RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA DA PENA
TOXICODEPENDÊNCIA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. A ilicitude acentua-se pela dedicação ao tráfico de estupefacientes a partir de 2017, ou seja, pelo período, pelo menos de 4 anos.
II. Tal como examinado no acórdão, não se tendo provado a existência de organização e, consequentemente, de liderança, resulta da matéria de facto fixada, uma preponderância do Recorrente e de outro na iniciativa e no alargamento do número de intervenientes na venda, refletida no leque diferenciado de penas aplicadas.
III. Não se verifica motivo que permita identificar violação do disposto nos artigos 40º., 70º., 71º.e 72º., todos do Código Penal, bem como do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição da República.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. O arguido AA, identificado nos autos, não se conformando com o Acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., em 22 de abril de 2022, veio interpor recurso para o Tribunal da Relação ... que, por Decisão Sumária de 8 de agosto de 2022, se declarou incompetente, remetendo os autos a este Tribunal.

O arguido foi condenado pela prática em co-autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21º do DL 15/93, de 22/01, na pena de cinco anos e oito meses de prisão.

Requereu que, o presente recurso “seja julgado em audiência a fim de aí ver debatidos os seguintes pontos da motivação de recurso (artigo 411.º, n.º 5, do CPP):

- Erro na determinação da medida da pena;

– Substituição da pena de prisão – suspensão da execução da pena.”

2. Formulou as seguintes conclusões (transcrição):

“a) O Acórdão recorrido condenou o Arguido pela prática de um crime de trafico de estupefacientes;

b) A prova produzida funda-se na violação da Constituição da República nos termos do vertido no acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional;

c) O processo penal português comunga dos princípios do justo processo, consubstanciados normativamente na Constituição da República Portuguesa, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Código de Processo Penal e legislação avulsa.

d) A epistemologia do processo penal é de natureza cognitiva, instruído com as provas recolhidas de modo lícito, transparente, leal, acautelando sempre o direito de defesa.

e) Na verdade, emerge o presente recurso da discordância parcial em relação ao acórdão que condenou o Arguido na pena de 5 anos e meses de prisão

f) As razões de discordância com a decisão são no que tange à aplicação do direito:

g) A pena de prisão determinada pela Sentença Recorrida é manifestamente exagerada relativamente ao Arguido.

h) É nosso entendimento que tal pena é manifestamente excessiva e desproporcional face aos factos apurados e que deverá ser reduzida.

i) O Recorrente está integrado familiar e socialmente, nunca teve qualquer problema com a justiça, confessou parte dos factos, é toxicodependente, não tirou qualquer proveito económico dos factos praticados e mostrou-se arrependido.

j) Assim sendo, a medida da pena aplicada, bem acima do limite mínimo, é desadequada e desajustada face aos factos dados como provados e ao mal evitado.

k) Entendemos que o Acórdão ora recorrido é desarrazoado na fixação da pena.

l) No que corresponde à determinação da medida concreta da pena que se adeque ao comportamento do arguido, deve atender-se, em conformidade com o estipulado no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes.

m) Sabendo nós que a medida da pena não pode jamais ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2 do CP).

n) Na determinação concreta da pena, conforme positivado no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

o) O Arguido, como se disse, não tem antecedentes criminais.

p) Ponderadas todas as circunstâncias referidas, as concretas exigências de prevenção geral e especial e a moldura penal em causa, afigura-se suficiente para satisfazer, de forma adequada, as exigências de prevenção especial que se fazem sentir, nomeadamente, para a “educação” do arguido para o direito e para determinar que o mesmo se abstenha de continuar a adoptar este tipo de condutas, a aplicação ao mesmo da pena de 5 anos;

q) Em conclusão, entendemos que no caso sub judice o Tribunal a quo, ao decidir nos termos em que o fez, violou o estabelecido nos artigos 40º e 71º do Código Penal ao fixar uma pena bastante acima do mínimo legal.

r) Em suma, repete-se, é manifesta a desadequação e desproporcionalidade da pena parcelar aplicada pelo Acórdão Recorrido pelo que deverá ser revista nos termos supra elencados.

s) Esta pena admite a suspensão da execução, por força do art. 50º, nº 1, do CP, medida expressamente solicitada pelo arguido e que sempre teria que ser ponderada, por força da mesma disposição legal.

t) A atividade criminosa do arguido decorreu num período em que ele se encontrava sem vínculo laboral, longe da família, sem “pouso certo”, e simultaneamente inserido num meio propício ao desenvolvimento de condutas ilícitas, nomeadamente relacionadas com o tráfico de estupefacientes.

u) A precariedade laboral e social, além da doença da toxicodependência facilitaram sem dúvida a adesão à atividade ilícita. Antes desse período o arguido não delinquiu. Desde que está preso preventivamente o Recorrente deixou de consumir e tem tentado desenvolver as suas capacidades.

v) Perante esta factualidade, é possível concluir que há fundamento para formular um juízo favorável quanto ao comportamento futuro do arguido. Um juízo arriscado, porventura bastante arriscado, mas que vale a pena assumir, em nome do princípio da ressocialização do condenado, que também integra os fins das penas.

w) Sendo certo que, a suspensão não deverá ser negada quando o risco não seja excessivo, quando não seja temerário.

x) É o que se afigura acontecer no caso dos autos.

y) Em face da pena de 5 anos de prisão, no contorno da caracterização jurídica pugnada pelo arguido, apenas importa aqui refletir a pena de substituição correspondente à suspensão da execução da pena.

z) O artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, estabelece que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

aa) A opção pela suspensão da execução da pena depende de um juízo de prognose favorável, centrado na pessoa do arguido e no seu previsível comportamento futuro.

bb) A suspensão da pena tem um conteúdo pedagógico e reeducativo, que se mostra orientado pelo desígnio de afastar o delinquente da via do crime, tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso.

cc) Trata-se, por conseguinte, de uma convicção subjetiva, embora fundada, do julgador, que não deixa de encerrar, decerto, um risco, emergente, nomeadamente, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso.

dd) Nesse domínio, importa assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não afronte ou postergue as finalidades da punição, devendo ela, na óptica da prevenção especial, beneficiar a reinserção social do condenado.

ee) De outra parte, atendendo às imposições da prevenção geral, compete acautelar que a comunidade não perspetive a suspensão, na situação concreta, como indício/sinal de indulgência ou impunidade, assim se evitando o desenvolvimento de qualquer desconfiança no atinente ao sistema repressivo penal.

ff) Por fim, assinale-se que a opção pela suspensão há de fundamentar- se nos elementos previstos no predito artigo 50.º, n.º 1: na personalidade do agente, nas condições da sua vida, na sua conduta anterior e posterior ao crime e nas circunstâncias deste.

gg) Face ao alegado, diga-se que, na situação sub judice, apesar da relevância dos factos cometidos pelo arguido, impende, todavia, obtemperar o seguinte: os factos aqui em comento conformam uma situação episódica na vida do arguido; o arguido mostra-se, em termos adequados, inserido social e familiarmente; tem sentido crítico acerca dos crimes por si praticados; e de forma terminante, a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais.

hh) Face a estes factos importa concluir: a estabilização das expectativas comunitárias e a ressocialização do arguido não expostulam/demandam inexoravelmente o cumprimento efetivo da prisão, pois articulam-se, antes, com a concessão da uma oportunidade de ressocialização em liberdade; a aplicação de uma pena de prisão efetiva representaria uma preterição absoluta das expectativa de ressocialização dos arguido, colidindo com as exigências de prevenção geral e especial; o propósito da estabilização das expectativas comunitárias, que as penas pretendem salvaguardar, e os princípios ordenadores dos fins das penas, maiormente no quadrante reintegrador do agente, ficariam, assim, turbados/solapados pela punição excessiva, correspondente à prisão efetiva de arguidos integrado em termos sociais; a prisão efectiva consubstanciaria uma violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, pois que seria manifestamente desproporcionada em relação aos fins de prevenção especial e geral, requisitados pelo caso concreto; e as considerações de prevenção especial de socialização recomendam, pois, a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de tempo correspondente à pena de 5 anos que deve ser aplicada.

ii) Conclui-se, assim, por ser justo, adequado, equitativo e razoável, que a censura do facto e a ameaça da pena são bastantes para afastar o arguido da delinquência e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção, geral e especial, do crime.

jj) Observe-se também que, nos termos do estabelecido no artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”

kk) Assim, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, números 1, 4 e 5, do Código Penal, a execução da pena de prisão a aplicar ao arguido deverá ser suspensa, na sua execução, pelo período de 5 anos, com sujeição a um estreito regime de prova.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso e, em consequência, revogada a Sentença Recorrida, que deve ser substituído por outro que decidida em conformidade com o alegado.


3. Respondeu a Ex.ma Procuradora da República, na 1.ª Instância, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo: (transcrição)

“Na verdade, e da análise do acórdão proferido nos autos, considera-se que a pena encontrada pelo Tribunal a quo é equilibrada e proporcional, inferior ao meio da pena e cumpre os requisitos constantes quer do art. 71.º quer do art. 40.º do Código Penal.

Diga-se ainda, que apesar de o recorrente afirmar que o arguido estar integrado familiar e socialmente, não tirou qualquer proveito económico dos factos e é toxicodependente, tais factores não afastam a gravidade dos factos por ele praticados.

Ora, antes e no decurso da prática dos factos ilícitos o arguido já se encontrava integrado familiar e socialmente, e contrariamente ao que afirma, tirou um elevado proveito económico dos factos praticados, todavia, e devido à toxicodependência de que padece, dedicou os mencionados proveitos na compra de produtos estupefacientes que consumiu, não tendo nenhum daqueles argumentos impedido que o arguido tenha praticado durante o longo período de tempo que praticou, os factos ilícitos pelos quais vai condenado.

Assim sendo, e porque todos os fundamentos apresentados pelo arguido foram ponderados, tendo essa ponderação ocorrido à luz de todos os factos provados e circunstancialismo que os rodeou, conclui-se o acórdão posto em crise não merece qualquer reparo, devendo ser integralmente mantida a pena fixada ao arguido.

Mantendo-se a referida pena não é possível ponderar e aplicar a suspensão provisória do processo.

Todavia, e ainda que a pena fosse reduzida para os 5 anos de prisão, cumpre ainda afirmar que na óptica do Ministério Público nunca seria de aplicar a suspensão da execução da pena, porquanto não é possível efectuar um juízo de prognose favorável à conduta do arguido.

Veja-se que o recorrente, no decurso de uma pandemia, estando em vigor a obrigatoriedade de confinamento e fechadas as fronteiras, ainda assim continuou a dirigir-se a ... para adquirir produto estupefaciente, tendo continuado essa actividade, mesmo após ter sido interceptado e detido em 27.05.2022 pela GNR quando voltava daquele país, na posse de produto estupefaciente. O arguido após essa detenção continuou a sua conduta vendendo heroína e cocaína a largas dezenas de consumidores e tendo recrutado pelo menos três pessoas para o auxiliarem na sua actividade.

Por tudo o exposto, não enfermando o douto acórdão recorrido de qualquer vicio ou nulidade deve o recurso improceder confirmando-se aquele nos precisos termos em que foi proferido.”


4. O Ministério Público neste Tribunal tomou conhecimento.

Colhidos os vistos, o processo foi a julgamento.

O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), visando, no caso, o reexame da pena aplicada.

A audiência foi realizada, nos termos do art. 423.º, do CPP, a 12 de outubro de 2022.

No início da audiência, a Relatora enunciou as questões que, abordadas na motivação do recurso interposto pelo arguido e nas respetivas conclusões, considerou merecedoras de exame por parte deste Tribunal, nos termos do art. 423.º, n.º 1, do CPP.

O Ex.mo Mandatário do arguido, nas alegações oralmente proferidas, reiterou a posição defendida na motivação do recurso que interpôs.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Este Tribunal é, assim, chamado a apreciar e decidir sobre:

- Erro na determinação da medida da pena;

– Substituição da pena de prisão – suspensão da execução da pena.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. os factos:

O Acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, no que ao recorrente respeita: (transcrição)

“1. Desde data não concretamente determinada, mas pelo menos desde 2017, os arguidos AA e BB decidiram, em conjugação de esforços e intentos, de forma concertada e em colaboração mútua, vender produto estupefaciente a consumidores que os contactassem para o efeito, nomeadamente heroína e certas vezes cocaína.

2. Desde pelo menos 2020, os arguidos AA e BB então conjuntamente com os arguidos CC e DD, que os transportaram, adquiriram heroína e cocaína em ..., em locais próximos da ..., que introduziram em território nacional.

3. Entre os dias 10.01.2020 a 23.03.2020 e 10.07.2020 a 30.03.2021 o arguido AA deslocou-se um número não concretamente apurado de vezes a ... para adquirir produto estupefaciente (pelo menos umas 180 vezes).

4. Entre os dias 14.01.2020 a 23.03.2020 e de 10.07.2020 até 30.03.2021 o arguido BB deslocou-se um número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos uma vez por semana, a ... para comprar produto estupefaciente, habitualmente acompanhado pelo arguido AA.

5. Entre os dias 23.10.2020 e 30.03.2021 o arguido DD deslocou-se pelo menos umas 20 vezes a ..., na companhia do arguido AA e pelo menos uma vez com o BB para adquirir produto estupefaciente.

6. Em específico, no dia 27.05.2020, a hora não concretamente apurada, mas anterior às 21:15 horas, os arguidos AA e BB dirigiram-se a ... para adquirir produto estupefaciente, no veículo de marca Lancia, modelo ..., de matrícula ..-VC-.., propriedade do primeiro que o conduzia.

7. Nesse mesmo dia, pelas 21:15 horas, quando regressaram a Portugal, junto da ... com ..., mais concretamente na localidade de ..., foi dada ordem de paragem aos arguidos AA e BB pela GNR ....

8. Após, o arguido AA imprimiu mais velocidade na viatura que conduzia, seguindo em direção a ....

9. Todavia os arguidos foram intercetados algumas dezenas de metros mais à frente por outra patrulha da GNR, altura em que, sendo obrigados a parar, o arguido BB, arremessou pela janela um invólucro de plástico, contendo no seu interior contendo 24,2 gramas de uma substância de origem vegetal, semelhante à substância estupefaciente designada por heroína, bem como 0,8 gramas de uma substância de origem vegetal, semelhante à substância estupefaciente designada por cocaína, que destinavam à venda a terceiros.

10. Efetuado teste rápido ao produto estupefaciente acima referido e apreendido reagiu o mesmo a heroína e cocaína.

11. As referidas substâncias foram adquiridas momentos antes por ambos os arguidos AA e BB, em ..., a indivíduo cuja a identidade não foi possível apurar

12. Os referidos produtos estupefacientes tratam-se de:

a. heroína inscrita na Tabela I-A anexa ao Decreto Lei n.º 15/93, de 22/01, com 21,364 gramas de peso líquido, com um grau de pureza de 19,9% equivalente a um total de 42 doses médias diárias individuais de consumo segundo os limites estabelecidos pela Portaria n.º 94/96, de 26/03;

b. cocaína inscrita na Tabela I-B anexa ao Decreto Lei n.º 15/93, de 22/01, com 0,243 gramas de peso líquido, com um grau de pureza de 89,3% equivalente a um total de 7 doses médias diárias individuais de consumo segundo os limites estabelecidos pela Portaria n.º 94/96, de 26/03 (cfr. exame pericial a fls. 742).

13. A quantidade de heroína e cocaína que os arguidos detinham, para um total de 49 doses, na ocasião acima identificada, excede a dose média individual para dez dias, o que os arguidos bem sabiam.

14. No dia 18.09.2020, pelas 12:49 horas, os arguidos AA e BB deslocaram-se a ..., onde adquiriram produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportaram de volta para território nacional;

15. No dia 03.11.2020, pelas 10:35 horas, os arguidos AA e BB deslocaram-se a ..., onde adquiriram produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportaram de volta para território nacional;

16. No dia 07.01.2021, pelas 20:47 horas, os arguidos AA e BB, deslocaram-se a ..., utilizando para o efeito o veículo automóvel de matrícula ..-..-VT, onde adquiriram produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportaram de volta para território nacional;

17. No dia 08.01.2021, cerca 17:00 horas, o arguido AA deslocou-se a ..., onde adquiriu produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportou de volta para território nacional;

18. No dia 01.02.2021, cerca das 21:17 horas, o arguido AA deslocou-se a ..., onde adquiriu produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportou de volta para território nacional;

19. No dia 08.04.2021, pelas 19:41 horas, o arguido CC deslocou-se a ..., mais concretamente a local próximo do ponto de passagem de ..., onde adquiriu produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportou de volta para território nacional;

20. O produto estupefaciente adquirido pelos arguidos, do modo acima descrito, foi vendido diretamente por estes nas localidades do ..., ..., ..., em variados locais da cidade ... e localidades limítrofes, designadamente nas proximidades da Praceta ..., junto à residência do arguido AA, junto ao Centro Comercial ..., à ..., e, em regra, tais vendas eram antecedidas e combinadas através de contactos estabelecidos para os telemóveis do arguido AA, através do número ...40, e para o BB através dos números ...18 e ...82, bem como através da aplicação WhatsApp;

21. Na verdade, nos diálogos que mantinham com compradores, os arguidos AA e BB mostravam-se especialmente cuidadosos, evitando o uso de chamadas telefónicas, utilizando primordialmente a aplicação WhatsApp, que permite o estabelecimento de comunicações encriptadas, bem como no seu discurso, pois evitavam o uso de expressões conotadas com droga, utilizavam linguagem cifrada, utilizando, entre tantos outros, os termos: “morcelas”, “chouriço de sangue”, “50 marcos”, “spray branco”, “tinta branca”, “almoço” e “cafezinho”.

22. No desenvolvimento da atividade de venda de heroína e cocaína, no dia 01.10.2019, pelas 12:30 horas, o arguido AA fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula ..-CV-.., deslocou-se ao Bairro ..., na ..., e aí chegado encontrou-se com vários indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, a quem vendeu heroína e cocaína em quantidade e preço não concretamente apurados.

23. No dia 03.11.2019, pelas 15:00 horas, o arguido AA deslocou-se, fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula ..-CV-.., ao parque de estacionamento do ..., e aí chegado encontrou-se com indivíduo não identificado, a quem vendeu heroína em quantidade e preço não concretamente apurados.

24. O arguido DD em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados de 2020 e o dia 10.12.2020, após prévio contacto telefónico ou via WhatsApp com o arguido AA, pelo menos duas vezes por semana, deslocou-se às proximidades de umas escadas perto do grupo desportivo “O ...” ou na EN..., no ..., onde o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

25. Desde meados de 2020, os arguidos AA e BB, de modo a evitar a sua deteção pelas autoridades policiais, decidiram recorrer a outros indivíduos, designadamente aos arguidos DD e CC para o auxiliarem na sua atividade, nomeadamente para os acompanharem na compra de produto estupefaciente em ... e procederem a entregas, de modo esporádico, a consumidores.

26. Desde o início do mês de julho de 2020, como o arguido DD lhe contou que não tinha dinheiro para continuar a fazer aquelas compras o arguido AA propôs-lhe que aquele o auxiliasse e fosse consigo comprar produto estupefaciente, ao que aquele acedeu.

27. Assim, desde o início de julho de 2020 até 10.12.2020 o arguido AA foi comprar produto estupefaciente a ..., a cada 3 dias, com o arguido DD, no veículo de marca Opel, modelo ..., de matrícula ..-..-HD, após o compensando com uma dose de heroína.

28. Todavia e como naquele período o arguido DD aumentou os seus consumos, o arguido AA, quando aquele já não tinha produto estupefaciente, e quando aquele não tinha dinheiro para fazer face ao pagamento fiou-lhe a droga, tendo a dívida ascendido ao valor de 600€.

29. No dia 02.11.2020, pelas 19:14 horas, o arguido CC deslocou-se a ..., mais concretamente à localidade de ..., onde adquiriu produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, designadamente três doses de heroína e meia de cocaína, que transportou de volta para território nacional

33. No dia 22.11.2020, pelas 09:00 horas, os arguidos AA e CC deslocaram-se a ... onde se encontraram com individuo de identidade não concretamente apurada, e lhe adquiriram produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportaram de volta para território nacional;

29.A) No dia 22.11.2020, pelas 09:00 horas, os arguidos AA e CC deslocaram-se a ... onde se encontraram com indivíduo identificado como EE, e lhe adquiriram produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportaram de volta para território nacional;

30. No dia 10.12.2020, a hora não concretamente apurada mas próxima das 11:15 horas, os arguidos AA e DD, deslocaram-se a ..., utilizando para o efeito o veiculo automóvel de marca Opel, modelo ..., de matrícula ..-..-HD, propriedade de DD, onde adquiriram produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportaram de volta para território nacional;

31. No dia 19.12.2020, a hora não concretamente apurada mas próxima das 02:52 horas, na concretização do plano acima descrito, o arguido CC deslocou-se a ..., mais concretamente à localidade de ..., onde adquiriu produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína, designadamente três doses de heroína e meia de cocaína, que transportou de volta para território nacional;

32. No dia 08.04.2021, pelas 19:41 horas, o arguido CC deslocou-se a ..., mais concretamente a local próximo do ponto de passagem de ..., onde adquiriu produto estupefaciente, designadamente cocaína e heroína em quantidade e por preço não concretamente apurados, que transportou de volta para território nacional.

No desenvolvimento da atividade de tráfico de estupefaciente

33. Nas acima descritas circunstâncias de tempo, lugar e modo, os arguidos BB e AA no desenvolvimento dessa atividade de tráfico, de entre os muitos indivíduos a quem venderam produto estupefaciente, de modo repetido e habitual, contam-se:

34. FF (melhor id. a fls. 2027) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre janeiro de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto telefónico ou via WhatsApp com o arguido AA, e em número não concretamente apurado de vezes, mas pelo menos uma vez por semana, deslocou-se às proximidades de umas escadas perto do grupo desportivo “O ...”, na cidade ... e a local próximo da EN..., no ..., onde o arguido AA lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, 0,15 gr de heroína pelo valor de 20,00€ de cada vez.

35. GG (melhor id. a fls. 2036) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre janeiro de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto telefónico ou via WhatsApp com os arguidos AA e BB, deslocou-se às proximidades de umas escadas perto do grupo desportivo “O ...”, na cidade ..., bem como ao parque de estacionamento do ..., onde estes arguidos lhe venderam heroína, em quantidade não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ ou 20€ em cada uma das ocasiões, cujo número de vezes não foi possível apurar.

36. HH (melhor id. a fls. 2039) em datas não concretamente apuradas, mas situadas durante o ano de 2021, após prévio contacto telefónico com o arguido BB, pelo menos uma vez por semana, este vendeu-lhe, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidade não concretamente apurada, pelo valor de 10€ de cada vez. No dia 23.07.2020, pelas 15:09 horas, após prévio contacto telefónico com o arguido BB, deslocou-se à ..., onde o arguido BB lhe vendeu heroína em quantidade não concretamente apurada, pelo valor de 10€ (cfr. sessão 390 do alvo 114110040).

37. II (melhor id. a fls. 2042) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre dezembro de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto telefónico ou via WhatsApp com os arguidos AA e BB, pelo menos uma vez por semana, deslocou-se às proximidades das residências dos arguidos, onde estes lhe venderam, em cada uma das ocasiões, 0,15 gr de heroína, pelo valor de 20€ de cada vez.

38. JJ (melhor id. a fls. 2044) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre dezembro de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via WhatsApp com o arguido AA, pelo menos por 20 vezes, deslocou-se às proximidades da residência deste arguido, onde este lhe vendeu, por intermédio de terceiros, em cada uma das ocasiões, heroína, em quantidade não concretamente apurada pelo valor de pelo menos 100/120€ de cada vez. De igual modo, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre dezembro de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via WhatsApp com o arguido BB, pelo menos por 10 vezes, deslocou-se às proximidades do Centro Comercial ..., onde este por intermédio de terceiros lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína, em quantidade não concretamente apurada pelo valor de 10/20€ de cada vez.

39. KK (melhor id. a fls. 2050), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre junho de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via WhatsApp com os arguidos AA e BB, pelo menos duas vezes por semana, deslocou-se a praceta situada perto da Rua ..., na ... e a umas escadas situadas nas proximidades da residência do arguido BB, onde os arguidos lhe venderam, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

40. LL (melhor id. a fls. 2055), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre maio de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto telefónico ou via WhatsApp com o arguido BB, deslocou-se, pelo menos duas a três vezes por semana, a praceta próxima da Rua ..., na ..., ou numas escadas próximas da sua residência, onde este arguido lhe vendeu em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez. Também no ano de 2019, após prévio contacto telefónico ou via WhatsApp com o arguido AA, deslocou-se, pelo menos duas a três vezes por semana, a variados locais da cidade ..., indicados pelo arguido AA, onde este lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

41. MM (melhor id. a fls. 2413) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre maio de 2019 e 18 de maio de 2020, após prévio contacto telefónico ou pelo WhatsApp com o arguido AA, com frequência de 3 a 4 vezes por semana, deslocou-se a praceta situada perto da Rua ..., na ..., onde o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ de cada vez.

42. NN (melhor id. a fls. 2408) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2018 e fevereiro de 2021, após prévio contacto via telefone com o arguido AA, com frequência de pelo menos duas vezes por semana, deslocou-se à residência deste, na ..., ou o arguido AA deslocava-se a ..., onde o mesmo lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ ou 30€ de cada vez. De Igual modo, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2018 e fevereiro de 2021, após prévio contacto via telefone com o arguido AA, e quando este não tinha estupefaciente para vender, mandava-o ir ter com o arguido BB. Tal sucedeu pelo menos por 10 ocasiões distintas e a testemunha deslocava-se às proximidades da Rua ..., na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

43. OO, (melhor id. a fls. 2404) em datas não concretamente apuradas, mas situadas no ano de 2019, após prévio contacto via telefone com o arguido AA, com frequência de duas vezes por semana, deslocou-se à residência deste, na ..., onde o arguido AA lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ de cada vez. De igual modo, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2019 e Abril de 2021, após prévio contacto via telefone com o arguido BB, com frequência de duas vezes por semana, deslocou-se às proximidades da Rua ..., na ..., onde o arguido BB lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ de cada vez.

44. PP (melhor id. a fls. 2401) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2018 e 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, através do seu irmão QQ, com frequência de três a quatro vezes por semana, este deslocava-se à residência do arguido, na ..., e adquiria em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ ou 20€ de cada vez.

45. QQ (melhor id. a fls. 2399) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de três a quatro vezes por semana, deslocou-se à residência deste, na ..., ou o arguido AA deslocou-se à residência de QQ onde aquele lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20,00€ de cada vez.

46. RR (melhor id. a fls. 2397) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2018 e 2020, após prévio contacto telefónico com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se à residência deste, na ..., onde o arguido AA lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 30€ ou 40€ de cada vez (2/3 pacotes a €10,00 cada pacote).

47. SS (melhor id. a fls. 2389) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre Agosto/setembro de 2019, após prévio contacto via WhatsApp com o arguido AA, por duas ocasiões distintas, deslocou-se à zona da Rua ..., na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

48. TT (melhor id. a fls. 2384) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se à residência deste, junto do Centro Comercial, junto do ..., à zona do ... e à ..., todos estes locais sitos na cidade ..., onde o arguido AA lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ ou 20€ de cada vez. De Igual modo, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou Whatsapp com o arguido BB, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se às proximidades da Rua ..., junto do Centro Comercial, junto do ..., e à ..., todos estes locais sitos na cidade ..., onde o arguido BB lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ ou 20€ de cada vez. No dia 24.01.2020, pelas 19:10 horas, após prévio contacto via WhatsApp com o arguido AA, deslocou-se à residência deste na ..., onde este arguido lhe vendeu, heroína em quantidade não concretamente apurada, pelo valor de 20€ ou 40€. No dia 26.04.2020, pelas 11:25 horas, após prévio contacto via WhatsApp com o arguido AA, deslocou-se à residência deste na ..., onde este arguido lhe vendeu, heroína em quantidade não concretamente apurada;

49. UU (melhor id. a fls. 2374) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se junto à Rua ..., na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ ou 20€ de cada vez.

50. VV (melhor id. a fls. 2372) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se junto à Rua ..., na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20 € ou 40€ de cada vez.

51. WW (melhor id. a fls. 2369) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se junto da residência do arguido, na ..., à zona de ..., e à Rua ..., na ..., onde o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20 ou 30€ de cada vez.

52. XX (melhor id. a fls. 2364) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2018 e 2019, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, deslocou-se a vários locais da cidade ... e em cada uma das ocasiões, este arguido vendeu-lhe heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 15€ ou 20€ de cada vez, num número máximo de vinte vezes.

53. YY (melhor id. a fls. 2361) em datas não concretamente apuradas, mas situadas no ano de 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de duas a três vezes por mês, deslocou-se ao parque de estacionamento do ..., na ..., onde por intermédio dos consumidores ZZ e AAA, o arguido AA lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ cada vez.

54. BBB, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2018 e abril de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, deslocou-se à residência deste, com frequência de duas vezes por semana, por intermédio de indivíduos cuja identidade não se apurou, onde este o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

55. CCC (melhor id. a fls. 2351) em data não concretamente apurada, mas situada entre 2018/2019, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA deslocou-se junto à zona do ..., na ..., onde o arguido lhe vendeu por, pelo menos uma ocasião, cocaína em quantidades e por preço não concretamente apurados.

56. DDD (melhor id. a fls. 2349) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2018 e 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, com frequência de uma vez por mês, deslocou-se junto da ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ ou 20€ de cada vez.

57. EEE (melhor id. a fls. 2342) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre agosto de 2020 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se ao fundo da Rua ..., na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas pelo preço de 20€. No dia 11.08.2020, pelas 19:55 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se à localidade de ..., onde o arguido AA lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados. No dia 12.08.2020, pelas 18:29 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se a local próximo do ... na ..., onde o arguido AA lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados. No dia 02.09.2021, pelas 16:45 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se a local próximo do ... na ..., onde o arguido AA lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados. No dia 03.09.2020, pelas 15:12 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se à residência do arguido AA onde este lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados. Ainda no dia 03.09.2021, pelas 20:52 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se à localidade de ..., onde o arguido AA lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados. No dia 07.10.2020, pelas 14:32 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se à residência do arguido AA onde este lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados. No dia 29.11.2020, cerca das 14:00 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se à residência do arguido AA onde este lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados.

58. FFF (melhor id. a fls. 2331) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência diária, deslocou-se à Rua ..., na ..., onde o arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez. De Igual modo, em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, com frequência diária, deslocou-se a vários locais da cidade ..., previamente indicados pelo arguido BB, onde este lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ de cada vez.

59. GGG (melhor id. a fls. 2326) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre o ano de 2019 e Fevereiro de 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, por pelo menos três ocasiões distintas, deslocou-se junto do arguido, onde o mesmo lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ ou 30€ de cada vez.

60. HHH (melhor id. a fls. 2324) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre os anos de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de duas a três vezes por semana, deslocou-se junto da residência deste arguido, onde o mesmo lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ ou 40€ de cada vez.

61. III (melhor id. a fls. 2322) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA por interposta pessoa (o seu amigo HHH), deslocou-se junto da residência deste arguido, onde o mesmo lhe vendeu, por duas ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 20€ ou 40€ de cada vez.

62. JJJ (melhor id. a fls. 2316) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, pelo menos por duas ocasiões, deslocou-se junto da ..., na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor de 10€ de cada vez.

63. KKK (melhor id. a fls. 2320) em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, com frequência de uma a duas vezes por semana, deslocou-se junto da residência deste, onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 20€ de cada vez. De igual modo em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, por pelo menos quatro ocasiões distintas, deslocou-se a variados locais da cidade ..., indicados pelo arguido AA, onde este lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 40€ de cada vez.

64. LLL (melhor id. a fls. 2528), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2019 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência mensal, deslocou-se junto da residência deste, onde este arguido, por intermédio do arguido CC lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 20€ de cada vez. No dia 01.04.2021, pelas 19:55 horas, após prévio contacto telefónico com o arguido CC, encontrou-se com este junto da sua residência em ..., ..., onde o arguido CC lhe vendeu duas doses heroína pelo preço de 20€.

65. MMM (melhor id. a fls. 2559), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2017 e o ano de 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, com frequência diária, deslocou-se junto da residência deste, onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 40€ ou 50€ de cada vez. De igual modo em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2017 e o ano de 2020, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência diária, deslocou-se à zona do ... na ... e junto ao ... na mesma cidade, onde o arguido AA lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 40€ ou 50€ de cada vez.

66. NNN (melhor id. a fls. 2562), em datas não concretamente apuradas, mas situadas no ano de 2020, após prévio contacto via WhatsApp com o arguido AA, por pelo menos 3 ocasiões distintas, deslocou-se junto da zona do ... na ... e junto do campo de futebol da ..., na mesma cidade, onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 10€ de cada vez.

67. OOO (melhor id. a fls. 2564), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e ano de 2019, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido BB, por intermédio de JJJ, que se deslocaram junto daquele, com frequência de uma vez por semana, onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 10€ de cada vez.

68. PPP (melhor id. a fls. 2568), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre agosto de 2020 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se junto da zona do ... na ..., onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 10€ de cada vez.

69. QQQ (melhor id. a fls. 2572), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre meados do ano de 2018 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, por intermédio da sua companheira RRR que se deslocou junto da residência do arguido, com frequência de uma vez por semana, onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 10€ de cada vez.

70. RRR (melhor id. a fls. 2570), em datas não concretamente apuradas, mas situadas entre início do ano de 2020 e 18 de maio de 2021, após prévio contacto via telefone ou WhatsApp com o arguido AA, com frequência de uma vez por semana, deslocou-se junto da residência deste, onde este arguido lhe vendeu, em cada uma das ocasiões, heroína em quantidades não concretamente apuradas, pelo valor 10€ de cada vez.

71. SSS, no dia 03.03.2020, pelas 14:05 horas, após prévio contacto telefónico, deslocou-se à residência do arguido AA onde este lhe vendeu cocaína ou heroína, em quantidade e por preço não apurados.

72. No dia 18.05.2021, cerca das 19h, os arguidos AA e CC dirigiram-se a ..., no interior do veículo de matrícula ..-GL-.., propriedade do avô do arguido CC.

73. Pelas 23:35 horas, já em território nacional, entraram no estacionamento do hipermercado ... existente na localidade do ..., onde o arguido AA havia deixado o seu veículo automóvel de matrícula ..-VC-.. estacionado.

74. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido AA tinha na sua posse, introduzido no ânus um invólucro contendo 24,19 gramas de uma substância origem vegetal, semelhante à substância estupefaciente designada por heroína que destinava à venda a terceiros (cfr. auto de diligência de fls. 1968-1970).

106. Efetuado teste rápido ao produto estupefaciente acima referido e apreendido reagiu o mesmo a heroína.

75. A referida substância foi adquirida momentos antes por ambos os arguidos AA e CC, em ..., a individuo cuja a identidade não foi possível apurar.

76. O referido produto trata-se de heroína inscrita na Tabela I-A anexa ao Decreto Lei n.º 15/93, de 22/01, com 20,050 gramas de peso líquido, com um grau de pureza de 11,3% equivalente a um total de 22 doses médias diárias individuais de consumo segundo os limites estabelecidos pela Portaria n.º 94/96, de 26/03 (cfr. exame pericial a fls. 2658).

77. A quantidade de heroína que os arguidos detinham, para 22 doses, na ocasião acima identificada, excede a dose média individual para dez dias, o que os arguidos bem sabiam.

78. O arguido AA tinha ainda na sua posse, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, um telemóvel de marca Samsung A6+ de cor preta, com uma capa preta e o arguido CC tinha na sua posse um telemóvel de marca Alcatel 5030D de cor preta.

79. No dia 19.05.2021, pelas 02:00 horas, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., ...., na ..., o arguido AA tinha ainda na sua posse, na cozinha, uma balança de precisão sem marca visível. 80. No dia 19.05.2021, pelas 08h e 15min, o arguido BB tinha na sua posse no interior da sua residência sita na Rua ..., ...:

i. No seu quarto:

a. Quatro cartões da MEO devidamente embalados com os n.ºs ...69, ...82, ...19, ...269;

b. Um cartão da MEO 4G;

c. Um cartão da UZO devidamente embalado com n.º ...35;

d. Um cartão da NOS devidamente embalado com o n.º ...93;

e. Um cartão da MEO com o n.º ...90;

f. Um cartão da MEO de suporte com embalagem com o n.º ...50;

g. Um cartão da Orange sem número;

h. Uma balança de marca Digital Scale de cor cinza;

i. Um telemóvel de marca Huawei de cor preta;

j. Um telemóvel de marca R-Serles de cor preta;

k. Um telemóvel de marca Alcatel de cor azul escura.

81. No dia 19.05.2021, pelas 09:30 horas, no interior da sua residência sita na Rua ..., ..., em ..., o arguido DD, tinha na sua posse um telemóvel da Realme e um telemóvel da marca Huawei.

82. Os produtos estupefacientes detidos pelos arguidos eram sua propriedade e destinavam-se a serem por eles vendidos a consumidores de tais produtos, mediante o pagamento de um preço superior ao por eles despendidos aquando da sua compra.

83. Os arguidos não exercem qualquer atividade profissional compatível com os rendimentos auferidos, vivendo dos valores advenientes da venda de produto estupefaciente, cujos lucros resultaram da diferença entre o preço de compra de produtos estupefacientes e o maior preço que obteve com a sua venda.

84. Os telemóveis e os cartões que foram apreendidos aos arguidos eram sua propriedade e serviam para contactar com os consumidores e fornecedores dos aludidos produtos estupefacientes.

85. Todos os acima referidos objetos foram utilizados ou destinavam-se a ser utilizados pelos arguidos na atividade de tráfico de estupefacientes.

86. Os arguidos AA, BB, DD e CC atuaram sempre de comum acordo, em comunhão de esforços e intentos, sabendo que, pela sua quantidade e qualidade, o produto estupefaciente adquirido e detido, seria para ceder, vender ou distribuir por diversas pessoas que, a troco de dinheiro, para o efeito, os procurassem, o que representaram, quiseram e concretizaram, por variados locais da cidade ... e localidades limítrofes, obtendo de tal atividade proveitos financeiros.

87. Ao agirem como descrito supra os arguidos fizeram-no sempre de forma livre, voluntária e consciente, com perfeito conhecimento da natureza e características do produto estupefaciente em causa, que tinham na sua posse.

88. Não obstante saberem não estarem autorizados a deter o referido produto estupefaciente e que a respetiva aquisição, detenção, cedência e/ou venda lhes era vedada, adquiriram e detiveram o produto estupefaciente com o intuito concretizado de o vender e distribuir terceiros, procurando, dessa forma, e para além do mais, obter vantagens económicas, cientes da proveniência internacional do produto estupefaciente.

89. Todos arguidos agiram sempre em união e conjugação de esforços e intentos, de forma concertada e de colaboração mútua, livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas, que supra se descreveram, eram proibidas e penalmente punidas.

Mais resultou provado que:

90. O arguido AA tem o 11º ano de escolaridade;

91. O arguido AA iniciou o consumo de estupefacientes aos 12 anos de idade, tendo desenvolvido desde então problemática aditiva, tendo efectuado várias tentativas de tratamento mas sem sucesso;

92. AA vivia sozinho num apartamento sito na ..., propriedade dos seus pais, ambos médicos reformados que ajudam no seu sustento;

93. O arguido tem dois filhos, de 27 e 21 anos que não vivem consigo;

94. O arguido recebe visitas no EP, onde mantém uma postura adequada às regras institucionais, encontrando-se empenhado em exercer actividades ocupacionais, encontrando-se a frequentar a escola, o ginásio e o projecto de música;

95. O arguido AA não tem qualquer condenação averbada no seu certificado de registo criminal”.

b. O direito

1. O arguido levou às Conclusões uma referência à utilização de prova em desconformidade com a doutrina do acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

“b) A prova produzida funda-se na violação da Constituição da República nos termos do vertido no acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional;

c) O processo penal português comunga dos princípios do justo processo, consubstanciados normativamente na Constituição da República Portuguesa, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, no Código de Processo Penal e legislação avulsa.

d) A epistemologia do processo penal é de natureza cognitiva, instruído com as provas recolhidas de modo lícito, transparente, leal, acautelando sempre o direito de defesa.”

Contudo, não indica, no conjunto da motivação, quais as provas em causa e a concreta razão da sua desconformidade constitucional.

A simples alusão a um eventual vício que, aliás, se não vislumbra, desacompanhada de qualquer outro elemento que, ao menos, situe a questão, não corresponde a uma verdadeira alegação.

2. Nos termos do artigo 40.º, do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito.

Por aplicação das normas constitucionais convocáveis (artigo 27.º, n.º 2 e 18.º, n.ºs 2 e 3), a determinação e escolha da pena privativa da liberdade regem-se pelo princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso e pelos respetivos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva.[1]

A aplicação da pena tem como pressuposto que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de atuar de acordo com o direito, sendo o grau da culpa o limite da pena (artigo 40.º, n.º 2).

O artigo 71.º, no n.º 2, do Código Penal, enumera, de modo não taxativo, fatores que conformam a determinação da medida da pena que se referem à execução do facto (“o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência”, “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram”), à personalidade do agente (“As condições pessoais do agente e a sua situação económica”, “a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”) e outros relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (“A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime”)[2].

Sendo a finalidade da pena a proteção de um bem jurídico e, sempre que possível, a reintegração social do agente e não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa, a medida da pena corresponderá à medida necessária de tutela do bem jurídico sem ultrapassar a medida da culpa.[3]

Importa, pois, averiguar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação.

3. O arguido sustenta a conclusão formulada sobre a violação do critério da proporcionalidade nos seguintes pontos:

“- A circunstância de não possuir antecedentes criminais registados e de se encontrar inserido social e profissionalmente;

- A confissão parcial dos factos realizada em audiência de julgamento pelo arguido auxiliando desta forma a acção da justiça.

- O facto que o Arguido não retirou qualquer proveito económico da prática do crime, porquanto, vendia para sustentar o seu consumo”.

- A idade do Arguido.”

Argumenta, ainda, que a “mediania” do grau da ilicitude terá de refletir-se mais fortemente na medida da pena e que quanto à prevenção especial, é de considerar que o período em que o arguido se dedicou à venda de estupefacientes coincidiu, não por acaso aparentemente, com uma época em que não tinha uma situação laboral estável, é toxicodependente, situações essas que são propícias à solicitação para a prática de atividades ilícitas, nomeadamente aquela a que o arguido efetivamente se dedicou.


4. O tribunal de julgamento fundamentou a medida da pena.

““Quanto às exigências de prevenção geral inerentes ao crime de tráfico de estupefacientes, verifica-se que as mesmas são muito elevadas, tendo em conta a insegurança e as consequências decorrentes da prática do mencionado ilícito criminal, quer por propiciar a prática de outros crimes, nomeadamente contra o património, quer por provocar danos irreparáveis ao nível da saúde dos sujeitos que adquirem e consomem os produtos estupefacientes em causa.

Ainda mais estando em causa o tráfico da heroína que conforme é consabido, representa uma das substâncias mais prejudiciais ao organismo e por isso, susceptível de provocar maior danosidade social.

De todo o modo, não deixará de se salientar desde já que os arguidos AA e BB não apresentam quaisquer antecedentes criminais, o que significa que, até à data, têm pautado pelo cumprimento das normas e princípios que regem a vida em comunidade, diminuindo assim as exigências de prevenção.

Já os arguidos DD e CC apresentam antecedentes criminais, embora não por tráfico.

Acresce que para determinar a medida das penas de prisão a aplicar aos arguidos é relevante atender aos critérios enunciados no artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, nos termos do qual “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

Por seu turno, dispõe o n.º 2, do artigo 40º, do Código Penal, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Deste modo, como salienta Eduardo Correia, “há-de ser essencialmente o grau de culpa a determinar o quanto da punição. (…). Na verdade, (…) ela valerá tão-só para fixar o limite máximo da punição. (…). Por outro lado, (…) mesmo dentro da moldura variável da punição que corresponde a um crime, o quanto concreto da pena, medido pela culpa, não é inteiramente fixo, mas contém ainda um resto de variabilidade, uma margem maior ou menor de variação. (…). Ora precisamente nesta margem de variação cabe a consideração dos fins de prevenção geral e especial que no caso concreto sejam de tomar em conta.”.

Para além disso, estatui o artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

A este respeito, dir-se-á, em primeiro lugar, que a intensidade do dolo revelado pelos arguidos é elevada, já que os mesmos agiram com dolo directo que, como é sabido, consubstancia a forma mais grave que o dolo pode revestir.

Ademais, não podemos esquecer as várias viagens transfronteiriças levadas a cabo pelos arguidos, sobretudo por AA e BB e as inúmeras transações que foram efectuadas durante pelo menos 4 anos, fornecendo dezenas e dezenas de consumidores para assim alimentar o seu próprio vício.

Nestes termos, considerando todos os aspectos mencionados, o Tribunal Colectivo considera que se mostra ajustada, no caso em apreço, a condenação dos arguidos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nas seguintes penas:

- aplicar a pena de 5 anos e 8 meses de prisão ao arguido AA;

- aplicar a pena de 5 anos e 3 meses de prisão ao arguido BB;

- aplicar a pena de 4 anos e 3 meses de prisão ao arguido DD, e

- aplicar a pena de 4 anos de prisão ao arguido CC;”


5. A fundamentação da escolha da medida da pena, no acórdão recorrido, revela a ponderação de todos os elementos relevantes e, como se verá, a proporcionalidade da pena aplicada.

No que à culpa respeita, assinala-se a elevada intensidade da culpa do arguido, por ter agido com dolo direto.

A ilicitude acentua-se pela dedicação ao tráfico de estupefacientes a partir de 2017, ou seja, pelo período, pelo menos de 4 anos.

O arguido e outro adquiriam heroína e cocaína em ..., em locais próximos da ..., que introduziam em território nacional, em abastecimentos com a periodicidade, em alguns períodos, trissemanal.

Desde meados de 2020, os arguidos AA e outro recrutaram outros indivíduos para os auxiliarem na sua atividade (factos provados n.ºs 25 e 26)

À data da detenção, no regresso de ..., o arguido tinha na sua posse, introduzido no ânus um invólucro contendo 24,19 gramas de heroína, suficiente para 22 doses. (facto provado n.º 74)

Como bem salienta o Ministério Público, em sede de resposta ao recurso, em períodos críticos da pandemia, estando em vigor o estado de emergência, o arguido continuou a dirigir-se a ... para adquirir produto estupefaciente: “Entre os dias 10.01.2020 a 23.03.2020 e 10.07.2020 a 30.03.2021 o arguido AA deslocou-se um número não concretamente apurado de vezes a ... para adquirir produto estupefaciente (pelo menos umas 180 vezes).” (facto provado n.º 3).

Tal como examinado no acórdão, não se tendo provado a existência de organização e, consequentemente, de liderança, resulta da matéria de facto fixada, uma preponderância do Recorrente e de outro na iniciativa e no alargamento do número de intervenientes na venda, refletida no leque diferenciado de penas aplicadas.

Em matéria de prevenção especial, nota-se que o arguido manteve o padrão de abastecimento, após ter sido intercetado e detido em 27.05.2022 pela GNR quando regressava de ..., na posse de produto estupefaciente.

Com efeito, o arguido, que não tem atividade profissional, após essa detenção, continuou a sua atividade ilícita, nos mesmos moldes, vendendo heroína e cocaína a largas dezenas de consumidores.

Esta circunstância e a toxicodependência de que padece revelam-se pouco favoráveis a um processo de integração social com respeito pelos valores do direito. Estes elementos, associados à intensidade da atividade ilícita, são indiciadores de elevadas necessidades de prevenção especial.

Quanto à invocação da idade do arguido como fundamento da violação da proporcionalidade, regista-se que tem 54 anos, tendo iniciado a atividade ilícita, do que se conhece, com 50 anos. Não se descortina razão para que tal circunstância pessoal seja e tivesse sido particularmente atendida.

Por fim, a alegada confissão foi parcial, sem que resulte dos autos que tenha contribuído para a descoberta da verdade.

Foram valoradas, de forma proporcional, as circunstâncias atenuantes e agravantes.

As penas aplicadas situam-se próximo do limite mínimo da moldura penal prevista para o crime do art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro.

Assim, tendo em conta a moldura penal abstratamente aplicável, não se surpreendem elementos que permitam justificar um juízo de discordância relativamente à pena aplicada.

Não se verificando, pelo exposto, motivo que permita identificar violação do disposto nos artigos 40º., 70º., 71º.e 72º., todos do Código Penal, bem como do n.º 2, do artigo 18.º da Constituição da República.

Pelo que, se entende não ser de efetuar intervenção corretiva na medida da pena.

Improcede, assim, a petição de redução da pena e, em consequência, face ao disposto no n.º 1, do art. 50.º do Código Penal, de suspensão da respetiva execução.

III. DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide julgar improcedente o recurso do arguido, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente – art.º 513º n.º 1 do CPP - fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art. 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 19 de outubro de 2022

Teresa de Almeida (Relatora)

Ernesto Vaz Pereira (1.º Adjunto)

Lopes da Mota (2.º Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Cfr. acórdão deste Tribunal, 3.ª Secção, de 3.11.21, no proc. n.º 875/19.0PKLSB.L1.S1, e Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º.
[2] Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2.ª Edição, 2022, pag.57.
[3] Maria João Antunes, Ob. Cit., pag.55, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp. Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357.