados, foram adquiridos pelos autores FL e ML os quais não eram executados nos autos executivos.
Os bens penhorados são imprescindíveis à economia doméstica.
A ré não podia desconhecer que o autor BP não figurava nos títulos executivos. Também considerada facto provado, mas cujo enquadramento será efetuado em sede de matéria de direito.
F - A obrigação contida no artigo 855 co C.P.C. opera no momento do recebimento do requerimento executivo.
G - Tal obrigação impendia sobre a agente de execução que recebeu o requerimento executivo. MC!
H - Esclarece também o artigo 855 do C.P.C., que uma vez recebido o requerimento executivo e prosseguindo o processo procede o A.E. no sentido de promover as penhoras e citação do executado.
I – Cessando as função da referida A.E. o A.E designado nos autos era PB, o qual indicou à ré, o local, Rua …, …, Malveira da Serra, onde se deveriam efetuar as diligências de citação e penhora.
J - A este propósito, de forma sintética esclarece a sentença, no segundo paragrafo da pagina 27: “ E nem se argumente que a R. LS viu serem delegados unicamente os actos de penhora e citação, pelo agente anteriormente nomeado no processo de execução em causa, já que tal circunstância não a desonera de averiguar da conformidade e regularidade dos atos por si realizados… A mesma argumentação vale para a existência de um despacho judicial prévio que autorizou o recurso ao arrombamento e ao auxílio de força policial.”
L - A ré não se encontrava nomeada como agente de execução nos autos executivos, mas sim o agente de execução PB.
M - O controle sobre a legalidade dos autos cabe ao agente de execução titular dos mesmos.
N - A ré não tem acesso a toda a tramitação processual, esta apenas é acessível ao A.E. titular dos autos e ao tribunal.
O - A Ré desconhecia, nem podia conhecer, se o AE titular dos autos havia suscitado a intervenção do tribunal nos termos do disposto no artigo 855 do C.P.C.,
P - Conhecendo apenas o ato de delegação de poderes para a prática de dois atos, os quais estavam acobertados por despacho judicial!
Q - À pergunta; Tinha a ré obrigação legal/funcional de analisar o titulo executivo? A douta sentença não apresenta resposta.
R - A resposta só pode ser negativa, sendo apenas positiva em relação ao A.E. que recebeu o requerimento executivo. MC!
S - Assim o ponto QQ da factualidade provada deverá ser considerado por não provado.
T - O domicílio do executado BP é na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais.
U - Os bens penhorados estavam no interior do seu domicílio, pelo que se presumem seus.
V - Em sede de sentença, factos não provados ponto 1, é considerado como não provado que o 1º autor tenha tentado fazer prova da propriedade dos bens penhorados, tendo mostrado comprovativos de aquisição dos bens.
X - A decisão proferida nos autos executivos em sede dos embargos de executado, em nada belisca o comportamento da ré,
Z - Damos aqui por reproduzidas as verbas vertidas na alínea G da factualidade considerada por provada.
AA - Eram estes os únicos bens que preenchiam o recheio da habitação dos autores?
BB - Ficaram os autores desprovidos de forma de cozinhar, conservar alimentos, dormir, guardar a sua roupa, fazer a sua higiene pessoal proporcionarem a si mesmos momentos de lazer?
CC - A sentença não responde!
Termos em que, e sempre com o douto suprimento de V.Exas, se conclui peticionando:
 - Deverá a factualidade considerada por provada ser complementada considerando por provado que: “Os AA residiam na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais.”
- O ponto RR da factualidade provada deverá ser alterado passando a ter a seguinte redação: RR. A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, a qual veio a ser desassociada do processo do processo e substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na Ré LS.”
- O ponto QQ da factualidade considerada por provada deverá ser considerado como não provado
- Concomitantemente ser a ré LS Absolvida, porquanto se demonstra que a mesma atuou dentro dos limites que lhe são impostos legalmente.”
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7. Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido, tendo concluído que:
“A) A Recorrente pretende a alteração do ponto RR da matéria de facto provada para demonstrar a “dinâmica processual”, e que agiu dentro dos limites da legalidade no acto de penhora, a alegada “dinâmica processual” consta já dos factos provados:
F.: Por delegação de actos datada de 14/09/2016, pelo agente de execução nomeado foram delegados o acto de penhora de bens móveis e citação na R. LS, agente de execução, cfr. doc. 1 junto com a contestação da R. LS e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.“
e
“RR. A agente de execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC.“
Pelo que o facto provado RR, se deve manter na redacção dada pelo douto tribunal a quo.
B) Pretende ainda a Recorrente que deve ser aditado o ponto ZZ1 à matéria de facto provada determinando-se que o A. BP residia na Rua …, …, Malveira da Serra, estribando a sua pretensão no testemunho de AP, irmã e filha dos AA, ao minuto 16.19 m gravação 20210928142225, “mas o seu irmão não residia nesta casa?”
C) O que repassa das declarações da testemunha, é que o irmão BP à data dos factos tinha eventualmente domicílio em casa dos pais, na Rua …, e que lá iria ocasionalmente.
D) A Recorrente confunde domicílio com residência, juridicamente o domicílio é o local onde a pessoa pode ser encontrada, notificada ou citada e residência será o local onde a pessoa fixa a sua vida pessoal e onde se encontra habitualmente – art.º 82.º do CC.
E) Aliás, é a própria Recorrente nas suas alegações que expressamente alega: “Claramente a referida testemunha, irmã do Autor BP, esclarece que o domicílio do mesmo era o mesmo dos demais AA.”, pelo que não deve ser aditado o facto provado ZZ1, conforme pretendido pela Recorrente.
F) Argumenta a Recorrente que a douta sentença errou de facto e de direito, tendo sido condenada por três razões de direito: i. Os bens penhorados eram pertença dos Recorridos FL e de ML; ii. os bens penhorados são imprescindíveis à economia doméstica; iii. A Recorrente não podia desconhecer que o A. BP não figurava nos títulos executivos, facto provado QQ.
G) Contrapõe a Recorrente que: i. agiu em delegação de poderes do Agente de Execução titular dos autos, como se tratasse de um “substabelecimento com reserva”, pelo que não tinha de conhecer o processo executivo; ii. competia ao agente titular dos autos e ao juiz do processo apreciar a legalidade do título e dos actos que este último autorizou, autorização de arrombamento da residência do A. BP com recurso a força policial; iii. a Recorrente somente conhecia o acto de delegação de poderes para a prática de dois actos, a penhora a realizar na Rua …, …, Malveira da Serra e a citação pessoal do A. BP.
H) Parece a Recorrente esquecer-se de um facto de extrema importância, é que a tão invocada delegação de poderes do Agente de Execução PB era para a prática de dois actos: penhora e citação do Executado BP.
I) Mesmo que se entendesse que a Recorrente não tinha obrigação legal de conhecer o processo executivo, com a delegação do acto de citação do A. BP, Executado no Processo de execução n.º …/… no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Oeiras - Juízo Execução - Juiz 1, teve a Recorrente forçosamente de ter conhecimento do teor do Requerimento Executivo e dos dois cheques emitidos pela sociedade BP, Unipessoal, Lda., que constituíam os títulos Executivos – Doc. 8 junto à PI.
J) Da leitura do requerimento executivo resulta manifesto que o Executado BP não emitiu os dois cheques que constituíam o título executivo, mas sim a sociedade BP, Unipessoal, Lda. – Doc. 8 junto à PI.
L) Tendo sido este o entendimento do douto tribunal, ao estabelecer como provado o facto: “QQ. A R. LS não podia desconhecer que a execução tinha como títulos dois cheques emitidos por uma sociedade, também executada nos autos – BP Unipessoal, Lda., sendo inequívoco que o A. BP, enquanto pessoa individual, não figurava nestes dois títulos.”
M) Ora tendo a Recorrente sido incumbida de proceder a acto de citação do Executado, independentemente da alegada delegação de poderes para o acto de citação e penhora, a Recorrente não pode alegar que não tinha conhecimento do requerimento e do título executivo e, muito menos que não detinha o controle sobre a legalidade dos autos.
N) Mesmo que, a delegação de poderes, consistisse somente na prática dos dois actos: penhora e citação pessoal do A. BP, a Recorrente parece entender que podia praticar tais actos cegamente, sem aferir da legalidade dos mesmos, quando no exercício da sua actividade de agente de execução cabe-lhe a prossecução do interesse público e o exercício de poderes de autoridade pública, o dever estrito do cumprimento rigoroso da lei, o acerto e a qualidade dos actos praticados, e a proporcionalidade dos procedimentos a que recorre face à natureza dos objetivos a atingir.
O) A Recorrente, enquanto agente de execução delegada para a prática do acto de citação, detinha o controle da legalidade do acto de citação e a obrigação de analisar o título executivo, ao qual teve forçosamente acesso.
P) Enquanto agente de execução, visando o interesse público e exercendo poderes de autoridade pública, a Recorrente está obrigada no exercício das suas funções a velar pela legalidade dos actos que pratica, somente a sua incúria e desleixo é que justifica não ter apreendido que o Executado BP, pessoa individual não figurava nos títulos executivos e que, atento o que dispõe o artigo 53.º do CPC, não era parte legítima na acção executiva.
Q) Donde objectivamente a Recorrente, enquanto agente de execução, devia ter recusado a prática dos actos e/ou suscitado a intervenção do tribunal, e assim o entendeu o douto tribunal a quo, na douta sentença, pág. 27: “E nem se argumente que a R. LS viu lhe serem delegados unicamente os actos de penhora e citação, pelo agente de execução anteriormente nomeado no processo de execução em causa, já que tal circunstância não a desonera de averiguar da conformidade e regularidade dos actos por si realizados, enquanto profissional do foro. A mesma argumentação vale para a existência de um despacho judicial prévio que autorizou o recurso ao arrombamento e ao auxílio da força policial.”
R) Pelo que a douta sentença não laborou em qualquer erro de facto e/ou de direito, devendo manter-se o ponto QQ da matéria de facto provada.
S) Quanto ao acto de penhora, das alegações e conclusões de recurso da Recorrente, continua a evidenciar-se que a Recorrente não alcança que foi ela quem voluntariamente praticou o acto de penhora e da sua responsabilidade pela prática do mesmo e, que na prática de actos enquanto agente de execução está obrigada a agir com zelo e com competência.
T) É inegável que, quem praticou o acto de penhora e decidiu a extensão dos bens penhorados, que compunham o recheio da casa de família dos A.A. FL e ML, sita na Rua …, … Malveira, foi a Recorrente LS. – cfr. Doc. 3 junto à PI.
U) Quem decidiu e ordenou a remoção de todos os bens penhorados para as instalações da Exequente, sitas na Rua …, …, S. Domingos de Rana, foi a Recorrente LS – cfr. Doc. 3 junto à PI.
V) Quem decidiu nomear JI, como fiel depositário dos bens penhorados, foi a Recorrente LS.
X) Quem esvaziou uma casa de família e, ordenou a retirada das portas, nomeadamente, da casa de banho e do quarto de casal dos A.A. FL e ML, às quais atribuiu o valor de €30,00, foi a Recorrente no uso da sua autoridade pública.
Z) A decisão da Recorrente de remover estas duas exactas portas foi um manifesto acto de prepotência de autoridade pública, deliberado na humilhação dos A.A. e totalmente desprocionado face aos interesses que a penhora visava satisfazer, que muito revela sobre a legalidade e inocência da Recorrente na direcção do acto de penhora!!!
AA) Quem não atentou, que os bens penhorados e removidos evidenciavam a sua muita idade, o desgaste do uso e o seu diminuto valor, e que o produto da sua venda executiva nunca resultaria que não numa ninharia de €50,00/100,00 foi a Recorrente.
BB) Quem não atentou na proporcionalidade do acto de penhora face à natureza dos objectivos, do bom senso e acerto na sua prática foi a Recorrente, bastando atentar ao valor irrisório atribuído pela Recorrente aos bens móveis penhorados na residência sita na Rua …, …, sendo manifesto que o seu valor nunca seria suficiente para cobrir todas as despesas necessárias à sua liquidação (apreensão, depósito e venda executiva).
CC) Foi a Recorrente que recusou dialogar com os A.A. FL e ML, que tentaram demonstrar que aqueles bens eram seus e que precisavam deles para sua vida doméstica e familiar, entendendo a Recorrente que estes é que tinham de fazer prova da sua propriedade, décadas depois dos terem adquirido!
DD) Quem não prestou auxílio à A. ML, doente oncológica e que desse facto foi dado conta à Recorrente, que se encontrava sozinha em casa, no início da diligência de penhora, e que debaixo de tensão e intimidada, acabou por cair de costas e bater com a cabeça, tendo um dos elementos da GNR chamado o 112, e após assistida no local, foi levada para as urgências do Hospital de Cascais, foi a Recorrente – facto provado I – e tão pouco tal acontecimento foi suficiente para a Recorrente suster o acto de penhora e indagar sobre a legalidade do mesmo.
EE) Quem se recusou a ouvir as explicações dos filhos dos A.A., que entretanto ocorreram à casa dos pais, que alertaram que os pais padeciam de problemas de saúde: a A. ML de doença do foro cancerígeno e o A. FL de doença de foro cardíaco e apesar de ver que o A. FL se estava a sentir mal e que os filhos temiam que tivesse um ataque cardíaco, nada fez, prosseguindo com o esvaziamento do lar destes, foi a Recorrente.
FF) A Recorrente, enquanto agente de execução, no uso dos seus poderes de autoridade pública está obrigada a usar de especial cuidado e humanidade em situações de natureza mais sensível, nomeadamente aquelas que envolvam penhoras e, em especial, quando esteja em causa a casa de habitação efectiva do penhorado ou da sua família ou se verifique a presença de menores.
GG) Quem recusou ver a evidência de que os bens penhorados, atenta a sua idade, uso e características não pertenciam ao executado BP, foi a Recorrente.
HH) A casa de morada de família é constituída por um espaço físico onde a família habita, considerada como indispensável à realização de cada Homem, tal como a própria família – a Constituição da República Portuguesa dispõe ex vi do art.º 67.º, n.º 1 “a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.”
II) A Recorrente com o seu comportamento no acto de penhora violou os art.ºs 4.º, 5.º, 23.º, 27.º e 28.º do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução – Regulamento n.º 202/2015, de 28 de Abril.
JJ) A Recorrente com a prática do acto e dimensão da penhora violou o disposto na alínea c) do art.º 736.º do CPC, nos termos do qual são classificados como impenhoráveis, por razões de interesse geral, os objectos cuja apreensão é ofensiva dos bons costumes ou careçam de justificação económica atendendo ao seu diminuto valor.
LL) O acto de penhora efectuado pela Recorrente apenas conduziu ao aviltamento público dos A.A, humilhação e sofrimento, sem do mesmo emergir qualquer tipo de benefício pertinente para a satisfação do crédito exequendo.
MM) Ora perante o despojamento dos A.A. FL e ML de todos os seus parcos bens que se encontravam no interior da sua residência, questiona a Recorrente na suas alegações de recurso: “Ficaram os autores desprovidos de forma de cozinhar, conservar alimentos, dormir, guardar a sua roupa, fazer a sua higiene pessoal proporcionarem a si mesmos lazer?”
NN) A sentença responde e de forma clara a esta questão, sendo a afirmação da Recorrente demonstrativa por si só, da sua actuação no acto de penhora e do seu profundo desrespeito pela legalidade dos actos que praticou e pela dignidade humana e social dos Recorridos.
OO) Não é uma cama, um fogão e um frigorífico, únicos bens deixados aos A.A. pela Recorrente, que permite aos A.A. ter uma vida digna!!! Pergunta-se à Recorrente de que modo estes três bens podem proporcionar aos A.A./Recorridos lazer???
PP) Os bens penhorados e removidos de casa dos A.A. são considerados como bens imprescindíveis nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 737.º do CCP que “estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da reparação.” , o que não foi manifestamente o caso!
QQ) A Recorrente no exercício da sua actividade como agente de execução não pode desconhecer que para efeitos de impenhorabilidades, a noção de “bens imprescindíveis a uma economia doméstica” tem variado ao longo do tempo, de acordo com um grau de desenvolvimento social, cultural e económico, e o padrão das necessidades fundamentais para uma família, devendo tal impenhorabilidade avaliar se de acordo com o nível sócio cultural e económico de qualquer família média portuguesa e conforme com o mínimo de dignidade social e humana.
RR) A Recorrente não pode alegar desconhecer o entendimento dos nossos tribunais no âmbito do qual, nos dias de hoje, a definição de bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica deverá ser objeto de uma análise casuística, tendo por referência o nível sociocultural e económico de qualquer família média portuguesa e ainda deve ter em consideração no acto da penhora a natureza e utilidade de bens.
SS) A Recorrente entendeu, deixar aos A.A., como bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica, a cama, o fogão e o frigorífico, violando o princípio da dignidade humana, veja-se a dimensão do acto de penhora – Facto provado G.
TT) Num país desenvolvido, bens móveis como TV, computador pessoal, sofás, cadeiras e mesa de jantar são entendidos como bens essenciais e imprescindíveis às necessidades do executado e seus familiares, ainda para mais quando na maioria dos casos tais bens até têm um valor de mercado irrisório e não permitem a satisfação dos créditos dos credores.
UU) Por estes motivos, a Recorrente no uso dos seus poderes de autoridade, no acto de penhora tinha o dever de não proceder à remoção dos bens que integravam a totalidade do recheio da casa dos A.A., limitando-se a fazer uma exposição detalhada dos bens, tirar fotografias e se o entendesse colocar algum elemento identificador nos bens, constituindo o executado fiel depositário dos bens, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 1030/10.0TJLSB-C.L1-7, 16-11-2010, em que foi relator: MARIA JOÃO REIAS: “Assim, em nosso entender, actualmente, a televisão, o frigorifico, o computador, a mesa da cozinha, a mesa de sala e as cadeiras onde o agregado se senta diariamente para fazer as suas refeições, ou até mesmo a cómoda onde são guardadas as roupas do agregado constituirão bens essenciais à economia doméstica....” ....são absolutamente impenhoráveis os objectos cuja apreensão seja ofensiva dos bons costumes ou careça de valor económico pelo seu diminuto valor venal.... sendo que, aqueles que eventualmente pudessem levantar algumas dúvidas sobre se seriam de integrar ou não no conceito de imprescindibilidade para a economia doméstica – como a mesa de centro de sala, uma televisão LCD, uma base para TV, um computador, uma TV da marca Sony, sempre seriam de considerar impenhoráveis, por força da al. c), face ao diminuto valor que lhes é aí atribuído – 30,00€, 100,00€, 25€, 100,00€, 50,00€, respectivamente.”
VV) Apenas o Agente de execução tem o poder e a capacidade de acção, ou seja de penhorar, sendo também este o responsável pelo acto de penhora ilícito, neste sentido entendeu o douto tribunal a quo que ficou provado “que a R. LS realizou um acto de penhora e subsequente remoção de bens, tendo constituído como fiel depositário o representante da exequente, pelo que a conduta sobre descrita constitui um comportamento humano dominável pela vontade, razão por que se conclui pela existência de um facto voluntário.”
XX) Por último, entendeu o douto tribunal ainda que: “No presente caso, temos que a esfera jurídica dos AA. FL e ML Luís foi atingida sob a perspectiva de que se viram subtraídos de bens, o que integra a violação do seu direito propriedade, tutelado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, quando não figuravam sequer como executados no âmbito do processo executivo n.º …/….”
ZZ) Tendo concluído o douto tribunal que os AA. têm direito a ser indemnizados pela R. LS pois que se verificam todos os requisitos constantes do art.º 483.º do Código Civil, condenando em consequência a Recorrente a indemnizar os A.A..”.
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8. Em 14-10-2022 foi proferido despacho de admissão do recurso.
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9. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
I) Impugnação da matéria de facto:
A) Se o recurso atinente à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
Em caso de resposta negativa à questão A):
B) Se a matéria de facto constante do ponto QQ dos factos provados deve ser considerada como não provada?
C) Se deve ser incluído nos factos provados que: “Os AA residiam na Rua … número …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais.”?
D) Se a redação do ponto RR dos factos provados deve ser alterada para a seguinte: “A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, a qual veio a ser desassociada do processo do processo e substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na Ré LS.”?
II) Impugnação da decisão de Direito:
E) Se a decisão recorrida deve ser revogada, com absolvição da ré do pedido?
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3. Fundamentação de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
A. Os AA. FL e ML contraíram matrimónio em 24/06/1972.
B. A A. ML nasceu em 18/05/1950.
C. O A. BP encontra-se registado como filho dos AA. FL e de ML.
D. Encontra-se registada a favor dos AA. FL e ML a aquisição por compra da fracção autónoma designada pela letra A, composta pelo 2.º piso cave –com garagem no 1.º piso – sub-cave e logradouro do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º …/… e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, pela AP …/…/…, onde residem os AA.
E. Correu termos o processo de execução sob o n.º …/… no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Oeiras - Juízo Execução - Juiz 1, em que figura como exequente a R. Igleexcutu – Construção e Gestão de Imóveis, SA e como executados BP Unipessoal, Lda. e o A. BP, tendo sido apresentados como título executivo dois cheques.
F. Por delegação de actos datada de 14/09/2016, pelo agente de execução nomeado foram delegados o acto de penhora de bens móveis e citação na R. LS, agente de execução, cfr. doc. 1 junto com a contestação da R. LS e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
G. Do auto de penhora constante do processo referido em E), datado de 12/10/2016, pelas 12h05, com o local Rua …, n.º …, Almoinhos Velhos, Malveira da Serra, cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, designadamente, o seguinte:
Bens penhorados
Verba 1 – Um conjunto de sofás, em napa, cor castanha, sendo um de 3 lugares e dois de 1 lugar, em estado usado, valor 500,00€;
Verba 2 – Um lote composto por: 1 candeeiro de pé alto; 2 candeeiros de pé curto com abajur; tudo em estado usado, valor 80,00€;
Verba 3 – Uma ventoinha em torre, cor cinza, de marca Rowenta, em estado usado, valor 20,00€;
Verba 4 – Um lote composto por: 5 cadeiras, estrutura em madeira e tampo em tecido, 1 mesa de centro quadrado, em madeira, medidas 1,55x0,50, tudo em estado usado, valor 145,00€;
Verba 5 – Um lote composto por: 1 televisor marca Sansung, 1 CD TV de 50 polegadas; 1 máquina de café Expresso CAP MATIC Termozeta, cor cinza; 1 microondas de marca Becken Easy Cook Plus; 1 máquina de lavar loiça de marca Bosch Electronic de cor branca; 1 máquina de lavar roupa de marca Bosch MAXX 7 Perfect, de cor branca; tudo em estado usado, valor 800,00€;
Verba 6 – Um computador composto por ecrã da marca HP, cor preta, teclado CKP, rato Logitech; CPU HP, 2 colunas Logitech e 1 câmara sem marca visível, tudo em estado usado; valor 180,00€;
Verba 7 – Uma aparelhagem de som da marca Panasonic, CD Stereo System SA PM3, valor 30,00€;
Verba 8 – Um DVD EMAX, de cor cinza em estado usado, valor 50,00€;
Verba 9 – Um lote de 4 portas de madeira, sendo uma com vidro de cor branca, valor 30,00€;
Verba 10 – Um cadeirão em tecido veludo cor bordeaux, em estado usado, valor 100,00€;
Verba 11 – Uma televisão LCD, da marca TOSHIBA de 19 polegadas, em cor preta, valor 100,00€;
Verba 12 – Uma cómoda de madeira com 1,11x0,47 com 4 gavetas, em cor pinho, valor 80,00€;
Verba 13 – Um lote composto por 2 berbequins de bateria com os respectivos carregadores, sendo um de marca Roby e outro SKTLI; 1 compressor “fini Tiger”, cor vermelha, de 30 litros; valor 110,00€;
Verba 14 – Um armário guarda-fatos com 1,87x2,00, em madeira com 3 gavetas e 4 portas; duas mesinhas de cabeceira em madeira, com 3 gavetas; uma cama de casal, sendo apenas a estrutura da mesma e com exclusão do colchão, em madeira; um espelho; valor 485,00€.
(…)
Observações: (…) Procedi à remoção dos bens descritos nas verbas 1 a 13, para a sede da exequente, sita na Rua …, …, S. Domingos de Rana. Os bens descritos na verba n.º 14 não foram removidos tendo constituído fiel depositário dos mesmos o executado (…).
O executado recusou assinar o presente auto perante todos os presentes na diligência.
H. Os bens que constituem as verbas 1 a 14 foram adquiridos pelos AA. Fernando e ML, que os utilizaram ao longo dos anos.
I. No início da diligência, a A. ML encontrava-se sozinha em casa, e debaixo de tensão e intimidada, acabou por cair de costas e bater com a cabeça, tendo um dos elementos da GNR chamado o 112, e após assistida no local, foi levada para as urgências do Hospital de Cascais.
J. O A. sentiu-se mal, temendo os seus filhos que, entretanto lá ocorreram, que tivesse um incidente cardíaco.
K. Os AA. FL e ML são pessoas honestas e honradas.
L. E padecem de problemas de saúde: a A. ML de doença do foro cancerígeno e o A. FL de doença de foro cardíaco.
M. O A. BP é uma pessoa que sofre de deficiência grave dos membros superiores e da coluna, em virtude de acidente de viação quando tinha 18 anos.
N. E disso deram conta às inúmeras pessoas presentes no acto de penhora.
O. No entanto, o representante da Ré Igleexcutu continuava aos gritos, nada fazendo a Ré LS para evitar ou controlar tais comportamentos.
P. O referido representante da Ré Igleexcutu disse que “aqui nesta diligência quem manda é a doutora e eu”.
Q. Quando interpelado por um elemento da GNR, que mais uma vez estava a apelar à calma, este representante da Ré Igleexcutu, respondeu-lhe “o Senhor se quiser vai mandar no seu posto, aqui não manda nada”.
R. Ficaram os AA. FL e ML sem qualquer porta no interior da sua residência, inclusive a da casa de banho e do seu quarto de casal.
S. Em 19/10/2016 foi entregue ao A. BP o requerimento executivo e auto de penhora.
T. O A. BP deduziu oposição à execução e à penhora, junta como doc. 9 com a petição inicial, onde se defendeu por excepção, invocando a inexistência de título e a sua ilegitimidade passiva e por impugnação.
U. Regularmente notificada, a 1.ª Ré não apresentou contestação.
V. Por sentença proferida em 20/10/2017, foi rejeitada a execução contra o A. BP e, em consequência, foi a mesma declarada extinta, cfr. doc. 10 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e da qual consta, designadamente, o seguinte:
Com efeito, analisado o título executivo – dois cheques emitidos/passados por BP, Unipessoal, Lda. juntos aos autos de execução a que estes correm por apenso e que aqui dou por inteiramente reproduzidos -, concluo que o executado BP não figura em tais títulos como devedor. Com efeito, da análise dos cheques em crise, apenas se extrai que o executado BP os assinou na qualidade e enquanto gerente da sociedade BP, Unipessoal, Lda., sociedade esta por quem, em bom rigor, foram passados os cheques em crise. Temos, assim, que o executado BP não figura nos títulos como devedor, pelo que concluo que o exequente não dispõe de título executivo válido contra este executado que, por conseguinte, é parte ilegítima para a execução.
W. Os AA. FL e ML deduziram embargos de executado no âmbito do processo referido em E).
X. Regularmente citada, a 1.ª Ré não apresentou contestação.
Y. Em consequência da sentença referida em V), em 11/01/2018 foi proferida sentença que declarou extinta a instância dos embargos de terceiros, por inutilidade superveniente da lide, cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Z. Em 20/10/2017, foi proferido despacho a ordenar o levantamento da penhora, cfr. doc. 12 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
AA. Por despacho de 11/01/2018, foi ordenado à R. LS que comprovasse o cumprimento do despacho de 20/10/2017.
BB. Por despacho de 06/02/2018, proferido no processo de execução, foi ordenado à R. LS que diligenciasse pela extinção da execução tendo em conta as decisões proferidas nos apensos A e B e, novamente que comprovasse nos autos o despacho proferido em 20/10/2017 no apenso A, cfr. doc. 13 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
CC. Em 10/04/2018, foi a mandatária do A. BP notificada pela R. LS do agendamento para o dia 16/04/2018, pelas 14 horas, da entrega dos bens e para estar presente para os receber, cfr. doc. 14 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
DD. O que não aconteceu.
EE. Tendo a mandatária do A. BP contactado telefonicamente a R. LS, a questionar a falta de entrega dos bens, em conformidade com a notificação do agendamento para aquele dia, foi informada que tinha sido cancelada e que iriam proceder à entrega dos bens no dia 17 desse mês, isto é, no dia seguinte, cfr. doc. 15 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
FF. Como a mandatária de imediato informou que não tinha agenda para o dia 17/4/2018, ficou a R. LS de proceder a posteriormente agendamento notificando-a da data e hora, cfr. doc. 16 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
GG. O custo da aquisição de bens, em género e qualidade equivalente aos bens penhorados, é o seguinte:
- 1 sofá cama de 3 lugares, em pele castanha: 2.764,23 €;
- 2 sofás individuais poltrona em pele castanha: 1.357,72€;
- 5 cadeiras em madeira com estofo PM: 914,63€;
- 1 cadeirão senhorinha estofado PM: 699,19€;
- 1 mesa de centro madeira com centro em vidro: 386,18€;
- 1 cómoda com 4 gavetas PM: 878,05€;
- 1 armário de roupeiro com 3 gavetas e 4 portas PM: 1.963,41€;
- 2 mesas de cabeceira com 3 gavetas PM: 682,93€;
- 1 cama de casal com estrado PM: 967,48€;
- 1 espelho em madeira PM: 138,21€;
- 1 candeeiro de pé alto completo: 182,93€;
- 2 candeeiros de mesa de cabeceira: 146,34€
- Entrega e montagem 154,47€;
- 1 aparafusadora: 99,99€;
- 1 berbequim sem fio: 209,00€;
- 1 compressor: 524,00;
- O que perfaz o total de 823,99€.
- 3 portas lacadas branco: 447,00€;
- 3 Kit de aros: 525,00€;
- 1 porta com vidro: 289,00€;
- Pack de 5 guarnições: 34,99€;
- 1 PC HP: 750,00€;
- Monitor HP 19 polegadas: 130,00€;
- 1 teclado CKP: 50,00€;
- 1 rato Logitech:70,00€;
- 1 CPU HP: 179,00€;
- 2 colunas Logitech: 72,00€;
- 1 Webcam: 60,00€;
- 1 televisão 22 polegadas: 184,99€;
- 1 coluna ar Rowenta: 90,99€;
- 1 máquina de café Krea: 159,99€;
- 1 microondas: 169,99€;
- 1 máquina de lavar loiça Bosch: 659,99€;
- 1 máquina de lavar roupa Bosch: 784,99€;
- 1 televisor Led Samsung: 599,99€;
- 1 sistema micro Panasonic: 179,99€;
- 1 leitor Blu-Ray Wi-Fi Sony: 119,99€;
HH. Mercê das condutas dos Réus, os AA. sofreram humilhação, pânico, angústia, vexame e medo, por todos os presentes testemunhado e bem como posteriormente pelos elementos que os assistiram.
II. O que causou transtorno e perturbação físicos, quer no momento quer durante e após a intervenção de que foram vítimas.
JJ. Os AA., a partir dessa data, ficaram na sua vivência constrangidos e deixaram de receber os vizinhos e amigos em casa, pois não tinham sequer cadeiras para os sentar ou sequer portas para que pudessem ir à casa de banho.
KK. E, pelos mesmos motivos, os AA. FL e ML deixaram de poder receber os seus filhos e respectivos cônjuges, porque a casa estava vazia.
LL. Os netos dos AA. FL e ML, crianças ainda, deixaram também querer ir para casa dos avós.
MM. Os AA. FL e ML sentem-se tristes e incomodados porque nem sequer podem ter privacidade para ir à casa de banho ou estarem no seu quarto.
NN. Sendo reformados e doentes, com parcas reformas e, ainda estando a liquidar o
empréstimo bancário para aquisição do imóvel.
OO. Os AA. vivem numa pequena localidade e nela todas as pessoas se conhecem, tendo deixado de conviver com os vizinhos e durante muito tempo refugiaram-se para não ser questionados, sobre aquele aparato de GNR, pessoas, camiões e ambulâncias.
PP. Pois a notícia da penhora e remoção do recheio da sua casa, foi conhecida e falada por todos, tendo dado origem a comentários, o que causou aos AA. vergonha e profundo desgosto.
QQ. A R. LS não podia desconhecer que a execução tinha como títulos dois cheques emitidos por uma sociedade, também executada nos autos – BP Unipessoal, Lda., sendo inequívoco que o A. BP, enquanto pessoa individual, não figurava nestes dois títulos.
Das Contestações
RR. A agente de execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC.
SS. Em 31 de Janeiro de 2018, R. LS notificou a exequente para promover a devolução dos bens, cfr. doc. 6 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
TT. Em 23 de Maio de 2018 notificou a exequente para proceder a " disponibilização de meios e a devolução dos bens penhorados ", dando para tal o prazo máximo de 5 dias, cfr. doc. 11 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
UU. O que não ocorreu.
VV. Aos 29 dias de Agosto, voltou a insistir, junto do então mandatário do exequente, cfr. doc. 12 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
WW. A 30 de Outubro de 2018 notificou o mandatário da exequente Igleexcutu Lda. para informar os autos já havia procedido à devolução dos bens penhorados, cfr. Processo: 3002/19.0T8CSC - doc. 13 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
XX. Em 29 de Novembro de 2018, a R. LS delegou os poderes que detinha nos autos na Exma. Agente de Execução SB.
YY. Por decisão judicial proferida em 24/02/2016 no processo referido em E), junta como doc. 2 com a contestação da R. Igleexcutu, foi determinado que:
A fim de proceder à penhora, na medida do necessário e legal para acautelar o pagamento da quantia em dívida e custas, dos bens móveis suscetíveis de penhora que constituam o recheio da residência do executado, o Agente de execução poderá proceder ao arrombamento de portas, se necessário, e efetiva apreensão dos bens penhorados, os quais deverão ser confiados ao mesmo na qualidade de fiel depositário (cfr. artigo 757°, nº 1 e nº 2, ex vi artigo 767°, na 1, do Código de Processo Civil) .
Para a realização da diligência poderá o mesmo requisitar o auxílio da força policial, devendo, nesse caso, ser lavrado auto da ocorrência.
Deverá a exequente facultar os meios indispensáveis (cfr. artigo 7650, do Código de Processo Civil), devendo ser notificada, para esse efeito, e com a antecedência necessária, da data da realização da penhora.
Subsequentemente, notifique, tudo nos moldes solicitados.
ZZ. A presente acção entrou em juízo em 7/10/2019.
*
A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. O 1.º e o 3.º AA. chegados a casa com a diligência de penhora em curso, tentou o 1º A. provar que era o efectivo proprietário, mostrando comprovativos da aquisição de inúmeros bens que a AE, 2ª Ré, estava a remover, mas esta recusou determinantemente verificar a veracidade da propriedade dos bens.
2. O referido representante da Ré Igleexcutu disse que “agora vai tudo mesmo ...cómoda, espelho...”.
3. E mais disse, dirigindo-se ao A. BP “nós sabemos que é a casa do seu pai ... quase sei a 100% que o senhor tem 100% de razão, mas a lei permite e podemos fazê-lo ...”
4. A Ré LS respondeu ao A. FL, quando este implorou para não levarem estes bens porque a sua mulher não tinha forças e saúde para lavar a roupa, que “a lavassem à mão”.
5. O resto dos seus pertences e roupas que se encontravam no roupeiro e no armário foram atirados e espalhados pelo chão.
6. Deixando o 1º A., então com 70 anos de idade, com uma vida modesta e honrada, a chorar copiosamente.
7. O A. BP foi citado para o processo de execução em 19/10/2016.
8. Apesar das tentativas para que a 2.ª Ré voltasse a agendar a entrega dos bens penhorados, a verdade é que até hoje, não foram os mesmos entregues.
9. Os netos dos AA. manifestam medo de irem a casa dos avós porque têm medo que “volte lá a polícia e as pessoas más, que fizeram mal aos avós”.
10. As irmãs do 3.º A. ficaram revoltadas com este, porque lhe imputaram responsabilidade pelo o facto de os parcos pertences dos pais terem assim desaparecido, e que tanto trabalharam no passado para os adquirirem.
11. Também responsabilizaram o 3.º A. pelo agravamento de saúde dos pais em consequência destes actos levados a cabo pelos Réus.
12. É que mercê da perseguição de que foi alvo pela 1ª Ré e sempre sob a ameaça de que esvaziavam a casa dos seus pais, o 3º A. acabou por lhes entregar a quantia global de €2.650,00.
13. E, para isso teve sempre de pedir dinheiro emprestado aos seus amigos.
14. E, não obstante, propôs a execução contra o 3ª A., com o propósito de infernizar os que lhe são mais próximos, e por efeitos do que a estes provocou, acabar por afectar a sua própria vida pessoal e familiar do 3º Autor.
15. A Ré Igleexcutu sequer podia ou pode invocar qualquer desconhecimento ou erro sobre a ilegitimidade do 3º A., enquanto executado, pois este não figurava sequer nos 2 títulos executivos como responsável.
16. Bem sabendo, a 1.ª Ré que os bens que se encontravam em casa do 1º e da 2ª A.A. eram destes propriedade e mesmo assim, requereu ao tribunal emissão de mandados para arrombamento de portas de habitação do Executado BP, com o auxilio de força policial e, ao longo dos anos, como consta do processo executivo, insistiu persistentemente junto dos vários agentes de execução que nomeou para procederam às diligências de arrombamento e penhora do recheio.
Das contestações
17. A R. LS viu o representante da exequente ser agredido, pelos autores.
18. Tendo sido solicitado pelos militares da GNR presentes no local a intervenção de reforços.
19. Já após a instauração do processo executivo (2013/01/29), o então executado, aqui 3.º A. em 2013/09/11, vem dissolver a sociedade BP, Unipessoal, Lda, com a consequente dissolução e cancelamento da matrícula.
20. Dada a resistência à realização da dita diligência – insultos e ameaças à Agente de Execução e agressões ao representante da exequente, ora 1.ª R., houve necessidade de serem chamados reforços de militares da GNR.
21. Os AA. continuaram a insultar todos os presentes, fotografando os mesmos e afirmando que o despacho judicial era falso.
*
4. Fundamentação de Direito:
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I) Impugnação da matéria de facto:
Na alegação e nas conclusões A a S das alegações de recurso, a ré apelante conclui que deve ser alterada a redação do ponto RR dos factos provados, que deveria ter sido dado como provado o que sugere relativamente à residência dos autores e que o ponto QQ dos factos provados deve ser considerado como não provado.
Com a alegação produzida, a recorrente/apelante pretende colocar em crise a factualidade selecionada pelo Tribunal a quo.
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, rel. ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, rel. MANUEL BARGADO).
A conformidade constitucional desta solução legal foi diversas vezes reconhecida pelo Tribunal Constitucional, assinalando-se, exemplificativamente, na decisão sumária n.º 256/2021 (Pº 627/19, 3.ª Secção, rel. Maria José Rangel de Mesquita, consultada em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias/20210256.html) que, “o ónus processual em causa não configura, por si só, uma exigência arbitrária ou desproporcionada, atentas as finalidades do próprio recurso interposto; tendo em conta que a exigência de especificação da matéria de facto impugnada não configura uma exigência especialmente gravosa para o recorrente, não constituindo um obstáculo no acesso ao tribunal a que cabe a decisão do recurso interposto; e considerando-se que o cumprimento do ónus em causa assume uma utilidade processual relevante na delimitação do objeto do recurso, não constituindo um mero aspeto formal, secundário ou instrutório do recurso interposto em matéria de facto, resta concluir, em consonância com a jurisprudência  anterior deste Tribunal, que a previsão do ónus em causa enquadra-se na margem de decisão do legislador democrático e que a cominação da imediata rejeição do recurso em matéria de facto, sem prévio convite para o respetivo aperfeiçoamento, não se revela desproporcionada, ponderados os interesses processuais em presença e os princípios de eficiência e celeridade que devem pautar o processo em causa, não cabendo, deste modo, um juízo de censura fundado na Constituição”.
Contudo, dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art.º 640.º do CPC (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus previsto no n.º 2 do mesmo preceito (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 29-10-2015 (P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, rel. GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, rel. MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Pº 6095/15T8BRG.G1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Pº 6871/14.6T8CBR.C1, rel. MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
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A) Se o recurso atinente à impugnação da matéria de facto deve ser rejeitado, por inobservância do disposto no artigo 640.º do CPC?
Ora, no caso dos autos, a ré recorrente identificou, com clareza, os concretos pontos de facto que considerou terem sido incorretamente julgados (cfr. pontos RR e QQ dos factos provados e a pretendida inclusão nos factos provados da matéria que mencionou relativamente à morada dos autores).
Relativamente à inclusão de matéria de facto não incluída na selecção factual, considerou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-2021 (Pº 4750/18.7T8BRG.G1.S1, rel. FÁTIMA GOMES) que, “ainda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento”.
Assim, também relativamente à pretendida inclusão de matéria factual não selecionada pelo Tribunal recorrido, o recorrente não se encontra dispensado de observar os ónus de impugnação, a que se reporta o artigo 640.º do CPC e, designadamente, para além da indicação da matéria de facto a incluir, também a decisão que deverá ser proferida e a indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham a decisão pretendida.
No caso, a ré recorrente indicou o segmento do depoimento da testemunha AP, nos termos que concretizou.
Nada obsta, pois, à apreciação da impugnação de facto no presente recurso, respeitante à inclusão de tal matéria no rol dos factos provados.
Relativamente à preconizada alteração da redação do facto provado RR, também se mostra observado o cumprimento dos ónus de impugnação pela recorrente, fundando o por si pretendido no teor dos documentos n.ºs. 1 e 2 juntos com a contestação (cfr. pontos 6 a 10 das alegações de recurso).
Todavia, já no que respeita à impugnação relativa ao facto constante do ponto QQ dos factos provados, a ré apelante não indica quais os concretos meios probatórios em que a impugnação que deduz encontraria fundamento, limitando-se a tecer considerações genéricas a respeito da bondade – e dos erros que assinala - da decisão proferida, no que respeita à sua fundamentação jurídica e à interpretação que, no seu entender, resulta do disposto no artigo 855.º do CPC (cfr. pontos 23 a 50 das respetivas alegações).
De facto, as considerações expendidas pela recorrente resumem-se, como decorre das alegações de recurso, a posições da mesma expressas sobre o modo de convicção alcançado pelo Tribunal e sobre a análise crítica que – em seu entender – deveria ter sido empreendida pelo Tribunal recorrido, mas sem colocar em crise qualquer concreto meio probatório produzido em tal instância.
Conforme refere Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 199-200) impõe-se a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique “(…) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; (…) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…)”, concluindo que, a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Ora, a impugnação da recorrente em questão, no que se reporta ao facto provado QQ, embora significando uma declaração de vontade da apelante no sentido da discordância com a matéria de facto aquilatada pelo Tribunal recorrido, por não observar o ónus de impugnação consignado nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, não passa de “mera manifestação de inconsequente inconformismo”, sobre o resultado probatório alcançado pelo Tribunal.
O supra exposto conduz, inelutavelmente, à rejeição do recurso da ré, ora recorrente, no que respeita à impugnação da matéria de facto relativa à matéria constante do facto provado QQ, devendo o recurso da matéria de facto ser apreciado quanto ao demais impugnado.
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Em caso de resposta negativa à questão A):
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B) Se a matéria de facto constante do ponto QQ dos factos provados deve ser considerada como não provada?
Considerando a rejeição do recurso da ré recorrente, quanto à impugnação da matéria de facto referente à matéria constante do facto provado QQ, fica prejudicada a apreciação de tal questão, que, para a sua apreciação suporia a não rejeição de tal impugnação (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
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C) Se deve ser incluído nos factos provados que: “Os AA residiam na Rua … …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais.”?
Relativamente a este ponto da impugnação da matéria de facto, a ré recorrente alegou o seguinte:
“(…) 11 Foi ainda considerado por provada a factualidade contida no ponto H.
12 Tal factualidade por si só não clarifica a dinâmica processual com interesse para uma justa análise dos factos.
13 Em momento algum o douto tribunal se atravessa a considerar como provada qual a residência do Autor BP.
14 Facto cuja análise era imposta pelo próprio despacho saneador.
Constituem temas da prova a apurar:1. A residências dos AA.
15 A este propósito a testemunha AP irmã e filha dos AA, declarou
Questionada minuto 16.19 m gravação 20210928142225, “mas o seu irmão não residia nesta casa?” Respondeu: “Residia nesta casa....”
Questionada novamente minuto 16.33 “Mas era aqui que ele residia?” Respondeu: “Essa era a morada dele, mas tinha a namorada dele, e por vezes dormia na casa da namorada.”
16 Claramente a referida testemunha, irmã do Autor BP, esclarece que o domicílio do mesmo era o mesmo dos demais AA.
17 Assim e por forma a dar cumprimento ao ponto 1 dos temas da prova, deverão ser aditados os factos provados passando a conter o ponto ZZ1, o qual deverá contemplar a seguinte redação:
“Os AA residiam na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais.”.
Os autores contrapuseram, na contra-alegação, que:
“(…) A Recorrente confunde domicílio com residência.
Em termos jurídicos, o domicílio é o local onde a pessoa pode ser encontrada, notificada ou citada e residência será o local onde a pessoa fixa a sua vida pessoal e onde se encontra habitualmente - art.º 82.º do CC.
O que repassa das declarações da testemunha, é que o irmão BP à data dos factos tinha eventualmente domicílio em casa dos pais, na Rua …, e que lá iria ocasionalmente.
Aliás, é a própria Recorrente nas suas alegações que expressamente alega:
“Claramente a referida testemunha, irmã do Autor BP, esclarece que o domicílio do mesmo era o mesmo dos demais AA”
Pelo que não deve ser aditado o facto provado ZZ1, conforme pretendido pela Recorrente.”.
Vejamos:
Efetivamente, um dos temas da prova reportava-se à determinação da residência dos autores.
E, note-se que, tinha sido alegado na petição inicial, nomeadamente, que:
“6 - No dia 12 de Outubro de 2016, pelas 10.00 horas, com a presença da GNR de Alcabideche, foi efectuada penhora dos bens móveis que compõem o recheio da casa onde residem os 1º e 2ª A.A., sita na Rua …, N.º …, Malveira da Serra, 2755-208 Alcabideche, Cascais, conforme Certidão de Auto de Ocorrência n.º 477/2016 emitido pela GNR de Alcabideche que aqui se junta como Doc. 1 .
7 - Os 1º e 2º A.A. são donos e legítimos proprietários do imóvel na na Rua …, N.º …, Malveira da Serra – cfr. Doc. 2.
8 - O 3º A. à época residia com os seus pais”.
Sobre tais factos, a 1.ª ré não impugnou os factos n.ºs. 6 e 8 e a 2.ª ré, ora recorrente, aceitou-os expressamente (cfr. artigo 1.º da sua contestação).
Ora, tendo em conta o objeto do tema da prova n.º 1 e a circunstância de tal factualidade ser relevante para o objeto da causa, afigura-se que procede a impugnação deduzida, atento, igualmente, o depoimento da referida testemunha AP, impondo-se, por isso, em face da prova produzida, a alteração correspondente, de acordo com a alegação produzida (cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC).
Assim, determina-se a inclusão na matéria de facto, de um novo ponto – “AAA” – com a seguinte redação:
“AAA. Os 1.º e 2.º AA residiam na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais e, à época, o 3.º Autor residia com os seus pais”.
*
D) Se a redação do ponto RR dos factos provados deve ser alterada para a seguinte: “A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, a qual veio a ser desassociada do processo do processo e substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na Ré LS.”?
No ponto RR dos factos provados ficou a constar que: “RR. A agente de execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC.”.
A ré apelante insurge-se contra a redação deste facto, considerando que a mesma deve ser alterada para os termos que propõe.
Alegou, para tanto, o seguinte:
“4 Foram considerados (…) provados, entre outros, os factos F e RR.
5 Não obstante tais factos resultam incompletos.
6 Incompletos porquanto (…) omitem o facto de a Ré LS ter recebido a delegação de poderes do Exmo. Sr. Agente de Execução PB. Conforme documento 1 que se encontra junto com a contestação.
7 Incompleto porquanto omite o facto de a ré ter recebido o que vulgarmente se denomina substabelecimento com reserva.
8 Ou seja, vide doc 1 junto com a contestação, o Exmo. Agente de Execução PB delegou na aqui ré a prática de dois atos concretos. A penhora de bens moveis e a citação.
9 Assim o ponto RR da factualidade considerada por provada deverá ver a sua redação alterada por molde a enquadrar a verdadeira dinâmica processual, passando a ser considerado por provado no ponto RR o que se segue:“ RR. A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, a qual veio a ser desassociada do processo do processo e substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na Ré LS.
10 Tudo conforme documentos 1 e 2 juntos com a contestação. (…)”
Atentando na decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal recorrido fundou a convicção da motivação sobre a prova de tal facto, nos termos seguintes:
“(…) No que concerne aos factos atinentes ao processo executivo que correu termos sob o n.º …/… que correu termos no Juiz 1, do Juízo de Execução de Oeiras (factos E), S), U), W), X), AA), RR), UU), XX)), usou o Tribunal do termo de entrega e requerimento executivo juntos como doc. 6, a oposição à execução junta como doc. 9, a decisão junta como doc. 10, os despachos juntos como docs. 11 a 13 e 22, todos com a petição inicial e doc. 1 junto com a contestação da R. LS, de onde resulta a tramitação ocorrida.”.
Ora, não obstante o que consta dos factos provados RR e XX, afigura-se-nos que, atento o alegado pela ré recorrente nos artigos 3.º a 7.º da contestação e o que resulta dos documentos n.ºs. 1 e 2 juntos com tal articulado, se impõe a concretização de que a referida Agente de Execução MC veio a ser substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na ré LS.
Assim, deverá a redação do facto RR ser alterada, passando a ser a seguinte: “RR. A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, que veio a ser substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na ré LS”.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
A. Os AA. FL e ML contraíram matrimónio em 24/06/1972.
B. A A. ML nasceu em 18/05/1950.
C. O A. BP encontra-se registado como filho dos AA. FL e de ML.
D. Encontra-se registada a favor dos AA. FL e ML a aquisição por compra da fracção autónoma designada pela letra A, composta pelo 2.º piso cave –com garagem no 1.º piso – sub-cave e logradouro do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º …/… e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, pela AP …/…/…, onde residem os AA.
E. Correu termos o processo de execução sob o n.º …/… no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Oeiras - Juízo Execução - Juiz 1, em que figura como exequente a R. Igleexcutu – Construção e Gestão de Imóveis, SA e como executados BP Unipessoal, Lda. e o A. BP, tendo sido apresentados como título executivo dois cheques.
F. Por delegação de actos datada de 14/09/2016, pelo agente de execução nomeado foram delegados o acto de penhora de bens móveis e citação na R. LS agente de execução, cfr. doc. 1 junto com a contestação da R. LS e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
G. Do auto de penhora constante do processo referido em E), datado de 12/10/2016, pelas 12h05, com o local Rua …, n.º …, Almoinhos Velhos, Malveira da Serra, cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, designadamente, o seguinte:
Bens penhorados
Verba 1 – Um conjunto de sofás, em napa, cor castanha, sendo um de 3 lugares e dois de 1 lugar, em estado usado, valor 500,00 €;
Verba 2 – Um lote composto por: 1 candeeiro de pé alto; 2 candeeiros de pé curto com abajur; tudo em estado usado, valor 80,00€;
Verba 3 – Uma ventoinha em torre, cor cinza, de marca Rowenta, em estado usado, valor 20,00€;
Verba 4 – Um lote composto por: 5 cadeiras, estrutura em madeira e tampo em tecido, 1 mesa de centro quadrado, em madeira, medidas 1,55x0,50, tudo em estado usado, valor 145,00€;
Verba 5 – Um lote composto por: 1 televisor marca Samsung, 1 CD TV de 50 polegadas; 1 máquina de café Expresso CAP MATIC Termozeta, cor cinza; 1 microondas de marca Becken Easy Cook Plus; 1 máquina de lavar loiça de marca Bosch Electronic de cor branca; 1 máquina de lavar roupa de marca Bosch MAXX 7 Perfect, de cor branca; tudo em estado usado, valor 800,00€;
Verba 6 – Um computador composto por ecrã da marca HP, cor preta, teclado CKP, rato Logitech; CPU HP, 2 colunas Logitech e 1 câmara sem marca visível, tudo em estado usado; valor 180,00€;
Verba 7 – Uma aparelhagem de som da marca Panasonic, CD Stereo System SA PM3, valor 30,00€;
Verba 8 – Um DVD EMAX, de cor cinza em estado usado, valor 50,00€;
Verba 9 – Um lote de 4 portas de madeira, sendo uma com vidro de cor branca, valor 30,00€;
Verba 10 – Um cadeirão em tecido veludo cor bordeaux, em estado usado, valor 100,00€;
Verba 11 – Uma televisão LCD, da marca TOSHIBA de 19 polegadas, em cor preta, valor 100,00€;
Verba 12 – Uma cómoda de madeira com 1,11x0,47 com 4 gavetas, em cor pinho, valor 80,00€;
Verba 13 – Um lote composto por 2 berbequins de bateria com os respectivos carregadores, sendo um de marca Roby e outro SKTLI; 1 compressor “fini Tiger”, cor vermelha, de 30 litros; valor 110,00€;
Verba 14 – Um armário guarda-fatos com 1,87x2,00, em madeira com 3 gavetas e 4 portas; duas mesinhas de cabeceira em madeira, com 3 gavetas; uma cama de casal, sendo apenas a estrutura da mesma e com exclusão do colchão, em madeira; um espelho; valor 485,00€.
(…)
Observações: (…) Procedi à remoção dos bens descritos nas verbas 1 a 13, para a sede da exequente, sita na Rua …, …, S. Domingos de Rana. Os bens descritos na verba n.º 14 não foram removidos tendo constituído fiel depositário dos mesmos o executado (…).
O executado recusou assinar o presente auto perante todos os presentes na diligência.
H. Os bens que constituem as verbas 1 a 14 foram adquiridos pelos AA. Fernando e ML, que os utilizaram ao longo dos anos.
I. No início da diligência, a A. ML encontrava-se sozinha em casa, e debaixo de tensão e intimidada, acabou por cair de costas e bater com a cabeça, tendo um dos elementos da GNR chamado o 112, e após assistida no local, foi levada para as urgências do Hospital de Cascais.
J. O A. sentiu-se mal, temendo os seus filhos que, entretanto lá ocorreram, que tivesse um incidente cardíaco.
K. Os AA. FL e ML são pessoas honestas e honradas.
L. E padecem de problemas de saúde: a A. ML de doença do foro cancerígeno e o A. FL de doença de foro cardíaco.
M. O A. BP é uma pessoa que sofre de deficiência grave dos membros superiores e da coluna, em virtude de acidente de viação quando tinha 18 anos.
N. E disso deram conta às inúmeras pessoas presentes no acto de penhora.
O. No entanto, o representante da Ré Igleexcutu continuava aos gritos, nada fazendo a Ré LS para evitar ou controlar tais comportamentos.
P. O referido representante da Ré Igleexcutu disse que “aqui nesta diligência quem manda é a doutora e eu”.
Q. Quando interpelado por um elemento da GNR, que mais uma vez estava a apelar à calma, este representante da Ré Igleexcutu, respondeu-lhe “o Senhor se quiser vai mandar no seu posto, aqui não manda nada”.
R. Ficaram os AA. FL e ML sem qualquer porta no interior da sua residência, inclusive a da casa de banho e do seu quarto de casal.
S. Em 19/10/2016 foi entregue ao A. BP o requerimento executivo e auto de penhora.
T. O A. BP deduziu oposição à execução e à penhora, junta como doc. 9 com a petição inicial, onde se defendeu por excepção, invocando a inexistência de título e a sua ilegitimidade passiva e por impugnação.
U. Regularmente notificada, a 1.ª Ré não apresentou contestação.
V. Por sentença proferida em 20/10/2017, foi rejeitada a execução contra o A. BP e, em consequência, foi a mesma declarada extinta, cfr. doc. 10 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e da qual consta, designadamente, o seguinte:
Com efeito, analisado o título executivo – dois cheques emitidos/passados por BP, Unipessoal, Lda. juntos aos autos de execução a que estes correm por apenso e que aqui dou por inteiramente reproduzidos -, concluo que o executado BP não figura em tais títulos como devedor. Com efeito, da análise dos cheques em crise, apenas se extrai que o executado BP os assinou na qualidade e enquanto gerente da sociedade BP, Unipessoal, Lda., sociedade esta por quem, em bom rigor, foram passados os cheques em crise. Temos, assim, que o executado BP não figura nos títulos como devedor, pelo que concluo que o exequente não dispõe de título executivo válido contra este executado que, por conseguinte, é parte ilegítima para a execução.
W. Os AA. FL e ML deduziram embargos de executado no âmbito do processo referido em E).
X. Regularmente citada, a 1.ª Ré não apresentou contestação.
Y. Em consequência da sentença referida em V), em 11/01/2018 foi proferida sentença que declarou extinta a instância dos embargos de terceiros, por inutilidade superveniente da lide, cfr. doc. 11 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Z. Em 20/10/2017, foi proferido despacho a ordenar o levantamento da penhora, cfr. doc. 12 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
AA. Por despacho de 11/01/2018, foi ordenado à R. LS que comprovasse o cumprimento do despacho de 20/10/2017.
BB. Por despacho de 06/02/2018, proferido no processo de execução, foi ordenado à R. LS que diligenciasse pela extinção da execução tendo em conta as decisões proferidas nos apensos A e B e, novamente que comprovasse nos autos o despacho proferido em 20/10/2017 no apenso A, cfr. doc. 13 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
CC. Em 10/04/2018, foi a mandatária do A. BP notificada pela R. LS do agendamento para o dia 16/04/2018, pelas 14h00 horas, da entrega dos bens e para estar presente para os receber, cfr. doc. 14 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
DD. O que não aconteceu.
EE. Tendo a mandatária do A. BP contactado telefonicamente a R. LS, a questionar a falta de entrega dos bens, em conformidade com a notificação do agendamento para aquele dia, foi informada que tinha sido cancelada e que iriam proceder à entrega dos bens no dia 17 desse mês, isto é, no dia seguinte, cfr. doc. 15 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
FF. Como a mandatária de imediato informou que não tinha agenda para o dia 17/4/2018, ficou a R. LS de proceder a posteriormente agendamento notificando-a da data e hora, cfr. doc. 16 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
GG. O custo da aquisição de bens, em género e qualidade equivalente aos bens penhorados, é o seguinte:
- 1 sofá cama de 3 lugares, em pele castanha: 2.764,23€;
- 2 sofás individuais poltrona em pele castanha: 1.357,72€;
- 5 cadeiras em madeira com estofo PM: 914,63€;
- 1 cadeirão senhorinha estofado PM: 699,19€;
- 1 mesa de centro madeira com centro em vidro: 386,18€;
- 1 cómoda com 4 gavetas PM: 878,05€;
- 1 armário de roupeiro com 3 gavetas e 4 portas PM: 1.963,41€;
- 2 mesas de cabeceira com 3 gavetas PM: 682,93€;
- 1 cama de casal com estrado PM: 967,48€;
- 1 espelho em madeira PM: 138,21€;
- 1 candeeiro de pé alto completo: 182,93€;
- 2 candeeiros de mesa de cabeceira: 146,34€
- Entrega e montagem 154,47€;
- 1 aparafusadora: 99,99€;
- 1 berbequim sem fio: 209,00€;
- 1 compressor: 524,00;
- O que perfaz o total de 823,99€.
- 3 portas lacadas branco: 447,00€;
- 3 Kit de aros: 525,00€;
- 1 porta com vidro: 289,00€;
- Pack de 5 guarnições: 34,99;
- 1 PC HP: 750,00€;
- Monitor HP 19 polegadas: 130,00€;
- 1 teclado CKP: 50,00€;
- 1 rato Logitech:70,00€;
- 1 CPU HP: 179,00€;
- 2 colunas Logitech: 72,00€;
- 1 Webcam: 60,00€;
- 1 televisão 22 polegadas: 184,99€;
- 1 coluna ar Rowenta: 90,99€;
- 1 máquina de café Krea: 159,99€;
- 1 microondas: 169,99€;
- 1 máquina de lavar loiça Bosch: 659,99€;
- 1 máquina de lavar roupa Bosch: 784,99€;
- 1 televisor Led Samsung: 599,99€;
- 1 sistema micro Panasonic: 179,99€;
- 1 leitor Blu-Ray Wi-Fi Sony: 119,99€;
HH. Mercê das condutas dos Réus, os AA. sofreram humilhação, pânico, angústia, vexame e medo, por todos os presentes testemunhado e bem como posteriormente pelos elementos que os assistiram.
II. O que causou transtorno e perturbação físicos, quer no momento quer durante e após a intervenção de que foram vítimas.
JJ. Os AA., a partir dessa data, ficaram na sua vivência constrangidos e deixaram de receber os vizinhos e amigos em casa, pois não tinham sequer cadeiras para os sentar ou sequer portas para que pudessem ir à casa de banho.
KK. E, pelos mesmos motivos, os AA. FL e ML deixaram de poder receber os seus filhos e respectivos cônjuges, porque a casa estava vazia.
LL. Os netos dos AA. FL e ML, crianças ainda, deixaram também querer ir para casa dos avós.
MM. Os AA. FL e ML sentem-se tristes e incomodados porque nem sequer podem ter privacidade para ir à casa de banho ou estarem no seu quarto.
NN. Sendo reformados e doentes, com parcas reformas e, ainda estando a liquidar o empréstimo bancário para aquisição do imóvel.
OO. Os AA. vivem numa pequena localidade e nela todas as pessoas se conhecem, tendo deixado de conviver com os vizinhos e durante muito tempo refugiaram-se para não ser questionados, sobre aquele aparato de GNR, pessoas, camiões e ambulâncias.
PP. Pois a notícia da penhora e remoção do recheio da sua casa, foi conhecida e falada por todos, tendo dado origem a comentários, o que causou aos AA. vergonha e profundo desgosto.
QQ. A R. LS não podia desconhecer que a execução tinha como títulos dois cheques emitidos por uma sociedade, também executada nos autos – BP Unipessoal, Lda., sendo inequívoco que o A. BP, enquanto pessoa individual, não figurava nestes dois títulos.
Das Contestações
RR. A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, que veio a ser substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na ré LS.
SS. Em 31 de Janeiro de 2018, R. LS notificou a exequente para promover a devolução dos bens - cfr. doc. 6 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
TT. Em 23 de Maio de 2018 notificou a exequente para proceder a "disponibilização de meios e a devolução dos bens penhorados", dando para tal o prazo máximo de 5 dias, cfr. doc. 11 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
UU. O que não ocorreu.
VV. Aos 29 dias de Agosto, voltou a insistir, junto do então mandatário do exequente, cfr. doc. 12 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
WW. A 30 de Outubro de 2018 notificou o mandatário da exequente Igleexcutu Lda. para informar os autos já havia procedido à devolução dos bens penhorados, cfr. Processo: …/… - doc. 13 junto com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
XX. Em 29 de Novembro de 2018, a R. LS delegou os poderes que detinha nos autos na Exma. Agente de Execução SB.
YY. Por decisão judicial proferida em 24/02/2016 no processo referido em E), junta como doc. 2 com a contestação da R. Igleexcutu, foi determinado que:
A fim de proceder à penhora, na medida do necessário e legal para acautelar o pagamento da quantia em dívida e custas, dos bens móveis suscetíveis de penhora que constituam o recheio da residência do executado, o Agente de execução poderá proceder ao arrombamento de portas, se necessário, e efetiva apreensão dos bens penhorados, os quais deverão ser confiados ao mesmo na qualidade de fiel depositário (cfr. artigo 757°, nº 1 e nº 2, ex vi artigo 767°, na 1, do Código de Processo Civil) .
Para a realização da diligência poderá o mesmo requisitar o auxílio da força policial, devendo, nesse caso, ser lavrado auto da ocorrência.
Deverá a exequente facultar os meios indispensáveis (cfr. artigo 7650, do Código de Processo Civil), devendo ser notificada, para esse efeito, e com a antecedência necessária, da data da realização da penhora.
Subsequentemente, notifique, tudo nos moldes solicitados.
ZZ. A presente acção entrou em juízo em 7/10/2019.
AAA. Os 1.º e 2.º AA residiam na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755 – 208 Alcabideche, Cascais e, à época, o 3.º Autor residia com os seus pais.
*
NA DECORRÊNCIA DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO OPERADA PELO CONHECIMENTO DO RECURSO, A MATÉRIA NÃO PROVADA A CONSIDERAR É A SEGUINTE:
1. O 1.º e o 3.º AA. chegados a casa com a diligência de penhora em curso, tentou o 1º A. provar que era o efectivo proprietário, mostrando comprovativos da aquisição de inúmeros bens que a AE, 2ª Ré, estava a remover, mas esta recusou determinantemente verificar a veracidade da propriedade dos bens.
2. O referido representante da Ré Igleexcutu disse que “agora vai tudo mesmo ...cómoda, espelho...”.
3. E mais disse, dirigindo-se ao A. BP “nós sabemos que é a casa do seu pai ... quase sei a 100% que o senhor tem 100% de razão, mas a lei permite e podemos fazê-lo ...”.
4. A Ré LS respondeu ao A. FL, quando este implorou para não levarem estes bens porque a sua mulher não tinha forças e saúde para lavar a roupa, que “a lavassem à mão”.
5. O resto dos seus pertences e roupas que se encontravam no roupeiro e no armário foram atirados e espalhados pelo chão.
6. Deixando o 1º A., então com 70 anos de idade, com uma vida modesta e honrada, a chorar copiosamente.
7. O A. BP foi citado para o processo de execução em 19/10/2016.
8. Apesar das tentativas para que a 2.ª Ré voltasse a agendar a entrega dos bens penhorados, a verdade é que até hoje, não foram os mesmos entregues.
9. Os netos dos AA. manifestam medo de irem a casa dos avós porque têm medo que “volte lá a polícia e as pessoas más, que fizeram mal aos avós”.
10. As irmãs do 3.º A. ficaram revoltadas com este, porque lhe imputaram responsabilidade pelo o facto de os parcos pertences dos pais terem assim desaparecido, e que tanto trabalharam no passado para os adquirirem.
11. Também responsabilizaram o 3.º A. pelo agravamento de saúde dos pais em consequência destes actos levados a cabo pelos Réus.
12. É que mercê da perseguição de que foi alvo pela 1ª Ré e sempre sob a ameaça de que esvaziavam a casa dos seus pais, o 3º A. acabou por lhes entregar a quantia global de €2.650,00.
13. E, para isso teve sempre de pedir dinheiro emprestado aos seus amigos.
14. E, não obstante, propôs a execução contra o 3ª A., com o propósito de infernizar os que lhe são mais próximos, e por efeitos do que a estes provocou, acabar por afectar a sua própria vida pessoal e familiar do 3º Autor.
15. A Ré Igleexcutu sequer podia ou pode invocar qualquer desconhecimento ou erro sobre a ilegitimidade do 3º A., enquanto executado, pois este não figurava sequer nos 2 títulos executivos como responsável.
16. Bem sabendo, a 1.ª Ré que os bens que se encontravam em casa do 1º e da 2ª A.A. eram destes propriedade e mesmo assim, requereu ao tribunal emissão de mandados para arrombamento de portas de habitação do Executado BP, com o auxilio de força policial e, ao longo dos anos, como consta do processo executivo, insistiu persistentemente junto dos vários agentes de execução que nomeou para procederam às diligências de arrombamento e penhora do recheio.
Das contestações
17. A R. LS viu o representante da exequente ser agredido, pelos autores.
18. Tendo sido solicitado pelos militares da GNR presentes no local a intervenção de reforços.
19. Já após a instauração do processo executivo (2013/01/29), o então executado, aqui 3.º A. em 2013/09/11, vem dissolver a sociedade BP, Unipessoal, Lda, com a consequente dissolução e cancelamento da matrícula.
20. Dada a resistência à realização da dita diligência – insultos e ameaças à Agente de Execução e agressões ao representante da exequente, ora 1.ª R., houve necessidade de serem chamados reforços de militares da GNR.
21. Os AA. continuaram a insultar todos os presentes, fotografando os mesmos e afirmando que o despacho judicial era falso.
*
II) Impugnação da decisão de Direito:
*
E) Se a decisão recorrida deve ser revogada, com absolvição da ré do pedido?
Concluiu a ré apelante que deve ser absolvida, “porquanto se demonstra que a mesma atuou dentro dos limites que lhe são impostos legalmente”, invocando que:
“(…) 19A douta sentença estriba a condenação da ré LS em três razões de direito.
20Os bens penhorados, foram adquiridos pelos autores FL e ML os quais não eram executados nos autos executivos.
21 Os bens penhorados são imprescindíveis à economia doméstica.
22 A ré não podia desconhecer que o autor BP não figurava nos títulos executivos. Também considerada facto provado, mas cujo enquadramento será efetuado em sede de matéria de direito.
23 Dispõe o artigo 855 do código processo civil que incube ao Agente de Execução receber a execução; -Recusar o requerimento; -Suscitar a intervenção do juiz quando o mesmo seja capaz de lhe levantar duvidas;
24 Em que momento tal obrigação opera?
25 No momento do recebimento do requerimento executivo.
26 A que Agente de Execução em concreto cabia tal obrigação?
27 Claramente à agente de execução nomeada nos autos. MC!
28 Esclarece também o artigo 855 do C.P.C., que uma vez recebido o requerimento executivo e prosseguindo o processo procede o A.E. no sentido de promover as penhoras e citação do executado.
29 Mais uma vez se questiona; quem foram os agentes de execução que promoveram as diligências de penhora e citação?
30 Atentemos no documento número 1, questionando sempre quem era o A.E designado no processo?
31 Conforme factualidade supra exposta, o A.E. designado nos autos era PB.
32 O qual indicou à ré, o local, Rua …, …, Malveira da Serra, onde se deveriam efetuar as diligências de citação e penhora.
33 A este propósito, de forma sintética esclarece a sentença, no segundo parágrafo pagina 27:“ E nem se argumente que a R. LS viu serem delegados unicamente os actos de penhora e citação, pelo agente anteriormente nomeado no processo de execução em causa, já que tal circunstância não a desonera de averiguar da conformidade e regularidade dos atos por si realizados... A mesma argumentação vale para a existência de um despacho judicial prévio que autorizou o recurso ao arrombamento e ao auxílio de força policial.”
34 Tal passagem da douta sentença lavra em vários erros de facto e de direito. Vejamos.
35 Primeiro erro. A ré não se encontrava nomeada como agente de execução nos autos executivos.
36 O agente de execução PB era o agente de execução nomeado nos autos.
37 Segundo erro. O controle sobre a legalidade dos autos cabe ao agente de execução titular dos mesmos.
38 Terceiro erro. A ré não tem acesso a toda a tramitação processual, esta apenas é acessível ao A.E. titular dos autos e ao tribunal.
39 Dito de outra forma, a Ré desconhecia, nem podia conhecer, se o AE titular dos autos havia suscitado a intervenção do tribunal nos termos do disposto no artigo 855 do C.P.C.,
40 Conhecendo apenas o ato de delegação de poderes para a prática de dois atos, os quais estavam acobertados por despacho judicial!
41 Que se permita o desabafo, mal se anda quando o AE que não conhece os autos, porque assim a organização do processo implica, tem a obrigação de os conhecer, e o Juiz que conhece os autos não tem a obrigação de verificar a legalidade dos autos que autoriza e determina.
42 Página 26 da douta sentença, imputa à ré uma atuação movida de incúria e desleixo à Ré, ultimo parágrafo, uma vez que não analisou o titulo executivo.
43 À pergunta; Tinha a ré obrigação legal/funcional de analisar o titulo executivo?
44 A douta sentença não apresenta resposta. Não apresenta quando objetivamente para averiguar do juízo de censura tal resposta é pertinente.
45 A resposta, pelos motivos já supra aduzidos, nomeadamente, não ter tramitado os autos, não ter recebido o requerimento executivo e existir um despacho judicial que determinava a prática dos atos que lhe haviam sido substabelecidos, só pode ser negativa!
46 Deste modo, a douta sentença coloca sobre a ré um ónus que legalmente, não é imposto à ré, mas sim à Agente de Execução que recebeu o requerimento executivo, MC, bem como ao douto tribunal de determina o recurso ao arrombamento!
47 Acresce que em momento algum a douta sentença complementa a critica à atuação da ré com a indicação de qual deveria ser legalmente o seu comportamento processual.
48 Podia a ré ter deixado de efetuar a penhora e a citação?
49 Objetivamente não!
(…)
53 O domicílio do executado BP é na Rua …, número …, Malveira da Serra, 2755 - 208 Alcabideche, Cascais.
54 Os bens penhorados estavam no interior do seu domicílio, pelo que se presumem seus.
55 Em sede de sentença, factos não provados ponto 1, é considerado como não provado que o 1° autor tenha tentado fazer prova da propriedade dos bens penhorados, tendo mostrado comprovativos de aquisição dos bens.
56 A decisão proferida nos autos executivos em sede dos embargos de executado, em nada belisca o comportamento da ré,
57 A qual penhorou bens no interior do domicílio de quem figurava como executado nos autos executivos,
58 Sem que em momento algum lhe fosse apresentada indício de prova que os bens penhorados não eram propriedade do executado.
59 Avança a douta sentença dizendo que ainda que os bens fossem propriedade do executado, eram imprescindíveis à economia doméstica, pelo que impenhoráveis.
60 Damos aqui por reproduzidas as verbas vertidas na alínea G da factualidade considerada por provada.
61 Eram estes os únicos bens que preenchiam o recheio da habitação dos autores?
62 Em momento algum a douta sentença responde a tal questão!
63 Ficaram os autores desprovidos de forma de cozinhar, conservar alimentos, dormir, guardar a sua roupa, fazer a sua higiene pessoal proporcionarem a si mesmos lazer?
64 A sentença não responde!”
Os recorridos autores contra-alegaram concluindo, sobre este ponto, o que ficou vertido nas conclusões F) a ZZ) da contra-alegação.
Vejamos:
Conforme se enunciou na decisão recorrida, a questão a apreciar em sede de subsunção jurídica dos factos apurados é a de saber se as rés devem ser condenadas a pagar a quantia peticionada pelos autores, a título indemnização por responsabilidade civil extra-contratual, ou se, ao invés, tal responsabilidade não ocorreu.
O Tribunal recorrido absolveu a 1.ª ré, mas condenou a 2ª ré, a pagar aos autores a quantia de €13.720,16, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e a pagar a cada um dos AA. FL e ML a quantia de €9000,00 (num total de €18.000,00) e ao A. BP a quantia de €3000,00, acrescidas de juros de mora a calculados à taxa de 4%, desde a data da prolação da referida decisão até efectivo e integral pagamento (a título de indemnização por danos não patrimoniais).
Atento o disposto no artigo 635.º, n.º 5, do CPC, os efeitos do julgado, na parte não recorrida e, designadamente, atinentes à absolvição da 1.ª ré, não poderão ser prejudicados pelo conhecimento do recurso interposto (sobre o ponto, vd. Rui Pinto; Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, p. 366 e ss.), pelo que, cumpre apreciar se é de manter, alterar ou revogar a decisão condenatória da 2.ª ré.
A decisão recorrida, depois de passar em revista os pressupostos de que depende, em geral, a responsabilidade civil extra-contratual (aspetos que não merece qualquer reparo nesta sede), concluiu sobre a verificação de tais pressupostos no caso em apreço.
Vejamos:
Conforme decorre do disposto no artigo 719.º, n.º 1, do CPC, “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
Referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 61) que “[o] agente de execução pratica atos executivos e profere decisões sobre a relação processual (v.g. art.º 855.º, n.º 2, al. a) ) e ainda sobre a realização coativa da prestação (v.g. art.ºs 763.º, n.º 1, 803.º, n.º 1 e 849.º). Os atos executivos podem ser vinculados (v.g. modo de realização da penhora), discricionários (v.g. art.ºs 812.º, n.º 5 e 833.º, n.º 1) ou de mero expediente (v.g. fixação da data da venda) (…)”.
Ao agente de execução cabe, pois, a prática de uma multiplicidade de atos, cujo incumprimento o poderá fazer incorrer em diversos níveis de responsabilidade (exigindo a lei, inclusive, que o agente de execução celebre e mantenha um seguro de responsabilidade civil profissional, tendo em conta a natureza e o âmbito dos riscos inerentes a tal atividade – cfr. artigo 123.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução).
De harmonia com o previsto nos n.ºs. 1 e 3 do artigo 162.º deste Estatuto, “o agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios” (n.º 1) e “o agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa” (n.º 3).
A atuação do agente de execução no cumprimento das diligências processuais que lhe competem é uma atuação, nuns casos, relativamente vinculada às indicações de outros intervenientes processuais e, noutros casos, uma atuação relativamente autónoma, de acordo com o impulso processual que ao agente de execução cabe promover.
De todo o modo, conforme decorre do disposto no artigo 119.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro), os agentes de execução, “no exercício das suas funções, mantêm sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livres de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos seus colegas, ao tribunal, a exequentes, a executados, aos seus mandatários ou a terceiros”.
Nos termos do artigo 121.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução:
“1 - O solicitador e o agente de execução são indispensáveis à realização de tarefas de interesse público e à administração da justiça e, como tal, devem ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exercem, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consagrados no presente Estatuto e todos aqueles que as demais disposições legais e regulamentares, os usos, os costumes e as tradições profissionais lhes imponham.
2 - São deveres gerais de conduta profissional o cumprimento do código de ética e deontologia de conduta profissional, designadamente a honestidade, a probidade, a retidão, a lealdade, a cortesia, a pontualidade e a sinceridade.
3 - O solicitador e o agente de execução têm a obrigação de atuar com zelo e diligência relativamente a todas as questões ou processos que lhes sejam confiados e proceder com urbanidade para com os colegas, magistrados, advogados e quaisquer trabalhadores”.
E estabelece o artigo 124.º do mesmo Estatuto sobre os deveres a observar para com a comunidade:
“1 - O solicitador e o agente de execução estão obrigados a pugnar pela boa aplicação do direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão.
2 - Em especial, constituem deveres gerais do associado:
a) Usar de urbanidade e de educação na relação com colegas, magistrados, advogados, trabalhadores e demais pessoas ou entidades com quem tenham contacto profissional;
b) Recusar o exercício de funções quando suspeitar seriamente que a operação ou atuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal atuação;
c) Recusar-se a receber e movimentar fundos que não correspondam estritamente a uma questão que lhe tenha sido confiada;
d) Ser rigoroso na gestão dos valores que lhe são confiados ou que administra no exercício das suas funções;
e) Diligenciar no sentido do pagamento dos honorários e de demais quantias devidas aos colegas que o antecederam no mandato ou nas funções que lhe foram confiadas;
f) Não fazer publicidade fora dos limites previstos no presente Estatuto;
g) Não solicitar nem angariar clientes por si ou por interposta pessoa, sem prejuízo do disposto no artigo 128.º;
h) Usar trajo profissional de acordo com o respetivo regulamento;
i) Não recusar a aceitação do processo para que tenha sido designado oficiosamente, salvo por motivo de impedimento ou suspeição;
j) Ter domicílio profissional, comunicando de imediato ao conselho geral a sua alteração, devendo a Ordem regulamentar as suas características essenciais em função da atividade profissional exercida;
k) Manter os empregados forenses registados na Ordem, nos termos do regulamento aprovado pela assembleia geral;
l) Não agir contra o direito, não usar meios ou expedientes ilegais ou dilatórios, nem promover diligências inúteis ou prejudiciais para a correta aplicação do direito, administração da justiça e descoberta da verdade;
m) Cumprir as regras de fixação de honorários, questionando os órgãos competentes da Ordem quanto à aplicação dos mesmos, sempre que tenha dúvidas sobre a sua aplicação;
n) Manter os seus conhecimentos atualizados, designadamente através do acompanhamento das alterações legislativas e regulamentares.”.
De harmonia com o disposto no artigo 127.º do mesmo Estatuto:
“1 - Sem prejuízo das normas específicas de segredo profissional de cada atividade profissional, os associados estão obrigados a manter reserva sobre quaisquer matérias que lhes estejam confiadas, designadamente documentos, factos ou quaisquer outras questões das quais tenham conhecimento no âmbito de negociações entre as partes envolvidas.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável aos casos em que o serviço prestado se destine a comprovar ou a certificar uma determinada situação de facto”.
E, a respeito dos termos de aceitação da prestação de serviços e competência, estabelece o artigo 129.º do mesmo Estatuto que:
“1 - O associado não pode aceitar a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente solicitado ou mandatado pelo cliente, ou por representante deste, ou se não tiver sido designado para o efeito por entidade legalmente competente.
2 - O associado não deve aceitar a prestação de quaisquer serviços se souber ou dever saber que não tem competência, disponibilidade ou meios necessários para se ocupar prontamente do assunto ou do processo em causa, e o acompanhar de modo efetivo, a menos que atue em sociedade com competência, disponibilidade e meios necessários para o efeito”.
De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 168.º do Estatuto em questão, constituem os principais deveres do agente de execução, designadamente, os seguintes:
“a) Praticar diligentemente os atos processuais de que sejam incumbidos, nos termos da lei e das disposições regulamentares aplicáveis;
b) Prestar ao tribunal, às partes e a terceiros as informações determinadas nos termos da lei ou das disposições regulamentares aplicáveis;
c) Prestar contas da atividade realizada, entregando prontamente as quantias, os objetos ou os documentos de que sejam detentores por causa da sua atuação como agentes de execução;
d) Não exercer nem permitir o exercício, no seu escritório ou sociedade, de atividades não forenses ou que sejam incompatíveis com a atividade de agente de execução, nos termos do presente Estatuto;
e) Apresentar a cédula profissional no exercício da sua atividade;
f) Independentemente dos montantes de receita anual, ter contabilidade organizada nos termos da lei fiscal, sem prejuízo das normas definidas nos regulamentos das contas-cliente;
g) Diligenciar no sentido de promover a sua substituição em processos para que tenham sido designados, quando ocorra motivo justificativo que impeça a condução normal dos mesmos;
h) Não aceitar a designação para novos processos, requerer a suspensão de designação ou a limitação do número mensal de processos em que sejam designados, quando não disponham dos meios necessários para o seu efetivo acompanhamento;
i) Manter atualizada a informação relativa ao estado de cada processo no sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução;
j) Participar disciplinarmente do agente de execução a quem tenham delegado a prática de atos determinados quando não realizados atempadamente, procedendo à sua substituição após o decurso do prazo para a prática daqueles;
k) Pagar atempadamente as taxas e outras quantias devidas à Ordem e à CAAJ;
l) Pagar as despesas correspondentes à liquidação dos processos a seu cargo;
m) Prestar toda a colaboração necessária ao exercício das atribuições da CAAJ;
n) Utilizar o selo de autenticação, no âmbito do processo judicial, na emissão de certidões, nas citações, nas notificações avulsas e nos autos de penhora, com exceção dos emitidos telematicamente”.
Conforme salienta Maria Olinda Garcia (A responsabilidade do exequente e de outros intervenientes processuais – Breves considerações; Coimbra Editora, 2004, pp. 35-36), “(…) o agente de execução, no cumprimento das múltiplas tarefas que a lei lhe determina, essencialmente na prática de actos de penhora, caso actue dolosa ou negligentemente, causando, consequentemente, danos (patrimoniais ou morais) ao executado, incorrerá também em responsabilidade civil, nos termos gerais, quando se encontrem preenchidos todos os requisitos do artigo 483.º do CC.
Na fase da penhora, o agente de execução é colocado em contacto directo não apenas com o património a penhorar mas também, por consequência, com um domínio mais amplo da vida do executado que vai para além do seu património ou das suas relações patrimoniais, podendo até, nessa fase, tomar conhecimento de factos da vida privada do executado, dado poder ter acesso ao local de habitação deste sujeito ou a informações protegidas, por exemplo, pelo sigilo bancário”.
O princípio geral de atuação do agente de execução na fase da penhora é o de que tal atuação esteja estritamente subordinada à prossecução da satisfação do interesse do credor lesado, “com observância das regras legais que delimitam a penhorabilidade dos bens e estabelecem o modo de proceder à sua apreensão. Consequentemente, a actuação do agente de execução que extravase de tal propósito, traduzindo-se na violação culposa de direitos do executado ou de normas que protejam interesses deste sujeito, na medida em que seja causadora de danos, permitirá ao executado exigir o ressarcimento dos danos sofridos, podendo também verificar-se a eventual responsabilidade criminal daquele sujeito” (cfr., Maria Olinda Garcia (A responsabilidade do exequente e de outros intervenientes processuais – Breves considerações; Coimbra Editora, 2004, p. 36).
E, conforme sublinha esta Autora (ob. cit., pp. 37-38), “[m]esmo que o agente de execução tenha acesso pacífico ao domicílio do executado (ou a outro local onde se encontrem bens móveis deste), ele tem de limitar a sua actuação à apreensão dos bens legalmente penhoráveis, não podendo, portanto, aproveitar-se dessas circunstâncias para a prática de actos que podem causar danos ao executado.
A apreensão de bens absolutamente impenhoráveis (independentemente de terem sido ou não nomeados à penhora pelo exequente) quando (…), pela natureza dos bens em causa, a sua apreensão seja ofensiva dos bons costumes, deve considerar-se ilícita, porquanto o agente de execução, agindo assim, exerce as suas funções de forma abusiva, incorrendo nas consequências do abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do CC. Efectivamente, a apreensão de determinados objectos, como correspondência privada, fotografias, certas roupas, vídeos, suportes de ficheiros informáticos, etc., na medida em que esses objectos revelem aspectos da vida privada ou íntima do executado e não tenham relevo económico na satisfação do direito do credor exequente, tem de ser considerada uma apreensão ofensiva dos bons costumes e, portanto, abusiva, com a consequente responsabilização do agente de execução pelos danos causados (sobretudo danos não patrimoniais) ”.
Como refere Catarina Monteiro Pires (“A responsabilidade do exequente na nova acção executiva: sentido, fundamento e limites”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 10, abr.-jun. 2005, p. 28) a distribuição de riscos e responsabilidades decorrentes da ação executiva, atendendo à convivência do juiz, do agente de execução e do exequente reflete-se em diversas situações, como, por exemplo, “situações de manifesta improcedência da pretensão executiva ou de erro grosseiro no cálculo das verbas de liquidação por simples cálculo aritmético de que resulte um pedido líquido significativamente superior ao que é devido. Nestas hipóteses, o papel do agente de execução é evidente: se ele suscitar a questão da improcedência ou do erro perante o juiz ou se recusar a efectuar a penhora, evitar-se-ão os danos resultantes da penhora injusta para o executado (…)”.
E conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2017 (Pº 12597-15.6T8LSB.L1-6, rel. CRISTINA NEVES), a propósito da natureza da responsabilidade do agente de execução, “o agente de execução é um profissional, sujeito a formação própria, bem como a um estatuto deontológico e disciplinar específico, a quem são atribuídos poderes públicos no âmbito da acção executiva, mas prevalecendo no seu estatuto a vertente liberal, não existindo responsabilidade objectiva por actos do solicitador/agente de execução, que responsabilizem o Estado (…)”. O agente de execução actua no campo privatístico, sendo a sua responsabilidade, responsabilidade civil extra-contratual por actos ilícitos, aplicando-se as normas constantes dos art.ºs 483 e segs. do C.P.C., incumbindo ao lesado o ónus de prova dos respectivos pressupostos” (no mesmo sentido, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2013, Pº 5548/09.9TVLSNB.L1.S1, rel. ABRANTES GERALDES).
Revertendo estas considerações e aplicando-as à situação dos autos, verificamos que, sobre o pressuposto da ilicitude foi expendido na decisão recorrida, nomeadamente, o seguinte:
“(…) No presente caso, temos que a esfera jurídica dos AA. FL e ML foi atingida sob a perspectiva de que se viram subtraídos de bens, o que integra a violação do seu direito propriedade, tutelado no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, quando não figuravam sequer como executados no âmbito do processo executivo n.º …/….
Por outro lado, também resultou apurado que, pese embora a referida acção executiva tenha sido intentada contra o aqui A. BP, na qualidade de executado, veio a ser proferida decisão que declarou extinta a execução contra o referido executado, vertendo-se, designadamente, que analisado o título executivo – dois cheques emitidos/passados por BP, Unipessoal, Lda. juntos aos autos de execução a que estes correm por apenso e que aqui dou por inteiramente reproduzidos -, concluo que o executado BP não figura em tais títulos como devedor (facto V).
Estabelece o artigo 53.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Ora, nos termos do artigo 855.º do Código de Processo Civil (forma de processo aplicável considerando o título dado à execução – vide artigo 550.º do Código de Processo Civil), compete ao Agente de Execução receber o requerimento executivo, prosseguindo para a realização de diligências prévias à penhora, caso não o rejeite nem tenha dúvidas que haja se suscitar ao juiz, sendo ainda que, de acordo com o artigo 719.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que, cabe ao agente de execução efectuar as diligências de penhora.
A esta argumentação acresce ainda o seguinte.
Estabelece o artigo 737.º, n.º 3 do Código de Processo Civil que Estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação.
No presente caso, constata-se que pela R. LS foram penhorados os seguintes bens: sofás, candeeiros, mesa e cadeiras de madeira, uma máquina de lavar loiça e uma máquina de lavar roupa, uma cómoda de madeira, um guarda-fatos, estrutura de cama e duas mesinhas de cabeceira. Salienta-se, ainda, terem sido penhoradas (e removidas para a sede do exequente) quatro portas interiores, no valor de € 30,00. Resultou apurado que estas portas, além do mais, eram da casa de banho e do quarto de casal.
Todos estes bens constituem, no entendimento deste Tribunal, bens imprescindíveis à economia doméstica valorada aos dias de hoje e com recurso a um padrão mínimo de dignidade social. Entendemos até manifestamente desproporcional e atentatório da dignidade humana a penhora e remoção as portas do interior da residência, tanto mais que lhes foi atribuído o valor de € 30,00.
De modo que, tendo os bens penhorados sido adquiridos pelos AA. FL e ML, terceiros face à execução em causa, a conduta da R. LS é [i]lícita. Como sempre o seria, caso os bens fossem propriedade do executado BP, ante que ficou dito (falta de legitimidade passiva).”
A ré/apelante considera que a decisão recorrida padece de três erros:
- 1.º A ré não se encontrava nomeada como agente de execução nos autos executivos, sendo o agente de execução nomeado, PB;
- 2.º O controlo sobre a legalidade dos autos cabe ao agente de execução titular dos mesmos;
- 3.º A ré não tem acesso a toda a tramitação processual, apenas acessível ao agente de execução titular dos autos e ao tribunal, desconhecendo a ré – e não podia conhecer – se o agente de execução titular havia suscitado a intervenção do tribunal nos termos do disposto no artigo 855.º do CPC.
Os autores/apelados contrapuseram sobre tais invocações, em suma, a seguinte argumentação:
- A delegação de poderes do Agente de Execução PB era para a prática de dois actos (penhora e citação do Executado BP), pelo que, se lhe foi delegado o acto de citação, teve a apelante de ter conhecimento do requerimento executivo e dos cheques emitidos por BP, Unipessoal, Lda., que constituíam os títulos Executivos, resultando manifesto do requerimento executivo que o executado BP não emitiu os cheques que constituíam o título executivo;
- A Recorrente ao alegar desconhecimento do processo executivo e do respectivo título, parece fazer crer, que mesmo que, a delegação de poderes, consistisse somente na prática de actos de penhora e citação, podia praticar tais actos cegamente, sem aferir da legalidade dos mesmos, quando no exercício da sua actividade de agente de execução cabe-lhe a prossecução do interesse público e o exercício de poderes de autoridade pública, o dever estrito do cumprimento rigoroso da lei, o acerto e a qualidade dos actos praticados, e a proporcionalidade dos procedimentos a que recorre face à natureza dos objetivos a atingir;
- A Recorrente, enquanto agente de execução delegada para a prática do acto de citação, detinha o controle da legalidade do acto de citação e a obrigação de analisar o título executivo;
- Quanto ao acto de penhora a Recorrente não alcança que foi ela quem voluntariamente praticou o acto de penhora e que na prática de actos enquanto agente de execução está obrigada a agir com zelo e com competência (quem praticou o acto de penhora e decidiu a extensão dos bens penhorados, que compunham o recheio da casa de família dos A.A. FL e ML, sita na Rua …, …, Malveira, foi a Recorrente, que foi quem decidiu e ordenou a remoção dos bens e decidiu nomear JI como fiel depositário dos bens penhorados);
- A Recorrente, agente de execução, no uso dos seus poderes de autoridade pública está obrigada a usar de especial cuidado e humanidade em situações de natureza mais sensível, nomeadamente aquelas que envolvam penhoras e, em especial, quando esteja em causa a casa de habitação efetiva do penhorado ou da sua família ou se verifique a presença de menores;
- Quem recusou ver a evidência de que os bens penhorados, atenta a sua idade, uso e características não pertenciam ao executado BP, foi a Recorrente; e
- A Recorrente com o seu comportamento no acto de penhora violou os art.ºs 4.º, 5.º, 23.º, 27.º e 28.º do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução - Regulamento n.º 202/2015, de 28 de Abril, o disposto na alínea c) do art.º 736.º do CPC.
Ora, tendo em conta as considerações gerais supra apontadas e o teor dos factos apurados, verifica-se que a decisão recorrida fez uma adequada e correta subsunção jurídica dos factos ao Direito aplicável e que, não obstante a alteração da matéria de facto, a mesma não determina diversa conclusão jurídica.
Vejamos cada um dos aspetos colocados em crise pela apelante:
1.º A ré não se encontrava nomeada como agente de execução nos autos executivos, sendo o agente de execução nomeado, PB.
Sobre esta matéria encontra-se provada, com pertinência, a seguinte factualidade:
“(…) E. Correu termos o processo de execução sob o n.º …/… no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Oeiras - Juízo Execução - Juiz 1, em que figura como exequente a R. Igleexcutu – Construção e Gestão de Imóveis, SA e como executados BP Unipessoal, Lda. e o A. BP, tendo sido apresentados como título executivo dois cheques.
F. Por delegação de actos datada de 14/09/2016, pelo agente de execução nomeado foram delegados o acto de penhora de bens móveis e citação na R. LS, agente de execução, cfr. doc. 1 junto com a contestação da R. LS e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (…)
QQ. A R. LS não podia desconhecer que a execução tinha como títulos dois cheques emitidos por uma sociedade, também executada nos autos – BP Unipessoal, Lda., sendo inequívoco que o A. BP, enquanto pessoa individual, não figurava nestes dois títulos.
RR. A agente de Execução nomeada em sede de requerimento executivo foi MC, que veio a ser substituída pelo Agente de Execução PB, o qual substabeleceu os atos de penhora e citação na ré LS (…)”.
Ora, conforme resulta desta factualidade, a apelante foi designada para realizar na execução n.º 743/13.9TBCSC, do Juízo de Execução de Oeiras, Juiz 1, os atos de penhora de bens móveis e de citação.
De facto, nos termos previstos no artigo 177.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, o agente de execução pode delegar noutro agente de execução (ou em sociedade de agentes de execução) a competência para a prática de todos ou determinados atos num processo, comunicando prontamente tal facto à parte que o designou (n.º 1), não sendo necessária tal delegação, entre agentes de execução que sejam sócios da mesma sociedade profissional, sendo o registo informático do ato por quem o efetua suficiente para afastar a presunção de responsabilidade do agente de execução inicialmente designado pela sociedade (n.º 2). E, o agente de execução que delegue noutro, com reservas, a competência para a prática de atos específicos é responsável pelo cumprimento dos prazos processuais, pela verificação da regularidade dos atos praticados pelo agente de execução delegado e ainda pelo pagamento de honorários e despesas deste (n.º 3).
Às delegações aplica-se ainda o “regulamento de delegações” de processos entre agentes de execução (presentemente, o Regulamento n.º 543/2021, publicado no DR, 2.ª série, n.º 113, de 14 de junho de 2021, p. 164 e ss. e, à data dos factos dos autos, o Regulamento n.º 435/2009, publicado no DR, 2.ª série, n.º 216, de 6 de novembro de 2009, p. 45418 e ss.).
Nos termos do referido Regulamento n.º 435/2009, as delegações podem ter feição total (para a prática de todos os actos numa execução) ou parcial (apenas para a prática de determinados actos), sendo que, ao agente de execução delegado é remetido o processo via sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, acompanhado de relatório elaborado pelo delegante (cfr. artigo 2.º, n.º 1, al. c)) e aí são registadas as delegações (cfr. artigo 4.º), sendo que, na delegação de competências para a prática de determinados atos, deve ser especificado o ato ou atos delegados, mantendo-se o agente de execução delegante responsável a título solidário com o delegado (cfr. artigo 2.º, n.º 2)
“O solicitador e o agente de execução que, no exercício da sua profissão, violem, com dolo ou mera culpa, os direitos e interesses do seu cliente, ficam obrigados a indemnizar o lesado pelos danos daí resultantes” (assim, o artigo 15.º, n.º 1, do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pelo Regulamento n.º 202/2015, de 28 de abril).
O agente de execução deve exercer a sua atividade com respeito estrito pelo disposto na lei e no respetivo estatuto, com o devido rigor e ponderação, assegurando nomeadamente:
“a) O respeito pelas formalidades legais;
b) A clareza, acessibilidade e inteligibilidade dos atos que pratica e dos documentos que elabora;
c) O acerto e a qualidade dos atos praticados;
d) A discrição e eficácia da sua intervenção;
e) A proporcionalidade dos procedimentos a que recorre face à natureza dos objetivos a atingir;
f) O zelo e a competência na utilização dos meios legais suscetíveis de lhe permitirem aceder às informações necessárias à execução de que é responsável;
g) A recusa do cumprimento de indicações que ponham em causa a sua independência” (cfr. artigo 23.º, n.ºs. 1 e 2 do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução).
“O agente de execução deve usar de especial cuidado e humanidade em situações de natureza mais sensível, nomeadamente aquelas que envolvam penhoras e, em especial, quando esteja em causa a casa de habitação efetiva do penhorado ou da sua família ou se verifique a presença de menores” (cfr. artigo 23.º, n.º 3, do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução).
Do exposto, verifica-se que ao invés do que invoca, a recorrente foi nomeada nos autos de execução acima referidos, para desempenhar os actos de citação e de penhora de bens móveis dos executados, o que, aliás, resulta inequívoco do documento n.º 1 junto com a contestação da apelante.
Não se mostra, em face do referido, que a decisão recorrida tenha errado neste particular.
2.º O controlo sobre a legalidade dos autos cabe ao agente de execução titular dos mesmos.
Também aqui não tem razão a apelante.
De facto, conforme bem referiram os apelados, cabendo à apelante a realização dos atos de penhora de bens móveis e de citação dos executados nos autos de processo n.º …/…, para o que foi cabalmente delegada, a apelante tinha, pelo menos, acesso ao requerimento executivo e aos documentos que o acompanhavam (cfr. artigo 726.º, n.º 8, do CPC), elementos necessários para a efetivação da citação.
Mas, por outro lado, cabia à apelante, igualmente, assegurar que os atos em questão decorreriam no respeito pela lei e pelo Direito, devendo, nomeadamente, verificar se o título executivo autorizava a penhora que se pretendia levar a efeito, bem como, se os bens que penhorava pertenciam aos executados, se a morada onde fazia a penhora dos bens móveis pertencia aos executados, sendo que, em caso de dúvida, dever-se-ia abster de realizar a penhora, sem que tais dúvidas fossem dissipadas o que, contudo, a apelante não fez.
Parece-nos, de facto, que o elementar zelo e diligência aconselhariam a uma análise do requerimento executivo e do título onde o mesmo assentava, de forma a verificar se os atos delegados se encontravam juridicamente enquadrados e em harmonia com a lei.
A realização da penhora efetuada de forma acrítica e imponderada, não observou o cumprimento de tais deveres que à apelante cabiam observar.
E, se é certo que, a existência da delegação não inibiria o delegante de responsabilidade pela prática dos atos delegados, nem por isso, a delegada, a ora recorrente, deixa de ser responsável pelos atos que, no exercício da sua função profissional, levou a efeito.
O 2.º “erro” assinalado pela recorrente à decisão recorrida é, pois, também improcedente.
3.º A ré não tem acesso a toda a tramitação processual, apenas acessível ao agente de execução titular dos autos e ao tribunal, desconhecendo a ré – e não podia conhecer – se o agente de execução titular havia suscitado a intervenção do tribunal nos termos do disposto no artigo 855.º do CPC.
Ora, estabelece o n.º 1 do artigo 855.º do CPC que, ao agente de execução designado, são remetidos por via eletrónica e sem precedência de despacho judicial, o requerimento executivo e os documentos que o acompanham, com indicação do número único do processo.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, o agente de execução tem o dever de recusar o requerimento executivo, nos mesmos termos em que a secretaria o pode recusar, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 725.º do CPC e, não havendo motivo para recusa, “o agente de execução deve ponderar, no entanto, se ocorrem causas de indeferimento (art.º 726.º, n.º 2) ou de aperfeiçoamento do requerimento executivo (art.º 726.º, n.º 4), hipóteses em que suscitará a intervenção do juiz, nos termos do art.º 723.º, n.º 1, al. d)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 282).
A consulta eletrónica dos processos é disciplinada nos termos do artigo 27.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, não obviando esse regime à consulta dos autos por agente de execução delegado, sendo certo que, sempre poderá este, no caso de não se encontrar associado ao processo para que foi delegado, solicitar a respetiva associação para consulta dos autos.
Por outro lado, conforme se salientou, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. c) e do artigo 4.º do referido Regulamento n.º 435/2009, ao agente de execução delegado é remetido o processo via sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, acompanhado de relatório elaborado pelo delegante e aí são registadas as delegações.
Verifica-se, pois, que o argumento invocado pela recorrente para se isentar de responsabilidade, não é procedente, pois, sempre o acesso ao processo poderia ser conseguido pela recorrente, caso a mesma tivesse, com diligência e zelo, providenciado por tal finalidade.
Não se comprova o 3.º “erro” invocado pela apelante.
E, quanto ao mais referido a respeito da responsabilidade da apelante, a decisão recorrida não merece alguma censura.
Com efeito, é patente dos factos apurados que a esfera jurídica patrimonial dos autores FL e ML, o respetivo direito de propriedade sobre os bens penhorados foi indevidamente atingido.
De facto, os mencionados autores não eram executados no aludido processo executivo, tendo sido atingidos bens desses autores, pelo ato de penhora levado a efeito sob a égide da apelante, sem que ocorresse alguma das situações legalmente admissíveis (cfr. artigo 818.º do CC) para ter lugar a penhora de tais bens.
Por outro lado, quanto ao autor BP, veio a execução a ser declara extinta, considerando-se que, analisado o título executivo -dois cheques emitidos/passados por BP, Unipessoal, Lda. – o mencionado BP aí não figurava como devedor, considerando-se ainda que, de acordo com o disposto no artigo 53.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, cabendo ao agente de execução, como se viu, a aferição da existência de tais pressupostos, previamente à concretização da penhora, o que, no caso, não ocorreu.
Por fim, o Tribunal recorrido apreciou – e de forma inteiramente adequada – a compatibilidade do ato de penhora levado a efeito pela apelante e o prescrito no artigo 737.º, n.º 3, do CPC:
“Estabelece o artigo 737.º, n.º 3 do Código de Processo Civil que estão ainda isentos de penhora os bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado, salvo quando se trate de execução destinada ao pagamento do preço da respetiva aquisição ou do custo da sua reparação.
No presente caso, constata-se que pela R. LS foram penhorados os seguintes bens: sofás, candeeiros, mesa e cadeiras de madeira, uma máquina de lavar loiça e uma máquina de lavar roupa, uma cómoda de madeira, um guarda-fatos, estrutura de cama e duas mesinhas de cabeceira. Salienta-se, ainda, terem sido penhoradas (e removidas para a sede do exequente) quatro portas interiores, no valor de € 30,00. Resultou apurado que estas portas, além do mais, eram da casa de banho e do quarto de casal.
Todos estes bens constituem, no entendimento deste Tribunal, bens imprescindíveis à economia doméstica valorada aos dias de hoje e com recurso a um padrão mínimo de dignidade social. Entendemos até manifestamente desproporcional e atentatório da dignidade humana a penhora e remoção as portas do interior da residência, tanto mais que lhes foi atribuído o valor de €30,00.
De modo que, tendo os bens penhorados sido adquiridos pelos AA. FL e ML, terceiros face à execução em causa, a conduta da R. LS é [i]lícita. Como sempre o seria, caso os bens fossem propriedade do executado BP, ante que ficou dito (falta de legitimidade passiva).”
Conforme sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 103), “[o] n.º 3 estabelece a isenção de penhora dos bens que se encontrem na casa de habitação efetiva do executado e que sejam imprescindíveis a qualquer economia doméstica, a não ser que a execução se destine ao pagamento do preço da aquisição ou do custo da reparação. Estamos perante conceito indeterminado cuja integração está naturalmente sujeita à modificação dos padrões sociais, em função das circunstâncias ou da evolução dos costumes (…). O carácter “imprescindível” deve ser aferido através do que seja essencial para assegurar os direitos fundamentais do executado e do respetivo agregado familiar e que seja conexo, designadamente, com a saúde, proteção ou mesmo a comunicação (…). A título meramente exemplificativo: o fogão, frigorífico, máquina de lavar roupa, mesa da cozinha ou sala de jantar e respetivas cadeiras, cómoda onde se guardam as roupas, telemóvel, peças de vestuário, roupas de cama, roupeiros, utensílios de cozinha e móveis onde os mesmos estão guardados (…). Em qualquer caso, a maior ou menor amplitude da penhora deve ser temperada pelo princípio da proporcionalidade, embora se afigure que a aplicação deste filtro se ajusta mais às funções jurisdicionais (art.º 784.º) do que às do agente de execução. De todo o modo, sempre que se suscitem dúvidas objetivas a tal respeito, o agente de execução deverá colocar a questão ao juiz do processo, nos termos do art.º 723.º, n.º 1, al. d)”.
Ora, conforme resulta do facto provado em G, o auto de penhora concretizou-se sobre os seguintes bens:
“Verba 1 – Um conjunto de sofás, em napa, cor castanha, sendo um de 3 lugares e dois de 1 lugar, em estado usado, valor 500,00 €;
Verba 2 – Um lote composto por: 1 candeeiro de pé alto; 2 candeeiros de pé curto com abajur; tudo em estado usado, valor 80,00€;
Verba 3 – Uma ventoinha em torre, cor cinza, de marca Rowenta, em estado usado, valor 20,00€;
Verba 4 – Um lote composto por: 5 cadeiras, estrutura em madeira e tampo em tecido, 1 mesa de centro quadrado, em madeira, medidas 1,55x0,50, tudo em estado usado, valor 145,00 €;
Verba 5 – Um lote composto por: 1 televisor marca Samsung, 1 CD TV de 50 polegadas; 1 máquina de café Expresso CAP MATIC Termozeta, cor cinza; 1 microondas de marca Becken Easy Cook Plus; 1 máquina de lavar loiça de marca Bosch Electronic de cor branca; 1 máquina de lavar roupa de marca Bosch MAXX 7 Perfect, de cor branca; tudo em estado usado, valor 800,00€;
Verba 6 – Um computador composto por ecrã da marca HP, cor preta, teclado CKP, rato Logitech; CPU HP, 2 colunas Logitech e 1 câmara sem marca visível, tudo em estado usado; valor 180,00€;
Verba 7 – Uma aparelhagem de som da marca Panasonic, CD Stereo System SA PM3, valor 30,00€;
Verba 8 – Um DVD EMAX, de cor cinza em estado usado, valor 50,00€;
Verba 9 – Um lote de 4 portas de madeira, sendo uma com vidro de cor branca, valor 30,00€;
Verba 10 – Um cadeirão em tecido veludo cor bordeaux, em estado usado, valor 100,00€;
Verba 11 – Uma televisão LCD, da marca TOSHIBA de 19 polegadas, em cor preta, valor 100,00€;
Verba 12 – Uma cómoda de madeira com 1,11x0,47 com 4 gavetas, em cor pinho, valor 80,00€;
Verba 13 – Um lote composto por 2 berbequins de bateria com os respectivos carregadores, sendo um de marca Roby e outro SKTLI; 1 compressor “fini Tiger”, cor vermelha, de 30 litros; valor 110,00€;
Verba 14 – Um armário guarda-fatos com 1,87x2,00, em madeira com 3 gavetas e 4 portas; duas mesinhas de cabeceira em madeira, com 3 gavetas; uma cama de casal, sendo apenas a estrutura da mesma e com exclusão do colchão, em madeira; um espelho; valor 485,00€ (…)”.
Os aludidos bens são de considerar “imprescindíveis” a qualquer economia doméstica, pelo que, a realização da penhora, incidindo sobre tais bens, se mostra manifestamente desproporcionada e indevida, contrariando as disposições legais aplicáveis.
Para além da ilicitude, a decisão recorrida julgou comprovados os demais pressupostos de responsabilidade civil da ré LS, de harmonia com o previsto no artigo 483.º do CC.
E, em particular, sobre a culpa do agente, na decisão recorrida teceram-se as seguintes considerações, que se mostram corretas, demandando da apelante um comportamento diverso do ocorrido e que demonstram a conduta culposa da apelante:
“(…) No presente caso, resultou apurado que a R. LS não podia desconhecer que a execução tinha como títulos dois cheques emitidos por uma sociedade, também executada nos autos – BP Unipessoal, Lda., sendo inequívoco que o A. BP, enquanto pessoa individual, não figurava nestes dois títulos.
Da referida factualidade é possível concluir que a mesma actuou com desleixo e incúria, já que, se tivesse analisado o título executivo, imediatamente apreendia que o executado, ora A. BP, não figurava no mesmo e que, atento o que dispõe o artigo 53.º do Código de Processo Civil, não era parte legítima na acção executiva. Como também, pela natureza dos bens penhorados, constataria que parte substancial eram imprescindíveis à economia doméstica.
E nem se argumente que a R. LS viu lhe serem delegados unicamente os actos de penhora e citação, pelo agente de execução anteriormente nomeado no processo de execução em causa, já que tal circunstância não a desonera de averiguar da conformidade e regularidade dos actos por si realizados, enquanto profissional do foro. A mesma argumentação vale para a existência de um despacho judicial prévio que autorizou o recurso ao arrombamento e ao auxílio da força policial.
Agiu a R. LS, por isso e pelo menos, com negligência inconsciente. (…)”.
Apurada a responsabilidade civil da apelante, a decisão recorrida condenou-a no pagamento aos autores dos seguintes valores:
- €13.720,16, a pagar aos autores FL e ML, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento, por indemnização de danos patrimoniais; e
- €9.000,00, a cada um dos autores FL e ML e €3.000,00 ao autor BP, quantias acrescidas de juros de mora, calculados à taxa de 4% desde a data da prolação da decisão recorrida, até efetivo e integral pagamento.
As demais considerações expendidas na decisão recorrida, a respeito da quantificação da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais fixados, bem como dos termos de contabilização dos juros moratórios estabelecidos, não merecem alguma censura, por se adequarem, quantitativamente, aos critérios legais que decorrem dos artigos 562.º, 564.º, n.º 1, 566.º, n.º 1, 494.º e 496.º, n.º 3, do CC e satisfazerem, de forma adequada e justa, os danos verificados na esfera jurídica dos autores.

Podem sintetizar-se as precedentes considerações nas seguintes proposições principais:
- O agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar, devendo ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres estatutários, legais, regulamentares e que os usos, costumes e tradições profissionais lhe imponham, estando obrigado a pugnar pela boa aplicação do direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão (cfr. artigos 121.º, 124.º e 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro);
- O agente de execução caso atue dolosa ou negligentemente, causando danos (patrimoniais ou morais), incorrerá em responsabilidade civil, nos termos gerais, quando se encontrem preenchidos todos os requisitos do artigo 483.º do CC;
- Nos termos do artigo 855.º do CPC compete ao agente de execução receber o requerimento executivo, prosseguindo para a realização de diligências prévias à penhora, caso não o rejeite nem tenha dúvidas que haja se suscitar ao juiz, e competindo-lhe, de acordo com o artigo 719.º, n.º 1, do CPC, efetuar as diligências de penhora, mas devendo usar de especial cuidado e humanidade em situações de natureza mais sensível, nomeadamente aquelas que envolvam penhoras e, em especial, quando esteja em causa a casa de habitação efetiva do penhorado ou da sua família ou se verifique a presença de menores (cfr. artigo 23.º, n.º 3, do Código Deontológico dos Solicitadores e dos Agentes de Execução);
- Nos termos do artigo 177.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, o agente de execução pode delegar noutro agente de execução (ou em sociedade de agentes de execução) a competência para a prática de atos num processo, podendo as delegações ter feição total (para a prática de todos os atos) ou parcial (apenas para a prática de determinados atos), sendo que, ao agente de execução delegado é remetido o processo via sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução, acompanhado de relatório elaborado pelo delegante, sendo que, na delegação de competências para a prática de determinados atos, deve ser especificado o ato ou atos delegados, mantendo-se o agente de execução delegante responsável a título solidário com o delegado (cfr. artigos 2.º, n.ºs. 1, al. c) e 2, do então vigente Regulamento n.º 435/2009, DR, 2.ª série, n.º 216, de 6 de novembro de 2009, p. 45418 e ss.); e
- Tendo à agente de execução sido delegada a prática dos atos de penhora de bens móveis e de citação dos executados, tendo acesso ao requerimento executivo e aos documentos que o acompanhavam, deveria a mesma verificar se o título executivo autorizava a penhora dos bens móveis que se pretendia levar a efeito, se os executados figuravam no título executivo como devedores, bem como, se a morada onde iria efetuar a penhora respeitava aos executados, assim como, se os bens penhorados eram de sua pertença, sendo que, em caso de dúvida, dever-se-ia abster de realizar a penhora, sem que tais dúvidas fossem dissipadas, pelo que, é ilícita e culposa – e geradora de indemnização – a conduta da agente de execução que vem a concretizar a penhora sobre bens de terceiros, sem que ocorresse alguma das situações em que tal era admissível (cfr. artigo 818.º do CC) e sem verificar que o título executivo não respeitava à pessoa dos executados (quanto ao ora 3.º autor) ou àqueles a quem pertenciam os bens que foram objeto de penhora (quanto aos ora 1.º e 2.º autores).
Em face de tudo o referido, inexiste motivo para a revogação da decisão recorrida.
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Em conformidade com o exposto, haverá que julgar improcedente a apelação, com manutenção, na íntegra, da decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre a ré/apelante, que decaiu, para este efeito, integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Custas da apelação pela ré/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 24 de novembro de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva