CONTA DE CUSTAS
LITISCONSÓRCIO
RECURSOS
Sumário

I - O art. 14/9 do RCP (na redacção da Lei 27/2019) aplica-se mesmo nos casos de condenações parciais. A aplicação faz-se, nesses casos, na proporção do decaimento. Isto é, nestes casos, a conta final de cada uma das partes tem de incluir as percentagens da taxa de justiça remanescente de cada uma das partes, apuradas de acordo com a regra do decaimento. 
II - A nova redacção do art. 14/9 do RCP aplica-se a todas as contas que tivessem de ser elaboradas depois de a Lei 27/2019 ter sido publicada, desde que a taxa de justiça remanescente não tivesse sido já paga.
III - No caso de litisconsórcio, activo ou passivo, só a “parte primeira” é que paga taxa de justiça e isso mesmo que esse litisconsórcio só tenha surgido por força de um pedido reconvencional (art. 530/4 do CPC) isto é, também contra os terceiros cuja intervenção se provoque e os intervenientes litisconsortes contestem.
IV – Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando este valor for determinável e isso pode resultar da decisão do tribunal que decidir o recurso, quer por a questão ter sido levantada por uma das partes, quer oficiosamente. Nada tendo sido decidido pelo tribunal de recurso e não tendo sido indicado pelo recorrente o valor da sucumbência, o valor do recurso é o da acção (art. 12/2 do RCP); em qualquer dos casos, o valor não é passível de alteração posterior aquando da elaboração da conta.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A K-Lda, autora, veio recorrer, sem resposta da contraparte, do despacho que decidiu a reclamação da conta de custas que ela tinha apresentado, recurso que tem o fim de que tal decisão seja revogada e substituída por outra que ordene a reforma da conta nos termos por ela pretendidos.
Levanta várias questões que se passam a analisar sucessivamente:
(I)
A 1.ª diz respeito à aplicação do art. 14/9 do RCP.
Este artigo rege a oportunidade do pagamento da taxa de justiça e no seu n.º 9 dispõe o seguinte: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º [do RCP], o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”
A autora diz que foi vencedora na acção e nos recursos, pelo que na conta das suas custas não deviam ter sido inscritos os valores das taxas de justiça remanescentes. Logo a seguir faz a precisão de que foi apenas vencedora parcial e o que quer é que apenas sejam consideradas, na sua conta, as taxas de justiça remanescentes na proporção do seu decaimento, imputando-se o resto na conta da ré.
Como fundamentação, em síntese e com numeração deste TRL, diz o seguinte:
I - Se a responsabilidade do pagamento inicial da taxa de justiça (com a prática do acto) depende única e exclusivamente da autoria do impulso processual (paga a taxa quem deduzir o incidente, quem contra-alegar, quem reconvir, etc.), já o apuramento a responsabilidade final pelo pagamento das custas é feito na conta de custas e em harmonia com a decisão sobre o mérito da acção e de cada um desses incidentes ou procedimentos, tal como o exige o art. 30/1 do RCP ("A conta é elaborada de harmonia com o julgado em última instância") e, bem assim, art. 6/7 do RCP ("[...] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final").
II – E esse apuramento assenta, a título principal, no princípio da causalidade, concretizado designadamente nas regras relativas à sucumbência: as custas devem ser pagas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento (artigo 527/1, primeira parte, e 2, do CPC), sendo para o efeito, essencial, que o tribunal que julga a causa dê cumprimento ao art. 607/6 do CPC, procedendo no final da decisão à "condena[ção] [d]os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respectiva responsabilidade".
III - O princípio da causalidade é também concretizado no que diz respeito ao pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275.000€; concretamente, dispondo o art. 6/7 do RCP que o remanescente é considerado na conta final, dispõe por sua vez o artigo 14/9 do RCP que "o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento [do remanescente], o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final".
IV – Por força do disposto no artigo 14/9 do RCP, o instituto das custas de parte apenas terá relevância no contexto da recuperação, da parte vencida, das custas autoliquidadas e pagas com o impulso processual, antes da definição da responsabilidade final por custas.
V – A sufragar-se outro entendimento ter-se-ia o seguinte absurdo processual: estando definida, com força de caso julgado, a responsabilidade por custas da acção, a autora-vencedora tem de proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça para, de seguida, reclamar o seu reembolso da ré-vencida a título de custas de parte; facilmente se concluirá que a justiça fica mais bem servida se, nessa mesma hipótese, o pagamento do remanescente for logo directamente reclamando daquele que é o seu responsável final (a parte vencida), assim se dando cumprimento ao julgado e se evitando a prática de actos inúteis (art. 130 do CPC); foi para isto, e para evitar aquele absurdo jurídico-processual, que a disciplina do art. 14/9 do RCP foi instituída.
VI - A responsabilização da autora pelas custas da acção e respectivo recurso desconsidera, por completo, de forma ilegal, quer as decisões sobre custas proferidas pelas instâncias em cumprimento do disposto do artigo 607/6 do CPC (portanto, violação do respectivo caso julgado), quer os dispositivos relevantes do RCP sobre a harmonização da conta com esses julgados (cf. artigos 6/7 e 30/1 do RCP), tudo em violação do princípio da causalidade (cf. artigo 527/1 do CPC) e do art. 14/9 do RCP.
VII - O art. 14/9 do RCP, antes das alterações introduzidas pela Lei 27/2019 de 28/03, tinha uma redacção que seria mais compatível com a posição do tribunal recorrido, isto é, de que o vencimento da acção apenas teria relevância em sede de custas de parte: "Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efectuar o referido pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo."
VIII - Mas a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14/9 do RCP foi declarada inconstitucional por ordens de razões idênticas às aludidas: "comprime excessivamente o direito fundamental de acesso à justiça, previsto no artigo 20/1 da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse pública em presença em violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18/2 da CRP” (acórdão do Tribunal Constitucional 615/2018, processo 1200/17).
IX - E foi depois alterada para a actual redacção do art. 14/9, sendo que esta é de aplicação imediata aos processos que se achassem pendentes desde momento anterior ao da sua entrada em vigor, como o dizem os acórdãos do TRG de 01/10/2020, processo 709/16.7T8BRG.G1, do TRL de 29/10/2019, processo 994/12.3TBCSR.L2-1.
X - No caso em que a dita interpretação (a dada pelo tribunal a quo, de que o autor tem de pagar o remanescente da taxa de justiça independentemente do respectivo vencimento / decaimento na acção ou em qualquer incidente ou apenso, obrigando-o a obter o seu ressarcimento através das custas de parte) tivesse cabimento na referida norma, então a mesma seria inconstitucional por violação da garantia constitucional do acesso aos tribunais e o princípio da proporcionalidade, previstos, respectivamente, nos artigos 20 e 18/2 da CRP.
O Sr. funcionário que elaborou a conta diz:
“O autor começa, desde logo, por pretender efectuar o pagamento das custas na proporção do respectivo decaimento.
Parece-nos que não tem razão, visto que, quer o artigo 529/2 do CPC, quer o artigo 6/1 do RCP, determinam que a taxa de justiça é paga pelo impulso processual.
Assim sendo, o vencimento/decaimento é relevante, e/ou decisivo, no instituto das custas de parte."
O parecer do MP de 29/04/2022 e a decisão sobre a reclamação de 04/05/2022 seguem a posição do contador.
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Apreciação:
O âmbito de aplicação do art. 14/9 do RCP
Repare-se, antes de mais, que a norma do art. 14/9 do RCP rege sobre a oportunidade de pagamento e sobre as situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do art. 6/7 do RCP; ou seja está a pressupor que o remanescente não foi dispensado (ou não o foi totalmente).
Dito de outro modo, a norma está a dispor sobre a quem deve ser imputada a obrigação de pagamento do remanescente de uma taxa de justiça, estando já estabelecido definitivamente que a obrigação de pagamento existe e a medida da mesma. Quando a norma fala na dispensa do pagamento por uma das partes, é porque imputa essa obrigação de pagamento à outra parte. Portanto, não há dispensa objectiva da taxa, mas sim uma imputação dela a uma parte diversa daquela que a deveria originalmente.
Em suma, e no que importa, não se está perante um caso de dispensa da taxa de justiça remanescente como no caso do art. 6/7 do RCP, mas sim de, na elaboração da conta de cada uma das partes, imputar a obrigação do pagamento dessa taxa, não dispensada, a uma delas (nesta parte, não se está de acordo, por isso, com, por exemplo, aquilo que parece sugerido pelo ac. do TRL de 29/10/2019, processo 994/12.3TBCSR.L2-1, quando diz “O legislador [com a nova redacção do art. 14/9] deixou, pois, de fazer depender a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça de requerimento do interessado – com as vicissitudes e conflitos surgidos a esse propósito, mormente quanto ao timing em que esse pedido devia ser formulado –, nem de apreciação (oficiosa) do juiz, para estabelecer uma dispensa geral e automática […].” Não é disto que se trata, visto que não há uma dispensa geral, há apenas uma dispensa subjectiva, relativa a um sujeito, sendo a taxa imputada ao outro, e as questões relativas ao pedido de dispensa de pagamento, pela/s parte/s que a/s tiver/em de pagar, continuam a colocar-se, tal como o tribunal tem de continuar a ponderar a dispensa para efeitos do art. 6/7 do RCP. O artigo 14/9 aplica-se apenas à taxa remanescente que não tenha sido dispensada nos termos do art. 6/7 do RCP.
Posto isto,
A norma parece tratar apenas das situações em que um dos responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça não seja condenado a final. Ora, como se verá a seguir, visto que a autora foi condenada quer na acção quer na apelação, dir-se-ia que a norma não se lhe aplicaria.
No sentido de que a norma só se aplica para o caso de o responsável pelo impulso processual não ter sido condenado em nada (isto é, vencimento / decaimento total), foi a interpretação feita por Salvador da Costa, no estudo de 15/04/2019 feito pouco depois da entrada em vigor da Lei 27/2019, de 28/03, que deu ao art. 14/9 do RCP a redacção transcrita acima, ALTERAÇÃO DO REGIME DAS CUSTAS PELA LEI N.º 27/2019, DE 28 DE MARÇO, publicado no blog do IPPC A 16/04/2019 [https://drive.google.com/file/d/1rBagyGN1ZLMvaWaUUA7tFzSGc4CR99BK/view]; e nas Custas processuais do mesmo autor, 8.ª edição, Almedina, Janeiro 2022, páginas 138 e 139.
Mas esta interpretação da norma levaria a uma óbvia inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade: para um caso em que a parte vence totalmente, a imputação da parte remanescente da sua taxa de justiça fica a cargo da [outra] parte, vencida, mas num caso em que a parte vence em 99%, a parte remanescente da sua taxa de justiça fica totalmente a seu cargo. Se fosse assim, a alteração legal não faria sentido: para quê alterar a norma apenas para resolver os casos em que há um vencimento total, e não para todos os outros casos em que há um vencimento parcial, que poderá ser um vencimento quase total? Qual a diferença substancial, entre um e outro caso, que justificaria a diferença de tratamento?
Ora, para evitar este resultado e inconstitucionalidade, é possível fazer uma outra interpretação da norma que não tem dificuldade nenhuma. A norma rege para todos os casos em que uma das partes não seja a única condenada. Se for condenada em algo, a dispensa é para a parte proporcional em que não foi condenado.
Ou seja, a norma deve ser lida como se dissesse: “Nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja [único] condenado a final fica dispensado do referido pagamento [na parte proporcional ao seu vencimento], o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final.”
Para demonstração de que a primeira interpretação conduz a uma inconstitucionalidade e de que a segunda interpretação leva a um resultado que já não sofre de inconstitucionalidade e conduz àquilo que tinha de ser querido pelo legislador, veja-se:
α
Suponha-se uma acção no valor de 1.000.000€ entre A e B.
A taxa de justiça remanescente é de 8.874€ para o autor e 8.874€ para o réu (isto – que há duas taxas de justiça - é esquecido normalmente, conduzindo a erros correntes da argumentação neste tipo de casos).
β
Suponha-se que na sentença final o réu é condenado a pagar os 1.000.000€ pedidos pelo autor.
O autor não foi condenado (não ficou vencido).
Logo, é dispensado da taxa, ou melhor, na sua conta não deve ser imputada nenhuma taxa. As taxas de justiça remanescentes a pagar pelo autor (8.874€) e pelo réu (outros 8.874€) são imputadas na conta do réu que tem de pagar 17.748€.
γ
Suponha-se agora que, na sentença, o réu é condenado a pagar 990.000€ ao autor (logo, a proporção do decaimento é de 1% para o autor e de 99% para o réu). Por isso, as custas de parte devem ser repartidas em 1% para o autor e 99% para o réu.
δ
Se se fizer a (2.ª) interpretação (a aqui sugerida) as contas devem ser elaboradas assim:
Na conta do autor deve imputar-se 1% da sua taxa de justiça remanescente, isto é, 88,740€, mais o 1% da taxa de justiça remanescente do réu, ou seja, outros 88,74€. O autor teria de pagar 177,48€.
Na conta do réu deve imputar-se 99% da sua taxa de justiça remanescente, isto é, 8.785,26€, mais 99% da taxa de justiça remanescente do autor, ou seja, outros 8.785,26€. O réu teria de pagar 17.570,52€.
ε
Se não se fizer esta 2.ª interpretação, a “dispensa” / que consta da norma do art. 14/9 do RCP não se aplica e na conta do autor são imputados 8.874€, tal como na conta do réu são imputados outros 8.874€.
Ou seja, na 1.ª interpretação, o autor, se ganhar a acção a 100% não terá de pagar nada, mas já se a ganhar, por exemplo, “apenas” em 99% terá de pagar todos os 8.874€. Não pode ser: a inconstitucionalidade que o TC julgou existir nas normas do RCP e que levaram à alteração do art. 14/9 do RCP, manter-se-ia depois da alteração legislativa levada a efeito para afastar a inconstitucionalidade.
As únicas razões que poderiam justificar tal regime estariam na complexidade acrescida da elaboração da conta – na conta de uma das partes passam a entrar dívidas que seriam da outra parte – e na dificuldade que o contador terá em determinar a proporção do vencimento, sempre que os juízes condenarem, sem concretização da percentagem da condenação. Mas aquela complexidade existirá sempre (pelo menos nos casos não discutíveis da não condenação total) e a dificuldade resolve-se com a possibilidade que o contador tem de pôr a dúvida antes de elaborar a conta, para que o MP se pronuncie e o juiz decida como é que ela deve ser elaborada na parte em causa (art. 29/4 do RCP). De resto, quando houver razões para estas dúvidas, normalmente elas também se colocariam às partes ao elaborarem a sua nota justificativa de custas de parte e a questão sempre acabaria por ter de ser resolvida pelo juiz.
Haveria uma outra razão para este regime: as custas seriam mais facilmente cobradas se cada uma das partes tivesse que pagar a sua taxa de justiça remanescente. Mas a norma foi alterada para afastar esse regime baseado nessa razão de ser. Quer isto dizer que a autora não tem razão em dizer que este regime era absurdo. O regime tinha sentido e era coerente, porque levava a que houvesse uma maior garantia do pagamento das custas, como o demonstram os acórdãos do Tribunal Constitucional (de 12/02/2020, n.º 116/2020, e de 26/10/2021, n.º 812/2021). O que se passa é que se entendeu, depois, que o regime privilegiava este aspecto, em prejuízo do “princípio da tendencial justiça gratuita para a parte vencedora” (a citação vem de Salvador da Costa, obra citada, pág. 139) e agora, dando prevalência a este princípio “dispensa[-se a parte vencedora] de exigir o referido remanescente à parte vencida, a título de custas de parte, evitando-lhe o risco da impossibilidade ou da dificuldade da sua cobrança” (ainda de Salvador da Costa, obra e local citado).
Em suma, por força da nova redacção do art. 14/9 do RCP, quando há lugar ao pagamento de taxa de justiça remanescente e há um decaimento parcial, faz-se a imputação de cada taxa na conta de cada uma das partes, na proporção do decaimento determinado na decisão final.
No mesmo sentido, veja-se o já citado acórdão do TRL de 29/10/2019, processo 994/12.3TBCSR.L2-1: “Em bom rigor, o que daqui [art. 14/9 do RCP] resulta é que o legislador fixou a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nas acções de valor superior a 275.000€, para a parte que não deu causa ao processo, obtendo vencimento a final, aqui se englobando quer as hipóteses de vencimento total quer parcial – sendo neste caso reflectido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão –, porquanto a ratio da regulação é similar para as duas situações, impondo-se essa interpretação (art. 9.º do CC); assim, se o pagamento que for devido deve ser “imputado à parte vencida”, deve sê-lo, necessariamente, na medida do vencimento/ decaimento.”
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Por fim, a autora tem razão no que se refere à aplicação imediata da Lei 27/2019. Aos acórdãos invocados pela autora pode acrescentar-se o ac. do STJ de 29/03/2022, proc. 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1 (contra, veja-se o ac. do TRL de 19/11/2020, proc. 1194/14.3TVLSB.L2-2, com indicação de vários acórdãos no sentido que segue).
Isto porque, a alteração da lei visou acabar com uma forma de a parte vencedora obter da outra o pagamento da taxa de justiça que aquela pagou a mais. Considerou-se que esta situação era prejudicial para essa parte, porque ela tinha de pagar primeiro ao Estado e depois tinha de cobrar à outra parte o que tinha pago ao Estado, correndo o risco da falta de meios daquela, para além de ter de ser ela a exercer o esforço de cobrança de custas que cabiam ao Estado. Julgou-se pois que era outra a melhor forma de regulação das relações entre as partes e o Estado, considerando-se injusta a situação existente. Esta outra regulação é uma forma de imputação da obrigação de pagamento da taxa de justiça remanescente, dizendo como é que se deve elaborar a conta na parte que se refere à taxa de justiça remanescente que existir. Ora, não tem sentido deixar manter no tempo uma regulação que a lei considera que conduzia a uma situação injusta e inconstitucional. A lei dispõe, assim, directamente sobre o conteúdo destas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, pelo que, logicamente, tinha de abranger as próprias relações já constituídas, que subsistissem à data da sua entrada em vigor (art. 12/2 do CC). Isto é, todas as contas que devam ser elaboradas depois de a lei 27/2019 ter sido publicada devem ser elaboradas de acordo com ela (isto, evidentemente, excepto quando tal já não seja possível, designadamente por já ter sido paga a taxa de justiça remanescente, o que não é o caso dos autos). A Lei 27/2019 não o tinha de dizer, nem o disse de facto em norma transitória, pois que se tinha de aplicar a regra geral.
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Posto isto, veja-se então:
Os factos:
O caso diz respeito a uma acção proposta pela autora contra dois réus, intentada a 13/01/2016, pedindo que estes fossem condenados a pagar--lhe, na parte que agora importa, 695.000€ + juros de mora vencidos (à taxa de juros comerciais) no valor de 110.396,73€ (desde 01/02/2014 a 13/01/2016).
A autora pagou 1.632€ de taxa de justiça.
Na contestação, os réus requereram a intervenção principal de duas pessoas ao lado da autora e deduziram contra a autora e intervenientes reconvenção pedindo, na parte que importa, que a autora e os intervenientes fossem condenados solidariamente a restituírem 811.146,47€ e a pagaram uma indemnização de 2.819.606,40€.
A ré pagou 816€ de taxa de justiça (1.ª prestação) e depois 408€ pelo incidente de intervenção principal provocada. Não chegou a pagar a 2.ª prestação de taxa de justiça.
O réu teve apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos.
A autora replicou e deduziu oposição ao incidente de intervenção. Não pagou a taxa de justiça devida pela oposição.
A 24/04/2017 foi deferida a intervenção principal, com custas a cargo dos requerentes, isto é, dos réus.
Os intervenientes contestaram a reconvenção e pagaram, 1.632€ de taxa de justiça.
No despacho saneador de 19/12/2017, foi decidido que o valor processual da causa era de 4.436.149,60€, correspondente à soma do pedido e da reconvenção.
Depois de realizado julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os réus a pagar à autora 695.000€ e 96.091,84€ de juros de vencidos, absolvendo os réus do pagamento de 14.304,89€ de juros vencidos. Os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes, tendo a autora e os intervenientes principais sido absolvidos dos pedidos contra eles formulados.
Quanto a custas foi dito:
Custas da acção pela autora e pelos réus, na proporção do decaimento e da reconvenção pelos réus reconvintes - artigo 527/1-2 do CPC -, reduzindo-se, ao abrigo do disposto no artigo 6/7, do RCP, o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 1/4, suportando apenas 3/4 da taxa de justiça remanescente - sem prejuízo da protecção jurídica concedida ao 2.º réu, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo"
Os réus recorreram deste acórdão.
Puseram em causa a decisão quanto a parte da reconvenção (queriam a condenação da autora e intervenientes a pagar a indemnização de 2.819.606,40€ e já não falavam na restituição dos 811.146,47€) e, quanto à acção puseram em causa, com base no abuso de direito, a condenação a pagarem 695.000€ e disseram, de qualquer modo, que este valor de 695.000€ estava errado - seriam apenas devidos 665.000€ - e, em consequência, estava também errado o valor dos juros vencidos.
A ré pagou 816€ de taxa de justiça.
A autora e os intervenientes contra-alegaram e pagaram 816€ de taxa de justiça.
O TRL proferiu acórdão julgando a apelação parcialmente procedente, condenando agora os réus a pagar à autora 665.000€ a título de capital, acrescida de juros de mora, à taxa de juro comercial, sobre o montante de 695.000€, vencidos desde 01/02/2014 até 09/03/2015, inclusive, e sobre o montante de 665.000€, vencidos desde 10/03/2015 até integral pagamento” [o que representa, de juros vencidos até 13/01/2016, 54.886€ + 39.817,99€ = 94.703,99€ – utilizou-se o calculador de taxas de https://www.homepagejuridica.pt/calculos/juros-comerciais].
Do que antecede resulta implicitamente a improcedência do recurso quanto à reconvenção. O acórdão não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça quanto ao recurso, mas não revogou a parte da sentença que tinha dispensado em ¼ a taxa de justiça remanescente na acção.
Quer isto dizer que a autora em vez de ter direito a 695.000€ (capital) + 110.396,73€ (juros vencidos) = 805.396,73€, tem apenas direito a 665.000€ + 94.703,99€ = 759.703,99€ (sendo a diferença: 45.692,74€, e não, como diz a autora nas suas alegações, apenas 14.304,89€ ou 30.000€ conforme se refira à sentença de 1.ª ou ao acórdão do TRL).
Assim, em relação ao valor total da acção (acção + reconvenção) temos que a autora podia ter decaído em 4.436.149,60€ (que era igual a 100%), mas só decaiu em 45.692,74€ (ou seja, em 1,03% - e os réus em 98,97%).
Quanto à apelação: os réus queriam que a decisão fosse alterada para que os reconvindos lhes pagassem 2.819.606,40€ e fosse revogada a condenação dos réus a pagarem à autora 695.000€ + 96.091,84€ de juros de vencidos (= 791.091,84€); podiam, pois, ter um ganho de 3.610.698,24€ (100%); em vez disso, só obtiveram a diminuição do valor da sua condenação, que passou a ser de 665.000€ + 94.703,99€ = 759.703,99€, em vez de 791,091,84€, ou seja: 31.387,85€ (= 0,87%). O decaimento na apelação é, assim, 99,13% para os réus e 0,87% para a autora (e intervenientes).
Autora e réus foram condenados nas custas, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da protecção jurídica concedida ao réu apelante.
O réu (que tem apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e encargos) interpôs uma revista excepcional contra o ac. do TRL que foi admitida pelo STJ; nada disse quanto ao valor da revista. A autora e intervenientes contra-alegaram e a autora pagou 816€ de taxa de justiça. A revista excepcional foi julgada improcedente, com custas pelos réus [sic]. O Sr. funcionário não teve em conta as custas deste recurso porque foi o réu que foi totalmente condenado e ele tinha apoio judiciário, sendo que da parte da autora tinha sido pago tudo o que havia a pagar (isto é, a taxa de justiça inicial).
*
Na conta da autora consta o seguinte, na parte que importa:
Quanto à acção
Base tributável: 4.436.149,60€
Taxa de justiça remanescente dispensada: ¾
Taxa devida: 39.550,50€
Taxa paga 2.284,80€
Taxa em dívida: 37.265,70€
Mesmo antes de entrar na discussão da matéria do recurso, há pelo menos três erros no que antecede:
- Logo quanto à taxa de justiça devida, que é de 39.958,50€ e não 39.550,50€, pois que o que foi dispensado foi 1/4 da taxa de justiça remanescente, não de toda a taxa de justiça. Pelo que o valor correcto da taxa devida (remanescente + inicial) seria: 167 UC x 3 = 501 - ¼ = 375,75 UC + 16 UC = 391,75UC x 102€ = 39.958,50€.
- O referido pagamento de 2.284€ resulta da soma dos 1.632€ pagos pela autora na acção + 652,80€ de uma multa de 30/06/2016. Ora, as multas não são taxa de justiça.
- Por fim, não se teve em conta a taxa de justiça que a autora pagou na providência cautelar, 816€, falta de consideração que viola o art. 539/2 do CPC: “quando se trata de procedimentos cautelares, a taxa de justiça paga é atendida, a final, na acção respectiva.”
(II)
Quanto ao que resulta da discussão deste recurso:
O valor total da acção eram 4.436.149,60€ e, como se demonstrou acima, a autora só perdeu 45.692,74€ (de capital e de juros devidos). Ou seja, temos um decaimento, para a autora, de 1,03% e para os réus de 98,97%.
Aqui aplicam-se de pleno as razões referidas acima: seria incompreensível que se a autora tivesse tido um ganho de 100% não tivesse de pagar nada (por força da nova redacção do art. 14/9 do RCP) – porque essa obrigação passava a ser dos réus, mas, perante um ganho de 98,97% já tivesse que pagar 100%, ou seja, no caso, 38.326,50€ [= taxa de justiça remanescente, calculada a seguir], embora com direito a reaver da ré tal montante a título de custas de parte. Não há qualquer razão substancial que justifique esta diferença.
Assim, nesta parte (acção) a conta da autora terá de ser elaborada assim:
Base tributável: 4.436.149,60€
Taxa inicial devida pela autora = 16 UC x 102€ = 1.632€.
Taxa remanescente = 167 UC x 3 x 102€ = 51.102€€
¾ da taxa remanescente = 38.326,50€
1,03% da taxa remanescente da autora = 394,76€      
1,03% da taxa remanescente da ré = 394,76€ 
Total a pagar: 1.632€ + 394,76€ + 394,76€ = 2.421,52€      
Taxa paga 1.632€ + 816€ = 2448€
Taxa em excesso: (-26,48€)
Em contrapartida, a conta da 1.ª ré tem de ser elaborada assim, nesta parte (acção):
Base tributável: 4.436.149,60€
Taxa inicial devida pela ré: 16 UC x 102€ = 1632€.
Taxa remanescente = 167 UC x 3 x 102€ = 51.102€€
¾ da taxa remanescente = 38.326,50€
98,97% da taxa remanescente da ré = 37.931,74€.                
98,97% da taxa remanescente da autora = 37.931,74€                      Total a pagar: 1.632€ + 37.931,74€ + 37.931,74€ = 77.495,48€.
Taxa paga 1.632€.
Taxa em dívida: 75.863,48€.
(III)
Quanto à apelação, a conta da autora terá de ser elaborada assim:
Base tributável: 4.436.149,60€
Taxa inicial devida pela autora: 8 UC x 102€ = 816€.
Taxa remanescente 167 UC x 1,5 x 102€ = 25.551€
0,87% da taxa remanescente da autora = 222,29€                 
0,87% da taxa remanescente da ré = 222,29€
Total a pagar: 816€ + 222,29€ + 222,29€ = 1260,58€           
Taxa paga 816€
Taxa em dívida: 444,58€
Quanto à apelação, a conta da ré terá de ser elaborada assim:
Base tributável: 4.436.149,60€
Taxa inicial devida pela ré: 8 UC x 102€ = 816€.
Taxa remanescente 167 UC x 1,5 x 102€ = 25.551€
99,13% da taxa remanescente da ré = 25.328,71€     
99,13% da taxa remanescente da autora = 25.328,71€          
Total a pagar: 816€ + 25.328,71€ + 25.328,71€ = 51.473,42€
Taxa paga 816€.
Taxa em dívida: 50.657,42€
(IV)
Outra questão que a autora levanta tem a ver com a intervenção de terceiros:
Na conta da autora – e também na da ré - considerou-se que a intervenção de terceiros tinha o valor de 4.436.149,60€ e considerou-se que a taxa devida era de 19.775,25€, correspondentes a ¾ - responsabilidade 50% (os outros 50%, como se vê, ficam, nesta lógica, para a ré. Ou seja, na conta da ré também constam estes 50%).
A autora diz que esta parte da conta não tem razão de ser, pelas mesmas razões já adiantadas quanto à 1.ª questão, e ainda porque os intervenientes, tendo sido admitidos a intervir como associados da autora, não foram na mesma vencidos na reconvenção; em qualquer caso, diz, acham-se contabilizadas supra a totalidade das custas que seriam devidas pela acção, não havendo qualquer fundamento para cobrar mais 50% da taxa de justiça, pelo simples facto de que a autora tenha tido de ter os intervenientes como co-autores e como co-reconvindos.
Apreciação:
Tal como a conta se encontra elaborada temos uma duplicação de valores. É como se houvesse duas acções com o mesmo valor somado de acção + reconvenção, apenas com a diferença de, na 2.ª acção, se ter dividido a taxa de justiça pelas duas partes, autora e ré, alias sem qualquer fundamentação.
Isto não tem razão de ser.
Os intervenientes, réus reconvindos, são litisconsortes da autora e, aliás, só na reconvenção. Por um lado, eles não têm nada a ver com o pedido feito pela autora. Por outro lado, de acordo com o art. 530/4 do CPC, “[h]avendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes.”
Quer isto dizer que só pode haver, do lado da autora/intervenientes, uma taxa de justiça, que é paga só pelo litisconsorte que figure como parte primeira e isto tanto vale para o caso de o litisconsórcio ser activo como passivo. Neste sentido, veja-se o ac. do TRC de 28/05/2019, proc. 6770/18.2T8CBR-A.C1, Salvador Costa, pág. 16, e, desenvolvidamente, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2, 3.ª edição, Almedina, 2017, páginas 427 e 428 (que lembram também os acórdãos do TRL de 24/03/2011, proc. 891/09.0TBLNH.L1-2, e do TRL de 03/11/2011, proc. 825/09.1TBLNH-A.L1-6: “[…] No regime constante do artigo 447.º-A do CPC [antes da reforma - TRL] e do RCP, nos casos de litisconsórcio, seja necessário seja voluntário, ocorrendo ou não a prática conjunta de um mesmo e único acto processual sujeito ao pagamento de taxa de justiça, é devido sempre o valor singular da taxa de justiça, sendo solidária a responsabilidade pelo seu pagamento, tal como o era no âmbito do CC.” No mesmo sentido, veja-se ainda a extensa parte 11 do ac. do TRL de 19/11/2020, proc. 1194/14.3TVLSB.L2-2).
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (obra e local citados) esclarecendo “que não se vê razão para que o regime do litisconsórcio não se aplique no caso de intervenção principal, espontânea ou provocada, de terceiro que, litisconsorciando-se cm o autor ou com o réu, não deduza ou não seja destinatário da dedução, de pedido que amplie o objecto do processo”, lembram que o art. 13/7-b do RCP - norma que terá pesado na decisão do contador destes autos de duplicar as custas - contraria este entendimento que é o correcto.
Mas, como resulta da posição destes autores, esta norma – art. 13/7-b do RCP - não tem qualquer razão de ser.
Basta imaginar a hipótese de os intervenientes da acção, por força da provocação dos réus, que contra eles deduziu a reconvenção, já serem, antes disso, litisconsortes da autora. Era só a autora, então como primeira autora, que tinha que pagar uma taxa de justiça por força do art. 530/4 do CPC (ou o reforço da taxa de justiça por força do aumento do valor da acção, ou nada, no caso, que é o dos autos, de o valor da acção já ultrapassar 275.000€). O facto de os intervenientes só terem passado a estar nos autos com a reconvenção, dando por isso, menos trabalho no processo – porque antes não estavam no processo e porque não deduziram um pedido contra os réus -, não pode servir para, a nível das custas, duplicar a acção e reconvenção. Para o que interessa ao caso dos autos, há que concluir que o art. 13/7-b do RCP não se pode aplicar nunca aos casos em que o interveniente é um litisconsorte e não há nenhum pedido autónomo contra ele. Se tem ou não outro possível âmbito de aplicação não interessa ao caso.
Menos razão ainda existe para ter posto também a cargo da ré, taxa de justiça também pela intervenção de terceiros.
Coisa diferente seria a taxa de justiça devida pelo incidente de intervenção de terceiros.
Por força do art. 539/1 do CPC – A taxa de justiça dos procedimentos cautelares e dos incidentes é paga pelo requerente e, havendo oposição, pelo requerido.
A taxa de justiça é devida nos termos do art. 7/2 do RCP e três últimos rectângulos da tabela II anexa ao RCP, isto é, cada umas partes, autora e réus deviam ter pago 4UC de taxa de justiça, visto que o valor do incidente era igual ou superior a 30.000,01€.
Como a autora não pagou a taxa de justiça, devia constar agora na sua conta 408€.
Mas, como se viu acima, o tribunal fixou as custas do incidente pelos réus, sem restrições, e o contador, talvez por isso, não fez a conta deste incidente, sendo que o recurso da autora não abrange obviamente isto. 
Assim, quanto à intervenção de terceiros, a autora não tem nada a pagar e os réus, que pagaram a taxa de justiça devida por eles, também não têm nada a pagar.        Ou seja, as partes relativas à intervenção de terceiros têm de ser eliminadas das contas, quer da autora quer da ré.
*
(V)
A autora recorreu do despacho que admitiu a intervenção dos terceiros, o que deu origem ao apenso B.
Não disse nada quanto ao valor do recurso.
Pagou 816€ de taxa de justiça.
O réu contra-alegou mas tem apoio judiciário.
A apelação foi julgada improcedente com custas pela autora.
Na conta da autora consta:
Valor tributável: 4.436.149,60€
Tabela I-B
Taxa de justiça devida: 26.367€.
Taxa paga: 816€
Taxa em dívida: 25.551€.
A autora entende que a taxa devia ser calculada pela tabela II-A do RCP, por se tratar da tributação de recurso de um incidente de intervenção de terceiros, nominado e expressamente tipificado na referida tabela, para efeitos de custas, devendo o recurso ser tributado do mesmo modo.
Como fundamento diz que a fixação do valor da causa não serve como base tributável de todas as ocorrências processuais, como por exemplo nos incidentes e nos procedimentos cautelares que, nos termos do art. 7/4 do RCP, devam ser tributados de acordo com a Tabela II anexa ao RCP, isto é, em 4 UC ou 2 UC, consoante a causa tenha, ou não, valor igual ou superior a 30.000,01€, ou seja, no caso, atento o valor da acção, pela tributação mais elevada, em 4 UC, não havendo, por isso, taxas de justiças remanescentes; acrescenta que é óbvio que, nos termos da lei em vigor, o legislador tributa os recursos de forma menos gravosa do que o impulso processual inicial de uma acção: é o que resulta inequivocamente da comparação entre a Tabela I-A e I-B anexa ao RCP, e a mesma regra tem de valer para tributação dos recursos nos incidentes e nos procedimentos cautelares: se a tributação destes está limitada nos termos da Tabela II, então os recursos que nesse âmbito sejam interpostos e tramitados não podem ser tributados pela Tabela I-B, sob pena de manifesta e injustificada desproporcionalidade. Invoca, no mesmo sentido e com desenvolvimento, os três acórdãos das Relações que serão referidos a seguir.
Ou seja, segundo a autora a taxa de justiça devia ser só de 4 UC.
Apreciação:
A autora não tem razão, tal como já foi dito pelo relator deste acórdão no despacho antes da admissão do recurso, que se passa a parafrasear:
A taxa de justiça a pagar pelo impulso do recurso é, por força do art. 6/2 do RCP, sempre fixada nos termos da tabela I-B.
É certo que alguns acórdãos das relações entendem que a taxa de justiça dos recursos, nestes casos, é calculada de acordo com a tabela II do RCP – assim, os acórdãos do TRE de 09/11/2017, proc. 2052/15.0T8FAR.E2, do TRG de 24/01/2019, proc. 2589/17.6T8BRG-A. G1, do TRE de 27/06/2019, proc. 1489/09.8TBVNO-A.E1 e do TRP de 13/01/2020, proc. 10526/19.7T8PRT-A.P1.
Mas fazem-no - criando e aplicando um regime próprio para o caso, que entendem como mais justo -, sem razão, porque o juiz deve aplicar a lei tal como ela existe e não como entende que ela devia ser e o regime legal é claro e decorre da norma do art. 6/2 do RCP já citada, reforçada pela do art. 7/2 do RCP: Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela I-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.
Neste sentido, vai o acórdão do STJ de 29/03/2022, proc. 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1: “I - Nos recursos (que para efeitos do RCP se consideram processo autónomo – art. 1º, nº 2) a taxa de justiça “é sempre fixada” ou, “é fixada” nos termos da tabela I-B, tal como preceituam os nºs 2, dos arts. 6º e 7º, do Regulamento”, acórdão este que refere e rejeita, com toda a razão, aqueles acórdãos e ainda invoca a favor de tal posição a obra de Salvador da Costa, “As Custas Processuais - Analise e Comentário, a pág. 127 refere que “resulta dos artigos 6º, nº 2 e 7º, nº 2, que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B…” e especifica a pág. 130 que “a taxa de justiça devida nos recursos de decisões proferidas nas espécies processuais constantes da tabela II é calculada com base na tabela I-B, do que pode resultar ser a taxa de justiça do recurso superior à da causa.” No mesmo sentido, ainda, veja-se o ac. do STJ de 06/09/2022, proc. 3516/18.9T8BRR-J.L1.S1.
E este regime não sofre de qualquer inconstitucionalidade, pois que, para além do mais (por exemplo, o que é referido no ac. do STJ), os recursos não diferem substancialmente conforme sejam interpostos de decisões proferidas nas acções, ou nos incidentes ou nos procedimentos cautelares. São tão complicados, ou tão pouco complicados, naquele como nestes casos, não se justificando por isso que nestes casos fosse aplicada uma taxa substancialmente inferior à da que é aplicada naquele caso.
Um recurso, por exemplo, mesmo contra um simples despacho que decide uma reclamação de conta, pode implicar tanto trabalho e estudo quanto um outro qualquer recurso contra uma sentença de mérito de uma acção.
Posto isto, a conta da autora, nesta parte (apelação, apenso B), devia ter sido elaborada como o foi pelo contador, tendo em consideração que a autora ficou vencida e que o réu contra-alegante beneficia de apoio judiciário que o dispensa do pagamento da taxa de justiça, embora aqui se prefira a seguinte demonstração (com o mesmo resultado).
Valor tributável: 4.436.149,60€
Tabela I-B
Taxa de justiça inicial: 816€.
Taxa de justiça remanescente da autora: 25.551€ (= 167 UC x 1,5 x 102€).
Total: 816€ + 25.551€ = 26.367€
Taxa de justiça paga: 816€
Taxa em dívida: 25.551€.
(VI)
A conta, no que se refere ao recurso do apenso E, faz o cálculo da taxa de justiça de acordo com a tabela I-B e a autora quer que seja calculada de acordo com a tabela II, por se tratar da tributação do recurso de um incidente (de contradita) que o tribunal a quo determinou dever ser tributado pelo art. 7/4 do RCP.
A fundamentação é a mesma que aquela que adiantou contra a parte da conta que se refere ao recurso/apenso B; a autora chama a atenção que tendo a decisão do incidente sido tributada em 1.ª instância pelo valor singelo de 2UC (ou seja, 204€), o respectivo recurso não pode ter um custo de 26.367€, ou seja, 129,25 vezes mais caro. A autora quer que a taxa de justiça seja fixada, neste caso, entre 0,5 UC e 5 UC (outros incidentes).
Apreciação
O recurso do apenso E foi interposto pelo réu que tem apoio judiciário (e por isso não pagou a taxa de justiça). Trata de um incidente de contradita. O TRL deu razão ao réu, julgando procedente o recurso com custas pela autora e intervenientes (que tinham contra-alegado, pagando 816€ de taxa de justiça).
O valor do recurso é o valor da causa (art. 12/2 do RCP)
A autora não tem razão pelas razões já referidas para o apenso B: a taxa de justiça é calculada pela tabela I-B e não II do RCP.
De qualquer modo, quanto à disparidade/desproporcionalidade adiantada pela autora, há que ter em consideração que ela poderia não se verificar se o valor do recurso tivesse sido discutido pela autora, tendo em consideração o disposto no art. 12/2 do RCP e o art. 305 do CPC. E era então que a questão devia ser discutida, não o podendo ser agora. E que é mais um argumento contra a arguida inconstitucionalidade.
Posto isto.
A conta da autora, nesta parte (apelação, apenso E), foi elaborada como devia ser (como segue), tendo em consideração que a autora ficou vencida e o réu recorrente tem apoio judiciário:
Valor tributável: 4.436.149,60€
Tabela I-B
Taxa de justiça inicial: 816€.
Taxa de justiça remanescente da autora: 25.551€. (= 167 UC x 1,5 x 102€).
Total: 816€ + 25.551€ = 25.551€
Taxa de justiça paga: 816€
Taxa em dívida: 25.551€.
(VII)
A conta, no que se refere ao recurso do apenso F, também faz o cálculo da taxa de justiça de acordo com a tabela I-B e a autora quer, pelas razões já referidas a propósito do apenso B, que seja calculada de acordo com a tabela II, por se tratar da tributação do recurso de um procedimento cautelar, cuja tributação se deve fazer, por força do art. 7/4 do RCP, pelas taxas da respectiva Tabela II. A autora entende que a tributação deve ser de 8 UC, ou, no máximo, 20 UC (a admitir tratar-se de procedimento de especial complexidade).
Subsidiariamente, a autora defende que mesmo que a tributação devesse ser feita à luz da Tabela I-B, as custas deviam ser recontadas por aplicação, como base tributável, do valor atribuído ao procedimento (948.273,71€).
Apreciação:
O recurso do apenso F foi interposto pela autora de um indeferimento liminar de um arresto que ela requereu contra o réu em 03/04/2019. O valor do arresto era de 948.273,71€. A autora pagou 816€ de taxa de justiça pelo recurso. O recurso foi julgado improcedente com custas pela autora. Não houve contra-alegações.
Quanto à argumentação principal, a autora não tem razão pelas razões já referidas para o apenso B. Quanto à argumentação subsidiária é óbvia a razão da autora: tendo o arresto um valor próprio, o valor a considerar é esse e não o da acção.
A conta da autora, nesta parte (apelação, apenso F), devia ter sido elaborada assim, tendo em consideração o que foi dito sobre o art. 14/9 do RCP e que, no caso, a autora ficou vencida e os réus não contra-alegaram (e por isso não têm de pagar qualquer taxa de justiça).
Valor tributável: 948.273,71€
Tabela I-B
Taxa de justiça inicial: 816€.
Taxa de justiça remanescente: 4.131€ (= 27 UC x 1,5 x 102€).
Total: 816€ + 4.131€ = 4.947€
Taxa de justiça paga: 816€
Taxa em dívida: 4.131€.
(VIII)
A conta, no que se refere ao recurso do apenso G, também faz o cálculo da taxa de justiça de acordo com a tabela I-B e a autora quer – pelas razões já referidas para o apenso B - que seja calculada de acordo com a tabela II, por se tratar da tributação do recurso de um incidente, que, em primeira instância, dever ser tributado pelo art. 7/4 do RCP, que remete para as taxas fixadas na respectiva Tabela II. A autora quer que a taxa de justiça seja fixada, neste caso, entre 0,5 UC e 5 UC (outros incidentes).
Apreciação:
O apenso G corporiza uma apelação da autora contra um despacho de indeferimento da sua pretensão de aditamento do rol de testemunhas depois do prazo de 20 dias. A apelação foi julgada improcedente, com custas pela autora. Os réus não contra-alegaram.
A conta da autora, nesta parte (apelação, apenso G), devia ter sido elaborada como o foi, tendo em consideração que a autora ficou vencida e os réus não contra-alegaram (e, por isso, não tinham de pagar taxa de justiça).
Valor tributável: 4.436.149,60€
Tabela I-B
Taxa de justiça inicial: 816€.
Taxa de justiça remanescente da autora: 25.551€. (= 167 UC x 1,5 x 102€).
Total: 816€ + 25.551€ = 26.367€
Taxa de justiça paga: 816€
Taxa em dívida: 25.551€.
(IX)
O apenso A é um procedimento cautelar requerido pela autora contra os réus, intentado em 12/11/2014, pelo qual a autora pagou 816€ de taxa de justiça. Teve oposição dos réus. A ré pagou 816€ taxa de justiça. O arresto foi mantido. As custas ficaram a cargo dos réus.
Os réus interpuseram recurso e pagaram 816€ de taxa de justiça.
A autora contra-alegou e pagou 816€ de taxa de justiça.
O recurso foi julgado improcedente com custas pelos réus.
Na conta da autora consta uma parte dedicada ao apenso A, onerando-a com o valor de 6.630€ de taxa de justiça em dívida (calculada sobre o valor do procedimento cautelar de 739.513,32€).
A autora reclamou contra isto.
O contador deu-lhe razão, dizendo que não tinha atentado que a autora ganhou o recurso.
A reclamação foi deferida, pelo que esta parte da conta considera-se eliminada.
(X)
O apenso D corporiza um recurso interposto pelo réu – que tem apoio judiciário - contra um despacho que admitiu uma alteração do rol de testemunhas. A autora contra-alegou e pagou a taxa de justiça devida.
O recurso foi julgado improcedente com custas pelo réu.
Na conta da autora consta uma parte dedicada ao apenso D, onerando-a com o valor de 25.551€ de taxa de justiça em dívida.
A autora reclamou contra isto.
O contador deu-lhe razão, dizendo que não tinha atentado que a autora ganhou o recurso.
A reclamação foi deferida, pelo que esta parte da conta considera-se eliminada.
*
Em suma:
A conta da autora, tal como devia ter sido elaborada, dava o seguinte quanto ao devido pela autora:
Processo principal
Da acção = -26,48€ (excesso)
Da apelação = 444,58€
Da intervenção de terceiros = nada
Recurso / Apenso B = 25.551€.
Recurso / Apenso E = 25.551€.
Recurso / Apenso F = 4.131€.
Recurso / Apenso G = 25.551€.
Logo, deve: 80.757,52€
A conta da ré resume-se, na parte das dívidas, e em contraparte da procedência do recurso da autora, ao seguinte:
Acção = 75.863,48€.
Apelação = 50.657,42€
Total = 126.520,90€                
*
O valor do recurso e o valor da sucumbência
O art. 12 do RCP dispõe que “Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção”
A autora não indicou o valor do recurso, mas daí não decorre, sem mais, que o valor do recurso deve ser o valor da acção. Tal não acontecerá, desde logo, se a outra parte disser algo quanto ao valor do recurso, caso em que a questão terá de ser discutida e decidida pelo juiz (artigos 305 e 308 do CPC). E, por outro lado, não acontecerá se, face aos elementos disponíveis, o tribunal de recurso entender, quando decide o recurso, que o valor da sucumbência é determinável e é outro que não o valor da acção (artigos 306 e 308 do CPC, aplicável com as adaptações devidas ao facto de estar em discussão o valor do recurso).
No sentido de que o valor da causa não funciona como cominação para a não indicação do valor da sucumbência, veja-se o ac. do STJ de 28/03/2019 (413/14.0TBOAZ.P2.S2), onde o respectivo recorrente indica outros três acórdãos no mesmo sentido, dos quais se encontraram dois, um deles com outro número, os do TRG de 26/03/2015, proc. 1269/06.2TBBCL-B.G1, e do TRL de 17/01/2013, proc. 3824/10.7TBVFX.L1-6; contra aquele acórdão, Salvador da Costa, obra citada, pág. 127, nota 84, indica o ac. do STJ de 04/06/2019, proc. 2493/11.1TVLSB.L1.S2 (só existe disponível o sumário, no sítio do STJ) explanando depois as razões para não ser admitido outro valor: a secretaria tem de poder controlar se o pagamento da taxa de justiça está de acordo com o valor que é devido e só o pode fazer se ele for indicado pelo recorrente, não lhe incumbido estar a interpretar o conteúdo das alegações do recorrente. Mas a esta objecção, pode responder-se que tal não impede que o tribunal do recurso, durante a apreciação deste, possa chegar a um resultado diverso.
Não se aceita, no entanto, ao contrário do que faz o acórdão do STJ de 28/03/2019, que se possa chegar ao ponto de entender que o contador, ao elaborar a conta, também possa fixar ao recurso um valor diferente ao da acção, isto é, sem que o valor da sucumbência tivesse sido indicado no requerimento do recurso ou fixado pelo acórdão que decidiu o recurso. Nem que, caso tenha dúvidas, as possa colocar, para que o juiz as venha a decidir nesse sentido. Ou que as partes possam reclamar da conta com o fundamento de que apesar de não ter sido fixado outro valor ao recurso, o contador o devia ter tido em conta. E não se aceita nada disto, porque as partes têm um momento próprio para se pronunciarem sobre o valor da acção / recursos / incidentes (normas já indicadas), findo o qual, e findo o processo com trânsito em julgado, não podem, por força do princípio da preclusão, estarem a levantar questões que não levantaram no momento próprio. E não é no momento da elaboração da conta que o contador, ou as partes, vão levantar e discutir a questão do valor da acção, dos incidentes ou dos recursos já decididos com trânsito em julgado. Nem é o juiz da causa que vai, por força das dúvidas do contador, ou das questões extemporaneamente levantadas pelas partes, alterar o valor da acção, dos incidentes ou recursos, no despacho sobre as dúvidas do contador ou sobre a reclamação da conta. O momento para discutir o valor daqueles é no início deles e não quando a conta é elaborada, estando nessa altura já precludida esta questão.
Posto isto.
Na conta final de Fevereiro de 2022 tinha sido pedido à autora o pagamento de 216.160,95€.
A autora reclamou contra esta conta.
Depois da reclamação desapareceram as partes da conta relativas aos apensos A e D, ou seja, os valores de 6.630€ + 25.551€, pelo que lhe passaram a ser pedidos apenas 183.979,95€ que são confirmados pela decisão recorrida.
No recurso desta decisão é evidente que o valor da sucumbência não pode ser superior a 183.979,95€, pelo que o valor do recurso não pode ser o valor da acção, que é de 4.436.149,60€.
Por outro lado, na apreciação do recurso torna-se claro que o que a autora queria pagar era só 1.631,85€, que é igual à soma do seguinte:
Da acção = 127,54€
Da apelação = 178,31€
Da intervenção de terceiros = nada
Recurso / Apenso B = 408€.
Recurso / Apenso E = 51€.
Recurso / Apenso F = 816€.
Recurso / Apenso G = 51€.
Ou seja, de 183.979,95€ a autora só queria pagar 1.631,85€, o que dá a diferença de 182.348,10€. É este o valor da sucumbência em relação ao despacho que decidiu a reclamação da conta, pelo que é esse o valor do recurso (art. 12/2 do RCP).
Dos 182.348,10€ (100%) que assim estava em causa, a autora teve um ganho de 101.554€, já que a sua conta final só terá agora o valor de 80.757,52€. O decaimento da autora neste recurso é, assim, de 44,29%, e o da ré é de 55,71%.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, devendo a conta final da autora ser reformulada do modo descrito acima [em (II) e (III), página 12; último § de (IV) = 2.º§ da página 15; e em (VII), páginas 18 e 19; – note-se que se mantém as partes das contas relativas aos apensos B, E e G e já tinham sido eliminadas as partes da conta relativa aos apensos A e D], com o resultado final de 80.757,52€ em dívida da autora; e a conta final da ré deve ser reformulada, do modo descrito acima [em (II) e (III) página 12; último § de (IV) = 2º§ da página 15], com o resultado de o valor devido pela ré (sem contar com o já pago) ser de 126.520,90€        .
Valor do recurso para efeitos de custas: 182.348,10€.
Custas deste recurso, na vertente de custas de parte, pela autora em 44,29% e pela ré em 55,71%.

Lisboa, 24/11/2022
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas