PRIVAÇÃO DE USO
DANO INDEMNIZÁVEL
DANO PATRIMONIAL
PROVA DO PREJUÍZO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Sumário

1. Nos termos do art.º 308º do CPC, independentemente do valor indicado na petição inicial e do acordo decorrente da sua não impugnação pelo R., pode o juiz discordar do valor indicado, não o aceitando e procedendo às diligências que entenda por pertinentes com vista à fixação do valor;

2. A simples privação do uso constitui um dano indemnizável, nos termos do art.º 483º do CC, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem;

3. Esse dano patrimonial não depende da prova do prejuízo efectivo, bastando a verificação da privação temporária do uso da coisa, e que, não podendo ser determinado com exactidão, apenas poderá ser indemnizado com recurso à equidade e em conformidade com o disposto no art.º 566º, nº 3, do CC;

4. Relegar para um momento posterior a fixação desse dano não só é um acto inútil, como também viola o disposto no art.º 609º do CPC;

5. A sanção pecuniária compulsória não tem natureza indemnizatória e pode ser fixada independentemente da existência ou não de indemnização, mas se mostra possível em relação às obrigações de facto não fungíveis;

6. A fixação de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe uma violação actual ou iminente da obrigação de prestação de facto a que se refere, não funcionando de forma automática.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. A intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra B e C, pedindo que estes sejam condenados a:
“1. Reconhecer que o A. é dono e legitimo proprietário dos bens descritos no art.º 1 da p.i..
2. Restituir tais bens ao A.
3. pagar uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º 829-A C. Civil, no valor diário de 10€ até à entrega efectiva dos bens referidos no art.º 1.
4. Indemnizar o A. pelos prejuízos que a privação do uso dos referidos bens cause ao A., a liquidar em execução de sentença”.
2. Citados os RR. apresentaram contestação conjunta, na qual arguiram a ilegitimidade do R. C e impugnaram a factualidade alegada na petição inicial.
Mais requereram a condenação do A. como litigante de má fé em multa não inferior a €2.500,00 e indemnização aos RR. não inferior a €2.500,00.
3. Convidado a pronunciar-se sobre a excepção deduzida, pugnou o A. pelo seu indeferimento.
4. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção deduzida e se fixou o objecto do litígio e os temas de prova.
5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no dia 04/05/2021, constando da respectiva acta o seguinte:
“Iniciada a diligência, pelas 14:15 horas, pela Mm. ª Juiz de Direito foi tentada a conciliação das partes. Foi ainda concedida uma pausa para que os mandatários entrassem em conversações com os seus constituintes, o que não se verificou em relação a todo o objecto do litígio.
Contudo, as partes chegam a acordo parcial, nos seguintes termos:
TRANSAÇÃO
(parcial)
1.º Os Réus reconhecem a propriedade dos seguintes bens descritos no art.º 1 da Petição Inicial como sendo do Autor:
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 4.000L;
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 3.500L;
- Duas torneiras em latão;
- Canteiro;
- 2 paus para carregar;
- Cuba de 10.000L (desmontada).
2.º As partes acordam em fixar o dia 11-05-2021, pelas 10 horas, para a retirada e entrega dos bens supra mencionados.
3.º Com a concretização da entrega supra aludida, o Autor deixa de ter interesse no ponto 3 do pedido, quanto a esses bens.
4.º O Autor desde já se compromete a informar o Tribunal, no prazo máximo de 3 dias após a data acordada para a entrega, se a mesma se concretizou.
5.º O Autor renuncia à contabilização dos prejuízos peticionados pelo prazo que mediar entre a data de hoje e a próxima data de julgamento, uma vez que a necessidade deste prazo decorre da entrega dos bens.
6.º O Autor compromete-se a informar o Tribunal, no prazo de 3 dias, sobre a data acordada para a entrega, se a mesma se concretizou em relação a todos os bens objeto da presente transação.
*
Seguidamente, pela Mm. ª Juiz foi proferido a seguinte:
SENTENÇA
"As partes chegaram a acordo em relação a parte do objecto do litígio.
Homologo o acordo a que as partes chegaram, atendendo à qualidade dos intervenientes, e à natureza disponível dos direitos envolvidos, condenando as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, extinguindo-se a instância nessa parte que foi objeto da transação (artigo 277.º, al. d) do CPC).
Registe e notifique.
Em face ao teor do acordo homologado, aguardem os autos por ulterior informação do Autor acerca da concretização da entrega acordada.
Desde já se designa o dia 20-05-2021, às 9 horas para ouvir as 3 testemunhas caso as partes não chegarem, entretanto, a acordo em relação ao demais objecto do litígio."”.
6. Na acta relativa à continuação da audiência de discussão e julgamento (20/05/2021) consta:
“… foram indagados as partes se se havia concretizado a entrega dos objetos, conforme o transacionado na passada diligência.
Cedida a palavra pela Mm.ª Juiz à ilustre mandatária do autor, no uso da mesma declarou (em súmula: concretizou-se a entrega parcial, faltando entregar duas torneiras em latão, que não foram encontradas, e relativamente a uma cuba, procedeu se à sua retirada parcial, uma vez que a mesma estava em estado danificado (gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal).
*
Cedida a palavra pela Mm. ª Juiz ao ilustre mandatário dos réus, no uso da mesma declarou (em súmula: as rés confirmam efetivamente que não foram removidas as torneiras só que clarifica perante o tribunal que as mesmas não foram levantas por opção própria do autor que exigiu aos funcionários da ré a sua localização e que se não fizessem iria recorrer ao tribunal. (gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal).
*
De seguida, a Mm. ª Juiz de Direito, ordenou que se desse início à produção de prova”.
7. Procedeu-se à inquirição de testemunhas, tendo o A. vindo aos autos, a convite do tribunal, esclarecer “que mantém os pedidos formulados, renunciando apenas à entrega parcial da cuba danificada por ser impossível entrega”.
8. Foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:
“Em virtude do exposto, decido:
A. Condenar a ré B a reconhecer que o autor é dono da “Balança Madeira para pesar pipas” e condenar o mesmo a restituir tal bem ao autor A;
B. Condenar a ré B a pagar sanção pecuniária compulsória no valor diário de 10 euros até à entrega da “Balança Madeira para pesar pipas” e das duas torneiras em latão;
C. Condenar a ré B a indemnizar o autor pelos prejuízos, a liquidar (em incidente de liquidação), que a privação do uso dos bens mencionados em II-1 cause ao autor (sem prejuízo do acordado na transação celebrada nos autos e da consideração da declaração efetuada nos autos pelo autor no sentido de que renunciava à entrega parcial da cuba, dado o estado em que a encontrou);
D. Absolver o réu C dos pedidos;
E. Não condenar o autor como litigante de má-fé”.
9. Inconformada, a R. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Por decisão proferida a 26 de Dezembro de 2022, o tribunal a quo decidiu:
1. Condenar a ré B a reconhecer que o autor é dono da “Balança Madeira para pesar pipas” e condenar o mesmo a restituir tal bem ao autor A;
2. Condenar a ré B a pagar sanção pecuniária compulsória no valor diário de 10 euros até à entrega da “Balança Madeira para pesar pipas” e das duas torneiras em latão;
3. Condenar a ré B a indemnizar o autor pelos prejuízos, a liquidar (em incidente de liquidação), que a privação do uso dos bens mencionados em II-1 cause ao autor (sem prejuízo do acordado na transação celebrada nos autos e da consideração da declaração efetuada nos autos pelo autor no sentido de que renunciava à entrega parcial da cuba, dado o estado em que a encontrou);
4. Absolver o réu C dos pedidos;
5. Não condenar o autor como litigante de má-fé.
As custas ficam a cargo da B
2. O presente recurso incide sobre essa decisão;
3. Não era lícito ao tribunal a quo, da forma como o fez, fixar o valor da causa de €12.600,00, uma vez que não só extravasa aquilo que foi indicado pelo recorrente na sua p.i., como também não foi precedido de qualquer pedido de alteração ou de ampliação;
4. Ao decidir como decidiu nesse despacho, violou os art.ºs 299º, 265º e 306º do CPC;
5. Mas ainda que assim não se entendesse, haveria também de ser tomado em devida linha de conta que a recorrente impugnou de forma expressa o requerimento inominado do recorrente no qual vem indicar o valor adicional de € 5.100,00 a título de prejuízos, pelo que caberia ao tribunal a quo fazer seguir os termos do incidente de impugnação do valor, nos termos do n.º 1 do art.º 307º do CPC, o que não aconteceu;
6. Pelo que violou também, o disposto nos art.ºs 306º a 309º do CPC, impondo-se se não por aquela via, por esta, a revogação do despacho em crise e substituído por outro que fixe o valor da causa ao atribuído pelo recorrido na sua p.i.;
7. Não podia, no caso sub judice, o tribunal a quo condenar a recorrente na obrigação de indemnizar o recorrido nos valores que viessem a ser liquidados em execução de sentença, quando não deu como provado a existência de quaisquer prejuízos;
8. Sendo bem distinto o tribunal reconhecer e dar como provado que o recorrido sofreu os prejuízos em causa, mas a prova produzida em audiência de julgamento ter sido insuficiente para os apurar, do que não conhecer quaisquer prejuízos (como foi o caso), mas relegar o seu conhecimento para sede de audiência de julgamento, entendendo-se que esta interpretação viola o escopo do art.º 609º n.º 2 do CPC, impondo-se a revogação da decisão condenatória na alínea C.;
9. Sendo certo que tendo decorrido bem mais do que dois anos desde a interposição da acção até à prolação da sentença, estava o recorrido mais do que habilitado nos termos do art.º 265º do CPC a concretizar esses prejuízos, o que nunca aconteceu;
10. De qualquer dos modos, também sempre se dirá que a sentença em causa padece de erro de julgamento, ante a insuficiência da matéria dada como provada e por não provada para com a decisão, uma vez que a mesma é exígua ou não de molde a sustentar a condenação nos prejuízos que viessem a ser liquidados, posto que não se compreende em que medida é que o tribunal a quo, não considerando como provada a existência de danos ou prejuízos, considera que são devidos ao recorrido os que vierem a ser apurados em liquidação de sentença;
11. Não tendo o tribunal a quo dado como provado o valor dos bens em concreto, conforme resulta da alínea B. dos factos dados como não provados, não se alcança como é que sem saber ou descortinar qual o alegado prejuízo sofrido pelo recorrido ou menos ainda o valor dos bens em causa, entendeu como razoável o valor fixado de €10,00 por cada dia de atraso na sua entrega;
12. Atendendo ao conteúdo da sentença, não se vislumbra qualquer vestígio da aplicação do n.º 3 do artigo 607º CPC no que respeita à aplicação da sanção pecuniária compulsória.
13. O tribunal a quo limitou-se a aderir aos pedidos feitos pelo ora recorrido, sem qualquer tipo de fundamentação jurídica relevante;
14. Pelo que a sentença é nula nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615º CPC;
15. Padecendo, ainda que assim não se entenda, de erro de julgamento, por violação dos art.ºs 151º e 607º do CPC e art.º 205º da CRP;
16. E também enferma de erro porquanto a sanção pecuniária compulsória apenas pode ser aplicada, em abstracto, se se comprovar a possibilidade de prática do facto infungível que a mesma visa coagir;
17. Nunca foi apurado no âmbito da produção de prova a existência ou, pelo menos, o paradeiro da Balança, factualidade que o próprio tribunal comprovou aquando a sua deslocação ao local e ainda através dos depoimentos de todas as testemunhas;
18. E também não deu como provado que a mesma estava na posse da recorrente, ou que esta conhecia o seu paradeiro;
19. Pelo que também não lhe era lícito, julgamos nós, aplicar uma sanção pecuniária compulsória para cumprimento de uma obrigação de facere impossível, conducente à aplicação ad eternum da sanção pecuniária compulsória;
20. Por outro lado, a sanção pecuniária compulsória aplicada quanto às “duas torneiras em latão”, saliente-se que foram objeto de um acordo homologado no dia 4 de Maio de 2021, pelo que já tendo sido objecto de transacção e esgotado o poder jurisdicional quanto a esta matéria, não era lícito, s.m.o., ao tribunal a quo fixar ainda uma sanção pecuniária compulsória, posto que, quanto muito, tendo efectivamente incumprido com essa obrigação, restava ao recorrido executar a sentença para prestação de um facto;
21. Para além disso, na data acordada para a entrega dos bens que foram objeto de transação, as “duas torneiras em latão” não foram recolhidas pelo recorrido, porque este não as procurou ao contrário do que alegou, dizendo que as mesmas não foram recolhidas por si porque o recorrente não permitiu que as procurassem no local;
22. O recorrido não produziu qualquer prova quanto ao que invocou através de requerimento que foi objecto de impugnação por parte da recorrente;
23. Mas também não poderia, s.m.o., o tribunal a quo ter fixado a sanção em causa, porque haveria sempre de considerar-se, pelo menos, a mora do credor, invocada e objecto de produção de prova pela recorrente – nomeadamente o depoimento da testemunha recorrente, IN, gravado e identificado 20210520100346_1629186_2871390 - que não mereceu uma única consideração na fundamentação da sentença, incorrendo também aqui a sentença em nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que exigia-se a pronúncia quanto a esta questão, ante a sua relevância para a fixação da sanção;
24. E também está ferida a douta sentença de nulidade por omissão de pronúncia, uma vez que condenou a recorrente a proceder à entrega de um bem quando não deu como provado a sua posse pela mesma, quer anterior ou actual, ou tão pouco o seu paradeiro e ainda, a sua existência actual, que foram postas em causa pela recorrente;
25. Importa alterar o ponto 2 dos factos dados como provados, dada a conjugação da prova testemunhal e da inspecção realizada ao local;
26. Veja-se, a este propósito, o que disse o recorrido, ouvido, na sessão de 20 de Outubro de 2020, na audiência de julgamento, entre o minuto 10:05 a 10:24, cujo depoimento foi gravado e identificado como 20201020093613_1629186_2871390.
27. A verdade é que o excerto do depoimento de parte do recorrido supra referido, bem como o registo fotográfico carreado para os autos a título de prova documental na sua petição inicial não foram, s.m.o., tidos em devida linha de conta.
28. Mesmo que o objeto supra referido estivesse no local, o que se concebe por mero dever de patrocínio sem se conceder, e tendo em conta o que disse a testemunha AM, ouvida na sessão de 14 de janeiro de 2021, entre o minuto 1:50 a 1:56, cujo depoimento foi gravado e identificado como 20210114095840_1629186_2871390, podemos extrair que a “Balança Madeira para pesar pipas” já não se encontrava no local à data de 2017/2018, visto que a testemunha supra mencionada referiu ter visto meia dúzia de pessoas a carregá-la para fora do imóvel por essa altura.
29. Nesse período a testemunha AC ainda tinha na sua posse a chave do imóvel mencionado supra e ficara acordado que este teria até ao dia 30 de abril de 2018 para retirar todos os bens imóveis, de sua pertença, que lá estivessem.
30. Tal data é coincidente com o hiato temporal mencionado pela testemunha AM, pelo que não é claro que tenham sido efetivamente os trabalhadores da recorrente a fazer este trabalho;
31. Ademais, o tribunal a quo não valorou ou tomou em devida linha de conta os depoimentos das testemunhas apresentadas pela recorrente, AO, RP e IN, cujos depoimentos foram gravados e identificados, respectivamente, como 20210520092435_1629186_2871390, 20210520095343_1629186_2871390 e 20210520100346_1629186_2871390, na sessão de audiência de julgamento do dia 20 de Maio de 2021, os quais todos declararam e confirmaram que foram os primeiros a deslocar-se ao prédio em causa após a celebração da escritura de compra e venda do prédio, que não constataram a presença da referida Balança, que no interior do prédio encontravam-se pragas e estava repleto de lixo, e que ficaram encarregues de transportar o mesmo para vazadouro;
32. Ademais, o depoimento da testemunha do recorrido, filho do Sr. AC, JC, prestado na diligência de inspecção ao local que teve lugar no dia, gravado e identificado como “Track01”, também não se extrai do seu depoimento que a balança estivesse no local à data de entrega do imóvel pelo seu pai à recorrente.
33. Pelo exposto, deve assim e em suma, ser alterada o facto n.º 2 dado como provado, nos seguintes termos:
“Com excepção da Balança Madeira para pesar pipas, os demais bens encontravam-se num imóvel que pertencia ao vendedor, sito na Rua de Santa Maria, no Funchal, à data de tomada de posse do mesmo pela recorrente.”.
34. No que respeita aos pontos 9, 10 e 11 dos factos dados como provados, não foi produzida qualquer prova, mormente testemunhal, que o recorrido tenha marcado com o R. pessoa singular, dia e hora para ir buscar os bens, ou tão pouco que chegado o dia da entrega, a recorrente não tenha comparecido ou entregue os bens e se tenha recusado a fazê-lo;
35. Conforme se retira do depoimento da testemunha NC, do dia 14.01.2021, gravado e identificado como 20210114094544_1629186_2871390, foi claro no sentido de esclarecer que não tinha qualquer tipo de conhecimento se tinha ou não sido agendado qualquer dia e hora para ir buscar os bens com a recorrente ou o seu representante legal, limitando-se a referir que acompanhou o recorrido ao local para levantar bens;
36. As testemunhas do recorrido, JM, AC e CC através dos seus depoimentos identificados e gravados, respectivamente, como 20210114095112_1629186_2871390, 20210114101543_1629186_2871390, 20210114094053_1629186_2871390 do dia 14.01.2021, nada esclareceram quanto a este facto, o conhecimento que tinham dos factos era residual e através de depoimento indirecto, daquilo que retiraram de conversas mantidas com o recorrido;
37. A testemunha SM, filho do recorrido, também admitiu no seu depoimento do dia 14.01.2021, identificado e gravado como 20210114093522_1629186_2871390, que não tinha conhecimento dessa factualidade, e que apenas tomou conhecimento desses factos do que lhe foi dito pelo seu próprio pai, ora recorrido;
38. Pelo exposto, deve ser alterada a resposta à matéria de facto dada como provada nos pontos 9 a 11, dando-os por não provados.
39.
40. Na petição inicial foi indicado como valor da ação €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) e, por sua vez, em sede de audiência prévia, o recorrido veio a apresentar um requerimento onde invocou os prejuízos sofridos no valor de €5.100,00 (cinco mil e cem euros), tendo o tribunal fixado o valor da causa em €12.600,00 (doze mil e seiscentos euros);
41. Todavia, a 4 de Maio de 2021 as partes chegaram a um acordo parcial, nada tendo sido acordado quanto às custas, pelo que nos termos do n.º 2 do art.º 537º do CPC, haviam as mesmas de ser fixadas a meio por cada uma das partes, o que não sucedeu;
42. Mas ainda que assim não se entenda, o que é certo é que quanto às demais custas, o pedido inicial do recorrido já não se matinha idêntico ao do início da relação controvertida, havendo que ter em devida linha de conta essa circunstância quanto às questões ainda por resolver;
43. Acontece que não tendo o tribunal a quo determinado ou dado como provado o valor dos bens, criou uma situação de impossibilidade de aferir o valor das custas a atribuir a cada uma das partes, pois não se pode dizer que as partes transigiram sobre €1,00 ou €10.000,00;
44. E também não poderia o tribunal a quo ter condenado a recorrente nas custas, posto que tendo o tribunal a quo ter considerado como não provado nos pontos A. e B. que o recorrente estivesse a perder mensalmente uma quantia de €300,00 ou que os bens em causa valesse mais do que €7.500,00, ou tão pouco provado que tivesse sofrido prejuízos com a privação de utilização desses bens no valor de €5.100,00, teria que considerar-se, necessariamente, que o recorrente havia decaído nessa parte do pedido, e as custas fixadas na sua devida proporção;
45. Não o fazendo violou o normativo supra referido, pelo que requer-se a reforma da douta sentença quanto a custas, nos termos do n.º 3 do artigo 616º CPC, importando a correcção das mesmas, devendo ser suportadas a meio pelas partes.
45. Não tendo tomado esta circunstância em conta na elaboração da sua douta sentença, requer-se, pois, a sua reforma quanto a custas, nos termos do n.º 3 do artigo 616º CPC.”.
10. Não foram apresentadas contra-alegações.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- do valor da acção;
- da nulidade da sentença;
- da impugnação da matéria de facto;
- da indemnização fixada;
- da sanção pecuniária compulsória;
- das custas.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso decidiu os factos do seguinte modo:
“Mostra-se provada a seguinte factualidade:
1. O autor, a 15.07.2013, adquiriu, pelo preço de 1.500€ (mil e quinhentos euros) a AC, residente na Avenida …, no Funchal, diversos bens relacionados com a produção e armazenamento de vinho, a saber, os seguintes bens móveis:
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 4.000L
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 3.500L
- Duas torneiras em latão
- Canteiro
- 2 paus para carregar
- Balança Madeira para pesar pipas
- Cuba de 10.000L.
2. Estes bens encontravam-se num imóvel que pertencia ao vendedor, sito na Rua de Santa Maria, no Funchal.
3. Por o autor se encontrar no Brasil, ficou acordado que os bens permaneceriam armazenados no referido imóvel, até o autor regressar do Brasil, sem qualquer custo adicional e sem qualquer cláusula de prazo.
4. Porém, o vendedor AC, vendeu o imóvel onde os bens estavam armazenados, no dia 20.12.2017, à ré B.
5. Tendo contudo, advertido a sociedade ré, através do seu sócio gerente – o réu C – que tais bens eram pertença do autor, que ficou ciente e aceitou continuar a guardá-los até que o autor regressasse do Brasil.
6. Ficou ainda combinado que o prédio iria ser apenas entregue em finais de abril.
7. Em janeiro, o vendedor AC entrou em contacto com o autor, informando que ia entregar o imóvel ao comprador (a sociedade ré), em abril, para que o mesmo fosse buscar os bens.
8. O autor informou que regressava a 22 de maio de 2018, com o objetivo de proceder ao levantamento de tais bens, ao que os réus não se opuseram.
9. No entanto, quando o autor regressou do Brasil, marcou através do réu C, dia e hora para ir buscar os bens.
10. Acontece porém que chegado o dia da entrega, os réus não compareceram nem entregaram os bens.
11. O autor solicitou à ré B que procedesse à entrega dos bens, o que não aconteceu, tendo-se recusado a entregar tais bens.
12. Na sessão do julgamento realizada a 04.05.2021, as partes celebraram transação - que foi homologada por sentença- quanto a parte do objeto do litígio, com o seguinte teor:
“1.º Os Réus reconhecem a propriedade dos seguintes bens descritos no art.º 1 da Petição Inicial como sendo do Autor:
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 4.000L;
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 3.500L;
- Duas torneiras em latão;
- Canteiro;
- 2 paus para carregar;
- Cuba de 10.000L (desmontada).
2.º As partes acordam em fixar o dia 11-05-2021, pelas 10 horas, para a retirada e entrega dos bens supra mencionados.
3.º Com a concretização da entrega supra aludida, o Autor deixa de ter interesse no ponto 3 do pedido, quanto a esses bens.
4.º O Autor desde já se compromete a informar o Tribunal, no prazo máximo de 3 dias após a data acordada para a entrega, se a mesma se concretizou.
5.º O Autor renuncia à contabilização dos prejuízos peticionados pelo prazo que mediar entre a data de hoje e a próxima data de julgamento, uma vez que a necessidade deste prazo decorre da entrega dos bens.
6.º O Autor compromete-se a informar o Tribunal, no prazo de 3 dias, sobre a data acordada para a entrega, se a mesma se concretizou em relação a todos os bens objeto da presente transação.”
13. A 11.05.2021, foram entregues ao autor os bens aludidos em 1, com exceção da balança e das duas torneiras em latão, não mantendo o autor interesse na entrega do remanescente da cuba desmontada, pelo estado em que a encontrou.
14. O autor é um apreciador de utensílios de vinho.
15. A Ré B outorgou, a 14/08/2013, um contrato promessa de compra e venda com AC, no qual este prometia vender àquela, pelo preço de €375.000,00, um prédio urbano em regime de propriedade total, sito à Rua Santa Maria, freguesia de Santa Maria maior, inscrito na matriz com o art.º … e junto à C.R.P do Funchal sob o artigo ….
16. Tanto no contrato promessa como na escritura definitiva de compra e venda, outorgada a 20/12/2017, ficou acordado entre as partes que o prédio era vendido livres de ónus ou encargos, e a entrega do mesmo seria feita livre de pessoas e bens.
17. Em virtude da dificuldade que o promitente vendedor Sr. AC teve em escoar o vinho, foi aceite pela Ré alterar a data da entrega.
18. A ré B recebeu por parte do promitente vendedor uma carta datada de 3/10/2017 a efectuar a marcação da escritura de compra e venda.
19. Tendo respondido mediante a comunicação datada de 09/10/2017.
20. O promitente vendedor AC acordou com a Ré que até o dia 09 de abril de 2018, qualquer bem existente no imóvel seria retirado,
21. Tendo a Ré concedido ainda ao promitente vendedor uma prorrogação desse prazo até o dia 30 de abril de 2018.
22. A ré sempre insistiu com o promitente vendedor Sr. AC, para que retirasse do imóvel qualquer bem com valor comercial, tendo sempre aceitado prorrogações de prazo para que o fizesse.
23. Em maio de 2018 veio o autor contactar a ré, afirmando ter adquirido uns bens em 2017.
Não se provou:
A. Que o autor esteja a perder mensalmente a quantia de 300 euros mensais, desde junho de 2018, dado que já tinha apalavrado um contrato de aluguer de equipamento (toneis e cuba) com opção de compra;
B. Que os bens atualmente valham mais de 7.500,00 euros;
C. Que os réus desconhecessem que existiam bens de terceiro no imóvel adquirido e que nunca lhes tenha sido transmitido tal informação;
D. Que os réus apenas tivessem conhecimento, por tal lhes ter sido dito pelo promitente vendedor que havia vinho, do próprio, guardado no imóvel e que este iria diligenciar pelo escoamento antes da escritura definitiva;
E. Que a entrega das chaves foi efetuada, ainda sem qualquer menção de que existiram bens de terceiros e/ou do Autor, no imóvel adquirido e que apenas tivesse sido afirmado perante a ré, e pelo promitente vendedor, que existiam alguns bens seus que pretendia escoar antes da entrega das chaves.”.
*
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.
1. Do valor da causa:
Inicia a apelante a sua discordância com a decisão recorrida referindo que o tribunal recorrido não podia fixar o valor da causa nos termos em que o fez, sendo certo que não determinou o prosseguimento do incidente de impugnação do valor.
Nos termos do art.º 296º, nº 1 do CPC, “A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, fixando os art.ºs 297º e ss. do CPC os critérios para fixação desse valor.
Por seu turno, dispõe o art.º 299º, nº 1 do mesmo diploma que “Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal”.
No caso dos autos, o A., na petição inicial, apresentou como valor da causa €7.500,00, valor este que os RR. não impugnaram, nos termos e para os efeitos do art.º 305º, nº 1 do CPC.
De acordo com este preceito, “no articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor”.
Importa salientar que o art.º 308º do CPC permite a fixação de valor diverso do inicialmente apresentado quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite.
Foi este o caso dos autos, já que, em sede de audiência prévia, foi proferido despacho convidando o A. a concretizar, se possível, os prejuízos já sofridos, pedidos no número 4 do pedido na petição inicial, referindo-se que essa indicação terá repercussões ao nível do valor da acção.
Na sequência de tal convite, o A. veio informar que “Os prejuízos já sofridos rondam o valor de 5.100€ (cinco mil e cem euros)”.
Foi então proferido despacho fixando o valor da causa em €12.600,00, correspondente à soma do valor inicialmente indicado na petição inicial com o montante invocado a título de prejuízos.
Há que referir que a presente acção visa a condenação dos RR. na restituição de alguns bens pertencentes ao A., bem como no pagamento de indemnização pelos prejuízos causados pela privação do uso desses bens.
Dispõe o art.º 302º, nº 1 do CPC que “Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa”.
Por seu turno, nos termos do art.º 297º, nº 1 do CPC, “Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”, referindo-se no nº 2 que “Cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos”.
Da leitura da petição inicial extrai-se que o A. alega que os bens em causa têm um valor superior a €7.500,00 (art.º 14º desse articulado), atribuindo esse valor como sendo o valor da acção, tendo concretizado os seus prejuízos em €5.100,00.
Ora, a soma destes valores é €12.600,00, sendo esse o valor a atribuir aos autos, nos termos conjugados dos art.ºs 302º, 297º e 305º, nº 1, todos do CPC, como concluiu o tribunal recorrido.
Entende a apelante que o tribunal a quo não podia ter fixado o valor da causa nesse montante, por tal não corresponder ao montante alegado na petição inicial, nem ter havido qualquer alteração ou de ampliação do pedido, ao que acresce que, tendo os RR. impugnado o valor indicado a título de prejuízos, “caberia ao tribunal a quo fazer seguir os termos do incidente de impugnação do valor, nos termos do n.º 1 do art.º 307º do CPC, o que não aconteceu”.
No que se refere à primeira das objecções da apelante, cumpre referir que, independentemente do valor indicado na petição inicial e do acordo decorrente da sua não impugnação pelo R. pode o juiz discordar do valor indicado, não o aceitando e procedendo às diligências que entenda por pertinentes com vista à fixação do valor.
Foi este o caso dos autos, tendo o tribunal recorrido, por sua iniciativa, indagado o valor dos prejuízos sofridos pelo A., por forma a fixar o valor da causa, o que constitui uma faculdade do tribunal, independente da vontade das partes ou da alteração ou ampliação do pedido.
Improcede, pois, este argumento da apelante.
Por outro lado, o facto de os RR. terem impugnado o valor indicado pelo A. relativamente a esses prejuízos, não determina que tivesse de ser feita qualquer diligência de prova para apurar a sua veracidade.
Com efeito, nos termos do art.º 308º do CPC, na falta de elementos no processo, apenas serão feitas as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar, sendo que, no caso, nada foi requerido, nem se justificando que as mesmas fossem ordenadas.
Donde, também este argumento da apelante improcede.
Assim, e não se verificando qualquer violação das regras relativas à fixação do valor da causa, o qual se mostra correctamente fixado, improcede, nesta parte, a apelação.
2. Da nulidade da sentença:
2.1. Da nulidade por falta de fundamentação:
Defende a apelante a nulidade da sentença por falta de fundamentação, porquanto a mesma não apresenta qualquer tipo de fundamentação jurídica relevante no que respeita à aplicação da sanção pecuniária compulsória.
Pese embora não tenha sido proferido o despacho a que alude o art.º 617º do CPC, contém os autos todos os elementos necessários para apreciar a questão, o que se passa a fazer.
Nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Esta nulidade, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da sentença, é um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
Nas palavras de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Ou, como refere Tomé Gomes, in Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, p. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf:
“Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo.
A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão”.
Donde, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do art.º 615º, mas já não a errada decisão no âmbito do erro de julgamento. Neste sentido, vide Acs. STJ, de 15/12/2011, relator Pereira Rodrigues e de 02/06/2016, relator Fernanda Isabel Pereira.
Questão diferente da falta de fundamentação é a existência de uma insuficiente fundamentação da resposta à matéria de facto e que leve a deficiências no entendimento do raciocínio lógico que levou aos factos provados e não provados.
Nos termos do art.º 662º, nº 2, al. d) do CPC, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve a Relação determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Ou seja, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada deve o processo baixar para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova.
Da mesma forma, os vícios de deficiência, obscuridade, contradição ou excesso da factualidade enunciada na sentença poderão ser arguidos como fundamento do recurso de apelação ou conhecidos oficiosamente pelo tribunal superior, nas condições previstas no art.º 662, nº 2, al. c), do C.P.C.
No caso dos autos, a apelante defende a nulidade da sentença por falta de fundamentação por entender que a aplicação da sanção pecuniária compulsória ao caso dos autos não se mostra fundamentada.
Com interesse para esta questão, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte: “Importa aplicar a sanção pecuniária compulsória, à luz do artigo 829-A do Código Civil, pelo valor pedido, que se afigura razoável, à luz do n.º 2 do mesmo artigo”.
Face ao que se expôs, facilmente se conclui não estarmos perante a alegada nulidade por falta de fundamentação, já que a decisão recorrida, embora de forma precária, fundamenta esse segmento decisório, não sendo a discordância da apelante quanto à verificação dos seus pressupostos de admissibilidade, fundamento de nulidade.
Consequentemente, improcede, nesta parte, a apelação.
2.2. Da nulidade por omissão de pronúncia:
A apelante defende também a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já que a decisão recorrida não se pronunciou sobre a mora do credor, com relevância para a fixação da sanção pecuniária compulsória, nem sobre o paradeiro e existência actual da balança, factos controvertidos.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, o art.º 615º, al. d) do CPC estatui que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Relaciona-se este preceito com o disposto no art.º 608º do CPC, segundo o qual a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e que possam determinar a absolvição da instância, bem como resolver todas as questões de mérito que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Assim sendo, na fundamentação da sentença deve o juiz pronunciar-se sobre cada uma das pretensões trazidas a juízo, bem como sobre cada um dos fundamentos que lhes são opostos em sede de contestação, seja a título de excepção dilatória e que não tenha sido antes apreciada, seja a título de excepção peremptória.
Por outro lado, “… não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito”, cfr. Tomé Gomes, ob. cit., pág. 370.
Quer isto dizer que não há qualquer omissão de pronúncia quando as questões estruturantes da posição das partes sejam implícita ou tacitamente decididas, já que a análise da argumentação das partes não se confunde com a apreciação das questões que devem ser conhecidas, esta sim essencial.
Nas palavras de Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 143, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
No caso dos autos, verifica-se que a sentença recorrida se pronuncia sobre todas as questões trazidas a juízo pelas partes, sendo que as questões ora suscitadas pela apelante se assumem como factos e não como questões estruturantes das posições das partes, não sendo a discordância da apelante quanto ao fundamento jurídico da decisão enquadrável na omissão de pronúncia, mas sim uma questão de mérito.
Donde, também nesta parte é a apelação improcedente.
3. Da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art.º 662º, nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por outro lado, dispõe o art.º 640º, nº 1 do CPC que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tal como vem sendo entendido pela Doutrina e pela Jurisprudência, resulta deste preceito o ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância. Ou seja, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
Quer isto dizer que incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o recurso, podendo transcrever os excertos relevantes. Por seu turno, o recorrido indicará os meios de prova que entenda como relevantes para sustentar tese diversa, indicando as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, podendo também transcrever os excertos que considere importantes, isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art.º 662º do CPC, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto. Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 283 e ss..
Nos presentes autos, defende a apelante que o facto 2 deve ser alterado nos seguintes termos:
“Com excepção da Balança Madeira para pesar pipas, os demais bens encontravam-se num imóvel que pertencia ao vendedor, sito na Rua de Santa Maria, no Funchal, à data de tomada de posse do mesmo pela recorrente.”.
O facto nº 2 deve ser conjugado com o facto nº 1, sendo tais factos os seguintes:
“1. O autor, a 15.07.2013, adquiriu, pelo preço de 1.500€ (mil e quinhentos euros) a AC, residente na Avenida …  no Funchal, diversos bens relacionados com a produção e armazenamento de vinho, a saber, os seguintes bens móveis:
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 4.000L
- Tonel em Madeira de Carvalho, usado, com a capacidade para 3.500L
- Duas torneiras em latão
- Canteiro
- 2 paus para carregar
- Balança Madeira para pesar pipas
- Cuba de 10.000L.
2. Estes bens encontravam-se num imóvel que pertencia ao vendedor, sito na Rua de Santa Maria, no Funchal”.
Entende a apelante que este facto deve ser alterado, por forma a que se dê como provado que os bens existentes no imóvel dos autos eram os que constam do facto nº 1, à excepção da Balança Madeira para pesar pipas, a qual teria paradeiro desconhecido.
Fundamenta a sua pretensão na conjugação da prova testemunhal produzida e da inspecção realizada ao local.
Do depoimento das testemunhas inquiridas, em conjugação com os documentos juntos aos autos, resulta que os factos 1 e 2 não merecem qualquer censura, na medida em que ficou assente que, em 2013, data em que o A. adquiriu os bens em causa nos autos, estes bens, elencados em 2, estavam no local, não existindo dúvidas quanto à inclusão da Balança nesses bens.
Mais resultou da prova produzida, em particular do depoimento da testemunha AC, que esses bens ali permaneceram após a sua aquisição, a pedido do A. que ia para o Brasil, e que ainda ali se encontravam no momento em que a R. tomou posse do local e que esta sabia que tais bens eram do A..
De igual modo, resultou da prova testemunhal que, a partir de determinado momento, a balança em causa deixou de estar no local, não sabendo nenhuma das testemunhas explicitar os motivos para tanto, nem justificar o seu paradeiro.
Acresce que, embora tenha sido referido que foi vista a retirada da balança do local, nenhuma das testemunhas soube explicar quando é que isso ocorreu e quem foi o responsável pela retirada, nomeadamente se a mesma ocorreu antes ou depois de 2017.
Donde, e uma vez que os factos descritos em 2 referem a realidade trazida a juízo pelas testemunhas, já que não resultou da prova que, à data em que a apelante tomou posse do imóvel, a balança não estivesse no local, indefere-se a alteração pretendida.
Entende também o apelante que os factos provados n.ºs 9, 10 e 11 devem ser dados como não provados, já que não foi produzida qualquer prova nesse sentido.
Tais factos são os seguintes:
“9. No entanto, quando o autor regressou do Brasil, marcou através do réu C, dia e hora para ir buscar os bens.
10. Acontece porém que chegado o dia da entrega, os réus não compareceram nem entregaram os bens.
11. O autor solicitou à ré B que procedesse à entrega dos bens, o que não aconteceu, tendo-se recusado a entregar tais bens”.
Ouvida a integralidade da prova testemunhal constata-se que as testemunhas inquiridas não tinham conhecimento directo desta questão, sabendo apenas que havia sido combinada uma hora com o R. C para ser efectuada a entrega em causa, a qual não se chegou a realizar.
Diga-se ainda, que o A., em declarações de parte, relatou os factos descritos em 9 e 10, assim permitindo dar os mesmos como provados.
Com efeito, as declarações de parte estão ao mesmo nível que os demais meios de prova, sendo valoradas de forma autónoma e integrada, sem que se estabeleça qualquer hierarquia entre os vários elementos probatórios.
Quer isto dizer que é em sede de fundamentação da matéria de facto que as declarações de parte devem ser valoradas, ponderando-se o seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra.
Por outro lado, consta nos autos, nos documentos juntos com a petição inicial, cópia de carta enviada pelo A. a solicitar a entrega dos bens, com o respectivo A/R.
Da conjugação de todos estes aspectos resulta que os factos em apreço se devem manter como provados, assim improcedendo este segmento da apelação.
Aqui chegados, importa referir que, no corpo das suas alegações, a apelante defende que o facto nº 13 deve ser alterado, sem que, todavia, tenha transposto essa impugnação para as conclusões.
Face ao disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, as questões submetidas a recurso, sejam de facto, sejam de direito, são delimitadas pelas conclusões de recurso, sendo por estas que se afere a pretensão do recorrente. Ou seja, “as conclusões delimitam a esfera de intervenção do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial ou à das exceções, na contestação” (António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, 2018, pág. 115).
Daqui resulta a possibilidade de o objecto do recurso ser restringido nas conclusões face ao requerimento de interposição de recurso e/ou face ao corpo das alegações. Essa restrição pode ser expressa ou tácita, acontecendo esta “quando se verifique a falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, e até da sua motivação, o recorrente restrinja o seu objecto através das questões identificadas nas respectivas conclusões. Inversamente devem ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência na motivação” (António Santos Abrantes Geraldes, loc. cit.).
É este o caso dos autos, já que as conclusões de recurso são absolutamente omissas relativamente à proposta alteração do facto nº 13, pelo que se se considerar este aspecto implicitamente arredado do objecto do recurso, não sendo necessário proceder à sua apreciação.
Consequentemente, improcede a impugnação da matéria de facto nos termos defendidos pela apelante, sendo a apelação improcedente nesta parte.
4. Da indemnização fixada:
Insurge-se a apelante com a decisão recorrida, argumentando que o tribunal recorrido não podia condenar a apelante na obrigação de indemnizar nos valores que viessem a ser liquidados em execução de sentença, quando não deu como provada a existência de quaisquer prejuízos.
Recorde-se que a sentença recorrida decidiu “Condenar a ré B. a indemnizar o autor pelos prejuízos, a liquidar (em incidente de liquidação), que a privação do uso dos bens mencionados em II-1 cause ao autor (sem prejuízo do acordado na transação celebrada nos autos e da consideração da declaração efetuada nos autos pelo autor no sentido de que renunciava à entrega parcial da cuba, dado o estado em que a encontrou)”.
Vem esta condenação na sequência do pedido deduzido em 4 da petição inicial, ou seja, em indemnização ao A. pelos prejuízos que a privação do uso dos referidos bens lhe cause, sendo certo que o A. peticiona que essa indemnização seja liquidada posteriormente.
Os presentes autos prendem-se com a reivindicação de bens pertencentes ao A. e os direitos de uso e fruição da coisa previstos no art.º 1305º do CC.
Com interesse para os autos, está assente que a R., apesar de instada para o fazer, não procedeu à entrega de bens pertencentes ao A. e que se encontravam em imóvel adquirido por aquela.
Por outro lado, não está assente qualquer facto justificativo dessa conduta e que legitimasse a recusa da entrega de tais bens.
Donde, naturalmente que o pedido de condenação no reconhecimento do direito de propriedade do A. sobre a “Balança Madeira para pesar pipas” e na sua restituição tem suporte nos factos provados, não tendo qualquer relevância para essa condenação a circunstância de se desconhecer, como alegado, o seu paradeiro, já que essa questão apenas revestirá interesse em sede de execução.
Assim, estando o A. impedido de fruir esses e não tendo a apelante logrado convencer que os detém com base em título válido oponível ao proprietário, assiste ao A. o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.
A problemática da indemnização por privação de uso foi sendo debatida na doutrina e na jurisprudência, particularmente quando está em causa a privação de veículo, entendendo-se que a privação constitui em si mesma um dano indemnizável.
Com efeito, a posição maioritariamente seguida é no sentido de que a simples privação do uso constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem. Mais, é um dano de natureza patrimonial, indemnizável nos termos do art.º 483º do CC. Neste sentido, vide, por todos, António Santos Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, 3ª edição e ampla Doutrina e Jurisprudência aí citados.
Refira-se que, para este autor, a indemnização a fixar em decorrência da privação do uso de determinado bem é independente dos termos de utilização do bem, não sendo necessário que se prove uma utilização diária, sem olvidar a necessidade de ponderação de cada caso concreto.
Entendendo-se como possível a indemnização pela privação dos bens em causa nos autos, não está essa indemnização dependente da prova, em concreto, de prejuízo efectivo, sendo suficiente a prova da mera privação temporária do uso. Ou seja, a condenação na obrigação de indemnização não está dependente da prova da existência de quaisquer prejuízos, ao contrário do sustentado pela apelante.
No que diz respeito à fixação dessa indemnização, constata-se que o tribunal recorrido optou por relegar o montante indemnizatório para futura liquidação, não concordando a apelante com esta solução.
Vejamos.
Tal como resulta do art.º 609ºdo CPC, “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (nº 1), estatuindo o nº 2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Como nos ensinam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 729 “Mesmo em casos em que o autor tenha quantificado a sua pretensão, a ação pode culminar com uma sentença de teor genérico ou ilíquido desde que, sendo apurada a existência do direito e da correspondente obrigação, os elementos de facto se revelem insuficientes para a quantificação, mesmo com recurso à equidade”, referindo ainda que “… uma sentença de condenação ilíquida pressupõe a demonstração de que existe um direito que apenas carece de concretização suscetível de ser conseguida ainda através do subsequente incidente de liquidação”.
Como se lê no Ac. TRC de 11-10-2017, proc. 228/15.9T8SEI.C1, relator Maria Catarina Gonçalves, “O que ali se pretende salvaguardar é a possibilidade de o tribunal proferir uma decisão condenatória, nas situações em que, apesar de se ter apurado a existência do direito e respectiva obrigação, não se determinou o objecto ou a quantidade dessa obrigação. Ou seja, o juiz apurou a efectiva existência de uma obrigação – sabendo, portanto, que o réu terá que ser condenado – mas não apurou qual é o concreto objecto ou a quantidade exacta dessa prestação – não podendo, por isso, determinar o objecto da condenação. Numa situação dessas, e como refere o Prof. Alberto dos Reis, “…nem seria admissível que a sentença absolvesse o réu, nem seria tolerável que o condenasse à toa, naquilo que ao juiz apetecesse. A única solução jurídica é a que o texto consagra: proferir condenação ilíquida. O juiz condenará o réu no que se liquidar em execução de sentença”.
Temos, portanto, como certo que tal disposição será aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova”.
No caso dos autos, estamos perante um dano patrimonial que, como se viu, não depende da prova do prejuízo efectivo, bastando a verificação da privação temporária do uso da coisa, e que, não podendo ser determinado com exactidão, apenas poderá ser indemnizado com recurso à equidade e em conformidade com o disposto no art.º 566º, nº 3, do CC. Isto é, relegar para um momento posterior a fixação desse dano não só é um acto inútil, como também viola o disposto no art.º 609º do CPC.
Ora, os autos contém já todos os elementos necessários para se proceder fixar o valor indemnizatório devido de acordo com juízos de equidade.
Considerando o tipo de bem em causa e o tempo decorrido, bem como a circunstância de não se ter apurado o destino a dar ao bem, afigura-se adequado fixar o valor da indemnização a atribuir pela privação da balança, com recurso à equidade e ao abrigo do disposto no art.º 566º, nº 3 do CC, em €500,00.
Face ao exposto, decide-se pela revogação da sentença recorrida na parte em que relegou para momento posterior a fixação do valor indemnizatório, substituindo-se a condenação em causa pelo valor ora fixado.
5. Da sanção pecuniária compulsória:
Insurge-se a apelante com a decisão recorrida na parte em que condena no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na entrega dos bens.
O instituto da sanção pecuniária compulsória tem consagração legal no art.º 829º-A do CC, preceito este que dispõe o seguinte:
“1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”.
Como se pode ler no Ac. STJ de 12-09-2019, proc. 8052/11.1TBVNG-B.P1.S1, relator Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt, “Deste quadro normativo resulta a configuração de duas espécies de sanção pecuniária compulsória: uma prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A, de natureza subsidiária, destinada a compelir o devedor à execução específica da generalidade das obrigações de prestação de facto infungível; outra prevista no n.º 4 do mesmo artigo, tendente a incentivar e pressionar o devedor ao cumprimento célere de obrigações pecuniárias de quantia certa, decorrentes de fonte seja negocial seja extranegocial com determinação judicial, que tenham sido, em qualquer dos casos, objeto de sentença condenatória transitada em julgado.
A primeira espécie traduz-se na fixação judicial de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso ou por cada infração no cumprimento da generalidade das prestações de facto infungível, à luz de critérios de razoabilidade, e que tem vindo a ser, por isso, designada por sanção pecuniária compulsória judicial. A segunda consiste num adicional automático (ope legis) de juros à taxa de 5% ao ano, independentemente dos juros de mora ou de outra indemnização a que haja lugar, tomando a designação de sanção pecuniária compulsória legal ou de juros legais compulsórios.
Assim, enquanto que a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do artigo 829.º-A tem de ser determinada e concretizada nos seus termos, de forma casuística e equitativa, mediante decisão judicial, já a sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 do mesmo artigo emerge da própria lei, de modo taxativo e automático, em virtude do trânsito em julgado de sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária, sem necessidade de intermediação judicial”.
Importa salientar que a sanção pecuniária compulsória não tem natureza indemnizatória e pode ser fixada independentemente da existência ou não de indemnização.
Porém, a sanção pecuniária compulsória só é possível em relação às obrigações de facto não fungíveis. Em caso de uma prestação de facto fungível, a mesma pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte qualquer prejuízo para o interesse do credor, não se justificando, assim, o reforço da condenação.
Recorde-se que a obrigação fungível é aquela que pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem prejuízo do interesse do credor, ao passo que a infungível é aquela em que o devedor não pode ser substituído por terceiro no cumprimento (art.º 767º do CC).
No caso de prestações de facto não fungíveis, “como o devedor não pode ser substituído, sem prejuízo para o credor, na realização da prestação, por terceiro que se dispusesse a fazê-lo no próprio processo de execução forçada, a lei não encontra outro meio de procurar satisfazer o interesse do credor que não seja o de impor ao obrigado uma espécie de multa civil por cada dia que ele tarde a cumprir ou por cada vez que ele falte ao cumprimento” (Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª edição, pág. 101).
É também este o entendimento dos tribunais superiores, podendo citar-se o Ac. STJ de 19-09-2019, proc. 939/14.6T8LOU-H.P1.S1, relator Maria João Vaz Tomé, onde se pode ler que “E compreende-se que assim seja, pois que consistindo a sanção pecuniária compulsória uma medida coercitiva de caracter compulsório que visa forçar o devedor a cumprir, não faz sentido que essa coercividade seja usada nas situações em que o facto possa ser prestado por terceiro ou até pelo próprio credor que depois pode fazer repercutir esse custo na esfera patrimonial do devedor”.
Por outro lado, há que salientar que a fixação da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de prestação de facto infungível, nos termos previstos no art.º 819º-A, nº 1 do CC, está sujeita a critérios de razoabilidade, aferidos casuisticamente e face às circunstâncias de cada caso concreto.
No caso dos autos, entendeu o tribunal recorrido que se justificava a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, tendo justificado a sua decisão nos seguintes termos:
“Importa aplicar a sanção pecuniária compulsória, à luz do artigo 829-A do Código Civil, pelo valor pedido, que se afigura razoável, à luz do n.º 2 do mesmo artigo.”.
Defende a apelante que não estão verificados os requisitos de aplicação deste instituto.
Tal como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, a fixação de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe uma violação actual ou iminente da obrigação de prestação de facto a que se refere, não funcionando de forma automática. Veja-se a título exemplificativo e por mais recentes, Acs. TRL de 24-04-2018, proc. 1334/17.2YRLSB.L1-1, relator Manuel Marques, de 06-06-2019, proc. 1460/18.9YRLSB.L1-6, relator Maria Teresa Pardal. Em sentido contrário, veja-se Ac. TRL de 09-01-2020, proc. 2970/19.6YRSB-6, relator Ana de Azeredo Coelho.
Como se refere no Ac. STJ de 20-05-2015, proc. 747/13.1YRLSB.S1, relator Orlando Afonso, “Tem sido entendimento jurisprudência, na senda aliás dos ensinamentos doutrinários, que no caso de ainda não haver incumprimento da obrigação pelo devedor ou iminência desse mesmo incumprimento não há lugar à sanção: só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento. De outra forma não tem justificação a ameaça de consequências mais gravosas que a própria inibição que se decreta”.
Ou seja, a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do art.º 829º-A, nº 1 do CC, implica uma avaliação casuística por forma a concluir pela verificação de circunstâncias que determinem a existência do sério risco da continuação da prática ou da própria prática da infracção, situação esta que não é não compatível com a aplicação automática deste preceito.
Tal como consta no aresto supra citado “Uma correcta interpretação da norma passa assim por relevar o cumprimento ou incumprimento do devedor, pois só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovado que o devedor praticou, ou está na eminência de praticar – em termos de probabilidade –, factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença”.
Ora, no caso vertente, não existem quaisquer factos provados de onde se possa extrair qualquer violação actual ou iminente da obrigação de prestação de facto em causa, sendo certo que a alegação sobre o desconhecimento do paradeiro da balança não é pertinente para este efeito. Isto é, os autos não contêm quaisquer elementos de facto para concluir pela existência de risco de incumprimento da decisão.
Donde, conclui-se pela procedência, nesta parte, da apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante a pagar sanção pecuniária compulsória no valor diário de 10 euros até à entrega da “Balança Madeira para pesar pipas” e das duas torneiras em latão.
6. Das custas:
A finalizar, defende a apelante que a condenação em custas enferma de erro de cálculo, devendo ser alterado esse segmento da decisão.
Nos termos do disposto no art.º 527º, nº 1 do CPC, “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
Na sentença recorrida consta que “As custas ficarão a cargo da sociedade requerida, à luz do artigo 527.º do CPC”, sem que a mesma tenha atendido ao decaimento da A. relativamente ao R. C e a parte dos pedidos.
Todavia, face à parcial procedência da apelação, forçoso é concluir que quer as custas relativas à tramitação da causa em primeira instância, quer as respeitantes à presente apelação (na modalidade de custas de parte) devem ser suportadas pelo A. e pela R. B, na proporção de 70% para a A. e 30% para a R..
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Pelo exposto, face à procedência parcial da apelação, impõe-se a manutenção da decisão recorrida no que se refere à condenação da R. B no segmento referido em A, revogando-se a mesma quanto às alíneas B e C, substituindo-se a condenação fixada em C pela condenação da R. no pagamento de €500,00, mantendo-se no demais.
As custas devidas em primeira instância e pela presente apelação ficam a cargo do A. e da B., na proporção de 70% para a A. e 30% para a R..
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida no que se refere às alíneas A, D  e E, mais se revogando o teor das alíneas B e C, sendo que, quanto a esta alínea C, se substitui a condenação da R. em montante indemnizatório a fixar posteriormente, pela condenação da R. no pagamento de €500,00, mais se absolvendo a R. no demais.
Custas da acção e da apelação por A. e R., na proporção de 70% para a A. e 30% para a R..
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Lisboa, 22 de Novembro de 2022
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano