ALTERAÇÃO DA MEDIDA DE COAÇÃO
OPHVE
INCUMPRIMENTO DA MEDIDA DE COAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Sumário

I-Quando o arguido indiciado por um crime de violência doméstica e sujeito à medida de coação de OPHVE , mesmo assim continuou a mandar mensagens à ofendida tendo também entrado no raio de exclusão fixado para a vigilância electrónica, verificando-se ainda que nem sempre andava com o aparelho eletrónico em condições de poder ser fiscalizado, conforme resulta dos relatórios de incumprimento que foram sendo remetidos aos autos, conclui-se que este ostensivamente persistiu na sua conduta, violando a zona de exclusão fixa relativa ao trabalho da ofendida, não carregando o equipamento e não se fazendo transportar da unidade que o localiza no espaço através de sinal de GPS, tem inviabilizado a correta monitorização da medida de coação colocando em risco a segurança da ofendida;
II-Logo, a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, através de vigilância eletrónica, prevista no artigo 201.° do CPP não seria adequada nem suficiente para garantir que o arguido não persistisse na sua atuação criminosa, uma vez que, tendo em atenção os factos indiciados no processo e as regras da experiência, seria de prever, com elevada probabilidade, que o arguido persistisse nas suas condutas criminosas, continuando a atemorizar a vítima, o que fez até sendo adequado e proporcional acautelando a continuação da actividade criminosa a alteração da medida de coação anterior substituindo-a pela medida de coação de prisão preventiva.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

A) Relatório:
1) No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais, Juiz 3, nos autos de Processo Comum Singular, com o n.º 712/21.5T9VFX, após a realização de interrogatório judicial no dia 29/07/2022, foi proferido um despacho, onde se decidiu que o arguido AA aguardaria os ulteriores termos do processo sujeito à medida coativa de prisão preventiva, ao abrigo do disposto no artigo  202.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal.
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2) Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
I — A prisão preventiva tem natureza excecional, nunca devendo ser utilizada como forma de punir.
II — No despacho recorrido não foi considerada a possibilidade de aplicação de medida menos gravosa impeditiva da continuação da atividade criminosa.
III— O despacho recorrido tece mais pré-juízos de valor a respeito do futuro conhecimento do mérito da causa do que propriamente da questão em concreto da manutenção, cessação e /ou substituição da medida cautelar.
IV — A medida de coação “obrigação de permanência na habitação” sujeita a vigilância eletrónica mostra-se adequada e suficiente, atento o bem jurídico em causa.
VI — Foram violados os artigos 18° n° 2 e art. 28° n° 2 da Constituição da República Portuguesa e art. 193° e art. 204° do Código de Processo Penal.
VII — Devia ter sido aplicado o art. 201° do CPP, com o que seria respeitado o n° 2 do art. 18° da Constituição da República Portuguesa.
VIII — O que se requer a esse Venerando Tribunal.
IX — Face à matéria ora alegada deverá o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, salvo o devido respeito por opinião diversa, naufragar a decisão ora recorrida, determinando assim pela aplicação ao arguido da medida de coação “obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância eletrónica”.
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3) Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Púbico respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e confirmação do Despacho recorrido, concluindo que:
1.  Os autos permitem, desde já, indiciar fortemente que o arguido praticou, na pessoa da ofendida, factos suscetíveis de consubstanciar, para além do mais, a prática de um crime de violência doméstica agravado, previsto pelo artigo 152.º/1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código Penal e punido com pena de dois a cinco anos de prisão.
2.  Da leitura atenta da decisão recorrida resulta que a aplicação da medida de coação de prisão preventiva respeitou os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, que devem reger a aplicação das medidas de coação, sendo a única que impediria, tendo em vista a personalidade perigosa do Arguido, as suas condições pessoais, familiares e económicas, a prática de novos crimes de violência doméstica contra a vítima.
3.  As medidas de coação só podem ser aplicadas para proteger os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para a respetiva proteção.
4.  A regra fundamental constitucionalmente consagrada é a da liberdade, devendo as respetivas limitações ou restrições encontrarem-se devidamente justificadas.
5.  É manifesto que o douto Tribunal a quo não violou o artigo 28.º/2 da Constituição da República Portuguesa, quando aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva uma vez que, não obstante tal medida ter natureza excecional, in casu, não poderia ter sido aplicada outra medida de coação mais favorável.
6.  A medida de coação de obrigação de permanência na habitação, através de vigilância eletrónica, prevista no artigo 201.° do CPP não seria adequada nem suficiente para garantir que o Arguido não persistisse na sua atuação criminosa, uma vez que, tendo em atenção os factos indiciados no processo e as regras da experiência, seria de prever, com elevada probabilidade, que o Arguido persistisse nas suas condutas criminosas, continuando a atemorizar a vítima, o que fez até ser sujeito à medida de coação de prisão preventiva.
7.  A decisão recorrida deve ser mantida, na medida em que a aplicação da medida de coação de prisão preventiva é necessária, adequada e proporcional às exigências do caso concreto, improcedendo in totum o recurso interposto pelo Arguido.
8.  O Tribunal a giro decidiu corretamente o estatuto coativo do arguido aplicando os normativos legais ao caso concreto. fazendo justiça da forma que considerou mais adequada e justa.
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4) Notificada do requerimento de interposição de recurso, a assistente também respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e confirmação do Despacho recorrido, concluindo que:
- Por tudo o que foi dito é forçoso concluir que a medida de coação de prisão preventiva é a única capaz de acautelar os perigos que se verificam na presente situação, sendo por isso necessária, adequada e proporcional às exigências cautelares que no caso concreto se impõem, em estrito respeito pelas exigências plasmadas no artigo 193.º, n.º 2 do Código de Processo Penal;
- Bem andou, por conseguinte, o Meritíssimo Juiz, ao aplicar a medida de coação de prisão preventiva no douto despacho recorrido que não merece agravo ou reparo.
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5) O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ex.mo Senhor Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.
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6) Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.
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7) Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B) Fundamentação:
1. Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, face ao disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal). O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28.12.1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11.7.2019, in www.dgsi.pt; de 25.06.1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28.04.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193.
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2. No caso dos autos face às conclusões da motivação apresentadas pelo arguido, a questão a decidir é a seguinte:
- Se deve ser revogado o despacho recorrido que aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, porque a mesma é excessiva, revelando-se suficiente medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE).
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3. O Despacho recorrido:
Naquilo em que o mesmo releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do despacho impugnado:
(…)
Encontram-se fortemente indiciados os seguintes factos:
O arguido AA e a ofendida BB mantiveram uma relação amorosa desde 13/12/2019, até 05/10/2020.
Durante tal período de tempo, o arguido visitava a ofendida na residência desta, sita na Avenida ……………………… Parede, chegando mesmo a ali pernoitar.
Desde aquela última data supramencionada, o arguido — não aceitando o fim da relação — ligou por diversas vezes para o telemóvel da ofendida, enviando-lhe várias mensagens, através da aplicação WhatsApp e via correio electrónico, deslocou-se até à sua residência e local de trabalho, esperando-a na porta de saída ou no parque de estacionamento deste último, tendo ainda aguardado e abordado a ofendida em vários locais que ela habitualmente frequenta.
Nos termos já acima expostos e mais concretamente, o arguido enviou à ofendida, via WhatsApp, as seguintes mensagens:
No dia 11 de Outubro de 2020, pelas 16h43m «(...) garanto-te que ou falas comigo como uma mulher ou no domingo vais ter sérios problemas à porta do 2(...)»;
Ainda nesse dia, pelas 18h57m «não vale nada, agora estou à espera morro ou mato», e pelas 20h24m, «Vais sofrer filha da puta, vou-te fazer a folha puta de merda».
No dia 30/10/2020, pelas 10h03m «vais ver com quantos paus se faz uma canoa, pensas que fazes o que queres com as pessoas? (...) não te vou dar descanso, foste tu que provocaste e estás habituada a sair impune das merdas que fazes desta estás f.. »;
No dia 14/11/2020, pelas 02h00, «filme, talvez em breve assistas, pode ser de amor ou de acção ou ainda serial killer, nunca se sabe tudo isso depende da actriz. O actor aqui é o que segue as directrizes da actriz, ela é que decide o tema do filme e o fim do mesmo»; Ainda nesse dia, pelas 02h40m, «(...) eu vou certificar me que não te esquece nem que seja a última coisa que faço na puta da minha vida (...)», e pelas 16h32m, «a partir de hoje, onde te encontrar vais cair de tromba no chão, nem vais ter coragem de aparecer seja onde for, não vales nada (...)»;
No dia 19/11/2020, pelas 02h09 «(...) tás fodida, daqui a uma hora no máximo estou aí»;
No dia 25/11/2020, pelas 15h43m «já me chamaste maluco, nunca me queiras ver completamente maluco (descontrolado);
Ainda nesse dia, pelas 23h00, «de uma coisa eu vou certificar-me, tu nunca vais ter vontade de brincar com ninguém quando isto tudo acabar»;
No dia 18/01/2021, pelas 21h30m, «vais ter o ma(ior) dissabor da tua vida, vou deixar de respeitar tudo o que respeito até hoje, não tenho medo de nada nem de ninguém, vê se percebes isso de uma vez, vais ter uma vida de merda, ainda para saberes»;
No dia 26/01/2021, pelas 13h18, «lembraste da Bósnia Hergsovina? Aqui é ou vai ser só uma amostra»;
Por outro lado, o arguido enviou para o endereço de correio electrónico da ofendida BB as seguintes mensagens:
No dia 08/12/2020, pelas 00h39m, «a nossa vida nunca mais vai ser igual, com isto tudo, nunca mais vamos andar à vontade ou descontraídos, não achas?»;
Ainda nesse dia, pelas 01h49m, «vou aparecer quando menos esperas, onde menos esperas para falarmos, não me apetece nada ter que fazer alguma coisa, já me começas a enervar com tua postura, isso foi o teu mal pensar que eu não penso, só penso como como sou um estratega, até já pensei de mais, isso não augura nada de bom a quem me subestima, quando for a hora certa o lobo aparece, lembra-te»;
No dia 10/04/2021, pelas 06h30m, «se te apanhar com alguns dos filhos da puta com quem costumas falar na face ou noutra rede social qualquer ou até no 2, já sabes, não preciso de dizer mais nada»»;
No dia 13/04/2021, pelas 01h31m, «(...) és muito bonita, mas vê lá se não queres ficar feia. Não te estiques muito, estás na mira»;
Ainda nesse dia, pelas 02h02m, «uma coisa está garantida, nunca mais vais ter a vida que tinhas», «és uma merda de gente e essas pessoas devem ser abolidas do planeta».
No dia 09/05/2021, pelas 08h41, «porta-te bem, não te esqueças que o mundo é pequeno»;
No mais, no dia 28/05/2020, pelas 22h00, no interior da residência acima mencionada, e na sequência de uma discussão entre ambos, o arguido dirigiu-se até ao quarto da ofendida, atirou-a para cima da cama e colocou o joelho na barriga desta, pressionando-a e impedindo que aquela se levantasse; tendo apenas parado com o que estava a fazer quando o filho de BB, …………. ………………………., entrou no quarto, se interpôs entre ambos, afastando o arguido de cima da sua mãe, e permitindo que a mesma se libertasse.
Como consequência directa da conduta do arguido, a ofendida sentiu dores nas zonas atingidas, não tendo necessitado, no entanto, de tratamento hospitalar.
No dia 23/10/2020, pelas 19h00, o arguido AA dirigiu-se até ao local de trabalho da ofendida, aguardando-a junto à porta de saída, seguindo-a até ao seu automóvel.
No dia 03/11/2020, em hora não concretamente apurada, mas anterior às 09h00, o arguido AA, de forma não concretamente apurada, entrou no quintal da residência da ofendida- que é vedado em toda a sua extensão e área — e colocou no para-brisas do automóvel de BB, um envelope que continha no seu interior uma pulseira de sua pertença e que, até então, tinha estado na posse do arguido.
Ainda neste dia, pelas 09h50m, o arguido esperou a ofendida no parque de estacionamento do seu local de trabalho, seguindo-a despois até à porta de entrada deste.
No dia 05/11/2020, em hora não concretamente apurada, mas anterior às 09h00, o arguido voltou a entrar no já referido quintal da residência da ofendida e deixou no vidro exterior do veículo de BB um papel com as palavras «EU AMO-TE Mas...!»
No dia 13/11/2020, pelas 19h30m, o arguido aguardou junto à porta de saída do local de trabalho da ofendida, a «………………….», sita na Rua ……………….., em Lisboa, e seguiu-a até ao seu veículo.
Ainda nesse dia, pelas 21h00m, o arguido deslocou-se até à residência da ofendida e, de forma não concretamente apurada, entrou no já mencionado quintal, onde estava estacionado o veículo daquela, da marca …………., com a matrícula …………, e desferiu várias pancadas no mesmo, causando amolgadelas e partindo vários vidros, provocando estragos no valor de 1451,00€.
No dia 01/05/2021, pelas 00h30m, o arguido deslocou-se de automóvel até à residência da ofendida.
Ali chegado, o arguido começou a buzinar sem parar e, ao ver que a ofendida tinha vindo à janela, gritou para a mesma «abre a janela anda cá, vamos falar».
Nessa mesma altura, AA saiu do automóvel que conduzia, dirigiu-se à vedação do quintal da residência da ofendida e, após, ter dado vários pontapés na mesma, atravessou a mesma e dirigiu-se para junto do automóvel, desferindo várias pancadas no capot, causando estragos de valor não concretamente apurado.
No dia 03/05/2021, pelas 19h30m, AA dirigiu-se até ao estacionamento do local de trabalho da ofendida, a «………..», sita na Rua ………………, em Lisboa, aguardando que a mesma saísse e abordando-a de seguida, dizendo-lhe «Lena falas comigo se faz favor, temos que falar».
Face à conduta do arguido, a ofendida viu-se obrigada a pedir aos seus colegas de trabalho que a acompanhassem até ao seu veículo, por recear que o mesmo continuasse a segui-la.
Ainda nesse dia, pelas 22h45m, o arguido AA deslocou-se até à residência de BB, tocou à campainha, dirigiu-se até à janela da cozinha, onde aquela se encontrava, e disse-lhe «estás a chamar a polícia, abre a janela».
De seguida, o arguido colocou uma das mãos atrás das costas, fingindo que iria tirar um objecto que ali trazia escondido.
No dia 28/05/2021, pelas 14h30m, deslocou-se ao local de trabalho da sua antiga companheira, já acima melhor referido, identificando-se na recepção como seu ex-companheiro e solicitando falar com o chefe da ofendida.
Ainda nesse dia, pelas 22h15m, quando apenas se encontrava na residência o pai da ofendida, o mesmo contactou-a, uma vez que o ofendido andava a rondar a habitação.
Já pelas 23h30m, o arguido começou a tocar à campainha da residência da ofendida, julgando que a mesma se encontrava em casa.
No dia 29/05/2021, pelas 02h20nn, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida e arremessou vários objectos contra a janela do quarto daquela, tendo igualmente ficado a tocar à campainha, julgando que BB se encontrava em casa e querendo assim incomodá-la no seu sono e descanso, bem como amedrontá-la.
No dia 15/06/2021, pelas 04h48m, o arguido enviou à ofendida, a partir do seu endereço de correio electrónico ....................@gmail.com, a seguinte mensagem «os velhos querem a tua morada para te fazer a folha, agora queixa-te ao tribunal».
No dia 17/06/2021, em sede de primeiro interrogatório judicial, o arguido foi sujeito —para além do TIR já prestado — às seguintes medidas de coacção: proibição de se aproximar e de frequentar a residência e local de trabalho da ofendida; proibição de contactar, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, com a vítima BB.
Não obstante o assim determinado, o arguido não se absteve de continuar a contactar e abordar a ofendida, nomeadamente junto à residência da mesma.
Na verdade, logo no dia 22/06/2021, o arguido enviou à ofendida, através do seu endereço de correio electrónico ...................@gmail.com a seguinte mensagem: pelas 22h40m, «realmente és uma merda de gente».
Porque ainda não me bloqueas te no Gmail?».
No dia 23/06/2021, e usando o mesmo endereço de correio electrónico, o arguido enviou à ofendida, pelas 16h59m, a seguinte mensagem: «Peço desculpa, prova disso, morremos todos ao mesmo tempo, sabes dançar?».
Por sua vez, no dia 26/06/2021, o arguido enviou à ofendida duas mensagens escritas, através do seu endereço de correio electrónico ................@hotmail.com, onde dizia: pelas 00h47m «pensas que é assim que vais lixar a vida ao meu Pai? Com um chorrilho de aldrabices em tribunal? Pode ser que te lixes tu minha menina, as datas e as tuas aldrabices estão todas erradas. Eu não sou o meu Pai, põe-te a pau. O mundo é bem mais pequeno do que julgas, estive a ler o processo e realmente és uma pessoa desprezível, infelizmente só o parvalhão do meu Pai é que não vê isso»; pelas 00h54m «não peço desculpa mas apanhei agora o email, não sabia que ela o podia fazer, também já não há muito a fazer diga-se a bem da verdade, boa sorte».
No dia 02/07/2021, pelas 20h30, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, sita na morada supra, tendo ali permanecido por alguns minutos a cantar junto da janela do seu quarto e já dentro do logradouro da habitação.
Nessa mesma ocasião e já depois de o filho da ofendida ter fechado a janela da marquise, o arguido gritou «põe a cabeça de fora, à filha da puta», tendo abandonado o local de seguida.
Ainda nessa noite, pelas 23h00, o arguido retornou à residência da ofendida e, do exterior, gritou-lhe «és um monstro, filha da puta».
No dia 16/08/2021, pelas 21h03m, o arguido enviou à ofendida, via WhatsApp, a seguinte mensagem «se me acontecer algo morres no dia a seguir».
Face às condutas do arguido, a ofendida sentiu-se triste e humilhada, vivendo com medo constante do que aquele ainda lhe possa fazer, e chegando a temer pela própria vida.
Ao actuar do modo acima descrito, inclusivamente na residência da ofendida, o arguido AA actuou com o propósito concretizado de lesar a saúde física e psíquica da ofendida, ofendendo-a na sua honra e consideração, fazendo com que se sentisse diminuída e humilhada na sua dignidade pessoal.
Mais pretendeu o arguido afectar o seu equilíbrio emocional, perturbá-la psicologicamente, causando-lhe inquietação, medo e angústia, bem sabendo que desse modo lesava a sua liberdade pessoal, o que conseguiu.
Ao desferir várias pancadas no automóvel da ofendida, provocando-lhe várias amolgadelas e importando estragos no valor de 1451,00€, o arguido agiu com o propósito concretizado de impedir a ofendida dc usar o mesmo, nomeadamente para se deslocar para o seu local de trabalho e regressar a casa, e obrigá-la à sua reparação, contra a vontade e em prejuízo daquela.
No âmbito do processo n° 1442/18.0PFLRS, o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado no dia 13/08/2020, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática de um crime de violência doméstica.
Tal condenação não serviu, face ao ora exposto, como suficiente e solene advertência ao arguido, no sentido de o mesmo conformar toda a sua conduta com a normatividade jurídica vigente; nomeadamente no tocante ao respeito pelas pessoas com quem manteve, a certa altura, uma relação amorosa, entretanto terminada.
Em todas as ocasiões, o arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, além de eticamente reprovável, era proibida e punida por lei.
No dia 17.06.2021, na sequência, da emissão de mandados de detenção fora de flagrante delito, o arguido foi apresentado a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicadas, para além do TIR, as medidas de coacção de proibição de contactos por qualquer meio, diretamente ou por interposta pessoa com a vítima e de proibição do arguido se aproximar da residência da vítima ou do local de trabalho desta. Estas proibições foram sujeitas a controlo eletrónico.
No dia 23.08.2021, o arguido não compareceu a interrogatório complementar, tendo sido determinada a emissão de mandados de detenção para assegurar a comparência do arguido no dia 25.08.2021.
No dia 25.08.2021, o arguido compareceu a interrogatório complementar, na sequência da emissão de mandados de detenção, tendo sido advertido solenemente para a necessidade de cumprir as medidas de coacção aplicadas.
No dia 31.08.2021, reportados novos incumprimentos, foi designada data para novo interrogatório complementar.
No dia 21.09.2021, ouvido o arguido, foi novamente advertido para a necessidade de cumprir as medidas de coacçao aplicadas, mantendo-se as mesmas "no pressuposto de que o arguido no prazo de 24 horas colocará os dispositivos electrónicos de controlo, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coacção que lhe foram aplicadas por despacho de 17-06-2021". Foi, igualmente, "advertido de que não poderá nem contactar com a ofendida do modo que resulta indiciado nos autos, ou seja através de mensagens, nem recusar-se novamente a que lhe sejam aplicados os dispositivos de controlo, sob pena de voltando a incorrer neste tipo de condutas poderem as mesmas justificar o agravamento do seu estatuto coactivo, designadamente, a aplicação de prisão preventiva, nos termos previstos pelo art.° 203 n.° 1 e 2, ai. a) do Código Processo Penal.
Foi designado nova data para interrogatório complementar (30.11.2021), à qual o arguido faltou, tendo informado o seu Defensor que estava doente.
Foi designado o dia 09.12.2021, para a realização de novo interrogatório complementar, tendo o arguido faltado. Informou que estava com gripe. Não foi marcada nova data.
A falta do arguido foi justificada.
Após, o arguido continuou a enviar mensagens à vítima e a tentar contactá-la por telefone.
O arguido também entrou no raio de exclusão fixado para a vigilância electrónica e nem sempre andava com o aparelho ligado e em condições de poder ser fiscalizado.
A respeito dos incumprimentos da medida de coacção em execução, teve-se em atenção os relatórios de incidente da DGRSP juntos aos autos nos dias 03.11.2021, 12.11.2021, 29.03.2022, 08.04.2022 e 12.07.2022, os prints juntos a fls. 737 a 742, 775 a 780 e, por fim, o auto da PSP referente ao dia 27.02.2022.
O arguido negou, grosso modo, a prática dos factos descritos no despacho de acusação, dizendo, ao mesmo tempo, que naquela altura andava de cabeça perdida. Ou seja, reconheceu que algo fez de errado.
A respeito do incumprimento das medidas de coacçao aplicadas, desvalorizou os incumprimentos, dizendo que não podia andar sempre com o carregador do equipamento, que por vezes não tinha rede e que não podia pedir ao chefe para fazer outro caminho (mais longo), tendo que entrar no raio de exclusão fixado pelo Tribunal.
A respeito das mensagens que enviou à vítima e das tentativas de contacto telefónico com a mesma, já depois de ter sido solenemente advertido pela segunda vez, referiu que não se lembra de as ter feito, que andava de cabeça perdida.
As declarações do arguido demonstram uma atitude desculpabilizante.
Assim, no que concerne aos factos descritos no despacho de acusação, o arguido não trouxe nada de novo.
Com efeito, o crime de violência doméstica — aquele que neste momento e para efeitos de determinação de medidas de coacção para além do TIR, releva - apresenta, as mais das vezes a dificuldade de prova decorrente de os factos ocorrerem tendencialmente no domínio das relações privadas do agressor e da vitima, longe dos olhares de terceiros, e de, não raras vezes, pelas mais diversas razões, desde a vergonha, ao medo, ao desejo de que seja uma situação isolada e de que a relação ainda possa subsistir, à incapacidade de reagir, a vítima não relate imediatamente os factos, não recorra a serviços hospitalares e esconda até marcas de agressões.
Na ponderação da prova deste tipo de crimes, impende sobre o Tribunal um especial dever de apreciação da postura dos intervenientes processuais no relato dos factos, dos sinais de veracidade e dos sinais de desvio à realidade efetivamente ocorrida.
Se esta afirmação é verdadeira para o julgamento, em que o que se pretende é a descoberta da verdade material, tanto mais há de ser para a fase de inquérito/ aplicação de medida de coacção em que se labora com base em indícios, sustentáculo essencial para aplicação de medida de coação que tutele as exigências cautelares que, em concreto, o caso suscite.
Face ao exposto, mister é concluir, como se adiantou, que não resultam, nesta fase, infirmados os elementos que resultam da demais prova produzida pelo que, com referência a tais meios de prova, resulta, para o Tribunal, a convicção de que se mostra fortemente indiciada a prática, pelo arguido, dos factos descritos supra e, portanto, atenta a sua gravidade, bem patente na forma como continuada da violência verbal e constrangimento físico da vítima observados, fortemente indiciada a prática pelo arguido, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, n°s 1 al. b) e 2 al. a), 4 e 5 do Código Penal e um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212° n° 1 do Código Penal;
A respeito dos incumprimentos da medida de coacção em execução, teve-se em atenção os relatórios de incidente da DGRSP juntos aos autos nos dias 03.11.2021, 12.11.2021, 29.03.2022, 08.04.2022 e 12.07.2022, os prints juntos a fls. 737 a 742, 775 a 780 e, por fim, o auto da PSP referente ao dia 27.02.2022.
Importa, nesta fase, averiguar se o estatuto coactivo do arguido deve ou não ser agravado.
Ao arguido foram aplicadas, para além do TIR, as medidas de coacção de proibição de contactos por qualquer meio, diretamente ou por interposta pessoa com a vitima e de proibição do arguido se aproximar da residência da vítima ou do local de trabalho desta. Estas proibições foram sujeitas a controlo eletrónico.
Nessa altura, considerou-se estarem verificados os perigos de continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito.
Assim, ao enviar mensagens à vítima e ao tentar telefonar-lhe, o arguido incumpriu, de uma forma clara e grosseira, as medidas de coacção aplicadas. Da mesma forma, ao dificultar a fiscalização das medidas de coacção (entrou na zona de exclusão, não levou o equipamento e muitas vezes andava sem bateria), o arguido demonstrou que os perigos concretos subjacentes à aplicação da medida de coacçao em execução não foram devidamente acautelados.
As medidas de coacção em execução revelaram-se, pois, desadequadas.
Por outro lado, se analisarmos o teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos e certidão com refr. Citius n° 11555641 e n°21421036, resulta claro, e inequívoco, que o Arguido foi condenado no proc. n.° 1442/18.0PILRS, o qual corre termos no Juízo local criminal de Loures (J2), pela prática do mesmo tipo legal de crime aqui imputado, a saber, um crime de violência doméstica agravado pp pelo art. 152.° n.° 1 al. b) e n.° 2 al. a) do Código Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa, com regime de prova, por referência a uma outra vítima que não a aqui identificada nos autos.
De referir que a sentença em questão transitou em julgado no dia 13 de Agosto de 2020.
Da conjugação destes elementos resulta que a factualidade constante dos presentes autos pela qual o Arguido é acusado foi praticada no decurso da suspensão da pena mencionada supra, a qual, pelo menos em sede indiciária, não logrou impedir o arguido de praticar novos factos e/ou de o motivar a acatar as orientações da DGRSP no âmbito do regime de prova em execução na pena em que foi condenado, assim como de conformar o seu comportamento de acordo com a medida de coacção aqui imposta, a saber, proibição total de contactos com a ofendida nestes autos, BB.
Tal constatação retira-se da análise do teor do relatório de (vários) incidentes da DGRSP, a qual conclui não poder assegurar a segurança da ofendida, situação que levou a que fosse realizado segundo interrogatório judicial, para eventual agravamento de medida de coação com advertência das consequências do desrespeito pela medida de coação.
O arguido não acata as orientações da DGRSP, conforme resulta dos incidentes reportados pela DGRSP, pela ofendida e aditamentos.
Foram juntos aos autos, aditamentos, transcrições e relatórios da DGRSP sendo o último de 12.07.2022, com vários incidentes/incumprimentos imputáveis ao Arguido, na fiscalização eletrónica e cessação decorrente de recusa do mesmo que referiu a ocorrência de um acidente de trabalho que o obrigou a deixar os equipamentos de vigilância electrónica em casa.
É assim claro e notório que o Arguido é profundamente indiferente às decisões judiciais, quando insiste em contactar a ofendida, com a natural perturbação desta, recusando colaborar com a execução da medida de coacção aplicada, na execução da vigilância eletrónica, persistindo com telefonemas/contactos, que sabe está proibido, frequentando locais que sabe que a vitima também frequenta e que dista da sua zona de residência (vide aditamento da GNR de Alcabideche. requerimento e informação da assistente que antecedem).
O Tribunal não pode deixar assim de constatar que existe, em concreto, perigo de continuação de atividade criminosa, em face da natureza do crime imputado, assente em relação de intimidade passada que o Arguido insiste em não aceitar, bem como em razão da personalidade deste já alvo de avaliação pericial, acima referida, que faz temer pela prática de atos impulsivos, de violência contra a ofendida.
Aliás, é fácil depreender que o Arguido só cumpre a medida de coacção que lhe foi aplicada quando quer, se assim o entender e do modo que achar conveniente pelo que se encontra preenchido o requisito a que alude o art. 204.° al. c) do Código de Processo Penal.
O Tribunal não pode é, naturalmente, ser indiferente à postura do Arguido assim como ao perigo que a continuação da actividade criminosa pode representar para a vida, integridade física e moral da ofendida, liberdade e autodeterminação da sua vida, sendo que, por outro lado, o Arguido já foi por diversas vezes advertido pelos serviços da DGRSP, assim como pelo Tribunal, das consequências dos incidentes e incumprimentos verificados no incumprimento dos deveres impostos pela medida de coacção que lhe foi aplicada, assim como da violação das condições impostas como condição de suspensão de uma pena criminal já aplicada, mostrando-se indiferente a estas questões, como se elas não existissem, nem houvesse que respeitar as determinações do Tribunal.
Foi requerida, pela Defesa, a substituição da medida de coacção em execução pela obrigação de permanência na habitação. No entanto, tendo em atenção os perigos concretos a acautelar, a mesma não é adequada a acautelar os referidos perigos, sempre podendo o arguido continuar a fazer aquilo que tem vindo a fazer— procurar o contacto com a vítima, via telefone.
Face ao exposto, por considerar inadequadas e insuficientes quaisquer outras medidas de coacção a que aludem os arts. 196.° a 201.° do Código de Processo Penal, determina-se a aplicação ao Arguido da medida de coacção de prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 202.° n.° 1 al. b) do Código de Processo Penal, cumulativamente com o TIR já prestado, por ser a única adequada a acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa e a efetiva proteção da ofendida.
Notifique.
(…)
*
4. Apreciação do recurso:
A única questão a decidir é a de saber se o despacho recorrido que aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, deve ser revogado porque esta é excessiva, revelando-se suficiente medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE).
Vejamos.
 Decorre do disposto no artigo 191.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que «a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências de processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei». Trata-se, como é sabido, de um corolário do direito à liberdade previsto no artigo 27.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 9.º do Pacto Internacional para a proteção dos direitos civis e políticos.
A aplicação das medidas de coação em concreto, deve obedecer aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, nos termos previstos no artigo 193.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, com referência, também, ao artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa: as medidas de coação devem ser «necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas».  Acresce que nos termos do disposto no artigo 204.º do Código de Processo Penal, nenhuma medida de coação pode ser aplicada, com exceção do termo de identidade e residência, se em concreto não se verificar no momento da aplicação da medida: a) fuga ou perigo de fuga; b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou, c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas».
No caso da aplicação da medida de prisão preventiva, prevista no artigo 202.º do Código de Processo Penal, a mesma tem sempre um caráter excepcional, e pressupõe, ainda, a verificação dos seguintes pressupostos legais específicos: a) a verificação de qualquer um dos perigos indicados no artigo 204.º; b) a inadequação ou insuficiência das demais medidas de coacção; c) a proporcionalidade da medida.
No caso dos autos, o recorrente, nas conclusões da sua motivação de recurso, não questionando os factos dados como indiciados, concentra a sua defesa na substituição da medida de coação aplicada – prisão preventiva - pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal, sujeita a vigilância eletrónica que, segundo alega, se mostra adequada e suficiente, atento o bem jurídico em causa”.
Vejamos:
O Juiz pode impor ao arguido, nos termos do disposto no artigo 201.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a «obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida (…), se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos». Acresce que de acordo com o disposto no artigo 193.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, quando ao caso couber «medida de coação privativa de liberdade, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares”.
No caso dos autos, a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, seria claramente insuficiente para satisfazer as exigências cautelares, como de forma acertada se refere na decisão recorrida, sendo que o único reparo que há a fazer é o de que a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, só peca por tardia. Com efeito, foram aplicadas em sede de primeiro interrogatório realizado em 17/06/2021, as medidas de coacção de proibição de se aproximar e de frequentar a residência e local de trabalho da ofendida, de proibição de a contactar, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, verificaram-se várias violações do cumprimento das obrigações a que estava adstrito. No entanto, como se refere na decisão recorrida, logo no dia 22/06/2021, o arguido enviou à ofendida, através do seu endereço de correio electrónico a mensagem, «realmente és uma merda de gente …porque ainda não me bloqueias no Gmail?», continuando depois a mandar mensagens nos dias 23 e 26 de Junho de 2021, usando o mesmo endereço de correio electrónico escrevendo-lhe, além do mais que “eu não sou o meu Pai, põe-te a pau. O mundo é bem mais pequeno do que julgas, estive a ler o processo e realmente és uma pessoa desprezível, infelizmente só o parvalhão do meu Pai é que não vê isso»; pelas 00h54m «não peço desculpa mas apanhei agora o email, não sabia que ela o podia fazer, também já não há muito a fazer diga-se a bem da verdade, boa sorte (…)”, e assim foi continuando, indiferente ao Tribunal e às obrigações que lhe foram impostas, dirigindo-se depois à residência da ofendida no dia 02/07/2021 e enviando-lhe uma nova mensagem, desta vez via WhatsApp, escrevendo «se me acontecer algo morres no dia a seguir». Acresce que perante tais incumprimentos, foi o arguido novamente ouvido pelo Tribunal nos dias 25/08/2021 (comparecendo apenas depois de terem sido emitidos mandados de detenção para o efeito) e 21/09/2021, tendo sido, mais uma vez, advertido “de que não poderá nem contactar com a ofendida do modo que resulta indiciado nos autos, ou seja através de mensagens, nem recusar-se novamente a que lhe sejam aplicados os dispositivos de controlo, sob pena de voltando a incorrer neste tipo de condutas poderem as mesmas justificar o agravamento do seu estatuto coactivo, designadamente, a aplicação de prisão preventiva, nos termos previstos pelo art.° 203 n.° 1 e 2, ai. a) do Código Processo Penal”. Não obstante estas advertências, incluindo a da possibilidade de aplicação da prisão preventiva, o arguido foi persistindo na sua conduta incumpridora que justificou uma nova convocatória para mais um interrogatório judicial, ao qual nem se dignou comparecer, justificando apenas uma das faltas com o facto de estar com gripe.  
O arguido continuou a mandar mensagens à ofendida sendo que também entrou no raio de exclusão fixado para a vigilância electrónica, verificando-se ainda que nem sempre andava com o aparelho eletrónico em condições de poder ser fiscalizado. Como resulta dos relatórios de incumprimento que foram sendo remetidos aos autos e de que o despacho recorrido faz referência, o arguido persistiu na sua conduta, tendo sido registados “diversos incidentes da mais diversa natureza e que deram origem aos três relatórios já elaborados, alicerçados no comportamento desadequado e ameaça de agressão por parte do arguido, pela utilização incorreta do equipamento e pela sua falta de colaboração” – cf. o relatório datado de 11/07/2022, por nós consultado. Como se concluiu neste relatório, o comportamento reiterado do arguido, violando a zona de exclusão fixa relativa ao trabalho da ofendida, não carregando o equipamento e não se fazendo transportar da unidade que o localiza no espaço através de sinal de GPS, “tem inviabilizado a correta monitorização da medida de coação colocando em risco a segurança da ofendida”.
A tudo acresce que no seu interrogatório judicial que antecedeu a aplicação da prisão preventiva, o condenado manifestou uma atitude “desculpabilizante”, demonstrando “que os perigos concretos subjacentes à aplicação da medida de coacçao em execução não foram devidamente acautelados”, tendo as medidas de coacção em execução se revelado, “desadequadas”, como considerou o Tribunal recorrido. Como também salientou e com razão, o Tribunal, é “claro e notório que o Arguido é profundamente indiferente às decisões judiciais, quando insiste em contactar a ofendida, com a natural perturbação desta, recusando colaborar com a execução da medida de coacção aplicada, na execução da vigilância eletrónica, persistindo com telefonemas/contactos, que sabe está proibido, frequentando locais que sabe que a vitima também frequenta e que dista da sua zona de residência”.
De tudo resulta que o arguido, não obstante ter sido várias vezes advertido, violou as obrigações que lhe foram impostas, por aplicação de medidas de coação, ficando sujeito, assim, à disciplina do artigo 203.º do Código de Processo Penal, nos termos do qual, «em caso de violação das obrigações impostas por aplicação de uma medida de coacção, o juiz, tendo em conta a gravidade do crime imputado e os motivos da violação, pode impor outra ou outras medidas de coacção….», nomeadamente, como foi o caso, a medida de coacção de prisão preventiva – cf. com o n.º 2 do artigo 203.º do Código de Processo Penal.
Cumpre dizer ainda que quanto à adequação e proporcionalidade da medida de coação de prisão preventiva, a mesma decorre da gravidade objetiva da atuação do arguido, atuação esta querida pelo mesmo, sendo que demonstra uma personalidade violenta, sendo certo que a obrigação de permanência na habitação, não impediria o arguido de continuar, como já o fez, a amedrontar a vítima, na medida em que poderia livrar-se da pulseira eletrónica para a abordar, não ficando impedido de enviar mensagens por qualquer via. A este propósito é de salientar que o recorrente não tem razão quando diz que o Tribunal recorrido não considerou “a possibilidade de aplicação de medida menos gravosa impeditiva da continuação da atividade criminosa”, porque no despacho recorrido consta o seguinte: “foi requerida, pela Defesa, a substituição da medida de coacção em execução pela obrigação de permanência na habitação. No entanto, tendo em atenção os perigos concretos a acautelar, a mesma não é adequada a acautelar os referidos perigos, sempre podendo o arguido continuar a fazer aquilo que tem vindo a fazer - procurar o contacto com a vítima, via telefone”.
Acresce que como refere o Ministério Público na resposta ao recurso, também não é de relevar o facto de, alegadamente, o arguido se encontrar integrado profissional e familiarmente, porque tal não o impediu de incumprir culposamente as suas obrigações, sendo certo que se as tivesse cumprido, permaneceria em liberdade a aguardar a realização da audiência de julgamento.
Assim, e pelo exposto, entende-se que a prisão preventiva é a única medida de coação necessária e adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, não tendo o despacho recorrido violado quaisquer preceitos constitucionais ou legais, nomeadamente, os apontados pelo recorrente.
Por último sempre se dirá que, não se verifica qualquer violação dos artigos 18.º, n.º 2 e 28.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa porque a restrição do direito à liberdade do arguido, revelou-se necessária, nos termos supra expostos, para “salvaguardar” o direito, também constitucionalmente consagrado, da integridade moral e física da vítima, previsto no artigo 25.º daquele diploma fundamental, não se mostrando ser possível, em nome da protecção desta, a aplicação de qualquer outra medida de coacção, nos termos constantes da decisão recorrida e acima expostos.
Em suma, face ao acima exposto conclui-se que não merece censura a decisão da 1.ª instância, devendo, por conseguinte, ser negado provimento ao recurso.  
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C) Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem manter o despacho recorrido.
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Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida – artigos 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma.
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Notifique.
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Lisboa, 24 de Novembro de 2022,
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Lima
Micaela Pires Rodrigues