IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ENTREGA DA COISA
PRONTO PAGAMENTO
Sumário


I No contrato de compra e venda de coisa material, para além do efeito translativo do direito, ou o efeito real imediato –a transmissão da propriedade da coisa-, bem como os efeitos relativos às obrigações de entrega da coisa e de pagamento do preço, também decorrem para as partes deveres acessórios, entre eles e para o vendedor, o de entregar a coisa sem vícios e conforme o acordado, ou seja, ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa sem defeitos.
II A entrega da coisa importa para o vendedor o dever de investir o comprador na posse efetiva da mesma, no caso de coisas móveis através da tradição material; tal traduz-se na colocação da coisa à disposição do adquirente no lugar e prazo convencionados; à obrigação de entrega corresponde (ou implica para o comprador) a obrigação de receção, retirada ou levantamento da coisa no lugar e tempo devidos.
III Sendo o pagamento a “pronto pagamento” o comprador só tem de o efetuar contra a entrega da coisa.

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO (seguindo o elaborado em 1ª instância).

X SA., com sede na Rua …, …, Braga, instaurou contra Y PRÉ FABRICADOS SA., sedeada na Travessa …, Armazém .., …, Maia, requerimento de injunção posteriormente transmutado na presente acção declarativa sob a forma comum de processo peticionando, pela sua procedência, a condenação da R. no pagamento, a seu favor, da quantia de €17.346,81, acrescida de juros moratórios vencidos no valor de €1.182,43 e vincendos até efectivo e integral pagamento e ainda na quantia de €40 ao abrigo do disposto no art. 7.º DL 62/2013.
Alega, para o efeito e em síntese, ter vendido à requerida, a solicitação desta, três painéis para coberturas e revestimentos pelo preço de €17.346,81, venda esta titulada pela factura n.º FT2017A/3401, emitida em 03.11.2017 e vencida em 13.11.2017, preço este que não foi pago, não obstante as interpelações para o efeito.
Regularmente citada, contestou a requerida, alegando, em síntese, ter encomendado à A. um total de 700 painéis, todos com 40 mm de espessura, tendo havido duas entregas iniciais de 180 painéis. Mais alega que todos estes 180 painéis apresentavam uma espessura superior a 41 mm, o que levou a que os trabalhadores dela, R., tivessem de forçar e amassar os panéis fornecidos por forma a permitir que os mesmos entrassem nos encaixes de 40 mm a que se destinavam, com consequente diminuição da sua resistência e durabilidade.
Aduz que a factura cujo pagamento se reclama se reporta aos restantes 580 painéis que ela, R., não recebeu nem utilizou, tendo inclusivamente alertado a demandante para a circunstância de os painéis com a medida de 41mm serem insusceptíveis de utilização nas estruturas por ela, demandada, utilizadas e requerendo, por isso, fosse encontrada uma solução técnica que permitisse essa utilização.
Foi realizada audiência prévia.
Foi fixado o valor da ação em € 18.569,24.
Foi exercido o contraditório relativamente à matéria de excepção deduzida na oposição e proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e dos temas da prova.

Quanto à matéria de exceção pela A. foi dito:
“… relativamente à oposição que foi deduzida pela ré, são factos aceites, ou factos que consideramos verdadeiros, o artigo 1.º, 4.º, 6.º a 9.º, 27.º a 32.º, 41.º e 42.º, da oposição.
Consideramos parcialmente verdadeiros os artigos 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 38.º a 40.º, 45.º e 46.º, uma vez que consideramos que estes factos apenas são parcialmente verdadeiros e que, portanto, não comtemplam todos os elementos necessários para o bom julgamento desta causa e, nesse sentido, vão parcialmente impugnados em tudo aquilo que for disforme à nossa defesa.
Temos, também, como factos desconhecidos os artigos 2.º, 3.º, 13.º a 16.º, 22.º a 26.º, 43.º e 44.º que impugnamos, precisamente por não serem factos do conhecimento pessoal dos quais a autora deva ter conhecimento. E impugnamos expressamente os factos relativos aos artigos 5.º, 19.º, 33.º a 37.º e 47.º, sendo que os demais são relativos a matéria de direito.
No que tange à matéria apresentada pela ré na sua oposição, a autora impugna, desde já, toda a matéria que foi apresentada nesse sentido, alguma dela parcialmente verdadeira, conforme estes elementos que aqui apresentamos, sendo que somos a acrescentar alguns elementos de resposta às excepções, nomeadamente invoca a ré que a autora nunca identificou a existência de qualquer tolerância na espessura dos painéis, conforme identifica no artigo 19.º, da oposição, sucede, porém que a mesma assume, em simultâneo que a sua relação mercantil com a aqui autora já não é recente, tendo adquirido os produtos da mesma natureza em momento anterior e com a mesma diferença de espessura, ou pelo menos, com algumas diferenças na espessura apresentada que também resulta do artigo 16.º, da oposição.
Neste sentido a ré não pode alegar o desconhecimento da ficha técnica do produto, uma vez que lhe foi dado conhecimento da mesma em momento anterior, no qual estava expressamente indicada a aplicação da norma europeia aludida, EN 14509:2013.
E ainda que assim não se prove, à luz do homem médio não se torna minimamente previsível que uma espessura destinada às actividades por si desenvolvidas não tivesse qualquer interesse em conhecer essa mesma ficha técnica antes de encomendar os produtos, pois de outro modo não sabia se eles seriam adequados á sua finalidade. Por outro lado, ainda refere a ré que, aquando da sua inspecção aos materiais em armazém, os mesmos estariam armazenados em condições deficientes, mormente por estarem sujeitos a condições climatéricas tais como sol e chuva que é o que resulta do artigo 33.º e 47.º, da oposição, porém tal não corresponde à verdade, desde logo porque esses produtos estão por baixo de uma extensa cobertura, resguardados das intempéries e à sombra, como se pode verificar pela própria prova que é apresentada pela ré.
E neste sentido, todas estas excepções vão expressamente impugnadas nestes moldes e é o que se requer.”

Quanto ao mais foi consignado:
“Objecto do litígio:
Responsabilidade contratual da ré pelo não pagamento de um produto que tinha comprado à autora.
Existência de desconformidades no produto que legitimam o não pagamento do preço pela ré. *
Temas de prova:
- Apurar o negócio jurídico acordado entre as partes.
- Características técnicas dos produtos encomendados pela ré.
- Conhecimento pela ré, à data da encomenda, da ficha técnica do produto.
- Diferenças entre os produtos encomendados e os produtos entregues.
- Impossibilidade de utilização dos produtos em virtude das diferenças técnicas anteriormente referidas.”

*
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo sido proferida decisão que julgou a acção procedente por provada e consequentemente condenou a R. no pagamento à A. da quantia de €17.386,81 (dezassete mil, trezentos e oitenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios contados sobre €17.346,81 desde 13.11.2017 até efectivo e integral pagamento. Mais imputou as custas à R.
*
Inconformada, a R. apresentou recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“a) Na decisão em crise foram incorretamente julgados os seguintes factos: (i) os factos enunciados nos artigos 4.° a 12.°, 18.° a 21.°, 32.° a 34.0 e 36.° da oposição à injunção; (ii) os factos constantes das alíneas a) a c) dos factos não provados da decisão em crise e (iii) os factos referentes à não disponibilidade pela Autora dos resultados dos ensaios de tipo inicial por si realizados, tendo por objeto os painéis dos autos e de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, previstos nos pontos 6.2 e 6.3 da Norma Europeia EN 14509, respetivamente.
b) Os concretos meios de prova, constantes do processo, que impõe uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são os seguintes: (i) troca de emails efetuada entre as partes entre 2/08/ e 4/08/2017, junta aos autos com a oposição à injunção como doe. n." 2 (fls. )j (ii) proposta da Autora n." 1883/2017, junta aos autos com a oposição à injunção como parte integrante do doc. n." 2 (fls.); (iii) troca de emails efetuada entre as partes em 09/08/2017, junta aos autos com a oposição à injunção como doc. n." 4 (fls. )j (iv) proposta retificada da Autora n." 1883/2017, junta aos autos com a oposição à injunção fazendo parte integrante do doc n." 4 (fls. )j (v) fatura da Autora n." 11/08/2017, junta aos autos com a oposição à injunção como doe. n." 6 (fls.); (vi) email de 17/08/2017, 15:34, da autoria de J. S. junto aos autos com a oposição à injunção como doe. n." 8 (fls. )j (vii) email de 20/02/2015 contendo em anexo catálogo com as diferentes tipologias de painéis sandwich produzidos pela Autora junto aos autos com a oposição à injunção como doe. n." 9 (fls. )j (viii) email de 28/08/2017 junto aos autos com a oposição à injunção como doe. n." 10 (fls. )j (ix) fatura da Autora n." 691 junto aos autos com a oposição à injunção como doc. n." 11 (fls. )j (x) email de 3/11/2017, junto com a oposição à injunção como doe, n." 12 (fls. )j (xi) fatura n." 3401 », junto aos autos com a oposição à injunção como anexo ao email junto como doe. n." 12 (fls. )j (xii) «Relatório de verificação de espessura de painéis», datado de 4/12/2017 , junto aos autos com a oposição à injunção como anexo do doe. n." 16 (fls. )j (xiii) declaração de desempenho datada de 14/08/2017, junta aos autos pela Autora como doe. n." 2 com a peça processual apresentada em 6/05/2019, com a Ref." 32339662 (fls. )j (xiv) email de 9/10/2019, enviado por X. O. junto aos autos em 9/10/2109, tendo a respetiva tradução sido junta aos autos em 22/12/2019 (fls. ); (xv) depoimento da testemunha P. C. (sessão da audiência de julgamento de 7/03/2022, gravado no sistema h@bilus media studio de 00:01 a 16:34); (xvi) depoimento da testemunha M. P. (sessão de audiência de julgamento de 7/03/2022, gravado no sistema h@bilus media studio de 00:01 a 23:25); (xvii) depoimento da testemunha M. R. (sessão de audiência de julgamento de 07/03/2022, gravado no sistema h@bilus media studio de 00:01 a 19:53); (xviii) depoimento da testemunha A. R. (sessões da audiência de julgamento de 7 e de 24/03/2022, gravado no sistema h@bilus media studio de 00:01 a 26:45 e 00:01 a 13:22, respetivamente); e (xix) depoimento da testemunha L. M. (sessão da audiência de julgamento de 24/03/2022, gravado no sistema h@bilus media studio de 00:01 a 58:43);
c) Em face dos mencionados elementos de prova, dever-se-a modificar a decisão recorrida no que se refere às questões de facto ora impugnadas, julgando-se como provados os seguintes factos:
1. No contrato de compra e venda dos autos, as partes acordaram que o transporte das mercadorias ficava a cargo da Ré.
2. A compra e venda dos autos ficou sujeita à condição de «pronto pagamento C ••• ) à carga do material», isto é, a entrega da mercadoria ficou condicionada ao prévio pagamento pela Ré à Autora do respetivo preço, «apenas exist[in.dQ] autorização de carga após a nL confirmação de pagamento do referido valor», só sendo possível o levantamento da mercadoria após a confirmação do pagamento do preço devido pela Ré.
3. A Ré deu conhecimento à Autora de que os painéis em apreço se destinavam a ser utilizados em encaixes de 40 mm.
4. A Autora não comunicou à Ré que os painéis em apreço eram produzidos com uma espessura que variava entre os 38 e os 42 mm ou em conformidade com a Norma Europeia EN 14509.
5. A Autora não dispõe dos resultados dos ensaios de tipo inicial por si realizados, tendo por objeto os painéis dos autos, e de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, previstos nos pontos 6.2 e 6.3 da Norma Europeia EN 14509.
d) Nos termos previstos no Anexo V do Regulamento (EU) n." 305/2011, de 9 d março de 2021, a avaliação de conformidade e verificação da regularidade do desempenho é assegurada no sistema 3, aquele a que estão sujeitos os painéis dos autos, mediante «declaração de desempenho, em função das características essenciais do produto de construção, elaborada pelo fabricante, com base nos seguintes elementos: a) O fabricante realiza o controlo da produção em fábrica; b) O laboratório de ensaios notificado determina o produto-tipo com base nos ensaios de tipo (baseados na amostragem realizada pelo fabricante). nos cálculos de tipo. nos valores tabelados ou em documentação descritiva do produto» (sublinhado nosso)
e) A Norma Europeia EN 14509 é de aplicação facultativa, não sendo imposto às entidades privadas que a sigam, decorrendo dos seus pontos 6.1,6.2 e 6.3 que a conformidade do fabrico de painéis com os requisitos previstos nessa norma é demonstrável mediante a realização dos ensaios de tipo inicial e a implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001.
f) As partes não acordaram quanto à aplicação da Norma Europeia EN 14509 aos painéis objeto da compra e venda dos autos, não tendo a Apelada feito qualquer menção à aplicação de tal norma ou a qualquer variação na espessura dos painéis entre 38 e 42 mm ao longo da negociação que precedeu a compra e venda dos autos, em especial, na sua proposta de venda ou no catálogo anteriormente facultado à Apelante;
g) Não dispondo a Apelada de resultados dos ensaios de tipo inicial ou de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, condições sine qua non para a verificação do cumprimento dos requisitos previsto na Norma Europeia EN 14509, não podia o Tribunal a quo aplicar tal norma aos painéis objeto da compra e venda dos autos;
h) Ao entregar painéis com espessura superior à acordada entre as partes, nos termos constantes da encomenda da Ré e da proposta de venda da Autora n." 1887/2017, a Apelada incumpriu a obrigação a que se vinculou perante a Apelante de vender e entregar painéis com 40 mm de espessura, destinados a ser utilizados em encaixes com 40 mm, assistindo à Apelante o direito de se recusar a cumprir a obrigação de pagamento do preço enquanto a Apelada não substituir os painéis defeituosos, com espessura superior a 40 mm (ut artigos 428.°, 913.° e 914.° do Código Civil).
i) A Apelada foi responsável pelo perecimento uma vez que procedeu ao armazenamento dos painéis ao ar livre, num local exterior das suas instalações, sem quaisquer cuidados necessários para garantir a sua integridade, não se mostrando tais painéis em apreço suscetíveis de ser utilizados para o fim a que se destinam.) o contrato de compra e venda em causa foi celebrado sob condição de «pronto pagamento», ficando a entrega dos painéis objeto desse contrato condicionada ao prévio pagamento dos mesmos, permanecendo os painéis na posse e propriedade da Apelada até ao momento desse pagamento, motivo pelo qual corre por conta da Apelada o risco de perecimento ou deterioração de tais painéis (ut artigos 408.° e 796.°, n.os 2 e 3, do Código Civil).
k) Por motivos que lhe são única e exclusivamente imputáveis, designadamente, pela entrega de painéis com características distintas das acordadas, pelo armazenamento dos painéis no exterior das suas instalações em condições deficientes e sujeitos às condições atmosféricas, circunstância que determinou o perecimento dos painéis e a sua insusceptibilidade de utilização para o fim a que se destinam, a Apelada não está em condições de entregar à Apelante os painéis objeto da compra e venda, motivo pelo qual não pode a mesma reclamar da Apelante o pagamento do respetivo preço.
I) A sentença em crise violou, para além de outras disposições legais, as disposições contantes dos artigos 405.°, 406.°, n." 1, 408.°, 428.°, 796.°, 799.°, 913.° e 914.° do Código Civil.”
Pede que a Apelação seja julgada procedente e, em consequência, revogada a sentença em crise, absolvendo-se a Apelante do pedido.
*
A A. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1) Nas alegações de recurso que apresenta, a Recorrente requer sej am dados como provados os factos constantes das alíneas a) a c) dos factos não provados da decisão em crise, bem como dos artigos 4.° a 12.°, 18.° a 21.°,32.° a 34.° e 36.° da oposição à injunção, por terem sido expressamente aceites pela Recorrida, em sede de audiência prévia.
2) Alega ainda que face à não disponibilidade pela Autora dos resultados dos ensaios de tipo inicial por si realizados, tendo por objeto os painéis dos autos, previstos no ponto 6.2 da Norma Europeia EN 14509, e de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, previsto no ponto 6.3 da Norma Europeia EN 14509, esta norma não é aplicável ao caso concreto, até porque nada foi acordado entre as partes quanto à respetiva aplicação.
3) Por fim, alega a "injustificável" não consideração da condição suspensiva de pronto pagamento aposta pela Recorrida à compra e venda dos autos pelo Tribunal a quo, com as consequências daí decorrentes em matéria de transferência do risco do perecimento dos bens, entendendo que lhe foi vedada a possibilidade de invocar a exceção de não cumprimento ao imputar-lhe indevidamente o risco de perecimento dos painéis objeto dessa compra e venda.
4) Contudo, não se entende em que medida tal contrariará a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto aos factos não provados que considera incorretamente julgados.
5) Não resulta, por qualquer prisma dos meios probatórios enunciados - nomeadamente os doc. n. ° 2, 3 e 4 juntos com a oposição à injunção - que aquando da compra dos painéis cfr. descrito no 1.1 a) dos Factos Provados na sentença do Tribunal a quo, a Recorrente tenha dado conhecimento à Recorrida que os painéis se destinavam a ser utilizados na montagem de módulos através da utilização de encaixes de 40mm - cfr. alegado em 5.° da oposição à injunção -, nem é possível retirar do seu teor que tenha efetuado alguma advertência nesse sentido.
6) Dedicando-se a Recorrente à atividade de montagem de módulos há mais de 10 anos, é inconcebível, à luz do critério do homem médio, que não tenha conhecimento, nem preveja a possibilidade de variação de espessura, sendo certo que, dificil é compreender como não tinha conhecimento dessa possibilidade de variação, ainda mais, quando resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento nomeadamente do depoimento da testemunha A. R., bem como do depoimento da testemunha P. C., que a Recorrente já havia adquirido painéis da mesma espessura à Recorrida(!).
7) Igualmente, não se entende em que medida os concretos meios probatórios impõe uma decisão de facto diversa quando aos artigos 10.°, 11.° e 12.° da oposição à injunção, nem em que medida tal decisão poderá influir no sentido da decisão recorrida, pois que, nunca esteve em causa a confirmação da encomenda, nem o levantamento parcial da encomenda realizada, nem nunca se fez prova, por qualquer meio, que os painéis apresentassem espessura superior a 41mm, pois que, tais painéis nunca foram devolvidos, nem incidiu qualquer diligência probatória sobre os mesmos.
8) No que respeita aos factos alegados em 18.° e 19.° da oposição à injunção, igualmente não se entende em que medida podem contrariar a decisão do Tribunal a quo, por respeitarem unicamente a uma reclamação apresentada sobre os painéis adquiridos e levantados pela Recorrente, os quais, nunca foram devolvidos e cujo pagamento não está em causa nos presentes autos - a Recorrente procura confundir o Tribunal ad quem, alegando que os painéis produzidos pela Recorrente são defeituosos, quando na verdade, a verificar-se algum defeito, no que não se concede, tal defeito reportar-se-ia aos painéis levantados cfr. 1.1 c) e j) dos Factos Provados, e não àqueles que permanecem nas instalações da Recorrida, a aguardar levantamento.
9) Quanto ao alegado em 33.0 da oposição à injunção, igualmente não se entende o raciocínio da Recorrente nem se alcança em que medida dar tal facto como provado poderá alterar a decisão da matéria de facto, pois que, ainda que na referida data os painéis se encontrassem armazenados em condições deficitárias, o que não se aceita, tanto que foi impugnado em sede de audiência prévia, se o estivessem, tal facto seria apenas imputável à Recorrente, pois bem sabia que os painéis se encontravam já produzidos há alguns meses, e ainda porque, apesar de interpelada para proceder ao respetivo pagamento, nada fez, incorrendo em mora.
10) Não tem qualquer cabimento a alegação da Recorrente em como os concretos meios probatórios enunciados impõem uma decisão da matéria de facto diversa quanto aos art. 34.0 e 36.0 da oposição à injunção, na medida em que da prova documental junta aos autos, nomeadamente do teor do doc. n. o 22, 23 e 24 juntos à oposição à injunção, é de fácil perceção que das medições efetuadas, os painéis objeto de verificação por técnicos da Recorrente, têm, na sua generalidade 39mm de espessura(!).
11) Assim, não se alcança o raciocínio da Recorrente, quando alega que os concretos meios probatórios referidos pela Recorrente nas alegações de recurso que apresenta, impõem uma decisão de facto diversa da sentença do Tribunal a quo, sendo a pretensão da Recorrente absolutamente desprovida de fundamento, razão pela qual deverá o presente recurso de apelação improceder, confirmando-se a sentença recorrida.
12) No que respeita à aplicação da Norma Europeia EN 14509 ao caso concreto, salvo melhor opinião, andou bem o Tribunal a quo ao considerar a sua aplicação como obrigatória, e bem assim, ao considerar a necessidade do seu conhecimento pelos intervenientes, concluindo a final que a Recorrida não cumpriu de forma defeituosa a obrigação a que se vinculara pois que, o legislador Europeu, protetor do Mercado Único, considera legítimo que os painéis de 40 mm apresentem uma variação entre os 38 e os 42 mm, na medida em que procura através destas regras harmonizadas, uma coesão do Mercado Europeu.
13) Não obstante, não é crível, à luz do critério do homem médio, que a Recorrente, que se dedica à atividade de montagem de módulos há mais de 10 anos não tenha conhecimento, nem preveja a possibilidade de variação de espessura, e menos crível será que não tenha conhecimento desta possibilidade de variação, especialmente considerando a prévia relação comercial com a Recorrida(!).
14) Dúvidas não restam de que as partes celebraram um contrato de compra e venda, negócio jurídico bilateral, sinalagmático e consensual, que tem como efeitos essenciais i) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; ii) a obrigação de entregar a coisa; iii) a obrigação de pagamento do preço.
15) Em regra, no âmbito do contrato de compra e venda, a transmissão da propriedade no opera por mero efeito do contrato, conquanto do mesmo tipo de negócio resultem efeitos obrigacionais, nomeadamente, a obrigação da entrega da coisa e a obrigação do pagamento do preço ex vi art. 879.°, alíneas b) e c) do Código Civil., pelo que, no caso concreto, o contrato materializou-se quando a Recorrente aceitou a proposta de fornecimento formulada pela Recorrida, em nada afetando a perfeição do contrato o facto de ter sido acordado que o pagamento seria efetuado aquando do levantamento dos painéis, e não implica que estejamos perante uma condição suspensiva e, assim, que o contrato de compra e venda celebrado entre as partes não produza cabalmente os seus efeitos.
16) O ''pronto pagamento" em que a Recorrente escuda a sua pretensão, é apenas e tão só uma modalidade de pagamento - por sinal a mais utilizada no comércio(!) -, e não uma condição suspensiva dos efeitos do contrato, encontrando previsto no art. 885.° n." 1 do Código Civil que o preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida - neste sentido, Maria João Sarmento de Pestana Vasconcelos defende que "Quanto ao lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço, caso as partes nada tenham estipulado, nos termos do art.885. o, n. o 1, o preço deve ser pago no lugar da entrega da coisa vendida, o que se impõe em virtude de a lei jazer coincidir o cumprimento da obrigação de entrega com o pagamento do preço (venda a pronto ou a contado) ,,4.
17) Como tal, o contrato de compra e venda celebrado entre Recorrente e Recorrida, não está dependente de qualquer condição suspensiva, produzindo cabalmente todos os seus efeitos - a pedido da Recorrente, a Recorrida produziu os painéis, tendo os mesmos sido postos a levantamento, parcialmente levantados, e tendo sido a Recorrente interpelada para o respetivo levantamento e pagamento dos painéis em causa no âmbito dos autos, como resulta da prova documental carreada aos autos, e consta dos factos provados na sentença do Tribunal a quo - 1.1 alínea 1), pelo que, por essa altura, esses painéis eram já propriedade desta última, por aplicação do disposto no art. 408.° do Código Civil.
18) Nos termos do disposto no art. 796.° n. ° 1 do Código Civil, o risco do perecimento terá de correr por conta da Recorrente e não da Recorrida, não sendo passível de aplicação o disposto no n." 3 do mesmo preceito, visto que, não existe qualquer condição suspensiva dos efeitos do contrato - o regime previsto no artigo 796.°, que associa a transmissão do risco à transferência do direito de propriedade, encontra-se relacionado com o facto de, no nosso ordenamento jurídico, o contrato de compra e venda ser um contrato real quoad ejJectum.
19) Assim, a partir do momento em que o direito de propriedade se transferiu para a Recorrente - no caso, quando ocorre quando ambas as partes manifestam a sua vontade em realizar aquele negócio jurídico, ou em última análise, quando ocorre a disponibilização dos painéis -, a Recorrida passou a ser mera depositária dos mesmos, não retirando qualquer beneficio da guarda da coisa, visto que é o proprietário quem pode voltar a dispor da coisa, mesmo que a coisa não lhe tenha sido entregue.
4 idem
20) Aqui chegados, é de fácil perceção que se os painéis objeto dos autos se mantiveram sempre na posse da Recorrida - alienante, conforme disposto no art. 408.° n." 2 I." parte do Código Civil-, apenas porque a Recorrente se recusou a proceder ao seu levantamento depois de interpelada para o efeito, pelo que, como bem entendeu o Tribunal a quo, mantém a Recorrente a obrigação de pagar o preço acordado entre as partes, e não tendo efetuado esse pagamento, encontra-se em mora.
21) Em conclusão, de tudo quanto fica exposto, resulta manifestamente evidente que não há erro na apreciação da matéria de facto pelo Tribunal a quo, sendo sendo absolutamente desprovida de fundamento a pretensão do Recorrente, porquanto as suas alegações e concretos meios probatórios invocados não são suscetíveis, por qualquer prisma, de impor uma decisão de facto diversa, razão pela qual deverá o presente recurso de apelação improceder, confirmando-se a sentença recorrida.”
Pede a confirmação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, com todos os efeitos legais.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-deve ser apreciada a impugnação e alterada a decisão sobre a matéria de facto preconizada pela recorrente;
-se sendo procedente a alteração e na conjugação com a demais factualidade provada, deve ser alterada a decisão no sentido da sua improcedência.
***
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria:

“1. DOS FACTOS
1.1. Factos Provados

Com relevância para a decisão a proferir provados estão os seguintes factos:
a) Em 09.08.2017 a R. comprou à A. 700 painéis sandwich de fachada de 40 mm, 150 com 2,30 m de comprimento, 150 com 2,35 m de comprimento e 400 com 2,54 m de comprimento pelo preço de €11/m linear, a que acresceria IVA à taxa legal;
b) Os painéis referidos em a) destinavam-se a ser utilizados na montagem de módulos através da utilização de encaixes de 40 mm;
c) Em 11.08.2017 a R. procedeu ao levantamento de 120 painéis dos painéis mencionados em a), 60 com o comprimento de 2,30 m e 60 com o comprimento de 2,35 m;
d) Com o levantamento referido em c) a R. procedeu ao pagamento da quantia de €3.774,87 (IVA incluído), conforme acordado;
e) Os painéis mencionados em 1.1.c) tinham uma espessura de 41mm;
f) Para poderem ser inseridos nos encaixes de 40mm, na montagem de módulos, os painéis mencionados em 1.1.c) tinham que ser forçados e amassados na zona de encaixe;
g) Ao forçar e amassar os painéis, para poderem ser inseridos nos encaixes de 40mm, degrada-se a estrutura desses mesmos painéis ao nível das chapas que revestem os painéis e ao nível do respectivo enchimento interior em poliuretano, diminuindo a sua resistência e durabilidade;
h) Por força do referido em f) o tempo de montagem dos módulos aumentou;
i) Em 17.08.2017 a R. denunciou à A. o referido em e);
j) Em 29.08.2017 a R. procedeu ao levantamento de 60 painéis dos painéis mencionados em a), todos com o comprimento de 2,54 m;
k) Com o levantamento referido em j) a R. precedeu ao pagamento da quantia de €2.061,97 (IVA incluído), conforme acordado;
l) Em 03.11.2017 a A. interpelou a R. para que procedesse ao levantamento do remanescente dos painéis mencionados em a), tendo emitido, nessa data, a factura n.º 2017A1/3401, no valor de €17.346,81, vencida a 13.11.2017 (e não 2013 como só por lapso material se refere na sentença), referente a 90 painéis de 2,30 m, 90 painéis de 2,35 m e 340 painéis de 2,54m;
m) Os painéis mencionados em l) encontravam-se e mantiveram-se armazenados ao ar livre, num local exterior das instalações da A.;
n) Os painéis mencionados em l) apresentavam em Dezembro de 2020 uma espessura variável entre um mínimo de 39,3 mm e um máximo de 41,8 mm;
o) Por força do referido em m), os painéis mencionados em l), em Dezembro de 2020, apresentavam alguma deterioração da espuma de poliuretano nas faces à vista, com degradação superficial de uma camada de alguns milímetros em todos os topos dos painéis; existem zonas com algum destaque ou pontas soltas do isolamento térmico, que não estariam em condições de serem aproveitados (cerca de 5% do total); a variação na espessura dos painéis e a deformação das chapas torna possível que o encaixe entre eles esteja comprometido, não garantindo a estanquicidade entre painéis; o plástico aderente aplicado aquando a fabricação para revestir a face exterior das chapas colou-se a estas, sendo impossível descolá-lo, o que impossibilita a aderência de pinturas.
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1.2. Factos não provados

Com relevância para a decisão a proferir não se provaram quaisquer outros factos que não os enumerados em 1.1., designadamente:

a) Que aquando da compra mencionada em 1.1.a) a R. tenha informado a A. que os painéis se destinavam a ser utilizados na montagem de módulos através da utilização de encaixes de 40 mm;
b) Que os painéis mencionados em 1.1.c) tivessem uma espessura superior a 41mm;
c) Que recaísse sobre a A. a obrigação de entregar os painéis na morada da R.;
d) Que em momento anterior a 03.11.2017 a R. tivesse tentado levantar os painéis mencionados em 1.1.l) sem se fazer acompanhar do meio do pagamento do respectivo preço.”
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IV MÉRITO DO RECURSO.

- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Cumpre começar por analisar se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especifica na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.
Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, 03/05/2016 e de 21/03/2019 (publicados em www.dgsi.pt), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, excepto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme artº. 607º, nº. 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (artº. 640º, nº. 1, a), b) e c)). No segundo caso cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), nº. 2, do artº. 640º). Em ambos os casos a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (-já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A “nuance” entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais antes de mais têm que ver com o facto de possibilitar á parte contrária um efetivo exercício do contraditório para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado, e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não se imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Desde modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio informador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.
Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto deve constar das conclusões (artºs. 635º, nº. 4, 640º, nº. 1, a), e 639º, nº. 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações) basta que contem do corpo das alegações.
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Revertendo ao caso, a R. sintetiza na 1ª conclusão a matéria que pretende seja revista:

“a) Na decisão em crise foram incorretamente julgados os seguintes factos: (i) os factos enunciados nos artigos 4.° a 12.°, 18.° a 21.°, 32.° a 34.0 e 36.° da oposição à injunção; (ii) os factos constantes das alíneas a) a c) dos factos não provados da decisão em crise e (iii) os factos referentes à não disponibilidade pela Autora dos resultados dos ensaios de tipo inicial por si realizados, tendo por objeto os painéis dos autos e de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, previstos nos pontos 6.2 e 6.3 da Norma Europeia EN 14509, respetivamente.”

E nessa consideração diz que se devem dar como provados os seguintes factos:
1. No contrato de compra e venda dos autos, as partes acordaram que o transporte das mercadorias ficava a cargo da Ré.
2. A compra e venda dos autos ficou sujeita à condição de «pronto pagamento (••• ) à carga do material», isto é, a entrega da mercadoria ficou condicionada ao prévio pagamento pela Ré à Autora do respetivo preço, «apenas exist[indo] autorização de carga após a n/ confirmação de pagamento do referido valor», só sendo possível o levantamento da mercadoria após a confirmação do pagamento do preço devido pela Ré.
3. A Ré deu conhecimento à Autora de que os painéis em apreço se destinavam a ser utilizados em encaixes de 40 mm.
4. A Autora não comunicou à Ré que os painéis em apreço eram produzidos com uma espessura que variava entre os 38 e os 42 mm ou em conformidade com a Norma Europeia EN 14509.
5. A Autora não dispõe dos resultados dos ensaios de tipo inicial por si realizados, tendo por objeto os painéis dos autos, e de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, previstos nos pontos 6.2 e 6.3 da Norma Europeia EN 14509.
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Cabe antes de mais apurar o que de facto se pretende, e o que de facto interessa para os autos, saneando a impugnação da matéria de facto, para então se verificar do cumprimento dos demais ónus. É que não há total correspondência entre o que alegadamente se quer impugnar –remetendo-se para o articulado de oposição e supondo tal remissão que se pretende aditar matéria não consignada- e o que se pretende acrescentar à matéria provada.

Ora, olhando apenas para o que se pretende que consta da matéria provada, diríamos que a divergência prende-se com:
1- quem estava encarregue do transporte das mercadorias;
2- a condição de pagamento;
3- se a R. deu conhecimento à A. da utilização dos painéis em encaixes de 40 mm;
4- se a A. não comunicou a espessura a que são produzidos;
5- se a A. não dispõe dos resultados dos referidos ensaios.
Será então esta a linha que nos orientará em termos de pretensão, o que como veremos também implicará a verificação de factos alegados na oposição que se querem ver aditados. Repara-se ainda que relativamente à alínea b) dos factos não provados também nada é dito, pelo que quanto a tal rejeita-se a impugnação por força do incumprimento do ónus de indicação do que se pretende e dos meios de prova que o impliquem.
Isto posto, torna-se irrelevante a consideração dos pontos 4, 6 a 9, 20, 21 e 32º, que exceda esse âmbito, nomeadamente propostas iniciais e acertos.
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A propósito da reapreciação da matéria de facto, dispõe o artº. 662º, n.º 1, do C.P.C. que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos que resultam do nº. 5 do artº. 607º do C.P.C.. Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder a reapreciação da prova, de acordo com a própria convicção que sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material. A propósito refere também Abrantes Geraldes na mesma obra, pag. 273, "(…) a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. E a pags. 274 (…) “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Sintetizando a nossa posição, o Tribunal da Relação nesta sua função de reapreciação da decisão de facto não opera apenas em casos de erros manifestos de apreciação, mas também pode formar uma convicção diversa da 1ª instância sobre os pontos de facto impugnados, o que deve levar a nova decisão que contenha esse resultado, fundamentadamente, ou seja, com base bastante para alterar aquela que foi a convicção (errada) do juiz de 1ª instância (erro de julgamento).
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que no seu entender deviam ter feito o Tribunal “a quo” encetado caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal “ad quem” não está limitado a essa indicação – que será seu ponto de partida e pode até ser o bastante- podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.
O Ac. desta Relação de 29-10-2020 (publicado em www.dgsi.pt, como todos os que se citarão sem indicação de outra fonte) sintetiza os princípios a ter em consideração na atuação do Tribunal de recurso, recorrendo à doutrina -Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, “Prova testemunhal”, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469- e jurisprudência -Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha)- desta forma:
- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes);
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância;
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de apreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas;
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão;
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção -obtida com benefício da imediação e oralidade- apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Voltando ao artº. 607º, nº. 1, do C.P.C., este dispõe que, em princípio, o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, com ressalva das situações em que a lei dispuser, diferentemente: quando não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, quando os factos só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
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Começando pelos dois primeiros pontos, a questão de quem estava encarregue do transporte, e desde logo se era a A., teve efetivamente expressão na matéria não provada, alínea c). Portanto, aqui terá apenas de se averiguar se o tribunal incorreu ou não em erro de julgamento nessa alínea.
Disse o tribunal recorrido na motivação: “Nenhuma prova segura se produziu relativamente a recair sobre a A. a obrigação de entregar na morada da R. os painéis vendidos: se é certo que nos orçamentos elaborados pela A. e juntos com a oposição se consignou sob “Tipo de Transporte” “Nosso veículo”, o que ficou demonstrado em sede de audiência de julgamento foi que foi a R. quem se deslocou às instalações da A. para proceder ao levantamento da mercadoria.”
Ora, confrontando a ata de audiência prévia com a oposição à injunção, dúvidas não há que a A. aceitou como verdadeiro o alegado no artigo 6º onde se diz expressamente “ficando o transporte a cargo da Autora”, pelo que, ao abrigo do artº. 662º, nº 1, do CP.C. impõe-se a alteração da decisão de facto nesse particular, por se tratar da violação de uma regra vinculativa extraída do direito probatório material (artº. 574º, nº. 2, C.P.C.), que mesmo oficiosamente deve ser corrigido.
Assim, retira-se a alínea c) dos factos não provados, passando a constar dos factos provados sob a alínea a.a) “Recaía sobre a A. a obrigação de entregar os painéis na morada da R.”, independentemente de tal ter sido ou não efetivamente assim feito nas duas entregas/levantamentos, o que não é apto a alterar o acordo firmado.
Repare-se que a recorrida nas suas contra-alegações não especifica essa matéria como constando do que aceitou, mas também não explica porque é que deve ter-se por excluída da aceitação que fez em ata do artigo 6º da oposição.
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Quanto à condição de pagamento, tal não foi consignado nem na matéria provada, nem na não provada, induzindo-se contudo das alíneas d) e k) dos provados que estava acordado o pagamento contra a entrega da mercadoria. Essas alíneas não foram impugnadas.
Ora, que era a pronto pagamento não foi de facto matéria controvertida, a questão era se era autorizado o levantamento após confirmação do pagamento, o que, salvo melhor opinião, é irrelevante para o caso. Sedo irrelevante, não será objeto de apreciação (e eventual aditamento) face à proibição da prática de atos inúteis que decorre do artº. 130º do C.P.C.. Diz o Ac. do STJ e 17-05-2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira) que relativamente ao conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o “…princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo - pelo juiz, pela secretaria e pelas partes - desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. (…)
Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir.
Rejeita-se por isso esta concreta apreciação.
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Passando então para o terceiro ponto: quanto a essa alínea a recorrente invoca “a seu favor” o depoimento da testemunha A. R., na parte transcrita.
Aceitamos o cumprimento dos ónus impugnatórios de forma suficiente para permitir a reapreciação desta matéria de facto (face à limitação ao que se quer ver consignado na matéria provada), relativamente à qual a recorrida se pronunciou (exercendo o contraditório). O que está aqui em causa é a impugnação da alínea a) dos factos não provados.
A propósito, diz-se na motivação apresentada pelo tribunal recorrido: “Os factos dados como não provados resultaram quer da ausência de produção de prova sobre os mesmos (1.2.a), 1.2.b) e 1.2.c)), quer da demonstração da não ocorrência da factualidade em causa (1.2.d)).
Assim, se a testemunha A. R. confirmou ter sido ela quem, em nome da R., efectuou a encomenda dos autos, mais confirmando que essa encomenda foi efectuada por email, o certo é que pese embora tenha declarado que aquando da encomenda mencionou a que se destinavam os painéis (o que poderia inculcar que tal referência era a da montagem em módulos de encaixes de 40 mm), da leitura dos emails enviados, e que foram juntos com a oposição como docs. n.os 2 e 4 (fls. 19v/20 e 21v) resulta que nenhuma referência a esse facto é efectuada – apenas é mencionado que os painéis pretendidos são painéis de fachada. Como tal, o tribunal deu como não assente o facto enunciado em 1.2.a).”
Ouviu-se então o depoimento da testemunha em questão, que se concatenou com os elementos documentais mencionados.
E discordamos da posição do tribunal recorrido na medida em que na encomenda –cfr. doc. 2- menciona-se painéis de fachada de 40 mm e a testemunha confirmou tal facto: informou que era para encaixes de 40 mm; a encomenda refere-se a painéis de 40 mm, o que altera é o comprimento. E explicou que todos os encaixes da R. eram de 40 mm porque o alumínio da R. só usa esses (medida standard). Repare-se que nada foi apontado quanto ao conhecimento e credibilidade da testemunha, que teve envolvimento direto no assunto já que efetuou a encomenda e os contatos, e foi isenta e clara no seu depoimento. Acresce o facto do comercial da A. (cujo depoimento foi ouvido) visitar as instalações da R. e estar ao corrente do seu trabalho, embora mais uma vez tenha sido evasivo nesta matéria.
Pensamos por isso estar suficientemente claro, quase decorrendo apenas dos termos da encomenda, nomeadamente entre as partes que são do meio e que já haviam negociado anteriormente, que os painéis de fachada de 40 mm se destinavam a encaixes de 40 mm, e nessa medida deve ser corrigida a matéria de facto, dando-se como provado sob a alínea b.b) que: “A Ré deu conhecimento à Autora de que os painéis em apreço se destinavam a ser utilizados em encaixes de 40 mm.” Como tal elimina-se a alínea a) dos factos não provados.
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Passando para a pretensão mencionada em 4, aqui trata-se efetivamente de matéria alegada que se quer ver aditada aos factos, neste caso provados. Invoca a recorrente para o efeito: (i) documento junto aos autos com a oposição à injunção sob o n." 9; (ii) depoimento prestado pela testemunha A. R. e L. M., na parte transcrita supra, decorrendo dos mesmos que a Autora apenas entregou à Ré a ficha técnica do produto após esta última ter reclamado da respetiva espessura, apenas dispondo a Ré até essa data do catálogo elaborado pela Ré no qual não se faz qualquer referência à existência de uma variação na espessura dos painéis de fachada; o ponto iii dirá antes respeito à matéria referida em 5 e analisada mais à frente.
Os artigos 18 e 19 da oposição á injunção descrevem essa matéria, e, cumpridos os ónus impugnatórios, mais uma vez assiste razão à recorrente, situação confirmada pela testemunha A. R., que de forma igualmente credível explicou o conhecimento que tinham dos painéis –catálogo fornecido pelo comercial, e o que nesse se dispõe, sendo que quanto à espessura apenas indica as várias disponíveis-, decorrendo efetivamente da resposta à reclamação a explicação e o envio da norma –se então foi explicado e enviado, é porque não foi feito antes –cfr. os temos da resposta. A testemunha L. M., de forma embora evasiva, também o confirmou.
Invocar a existência de relações anteriores entre as partes para afastar a possibilidade da R. desconhecer a variação de espessura, para nós não colhe –em sede de facto, outra questão seria a quem é imputável o desconhecimento-, na medida em que a testemunha A. R. efetivamente aludiu ao facto de já se terem verificado diferenças de espessura noutras encomendas feitas á A., porém eram situações pontuais; já tinham avisado disso mesmo a A..
Assim, acrescenta-se à matéria de facto provada sob a alínea “ii) A Autora não comunicou à Ré que os painéis em apreço eram produzidos com uma espessura que variava entre os 38 e os 42 mm ou em conformidade com a Norma Europeia EN 14509.”
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Por último, o que se pretende aditar e que foi indicado em 5. Tal resulta do alegado nos artigos 36º, 40 e 42º da oposição.
Aqui a visão da recorrente não tem o nosso acolhimento, pois que o facto de não ter sido entregues tais resultados não significa que não existam. E a prova indicada nada mais confirma senão isso mesmo- “(i) «Relatório de verificação de espessura de painéis», datado de 4/12/2017, referente a visita efetuada por F. A. e A. R., no qual se declara ter sido solicitado à Autor cópia da certificação do painel em apreço, de acordo com a norma EN 14509, sem que fosse exibida ou confirmada a existência de tal certificação, junto aos autos com a oposição à injunção como anexo do doe. n." 16; (ii) Declaração de desempenho datada de 14/08/2017, junta aos autos pela Autora; (iii) email de 09/10/2019 de X. O., colaborador da Tecn..., elaborado e junto aos autos na sequência de despacho que ordenou a notificação da Tecn... para esse efeito, junto aos autos a fls. , no qual se declara que a Tecn... apenas realizou o ensaio de reação ao fogo tendo por objeto os painéis fabricados pela X; (iv) depoimento da testemunha M. R. no qual se refere que a Tecn... terá efetuado os ensaios técnicos iniciais de «reação ao fogo, compressão, tração e testes de carga», ao arrepio do teor do mencionado email do colaborador da Tecn....”
Improcede por isso a pretendida inclusão do mencionado ponto 5, que inclui inclusive aspetos conclusivos (“A Autora não dispõe dos resultados dos ensaios de tipo inicial por si realizados, tendo por objeto os painéis dos autos, e de comprovativo da implementação de um sistema de controlo de produção em fábrica em conformidade com os requisitos da EN ISO 9001, previstos nos pontos 6.2 e 6.3 da Norma Europeia EN 14509.”). Tal improcedência do pretendido não contende com as regras do ónus da prova, que tem que ver com a averiguação a fazer em sede de direito sobre quem teria de alegar e provar o quê.
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Por força do dever de consideração dos factos assentes por acordo, haveria que considerar a matéria dos artigos 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º e 42º, da oposição (cfr. ata de audiência prévia); porém no que ao caso interessa já consta do considerado pelo tribunal a quo, acrescendo que os documentos são meios de prova de factos e não factos em si mesmo.
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Procede por isso parcialmente e nos termos consignados a impugnação da matéria de facto.
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- DECISÃO DE DIREITO.

Tendo a recorrente visto parcialmente deferida a alteração da matéria de facto, vejamos em que medida (e se) isso altera a sua subsunção ao direito.
As partes nos autos celebraram entre si um contrato de compra e venda comercial (-de coisa), como compradora e vendedora, respetivamente, a que se aplicam as normas do Código Civil em tudo o que não resultar da lei comercial (artºs. 874º e 875º do C.C., e 2º, 3º, 13º, 230º, 463º a 476º, do Código Comercial). O contrato tem eficácia real e eficácia obrigacional, na medida em que dele resulta o efeito translativo do direito, ou o efeito real imediato –a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito-, bem como a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço –cfr. artºs. 408º, nº. 1, e 879º, do C.C.. Trata-se de um contrato, além disso, bilateral ou sinalagmático e oneroso: dele derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida umas das outras, e há um esforço económico de ambas as partes; e em regra é comutativo, ou seja, as duas prestações patrimoniais são certas e tendencialmente equivalentes.
Nas obrigações de coisa, como é o caso da obrigação de entrega na compra e venda, podem distinguir-se quanto ao seu objecto, as obrigações específicas e as genéricas. Refere Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, 10ª ed., pag 919), que é específica a obrigação cujo objecto mediato é individual ou concretamente fixado, e genérica, aquela cujo objecto está apenas determinado pelo seu género (mediante a indicação das notas ou características que a distinguem) e pela sua quantidade. Acrescenta que, a indicação de género pode incluir um maior ou menor número de notas definidoras, sendo a extensão dele tanto menor quanto maior for a sua compreensão.
Esta distinção tem relevo desde logo face ao disposto no artº. 408º, nº. 2, C.C., determinando também a aplicação do regime da venda de coisa defeituosa nos termos do art 913º do CC e/ou do cumprimento defeituoso nos termos dos artº. 798º e 799º, do C.C..
Mais: o exacto cumprimento duma obrigação genérica dá-se pela entrega da coisa concretizada, individualizada, ou determinada dentro do género estipulado por uma das formas do artº. 541º do C.C. e segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido convencionados –artº. 400º, nº. 1, do C.C..
A diferença assinalável de regime prende-se com a possibilidade de anulação do contrato por erro, que tem o comprador de coisa específica, mas não tem o comprador de coisa genérica (cfr. artº. 918º do C.C.).
Veja-se sobre a distinção de regimes tratando-se de coisa genérica ou de coisa defeituosa o Ac. da Rel. de Lisboa de 10/11/20111 (relatora Maria Teresa Albuquerque), bem como o Ac. da Rel. de Coimbra de 19/12/2018 (relatora Sílvia Pires).
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De todo o modo, caso tenha sido acordado o específico fim a que a coisa se destina (cfr. o caso, em que ficou apurado que os painéis se destinavam a encaixes de 40, além das outras especificações que constam da encomenda aceite/contrato), a A. obrigou-se a entregar painéis que se adequassem a esse fim. Ou seja, para além de entregar painéis que respeitem os parâmetros daquela norma europeia citada, com ou sem a respetiva certificação (cfr. o carácter facultativo destacado na sentença recorrida), mais do que isso, tinha de entregar painéis de fachada que pudessem ser utilizados em encaixes de 40 mm, sob pena de estar a incumprir a sua obrigação, entregando coisa defeituosa –regime dos artºs. 913º e segs. do C.C..
O vendedor tem o dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, e pode violar esse dever de prestar por uma de três formas: ou incumprindo tout court, ou impossibilitando a prestação -artºs 798.º e 801.º, nº 1, do C.C., ou cumprindo mas de forma defeituosa ou inexacta, com previsão especifica no âmbito do regime da compra e venda -artºs. 913.º e segs. do C.C..
Por isso, o vendedor não está só adstrito ao dever de entregar certa coisa.
E por isso se diz que a par com aquelas obrigações simples o contrato acarreta também obrigações ou deveres acessórios. No caso do vendedor corresponde à entrega da coisa sem vícios e conforme o acordado, ou seja, ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa sem defeitos.
Portanto, o vendedor cumpre a sua obrigação quando entrega a coisa objeto do contrato, a qual deve ter as características e as qualidades acordadas entre as partes.
Na venda de coisa defeituosa a coisa objeto de transação sofre dos vícios ou carece das qualidades referenciadas no artº. 913º do C.C., quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontrava vinculado. Veja-se também o artº. 799º, nº. 1, do C.C..
Coisa defeituosa é a afetada por vício que a desvalorize, impeça a realização do fim a que é destinada ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim (artigo 913º, n.º 1, do Código Civil). Há vício quando há imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; há desconformidade quando há uma discordância em relação ao fim acordado. Veja-se sobre a matéria João Calvão da Silva “Compra e Venda de Coisas Defeituosas”, 5ª edição, pags. 44 e 49. E quando não houver acordo das partes quanto ao fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (nº. 2 do artigo).
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Revertendo ao caso, temos uma encomenda de 700 painéis de fachada de 40 mm, que se destinavam a ser utilizados na montagem de módulos através da utilização de encaixes de 40 mm, situação que foi levada ao conhecimento da A. pela R..
Podemos desde já dizer que o facto dos painéis terem espessura de 41 mm significa que há uma discordância em relação ao fim acordado. É que efetivamente sabemos que para poderem ser utilizados em encaixes de 40 mm os painéis têm de ser forçados e amassados na zona de encaixe, o que faz com que a sua estrutura se degrade e diminua a sua resistência e durabilidade (para além do aumento de tempo de montagem, o que relevaria para um eventual pedido indemnizatório que aqui não está em causa).
Sucede ainda que só podemos afirmar que isso sucedeu em relação aos painéis já levantados e pagos, mencionados na alínea c) dos factos provados. Depois disso e tendo denunciado o sucedido, a R. ainda levantou e pagou mais 60 painéis –cfr. alíneas i) a k).
Relativamente aos restantes painéis e cujo pagamento aqui está a ser peticionado, efetivamente não sabemos se foram produzidos pela A, com espessura superior a 40 mm, e face ao facto de os mesmos se encontrarem armazenados ao ar livre, a R. também não o pode afirmar.
Portanto, independentemente da norma invocada e de se saber se a R. tinha de ter conhecimento da mesma ou se era a A. quem tinha de a ter informado dos factos (e não o fez), na verdade isso não importa porque não sabemos se sucedia com esses painéis o que sucedeu com os entregues em 11/8/2017. Veja-se a referência temporal da alínea n) dos factos provados.
Não podemos então dizer que os mesmos eram desconformes à encomenda.
E quanto às entregas já realizadas, pouco importará ao caso já que forma aceites e pagas.
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Cremos, no entanto, que a questão nestes autos se coloca a montante.
A coisa não chegou a ser entregue, pelo que não se poderia dizer se/que houve um cumprimento defeituoso.
Ora, já vimos que o vendedor tem a obrigação emergente do contrato de entregar a coisa. No caso a entrega ficou a cargo da A..
A entrega da coisa importa para o vendedor o dever de investir o comprador na posse efetiva da mesma, no caso de coisas móveis através da tradição material; tal traduz-se na colocação da coisa à disposição do adquirente no lugar e prazo convencionados (ou, na sua falta, fixados por lei –artº. 772º e segs., 777º e segs., 797º, todos do C.C.). À obrigação de entrega corresponde (ou implica para o comprador) a obrigação de receção, retirada ou levantamento da coisa no lugar e tempo devidos (cfr. ainda o artº. 787º). Na execução da sua obrigação o devedor deve respeitar o contrato pela entrega da coisa convencionada (artºs. 408º, 762º e 837º, todos do C.C.).
Sucede que a A. não efetuou a entrega por sua conta como acordou, antes interpelou a R. para o levantamento, situação a que a R. não se obrigou, e sem o que não se pode falar de recusa de receção (-sendo que nem a recusa de levantamento resulta perentória dos elementos que constam dos autos –cfr. troca de e-mails entre as partes que por despiciendos não reproduzimos).
Cremos então que, com esta atuação, a A. “ainda” não cumpriu a obrigação de entrega, pelo que qualquer questão relativa ao cumprimento (defeituoso) do contrato ainda não se pode colocar.
Sendo o pagamento a “pronto pagamento” também se retira que não incorreu a R. ainda na obrigação de pagar o preço -quer porque decorre das alíneas d) e K), quer porque ainda que não decorresse dos factos aplica-se o disposto no artº. 885º, nº. 1, do C.C..
E, assim sendo, ele não é devido (porque só o é contra a entrega da coisa) e não pode ser obtido nesta ação.
A A. tinha de ter feito a entrega de painéis que respeitassem o pedido feito; não tendo procedido em conformidade e tendo aguardado o levantamento, incumpriu a obrigação de entrega.
Por outro lado, e abordando a questão da deterioração dos painéis –alíneas m) e o)-, tal apenas é imputável à A. que os têm ainda em sua posse. A obrigação de entrega da coisa no estado em que se encontrar prevista no artº. 882º, nº. 1, do C.C., significa que existe para o vendedor a obrigação (também acessória e instrumental) de a guardar e conservar até à entrega, em que se dá a transferência da posse. Veja-se ainda os artºs. 918º e 798º do C.C..
A título de nota ainda se poderia dizer que a figura do abuso de direito (de conhecimento oficioso –artº. 334º do C.C.- mas cuja aplicação estaria sujeita à obediência do cumprimento do prévio contraditório –artº. 3º, nº. 3, C.P.C.) poderia colocar-se na medida em que a R. efetuou o levantamento das duas primeiras remessas, o que poderia significar que criou a expetativa na contraparte de assim proceder igualmente nesta terceira remessa. Contudo não sabemos porque é que tal sucedeu pelo que não poderíamos considerar legítima aquela expetativa e manifestamente ofensivo dos limites da boa fé o exercício do direito por parte da R..
Ainda se poderia levantar outra objeção: a R. na sua oposição não se opõe expressamente ao levantamento nas instalações da A.; a R. não procedeu ao mesmo, invocando que não está obrigada a aceitar painéis diversos dos que encomendou –artº. 762º do C.C.; e refere também que a A. não entregou nem está em condições de entregar os painéis à R. pelo que não pode pedir o pagamento do preço. Cremos por isso que nos situamos na matéria de exceção invocada, dando-lhe embora um diferente enquadramento jurídico, liberdade que assiste ao tribunal –artº. 5º, nº. 3, C.P.C..
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Por tudo o exposto, assiste razão à recorrente no sentido de dever ser revogada a decisão que a condenou ao pagamento do valor peticionado, devendo antes ser absolvida do pedido.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso da R. totalmente procedente, e em consequência, concedem provimento à apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo a R. do pedido.
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Custas a cargo da A./recorrida (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 17 de novembro de 2022.

Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro