CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
COMPROPRIEDADE
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
USO EXCLUSIVO POR UM DOS CÔNJUGES
CONTRAPARTIDA
PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO DO MÚTUO
Sumário

1. Tratando-se a casa de morada de família de bem que pertence a ambos os cônjuges em compropriedade, e oferecendo-se o requerente em sede de incidente de atribuição de casa de morada de família, nos termos do disposto no art .990º do CPCivil, para proceder ao pagamento da totalidade da prestação devida pela sua aquisição, como contrapartida da atribuição do uso exclusivo da mesma, não deverá decidir-se, desde logo, pela improcedência da acção com fundamento em não ter sido formulada pretensão, que expressamente invoque a constituição de arrendamento, nos termos do art. 1793º do Código Civil, e a  fixação de uma renda a suportar pelo ex-cônjuge beneficiário a favor do outro;
2. Neste tipo de processos, o juiz deverá reger-se por critérios de prudência e bom senso de molde a adoptar a solução mais conveniente para os interesses em causa pelo que, nessas circunstâncias há-de concluir-se, que o valor que excede a sua metade da responsabilidade de pagamento da prestação bancária, trata-se da compensação do outro cônjuge pelo seu uso, devendo considerar-se tal alegação como o valor de renda proposto;
3. Ao Juiz cumprirá sempre a decisão de proceder a diligências que considere necessárias, nos termos do nº3, do art.990º do CPCivil.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
A veio instaurar a presente acção de atribuição de casa de morada de família contra B, alegando, em síntese, estar a residir com os dois filhos na casa de amigos e necessitar da casa para residir.
Entretanto, deu notícia nos autos que se encontra a residir numa casa arrendada na L…., pois não encontrou casa com renda que lhe fosse acessível economicamente, mais perto do seu local de trabalho.
Diz ainda, que a casa de morada de família foi adquirida por si e pelo Réu.
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Foi realizada tentativa de conciliação, não se tendo logrado obter o acordo.
Foi então notificado o Réu nos termos do art.990º do CPC para, no prazo de 10 (dez) dias, querendo, contestar a acção, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art.º 990º do CPC, conjugado com o art.º 293.º do mesmo diploma legal, ex vi do n.º 2 do citado art.º 990.
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Veio o Réu apresentar contestação alegando, em síntese, que a petição inicial é inepta uma vez que num primeiro momento a requerente pretende recuperar a casa e num momento posterior menciona que pretende reaver o dinheiro que investiu na casa, não se mostrando assim interessada em residir na casa.
Em momento nenhum afirma que pretende morar na casa morada de família e que pretende suportar as despesas da mencionada habitação. Pretende ser ressarcida dos valores que pagou, sem dizer quais.
O requerido após a requerente ter saído de casa e ter deixado o país, solicitou neste tribunal, a atribuição da casa morada de família, para evitar ficar sem tecto, se algum dia a requerente voltasse, pois não tem meios de suportar o pagamento de uma renda. No mais impugna o alegado pela requerente.
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Foi proferido então despacho pré-saneador em que se convidou a requerente a apresentar requerimento inicial aperfeiçoado, o que esta fez, por meio de advogado.
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No requerimento de aperfeiçoamento esclareceu que, quando deu início ao processo de atribuição da casa de morada de família, estava a residir em casa de amigos, porém, a situação tornou-se incomportável e a requerente teve que procurar uma casa para residir com os seus filhos, com uma renda comportável, apenas tendo conseguido encontrar na L…, onde paga uma renda de € 300,00/mensais, deslocando-se diariamente para trabalhar, em Q….
Sendo-lhe atribuída a casa de morada de família, a requerente propõe-se pagar o valor da prestação bancária devida pelo empréstimo.
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Veio então a ser proferida sentença que a final decide:
«(…) Nos presentes autos, pretenda a autora que lhe seja atribuída a casa de morada de família, mediante o pagamento pela mesma ao Banco da prestação mensal respeitante ao crédito contraído para sua aquisição.
A pretensão formulada carece de fundamento legal, pois que o direito de utilização da casa de morada de morada de família, após o divórcio, apenas poderá ser protegido e reconhecido no âmbito da acção prevista no art. 990º do CPC, ao abrigo da constituição de um arrendamento sobre a casa de morada de família, nos termos do art. 1793º do Código Civil, com fixação de uma renda a suportar pelo ex-cônjuge beneficiário a favor do outro.
Pelo que o pedido formulado pela requerente carece de fundamento legal, devendo em consequência a acção ser julgada improcedente.
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Pelo exposto, julgo improcedente a acção.
Custas pela autora. »
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Da sentença veio a requerente interpor recurso, concluindo, como segue:
« I. O presente recurso tem como objecto toda a matéria da sentença, proferida em 02.12.2021 e notificada à requerente em 27.12.2021 que julgou improcedente o pedido formulado pela requerente por carecer de fundamento legal.
II. Em 15.07.2020, a recorrente deu entrada de um pedido de atribuição da casa de morada de família.
III. Em suma, pedia ajuda para recuperar a sua casa, alegando que tinha dois filhos menores, um deles filho do requerido, necessitando da casa para voltar a residir com os seus filhos.
IV. Após ter sido notificada para aperfeiçoar a sua PI, uma vez que a mesma não tinha sido apresentada por advogado, sendo igualmente notificada para fazer constar um valor de renda por ser um elemento essencial no entendimento do tribunal a quo.
V. Na PI aperfeiçoada, a requerente informou que estava disposta a pagar a totalidade do empréstimo bancário, devido pela hipoteca do imóvel, que, segundo o requerido, era de € 300,00.
VI. Perante isto, é com surpresa da requerente que o tribunal a quo profere sentença, indeferindo a sua pretensão por falta de fundamento legal, uma vez que a falta de indicação de renda a suportar por si a favor do ex cônjuge, não se enquadra no âmbito da acção prevista no artigo 990.º do CPC.
VII. Discordamos desta posição, já que na própria sentença pode ler-se: “Nos presentes autos pretende a autora que lhe seja atribuída a casa de morada de família mediante o pagamento pela mesma, ao Banco da prestação mensal respeitante ao crédito contraído para a sua aquisição.” E continua: “A pretensão formulada carece de fundamento legal, pois que o direito de utilização da casa de morada de família após o divórcio, apenas poderá ser protegido e reconhecido no âmbito da acção prevista no artigo 990.º do CPC ao abrigo da constituição de um arrendamento sobre a casa de morada de família nos termos do artigo 1793.º do CC com fixação de uma renda a suportar pelo ex cônjuge beneficiário a favor do outro.”
VIII. Desde logo, o pagamento da totalidade do crédito habitação pela requerente, que é da responsabilidade de ambos, já constitui por si só o pagamento de uma renda a favor do ex cônjuge, de montante equivalente a metade da prestação, que no caso em apreço é de € 150,00 atendendo ao descrito pelo requerido em sede de contestação;
IX. Assim, não poderia o tribunal a quo vir afirmar que a requerente não indicou qualquer valor a pagar a título de renda, pois sendo proprietária de metade do imóvel, não recai sobre si a responsabilidade do pagamento da totalidade do crédito e quando se disponibiliza para pagar a totalidade do crédito habitação, estará sempre a constituir um arrendamento de metade do montante da prestação, a favor do requerido.
X. Pelo que entendemos que foi dado cumprimento ao que foi solicitado pelo tribunal a quo no despacho pré saneador, todavia,
XI. Ainda que assim não fosse, o tribunal, na constituição do arrendamento e na determinação das suas condições ao abrigo do disposto no artigo 1793.º, n.º 2 do CC, em particular na fixação da renda, não está vinculado ao valor do imóvel, antes não pode deixar de ter em conta as circunstâncias do caso concreto e a situação das partes, o que se impõe pela natureza do arrendamento em causa, que não pode ser visto como uma relação meramente comercial, mas antes surge num contexto de protecção do cônjuge com uma posição mais frágil e dos filhos do casal, quando existam (Acórdão TRL de 11.03.2021)
XII. A providência de atribuição da casa de morada de família a um dos ex-cônjuges, embora sujeita ao princípio do pedido, tem natureza de jurisdição voluntária, pelo que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes, em consequência do que o ónus de alegação pelos interessados dos factos necessários à decisão da providência, bem como a sua prova, possam ser oficiosamente supridos, podendo também o tribunal decidir o seu mérito por critérios de oportunidade e de conveniência e não por critérios de legalidade estrita.
XIII. Assim, pese embora a recorrente não tenha indicado o valor de renda a pagar em benefício do requerido, ao indicar “(…) que lhe seja atribuída a casa de morada de família mediante o pagamento pela mesma ao Banco da prestação mensal respeitante ao crédito contraído para a sua aquisição.”, deveria o tribunal a quo ter percepcionado metade deste montante como valor de renda indicado pela ora recorrente, pois foi exactamente com esse intuito que o fez.
XIV. Caso não concordasse com esta indicação, caberia ao tribunal a quo fixar outro valor de renda ou ainda definir outras condições do contrato, conforme dispõe o artigo 1793.º do CC.
XV. Estando em causa um pedido de atribuição da casa de morada de família a título definitivo, nos termos do art.º 990.º do CPC, se o tribunal entender que o ex-cônjuge tem necessidade da mesma, ou que tal corresponde ao interesse dos filhos do casal, ouvidas as partes, tem de constituir um arrendamento sobre o imóvel, estabelecendo uma quantia a título de renda, como contrapartida do seu uso exclusivo, conforme previsto no art.º 1793.º do C.Civil.
XVI. O tribunal, na constituição do arrendamento e na determinação das suas condições ao abrigo do disposto no art.º 1793.º n.º 2 do C.Civil, e em particular na fixação da renda, não está vinculado ao valor do imóvel no mercado de arrendamento, antes não pode deixar de ter em conta as circunstâncias do caso concreto e a situação das partes, o que se impõe pela natureza do arrendamento em causa, que não pode ser visto como uma relação meramente comercial, mas antes surge num contexto de proteção do cônjuge com uma posição mais frágil e dos filhos do casal, quando existam.
XVII. De acordo com o art. 990.º, do CPC, o processo de atribuição da casa de morada da família é um processo de jurisdição voluntária (arts. 986.º e ss, do CPC). Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, os critérios de conveniência e de oportunidade prevalecem sobre os de legalidade estrita.
XVIII. Segundo o art. 987.º, do CPC, “nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”. Importa, pois, levar em linha de conta as normas dos arts. 986.º-988.º e 990.º, do CPC.
XIX. Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, sendo apenas admitidas as provas que o juiz considere necessárias (art. 986.º, n.º 2, do CPC); o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (art. 987.º, do CPC); as resoluções estão sujeitas à cláusula rebus sic stantibus (art. 988.º, n.º 1, do CPC);
XX. Podemos assim concluir que, não foram observados os princípios e regras que estão subjacentes aos processos de jurisdição voluntária, e mais grave, o tribunal a quo não se esforçou para compreender, tendo como certo a falta de informação por parte da ora recorrente, o que não corresponde à verdade.
Termos em que deve a sentença recorrida ser substituída por outra, que analise os factos concretos vertidos para os autos e atribua a casa de morada de família ao cônjuge com mais necessidade, tendo em conta os interesses deste e das crianças em causa.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido em 1ª instância, e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
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2. Objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
In casu importa decidir se poderia a Mma. Juiz a quo, julgar improcedente, sem recurso a qualquer diligência de produção de prova, o requerimento de atribuição de casa de morada de família, com fundamento em que a requerente não se referiu ao arrendamento como previsto no art.1793º apenas pedindo que lhe seja atribuída a casa de morada de família, mediante o pagamento pela mesma ao Banco da prestação mensal respeitante ao crédito contraído para sua aquisição.
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3. Fundamentação
3.1. Fundamentação de Facto
Os factos a atender são os factos constantes do relatório deste acórdão.
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3.2. Fundamentação de Direito
Em conformidade com o disposto no art. 1793º do Código Civil, aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do art.990º do CPCivil deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito.
Dispõe o nº 1 de tal preceito que:
«Pode o Tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal. »
Já de acordo com o disposto no nº 2, o arrendamento fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, podendo o tribunal definir as condições do contrato.
Nos presentes autos, pretenda a autora que lhe seja atribuída a casa de morada de família, mediante o pagamento da prestação mensal devida à instituição bancária no âmbito do mútuo contratado para a aquisição do imóvel.
 Em 1ª instância a Mma Juiz a quo julgou improcedente a pretensão  da requerente considerando que o direito de utilização da casa de morada de morada de família, após o divórcio, apenas poderá ser protegido e reconhecido no âmbito da acção prevista no art. 990º do CPC, ao abrigo da constituição de um arrendamento sobre a casa de morada de família, nos termos do art. 1793º do Código Civil, com fixação de uma renda a suportar pelo ex-cônjuge beneficiário a favor do outro.
Não tendo a requerente alegado o montante da renda, o pedido formulado pela requerente carece de fundamento legal, devendo em consequência a acção ser julgada improcedente.
Vejamos se assim é.
Conforme se constata dos autos o primeiro requerimento da requerente foi por si apresentado sem recurso a advogado, não fazendo, dessa sorte, qualquer referência a matéria de direito. Porém, e como se concluiu com acerto, o fundamento substantivo do requerimento apresentado era o previsto no art. 1793º, nº 1, do Código Civil, sendo o fundamento adjectivo, o art. 990º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Não sofre dúvidas, pois, o regime jurídico subjacente, bem como o  pedido: é inequívoco que vem formulada a pretensão de atribuição definitiva da casa de morada de família.
Ora, depois da gorada tentativa de conciliação, a Mma. Juiz a quo, considerando encerrar o requerimento apresentado várias deficiências, notifica a A. para apresentar requerimento inicial aperfeiçoado.
Aponta, entre outros aspectos, a falta de alegação da sua situação económica/patrimonial e profissional; a falta de alegação de que não dispõe de outra casa, própria ou arrendada, onde possa morar; indicação como seu domicílio uma morada em Mem Martins, pertencente a uns amigos, e para efeitos de formulação do pedido de apoio judiciário, indicação de morada distinta.
Mais anotou o tribunal a quo que caso venha a decidir pela atribuição da casa de morada de família à ex-unida de facto, constituindo um arrendamento a favor desta, terão de ser determinadas as condições do arrendamento, devendo a requerente esclarecer qual o valor que se propõe pagar a título de renda – por ser um elemento essencial do contrato de arrendamento.
E cumprimento desse despacho, veio a A.  esclarecer as questões apontadas referindo expressamente que «Sendo-lhe atribuída a casa de morada de família, a requerente propõe-se pagar o valor da prestação bancária devida pelo empréstimo.»
É certo que a requerente não pediu expressamente a constituição de arrendamento referente ao imóvel (trata-se da pretensão que necessariamente deve ser formulada à luz do referido preceito legal) , porém, ao admitir o pagamento do empréstimo sozinha, caso lhe seja atribuído o uso,  admite necessariamente, de forma implícita, a constituição de contrato de arrendamento por decisão judicial.
Dispõe o art. 990º, nº 1, do Código de Processo Civil: “Aquele que pretenda a atribuição da casa de morada de família, nos termos do artigo 1793º do Código Civil, ou a transmissão do direito ao arrendamento, nos termos do art. 1105º do mesmo Código, deduz o seu pedido, indicando os factos com base nos quais entende dever ser-lhe atribuído o direito”.
E que direito(s) pode(m) ser conferido(s) pelo tribunal?
No que aqui importa, e de acordo com a 1ª parte, do nº 1, do art. 1793º, do Código Civil, está prevista a possibilidade de arrendar «(…) a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal».
Da conjugação destas duas normas resulta que qualquer cônjuge ou ex-cônjuge -  na pendência do processo de divórcio (cf. nº 4, do art. 990º) ou já depois de dissolvido o casamento - pode pedir a utilização exclusiva da casa de morada de família, quer a mesma seja comum, quer própria do outro, mediante a constituição de contrato de arrendamento, devendo o tribunal decidir em função da ponderação casuística das necessidades de cada um dos cônjuges ou ex-cônjuges, e dos interesses dos filhos do casal (caso existam), conforme previsto na parte final do nº 1, daquele mesmo preceito legal.
Concluindo-se pela procedência da acção será, então, constituído o arrendamento por decisão judicial, que nos termos do nº 2, do referido art. 1793º “(…) fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, (….)”, podendo, porém, o tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, designadamente sobre aspectos essenciais, como o tempo do arrendamento e a renda.
O art. 990º do Código de Processo Civil está sistematizado no Capítulo I, do Título XV daquele Código, que trata dos processos de jurisdição voluntária. Os processos de jurisdição voluntária caracterizam-se pela liberdade do julgador na investigação dos factos, na aquisição das provas e na recolha de informações que considere essenciais à decisão (art. 986º, nº 2) e na possibilidade de nas providências a tomar não estar sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (art. 987º), sem prejuízo, necessariamente, de a decisão a tomar ter de ser conformar com o objecto do processo.
Neste tipo de processos, o juiz deverá reger-se por critérios de prudência e bom senso de molde a adoptar a solução mais conveniente para os interesses em causa deixando para estrito cumprimento as normas de natureza imperativa que, nomeadamente, fixem os pressupostos processuais ou substantivos da decisão e que impõem a realização de determinados actos processuais ou balizam o leque de medidas a adoptar. Cfr. neste sent. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, Vol. II, pág. 437.
Ora, in casu, é certo não constar quer do requerimento inicial, quer do aperfeiçoado a palavra arrendamento ou renda, porém, de outro modo não se pode entender o pedido de atribuição de casa de morada de família e o oferecido pagamento da totalidade do empréstimo.
Com efeito, não estando em discussão a compropriedade do imóvel, certo é que os encargos relativos ao empréstimo bancário contraído para a sua aquisição, respectivos seguros e despesas de condomínio, deveriam continuar a ser suportados por Recorrente e Recorrido em partes iguais.
 Oferecendo-se a requerida para proceder ao pagamento da totalidade da prestação, em contrapartida da atribuição da casa, há-de concluir-se, que o valor que excede a sua metade, trata-se da compensação do outro cônjuge pelo uso da casa de morada de família. Trata-se de situação em que a  Requerente, para além de suportar a metade que lhe competia nas despesas do imóvel, prestará ao Requerido uma compensação/renda pelo uso exclusivo por ela do imóvel comum.
Ora, tratando-se os presentes autos de processo de jurisdição voluntária, mais se pede ao juiz que aprecie e decida de molde a obter uma solução mais justa no quadro das circunstâncias concretas do caso, não se escudando em formalismos extremos.
Cumpre assim julgar procedente a presente apelação, e, em consequência, revogar a sentença recorrida determinando-se o prosseguimento dos autos nos termos do disposto no art.990º, nº3, do Cód. Processo Civil.
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4. Decisão
Na sequência do que se deixou exposto acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a sentença nestes autos prolatada e em determinar o reenvio do processo à 1ª instância, para que aí se proceda nos termos supra referenciados.
Custas a fixar oportunamente, pela parte vencida a final.
Notifique. 
                                 
LISBOA,29/11/2022
ANA PAULA OLIVENÇA
RUI MANUEL DE OLIVEIRA
TERESA PRAZERES PAIS