FALTA DE CUMPRIMENTO DO DEVEDOR
ACTOS DOS AUXILIARES
Sumário

Provado que a fornecedora de um bem a dar em locação o entregou a um terceiro, seu comissionista, para que o mesmo tratasse da negociação com o locatário e lhe entregasse o bem e provado que este não chegou a ser entregue ao cliente e que a assinatura deste no contrato de locação financeira foi falsificada, é de responsabilizar a fornecedora pelas consequências desse incumprimento, por resultar dos factos provados que o referido comissionista procedeu com culpa.

Texto Integral

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - G..., instaurou acção declarativa com processo comum, contra  B... Unipessoal, Lda e contra AA, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de € 9.840,00, acrescida de juros de mora comerciais contados desde a citação.

 Alegou, para tanto, e em resumo, ter adquirido e pago à 1ª R. o bem que identificou, tendo sido  único propósito dessa aquisição a respectiva locação financeira a “Frutas ..., Lda”, tendo a 1ª R. intervindo na qualidade de fornecedora,  assumindo a identificada sociedade locatária como contrapartida pela cedência do gozo do bem, a obrigação do pagamento de 20 rendas mensais, no valor de € 492,00 cada. Mais alegou que não se encontrava presente aquando da entrega do bem locado, a qual é assegurada pela fornecedora do bem – a 1ª R. – sendo igualmente esta, que, aquando da entrega do bem, recolhe as assinaturas dos originais do contrato e quem lhos entrega já devidamente assinados pelo locatário, o que tudo se verificou na situação concreta, assim lhe tendo sido criada a legítima convicção que os pressupostos para o pagamento à 1ª R. estavam verificados: entrega do bem e subscrição do contrato. Alegou ainda que a alegada locatária não procedeu ao pagamento das rendas, invocando perante ela a falsidade do contrato, o que levou à sua resolução por ela, A., em 12/02/2018:.Alegou ainda que os RR., neste contexto, não só não negaram a falsificação do contrato como lhe propuseram pagar os valores em divida do contrato de locação, e que o  2º R. lhe prometeu amortizações parciais.

O R. AA, por si e na qualidade de depositário da sociedade R., que, tendo entrado em liquidação, foi dissolvida, contestou, alegando que  é procedimento normal por parte da A., antes de pagar o preço, confirmar junto do locatário a recepção do bem locado, apenas pagando ao fornecedor após efectuar tal controlo. Alegou ainda ter entregue o bem locado a um terceiro que tratou da negociação e que o fez no pressuposto do mesmo ser entregue ao locatário. De seguida, referiu que os documentos lhe foram todos entregues previamente assinados pelo locatário, negando terem prometido pagar o que quer que fosse à A., reiterando que a confirmação da entrega do bem ao locatário é feita pela A. e antes do pagamento. Pugna, pois, que ao entregar o bem (ao terceiro referido) cumpriu o contrato, mostrando-se justificado o recebimento do preço.

Foi dispensada a realização da audiência prévia.

Exarou-se, com fundamento no encerramento e liquidação da sociedade R,. que a acção prosseguiria, no que a esta concerne, nas pessoas dos seus liquidatários, in casu, o R.

Fixado que foi o valor da acção  -  € 9.840,00 – foi proferido  despacho saneador,  tendo-se o Tribunal abstido de fixar o objecto do litígio e de enunciar os temas de prova.

Realizado julgamento, foi  proferida sentença que julgou a acção improcedente,  absolvendo os RR. do pedido .

III – Do assim decidido, apelou a A., que concluiu as respectivas alegaões, nos seguintes termos:

1. O presente recurso incide sobre a douta sentença de fls. que julgou a presente acção improcedente por considerar que por um lado não se verifica o apontado incumprimento contratual dos réus, bem como a título de responsabilidade pelo risco e por outro que (não obstante se mostrar demonstrado o dano da autora) a factualidade não permite concluir no sentido do preenchimento dos demais pressupostos de que dependem a obrigação de indemnizar.

2. O presente recurso visa a alteração: do Ponto 11. da matéria de facto dada como provada; o Alíneas a), b), c), d), e), f), g), h) e i) da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal, com base na confissão da apelada, na prova documental e testemunhal produzida e na Lei aplicável.

3. O Tribunal a quo decidiu em absoluta oposição às provas apresentadas nos autos, tendo sido contraditório no que respeita às conclusões que retirou, não obedecendo às regras do ónus da prova e tendo sustentado a sua decisão, basicamente, nas declarações prestadas pelo Réu AA.

4. Conforme decorre da fundamentação da douta Sentença o Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: (seguem-se os factos provados que no ponto III do presete acórdão se enunciarão)

5. Fundamentando o Tribunal esta decisão no depoimento de parte prestado pelo 2º réu, incluindo os factos que nessa sequência foram considerados confessados, valorado de forma conjugada com as declarações das testemunhas BB, CC, DD, EE e FF e bem ainda a totalidade da documentação constante dos autos, concretamente a fls. 14 a 32, 66, 99 a 122.

 6. Sintetizando: a Autora apelante adquiriu por compra aos Réus o equipamento descrito no documento/fatura junto à petição inicial com o nº 1 (fls.14 dos autos) assumindo os Réus a obrigação de entregar esse equipamento à locatária do contrato de locação clássica junto à petição inicial com o n.º 3 (fls. 16 dos autos) Frutas ..., Lda - fatos provados 8, 9 e 13, alegando a Autora que tal bem não foi entregue pelos Réus nas condições acordadas e resultando provado que a Autora não recuperou o aludido bem – fato provado 21.

7. Exclusivamente, com base no depoimento de parte do Réu AA (que com o consentimento da Mma. Juiz se transformou em testemunho de parte – a factos favoráveis ao depoente) entendeu o Tribunal a quo julgar provado que a 1ª ré entregou o bem locado, acima referido, a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último.

8. Decidindo que: «De forma que se crê plausível – por se mostrar conforme às práticas comerciais não raramente utilizadas – disse o réu que na data da celebração do contrato dos autos tinha vendedores/comissionistas, no caso era o Sr. EE, eles faziam parte da apresentação, trabalhava por conta dele (ainda que posteriormente assumisse que ele tinha direito a uma percentagem dos contratos que celebrava para a ré) fazia o contacto com o cliente. Depois enviava os documentos todos, até havia casos em que eu não conhecia os clientes. (…). Nós entregamos o bem a quem fez o contrato; no caso eu entreguei ao EE para ele entregar ao cliente. (…). Não sei se o equipamento foi entregue. Desde que o comissionista levou o bem não sei mas como a autora pagou depreendo ter sido entregue.»

9.Dando, assim, máxima credibilidade à mera declaração da própria parte a facto que lhe era favorável, não obstante resultar da prova produzida que tal parte falseou factos nos autos.

 10.Note-se que em sede de contestação, nomeadamente no artigo 5.º, o Réu alegou que “…entregou o bem, objecto da locação, a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto de o mesmo bem ser entregue a esse mesmo locatário…”

11.E que todos os documentos foram entregues à Ré já previamente assinados pelo locatário (artigo 6.º da contestação), facto este que foi julgado não provado, ficando provado que a 1ª ré, na qualidade de fornecedor do bem locado referido, recolheu as assinaturas apostas sob a rubrica “locatário” no contrato de locação identificado em 5. (facto 6. Provado) e não provado que Todos os documentos referidos em 7. foram entregues à ré previamente assinados pelo locatário. (alínea k) dos factos não provados).

12.Donde resulta (entre outros) a alegação de facto falso pelo réu que não lhe era desconhecido e que bem sabia não corresponder à verdade.

13.Tendo o Réu alegado ainda, cfr. artigo 17.º que “… entregou o bem, objecto de locação e, por isso, recebeu o respetivo preço do mesmo.”

14.E no artigo 19.º que “… vendeu um bem, objecto da locação, entregou o mesmo e, por isso, recebeu o preço respectivo.”

 15.Não obstante, resultou provado que o aludido bem não foi entregue à locatária da Autora, conforme acordado e que era condição necessária ao pagamento do preço …

 16. E do depoimento do Réu AA, gravado a 01-06-2021, início da gravação 10:11:34 e fim da gravação 10:32:46 resultou: 20210601101132_3504824_3993027 (03:50 / 21:11) confrontado com o documento a fls.14 (fatura de compra e venda do bem) “A parte do negócio é feita da seguinte forma, nós contatamos o cliente assim que o cliente perante algumas regras que impõe a G... a gente fazemos o contrato direto com o cliente o cliente ao aceitar as condições daquelas que nós colocamos, enviamos esses documentos à G... para se realmente há ou não aprovação e se tudo está legal dentro das normalidades que eles pedem nos seus parâmetros normais. Assim que aprovado depois pela G... que nos enviava a nós uma aprovação do contrato que estava a ser feito então nós teríamos que fazer esta fatura à G... porque depois como isto era um renting de longa duração o nosso cliente com quem firmamos esse contrato ficaria a pagar a mensalidade à G... e não a nós.”

17. E quando questionado pela Mma. Juiz sobre se sabia se os equipamentos haviam sido entregues respondeu: (14:42 / 21:11) “Pois, isso aí não lhe sei, não lhe sei confirmar”

 18. Não tendo sido junto qualquer documento pelo réu (e que sempre seria normal acontecer se fosse verdade – que não é – uma vez que sempre existiria um recibo ou outro documento do alegado comissionista) que de alguma maneira comprovasse, nomeadamente, que o tal “terceiro” (que o réu em sede de depoimento disse ser o Sr. EE) havia trabalhado para si em Agosto de 2017 como comissionista a quem pagava uma comissão pela concretização do negócio.

19 Acrescendo que ouvida a testemunha EE, depoimento gravado a 07.12.2021, início da gravação 15:03:53 fim da gravação 15:19:03 202112071150351_3504824_3993027 (01:10 / 15:08) O mesmo disse ter começado a trabalhar para os réus a partir de 2018 (a situação e o contrato dos autos data de Agosto de 2017) e questionado sobre as funções que tinha na empresa dos Réus respondeu: (03:28 / 15:08) “Eu elaborava candidaturas a fundos comunitários. Como prestador de serviços.” E questionado sobre se conhecia uma empresa chamada Frutas ..., Lda respondeu: (03:56 / 15:08) “Não.” E questionado se nunca tratou de negociação de equipamentos biométricos e software de relógio de ponto e se essas situações passavam por ele respondeu: (04:03 / 15:08) “Não.”

20. Não tendo sido ouvida nenhuma outra testemunha que tivesse conhecimento direto destes fatos (na teoria apresentada pelo Réu).

21. Aqui chegados, com o devido respeito, julgou mal o douto Tribunal a quo ao considerar provado o facto 11. impondo-se que o mesmo seja considerado não provado.             22. Entendeu o Tribunal a quo que não resultou provado que “No âmbito do contrato de locação mencionado em 5. a fornecedora/aqui 1ª ré assegurou à locadora/aqui autora ter feito a entrega do bem locado ao locatário.”

 23. E que não resultou provado que “A 1ª ré/fornecedora confirmou junto da locadora/autora ter efectuado a entrega do bem locado à locatária.”

 24. E que não resultou provado que “O 2º réu confirmou junto da autora a entrega dos bens ao locatário, o que fez para defraudar aquela.”

25. E que não resultou provado que “O prejuízo que a autora sofreu teve origem num acto consciente e deliberado dos réus”

26. E que não resultou provado que “Os réus não entregaram o bem objecto do contrato de locação nas condições do mesmo constante

27. E que não resultou provado que “Os réus, em data anterior ao recebimento do preço, convenceram a autora que haviam entregue o bem locado.”

28. Fundamentando tal decisão, entre outros, no facto de “Aponta-se ainda que nenhuma prova declarativa produzida nos permitiu concluir diversamente, concretamente que os réus tenham assegurado à autora terem feito a entrega do bem locado”.

29. Olvidou o Tribunal a quo a prova documental junta aos autos, nomeadamente, a fatura de compra e venda junta à petição inicial com o nº 1 (fls.14 dos autos) – documento não impugnado e confessado pelos Réus, da qual consta a declaração expressa: “Os artigos/serviços faturados foram colocados à disposição do adquirente na data do documento”

 30. Para além de resultar da factualidade considerada provada que a autora apenas pagaria o preço aos Réus se o bem locado fosse entregue à locatária (facto também confirmados pelos réus).

31. Resultando das declarações do Réu (já supra citadas) que entregou à fatura (da qual consta a declaração e entrega) à Autora para poder receber o preço.

32. Saliente-se, por outro lado, a respeito da sustentação do Tribunal a quo em como a Autora se bastou com o documento de fls. 18 – declaração (falsificada) da locatária em como havia recebido o bem locado – que foi o Réu quem entregou tal declaração à Autora. 35. Então, seguindo o raciocínio do Tribunal a quo, porque razão o Réu entregaria à Autora uma declaração em como o bem (que lhe havia vendido) tinha sido entregue á locatária se tal não fosse também por si confirmado?!

33. Transpondo estas considerações para o caso dos presentes autos, (face à lei aplicável e à prova documental e testemunhal produzida), impunha-se que o Tribunal a quo decidisse como provados os factos das alíneas a), b), c), g), h) e i).

34. Julgou não provado o Tribunal a quo que: 38. “Confrontados os réus com a alegada falsificação do contrato e não entrega dos bens os mesmos propuseram pagar à autora os valores em dívida no contrato de locação mencionado em 5.”

35. “Nesta sequência o 2º réu efectuou várias promessas de pagamento à autora, nomeadamente em 12/02/2018 – momento em que prometeu realizar, no decurso dessa semana, uma amortização parcial sobre o montante em dívida referente ao contrato referido e que logo que fosse efectuada enviaria o respectivo comprovativo de pagamento, o que nunca veio a suceder.  “Ainda neste contexto foram trocados sucessivos emails entre a autora e o 2º réu, concretamente os constantes de fls. 104 a 122 e cujos teores se consideram integralmente reproduzidos para todos os efeitos. “

36. Tais factos terão necessariamente de ser considerados provados com base na prova documental junta aos autos (e-mails juntos aos autos em 31/05/21 como documento n.º 4 e em 02/06/21) e do depoimento da testemunha CC, gravado a 09.11.2021 início da gravação 10:13:27 fim da gravação 10:30:41 (20211109101326_3504824_3993027) que declarou conhecer o réu AA e disse:(02:50 / 17:13) “Passado pouco tempo recebemos uma reclamação por parte do cliente Frutas ..., Lda a dizer que não assinou esse contrato (…) a partir do momento que recebemos esse contato por parte do cliente, que não reconheceu o contrato, entrei em contato com a B..., na pessoa do Sr. AA a explicar-lhe a situação. Pronto, ele naquele momento mostrou-se assim um pouco atrapalhado até porque a forma como eu apresentei as coisas, se isto realmente teria ocorrido a parceria existente entre a B... e a G... seria terminada e ele prontificou-se em resolver a situação, aliás uma das propostas que eu fiz na altura era reverter o contrato, isto é, o contrato ser anulado e o valor que nós liquidámos da fatura à B... ser-nos devolvido. Inclusive até dei um prazo, sensivelmente uma semana mas não foi cumprido.” (13:50 / 17:13) “É assim, lembro-me que nessa altura o que ele disse é que iremos reverter o contrato, que lhe desse um prazo para ele ir fazer a liquidação, a devolução do valor do contrato.” Questionado sobre se tinha a certeza que tinha falado com o senhor AA respondeu: (04:18 / 17:13) “Sim, sim, sim sim. Foi o contato telefónico que sempre utilizei para falar com ele.”E acrescentou que: (05:39 / 17:13)“… sensivelmente uns dias depois desse prazo que lhe dei . Questionado sobre se a parceria entre a Autora e os réus se tinha mantido respondeu: 43. (07:25 / 17:13)  “Não, não. Obviamente que aqui houve uma quebra de confiança em relação à pareceria que existente entre a B... e a G..., aliás foi comunicado ao senhor AA, inclusive já havia aqui desenvolvimentos para outros negócios futuros e ele até me pediu efetivamente que esperasse mais uns dias para resolver esta situação em concreto para naturalmente não pôr em causa, não hipotecar as situações que pudessem desenvolver-se em termos de parceria no futuro.” . Questionado sobre se o réu era a única pessoa de contato entre a B... e a G... respondeu: 46. (08:20 / 17:13)  “Sim. Foi a única pessoa que realmente contatei, tivemos uma ou duas reuniões presenciais e foi sempre a pessoa de contato na B....”

37. Não merecendo o depoimento da testemunha qualquer censura, mostrando-se o seu depoimento coerente e merecendo toda a credibilidade.

38.  A verdade é que o Tribunal a quo decidiu não valorar nenhum dos depoimentos das testemunhas ouvidas, retirando-lhes credibilidade e não atribuindo nenhum relevo aos seus depoimentos, decidindo apenas valorar o depoimento do Réu! 

39. Chegando a afirmar que as testemunhas não tiveram a virtualidade de convencer o tribunal.

40. Mas já o réu teve!

 41.  A respeito das “considerações” que o Tribunal a quo não se coibiu de tecer sobre a Autora, nomeadamente ao imputar-lhe a “culpa do prejuízo” por entender (erradamente) que a Autora não confirmou, e deveria ter confirmado, os dizeres apostos no contrato dos autos e referentes à sociedade aí indicada como locatário, dizeres esses que o Tribunal a quo afirma serem incorrectos, bastando-se para tecer tal afirmação no depoimento de DD.

42. Persistindo ao propagar que a “… a autora, antes de aprovar a proposta (como aprovou), deveria ter tido o cuidado exemplar de verificar a autenticidade de todos os elementos aí insertos e referentes ao alegado “locatário”, tanto mais que já era seu cliente… Ao não o ter feito permitiu-se, ela (autora), ser defraudada nos moldes em que veio a ser!!”

 E sustentando a decisão naquela que considera ser “… ausência de prova da ou má-fé dos réus na condução do negócio, pois que incumbia à autora a verificação dos dados do locatário, os quais se mostravam errados e do que a autora se podia e devia ter apercebido, por a “Frutas ..., Lda” já ser, à data, sua cliente ...”

 43. Destacando que a testemunha DD afirmou firmemente que os dados da empresa estavam incorretos!

Saliente-se que bastará ouvir a gravação do depoimento da testemunha DD para verificar que o mesmo não foi firme no seu depoimento, aliás, foi notório que a testemunha não tinha memória exata dos factos, não conseguindo concretizar ou responder diretamente e com exatidão às perguntas que lhe foram feitas. 7

44. Ainda assim, a verdade é que constam dos autos documentos que provam exatamente o contrário daquela que foi a sustentação da decisão o Tribunal a quo.

45.. E, neste âmbito, impunha-se que o Tribunal a quo ao decidir ponderasse a prova dos autos respeitante aos mesmos factos.

46. 75. Com efeito, e conforme se pode verificar pelo teor dos documentos juntos aos autos em 31/05/21 (consulta ao Portal da Justiça de ato societário da “Frutas ..., Lda”, consulta ao website da “Frutas ..., Lda” – documentos que a Autora juntou apenas com o propósito de demonstrar qual a morada para notificação da testemunha) e da certidão permanente de registo comercial da “Frutas ..., Lda” com o código de acesso ...13 (documento que aqui se indica ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 651.º do C.P.C.) todos os dados da locatária “...” estavam absolutamente corretos (designação/nome; número de identificação e pessoas coletiva, telefone, morada).

47. Acrescendo que esta matéria, à qual o Tribunal a quo dá a maior importância e que usa para sustentar a decisão, não foi objeto de contraditório nos autos, nunca tendo sido matéria impugnada, tendo sido apreciada por iniciativa do Tribunal a quo e apenas em sede de sentença!

48. Sem embargo das consequências que emanam dessa situação, a verdade é que ainda que tal matéria pudesse ser admitida, a decisão do Tribunal a quo sobre a mesma sempre teria de ser julgada, na configuração que o Tribunal a quo lhe atribui, não provada uma vez que dos autos resulta prova clara dos dados do contrato estarem corretos e serem os da locatária.

49. Uma vez que o Tribunal a quo sustentou a decisão dos fatos não provados nesta ilação (errada) e falecendo a mesma, sempre teria de ser dada resposta aos mesmos nos termos que aqui se defende.

50. Conforme o Tribunal a quo bem refere, nos termos do art. 879º do Código Civil a compra e venda tem como efeitos essenciais, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço, sendo certo que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

 51. E o vendedor cumpre a sua prestação mediante a entrega do bem ao comprador – ou a terceiro que este indicar – sendo a correlativa prestação do comprador o pagamento do preço.

52. Não existindo dúvidas quanto ao efectivo cumprimento, pela autora, da sua prestação e que consistiu no pagamento do preço do equipamento acordado.

53. Sob este pressuposto, regressando à questão de saber se os réus incumpriram a sua prestação isto é, se os mesmos não procederam à entrega do bem locado – e adquirido por si, autora, com a expressa  finalidade de ser locado o Tribunal a quo decidiu pela negativa, sustentando que ficou assente em 12. que 1ª ré entregou o bem locado a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último.

54. Ainda que já atrás se tenha demonstrado que o facto 12. [1]deverá ser considerado não provado, o que por si só implicaria a revogação da decisão, sempre a mesma não subsistiria com base em tal facto, na medida em que (ainda que se quisesse acreditar que o réu entregou o bem a um terceiro) demonstrado e provado está que esse terceiro não foi indicado pela Autora/compradora e, por isso, jamais poderia levar à decisão do cumprimento da entrega do bem.

55. Concluindo o Tribunal a quo que “Significa, pois e no que aos réus concerne, que os mesmos entregaram efectivamente o bem locado não directamente ao locatário, é certo, mas sim ao terceiro que tratou da negociação com o locatário.” tal conclusão apenas pode ser entendida como a demonstração do incumprimento da prestação pelos réus. 

56. Não parando de surpreender (ainda que se possa admitir tratar-se de um qualquer lapso) o Tribunal a quo pondera a possibilidade do bem ter na realidade sido entregue (ou ficado na posse) do autor da falsificação, autor este que corresponde na verdade ao locador identificado no contrato?!

57. Concluindo que com especial relevo na questão decidenda, que apesar da autora ter invocado que os réus não entregaram o bem objecto do contrato de locação nas condições do mesmo constante a verdade é que a mesma não logrou, como se lhe impunha, demonstrar este ponto factual, como se retira da al. h) dos factos não provados.

58. E com muitas exclamações, o Tribunal a quo reitera “É que, como se vê, as condições constantes do contrato, na parte referente ao locatário, encontravam-se desde sempre forjadas, a significar que o bem poderá ter efectivamente sido entregue ao terceiro que forjou o contrato dos autos… pois que, frisa-se, sempre o poderia ter sido dado que, como consignámos na motivação da decisão de facto, os dados da empresa indicada no contrato como locatário sempre estiveram incorrectos!!!”

59. Indo mais longe ao alcançar que “De outro prisma: perante os elementos constantes do contrato – errados no que aos elementos identificativos da sociedade “Frutas ..., Lda” concerne – jamais poderia o bem locado ser entregue à verdadeira sociedade.”

60. Não deixando de renovar esta teoria quando considera que “Assim, tendo os réus demonstrado, no apontado contexto criminal e fraudulento, que entregaram o bem locado ao colaborador no pressuposto de ser entregue ao locatário e sem que se tenha provado que o mesmo bem não foi entregue ao terceiro que forjou o contrato dos autos… pois que, frisa-se, sempre o poderia ter sido dado que, como consignámos na motivação da decisão de facto, os dados da empresa sempre estiveram incorrectos, cremos terem os mesmos cumprido adequadamente a sua prestação de entrega do bem, não poderemos concluir no sentido dos réus terem incumprido a sua prestação.”

61. Então… se por um lado o Tribunal a quo considera provado que: 117. - foram os réus quem recolheram as assinaturas do locatário no contrato de locação e quem posteriormente entregaram o mesmo à Autora, e que 118. - a Autora adquiriu por compra o bem objeto de locação do aludido contrato aos réus com o único propósito do mesmo ser entregue para locação à sociedade locatária, e que 119. - com o recebimento do aludido contrato a Autora ficou convencida (porque não está presente aquando da entrega do bem à locatária) que o bem havia sido entregue à locatária e o contrato subscrito validamente,

62 - Sendo nessa sequência que a Autora pagou o preço do bem, e que 121. - confrontados os réus com a alegada falsificação do contrato os mesmos não a desmentiram, e que 122. - no âmbito do exame à letra (do contrato de locação alegadamente falsificado) no processo de inquérito concluiu-se que as escritas das assinaturas apostas no contrato de locação não sejam da autoria do referido legal representante não se tendo conseguido obter um resultado conclusivo relativamente ao exame efectuado ao aqui 2º réu, e que 123. - a autora não recuperou o bem locado 124. 125. 126. 127. 128.

63 - Simplesmente por entender (em oposição à prova dos autos) que os dados constantes do contrato de locação e referentes à locatária não estavam corretos, decide não poder concluir que os réus incumpriram a sua prestação! 130. 131.

 Considera-se serem as respostas do Tribunal a quo contraditórias aos factos, por existir oposição entre elas, serem contrárias e terem um conteúdo logicamente incompatível. 132.

64- Sendo manifesto, com o devido respeito, ao perscrutar a decisão em crise, que o juiz a quo decidiu com base em evasivas, não se limitando a ajuizar se os fatos alegados foram ou não provados.

65. Por tudo o que atrás de expôs e defendeu, e julgando o Tribunal a quo sob pressupostos errados, impõe-se a revogação da decisão, considerando-se provado que os réus incumpriram a sua prestação, por resultar manifestamente provado que os mesmos não entregaram o bem ao comprador (Autora/Apelante) – nem a terceiro indicado pelo comprador/Autora.

66. E por consequência, tendo os réus faltado culposamente ao cumprimento da obrigação (note -se que o réu confessou- (ainda que se desconheça se será verdade - que à revelia da Autora decidiu entregar o bem a um terceiro que alegou ser seu comissionista e que desconhece se o mesmo foi entregue à locatária) tornaram-se responsáveis pelo prejuízo que causaram à Autora e demonstrado nos autos.

67. Sendo também patente que mesmo a considerar-se a tese da existência do comissionista, a quem o réu alega ter decidido entregar o bem para entrega à locatária da Autora, sempre se teria de concluir pela verificação dos pressupostos prescritos no artigo 500.º do Código Civil e sempre teriam os réus de responder pelos danos, assistindo-lhes a obrigação de indemnizar a Autora.

68. Verificando-se, ao contrário do decidido, o incumprimento contratual dos réus.

69. E o mesmo se aplica a título de responsabilidade civil extracontratual. 144. 145. 146. 147. Resulta da prova produzida que a Autora: - aprovou a proposta de contrato de locação com base na informação que os réus lhe forneceram, e que 149. - assinou o contrato de locação acreditando que o mesmo – que lhe fora entregue pelos réus -era genuíno, e que 150. - efetuou o pagamento do preço da compra do bem locado aos réus com base na declaração dos mesmos 151. - e por acreditar que os réus o haviam entregue à locatária

70. Mostrando-se preenchidos os pressupostos de que dependem a obrigação e indemnizar. Alterada a decisão da matéria de facto no sentido propugnado pela apelante, não poderá este Tribunal da Relação decidir noutro sentido que não seja no sentido da condenação total da Ré/apelada no pedido apresentado pela Autora/apelante. Considerando, assim, a Autora/Apelante que se impõe a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que julgue integralmente procedente, por provado, o pedido deduzido pela Autora/Apelante.

III – O Tribunal da 1º instância julgou provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens com o propósito de os alugar.

2. A 1ª ré era uma sociedade unipessoal por quotas, cujo capital social era representado por uma única quota, pertencente ao 2º réu.

3. Mediante Ap. ...0 de 11/08/2020 foi registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade ré identificada em 2.

4. No âmbito das respectivas actividades comerciais a 1ª ré submeteu à autora uma proposta de locação, proposta esta que a autora, após análise dos elementos remetidos – documentos, informações – aprovou, assim aceitando formalizar o contrato de locação abaixo referido em 5.

5. Nesse contexto foi formalizado o contrato de locação com o n.º 124-9..., destacando-se do seu teor, além do mais, que aí figuram como locador a aqui autora, como locatário “Frutas ..., Lda – Estrada ..., ..., ... .... Esta morada é também o domicilio convencionado pelas partes, o local de entrega e a localização do objecto locado. Se assim não for indicar novas moradas. Telefone 00351/27...-mail: frutas...@gmail.com (…) OL controlo de acessos de acordo com a proposta de entrega (Ver Anexo). (…) “Vendedor/Fornecedor do objecto locado – B..., Praça ... VI ... n.º 318 R/ch ..., ... ... ...69” (…)” e bem ainda, além do mais, o seguinte clausulado: “(…) Termo inicial base; Tipo de pagamento (…) Trimestral, Número de rendas: 20, Valor da Renda: 492,00 EUR (…)”. 1. O OL é previamente selecionado pelo locatário e é adquirido pelo locador G... adiante apenas designado por GR, no interesse do locatário. (…). 3.1. O locatário tem direito a utilizar o OL durante a vigência deste contrato. (…). 15. O locatário deverá devolver o OL à GR no final do contrato de locação Processo: 3017/20.... Referência: 89504445 em boas condições de funcionamento. (…). 16. O locatário não tem o direito de adquirir a propriedade do OL. (…), conforme documento de fls. 16 e 17 cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, contrato este com inicio em 29/08/2017.

6. A aqui 1ª ré, na qualidade de fornecedor do bem locado referido, recolheu as assinaturas apostas sob a rubrica “locatário” no contrato de locação identificado em 5.

7. Posteriormente a 1ª ré entregou/devolveu o contrato de locação referido à autora, devidamente assinado sob a rubrica “locatário” e acompanhado de todos os documentos necessários à celebração do contrato, incluído o documento denominado “Confirmação de Aceitação” constante de fls. 18 e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

8. Por via deste contrato de locação a autora adquiriu à 1ª ré o bem “Controlo de Acessos – Equipamento de Biometria de Impressão Digital e Software de Relógio de Ponto”, pelo valor de € 9.840,00.

9-. Ao adquirir o bem indicado a autora teve como único propósito dá-lo de locação à sociedade identificada sob a epígrafe “locatário”.

 10. Aquando da entrega do bem locado referido a autora/locadora não se encontrava presente.

11. A 1ª ré entregou o bem locado, acima referido, a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último.

12. Com o recebimento do sobredito contrato, devidamente assinado sob a rubrica “locatário”, e demais documentação referida em 7. a autora ficou convencida que o bem havia sido entregue à sociedade nesse contrato identificada como “locatário” e que o contrato havia sido subscrito validamente.

13. Nessa sequência a autora, por transferência bancária datada de 30/08/2017, procedeu ao pagamento à 1ª ré do preço referido em 8.

14. A sociedade “Frutas ..., Lda”, identificada na qualidade de locatário no contrato identificado em 5., não efectuou o pagamento das rendas devidas no âmbito do mesmo contrato.

15. A mesma sociedade “Frutas ..., Lda” invocou perante a autora não ter celebrado o contrato de locação acima referido em 5. e bem ainda que as assinaturas no mesmo apostas não foram efectuadas pelo seu legal representante.

16. A autora, por carta datada de 12/02/20218, comunicou à sociedade “Frutas ..., Lda” a resolução do sobredito contrato de locação financeira.

17. A autora, através dos endereços de email GG < ... > e HH < ... >, efectuou várias conversações provenientes e dirigidas do e ao endereço de email EE < mailto:...> , concretamente as constantes de fls. 104 a 122, cujos teores se consideram integralmente reproduzidos nesta sede para todos os efeitos legais.

18. Confrontados os réus com a alegada falsificação do contrato os mesmos não a desmentiram.

19. Correu termos junto dos Serviços do Ministério Público da Comarca ..., Secção de Inquéritos da Procuradoria do Juízo Local do ..., o processo de inquérito n.º 66/18...., instaurado na sequência da participação criminal apresentada por Frutas ..., Lda contra as aqui autora e 1ª ré, no âmbito do qual foi proferido o despacho de arquivamento constante de fls. 31 e cujo conteúdo se considera reproduzido para todos os efeitos.

20. Efectuados que foram, no mencionado processo de inquérito, exames às letras do legal representante da aí sociedade queixosa e do aqui 2º réu concluiu-se ser muitíssimo provável que as escritas das assinaturas apostas no contrato de locação acima indicado não sejam da autoria do referido legal representante, não se tendo conseguido obter um resultado conclusivo relativamente ao exame efectuado ao aqui 2º réu.

21. A autora não recuperou o bem locado e acima identificado.

 B) O Tribunal da 1ª instância julgou não provada a seguinte matéria de facto:  

a) No âmbito do contrato de locação mencionado em 5. a fornecedora/aqui 1ª ré assegurou à locadora/aqui autora ter feito a entrega do bem locado ao locatário.

b) A 1ª ré/fornecedora confirmou junto da locadora/autora ter efectuado a entrega do bem locado à locatária.

c) O 2º réu confirmou junto da autora a entrega dos bens ao locatário, o que fez para defraudar aquela.

d) Confrontados os réus com a alegada falsificação do contrato e não entrega dos bens os mesmos propuseram pagar à autora os valores em dívida no contrato de locação mencionado em 5.

e) Nesta sequência o 2º réu efectuou várias promessas de pagamento à autora, nomeadamente em 12/02/2018 – momento em que prometeu realizar, no decurso dessa semana, uma amortização parcial sobre o montante em dívida referente ao contrato referido e que logo que fosse efectuada enviaria o respectivo comprovativo de pagamento, o que nunca veio a suceder.

 f) Ainda neste contexto foram trocados sucessivos emails entre a autora e o 2º réu, concretamente os constantes de fls. 104 a 122 e cujos teores se consideram integralmente reproduzidos para todos os efeitos.

g) O prejuízo que a autora sofreu teve origem num acto consciente e deliberado dos réus.

h) Os réus não entregaram o bem objecto do contrato de locação nas condições do mesmo constante.

i) Os réus, em data anterior ao recebimento do preço, convenceram a autora que haviam entregue o bem locado.

 j) A autora, antes de pagar à 1ª ré o valor referido em 8. confirmou junto do locatário a recepção do bem locado.

 k) Todos os documentos referidos em 7. foram entregues à ré previamente assinados pelo locatário.

IV – São as seguintes as questões a apreciar no presente recurso, como resulta do confronto das conclusões das respectivas alegações, com a decisão recorrida:

- a impugnação da matéria de facto no que se reporta ao facto provado 11, e a que se reporta aos factos não provados constantes das alíneas a) a i);

- saber se dos factos assim reapreciados, resulta a procedência da acção, ou se esta  será ainda procedente, mesmo que se mantenha o facto 11 como provado.

Faz –se aqui notar, antes de se iniciar a apreciação da impugnação da matéria de facto que, ao contrário do que a apelante anunciou no recurso, não chegou a juntar a certidão permanente do registo comercial de “Frutas ..., Lda” .

Iniciar-se-á a apreciação da impugnação da matéria de facto pelo ponto 11 da mesma, onde se diz: «A 1ª ré entregou o bem locado, acima referido, a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último».

Sustenta a A/apelante que este ponto de facto deveria ter sido julgado não provado, essencialmente porque o depoimento do R., no ponto em causa, não oferece  credibilidade, quando contraposto ao testemunho de EE.

Do ponto de vista deste Tribunal, ouvida que foi a totalidade da prova gravada e concatenando-a com os documentos constantes dos autos, o facto em causa deve continuar como provado, constituindo, aliás, o ponto central da matéria de facto, cuja prova permite que os demais factos se organizem num todo coerente e que a situação de vida em causa nos autos se torne perceptível na sua totalidade.

È certo que a prova do facto em referência terá que advir, directamente, apenas do depoimento do R., visto que “o terceiro” a que esse ponto de facto se refere, e que foi identificado pelo R. no seu depoimento -  EE -, não admitiu a factualidade em apreço.

O R., depois de referir que à data da celebração do contrato dos autos tinha vendedores/comissionistas, «até havia casos em que eu não conhecia os clientes», explicou: «Nós entregamos o bem a quem fez o contrato; no caso eu entreguei ao EE para ele entregar ao cliente. (…). Não sei se o equipamento foi entregue. Desde que o comissionista levou o bem, não sei, mas como a autora pagou, depreendo ter sido entregue.»

Já no que toca ao testemunho de  EE, é notório que este produziu um depoimento “vazio” e deliberadamente à margem dos factos em causa, desculpando-se reiteradamente com falta de memória, desde logo  tendo situado a prestação de serviços à B... – que, segundo referiu, nada tinha a ver com entrega de equipamentos, mas com candidaturas a fundos comunitários -   em 2018, quando os factos em apreço se situam em 2017, sendo que  não conseguiu explicar minimamente os muitos emails juntos aos autos em que é remetente ou destinatário “EE (mailto:horacio.rui @Mail.com» , mail esse, que, no entanto, admitiu ser o seu.

Por assim ser, não se duvida que, contrapostos os depoimentos em referência, se deve dar credibilidade ao do 2º R. e nenhuma – também porque nada disse de útil  – ao de EE.

Mas a prova do facto 11 advém também, ainda que indirectamente, do depoimento de II, que referiu ser amigo do 2º R. e deslocar-se uma/duas vezes por semana à B... para conversar com ele, situações em que se deparou frequentemente com  o “Sr EE”, a quem, aliás, já conhecia anteriormente do Totta, onde o mesmo trabalhou . E, tal como o R. o referiu, esta testemunha confirmou que o mesmo funcionava na R. como comissionista.

Por isso, concorda-se coma a Exma Juiza a quo quando na fundamentação da matéria de facto manifesta a sua convicção relativamente à envolvência da testemunha EE no negócio dos autos, como, aliás, não pode deixar de suceder, em face dos muitos emails constantes dos autos e que se reportam à situação em apreço, ainda que os mesmos se mostrem assinados por “AA”, e relativamente aos quais aquele EE não avançou qualquer explicação.

Mantém-se, pois, como provado que «A 1ª ré entregou o bem locado, acima referido, a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último».

Passa-se para  a impugnação dos factos não provados referentes às alíneas d), e) e f), em que, respectivamente, a 1ª instância julgou não provado, que, «Confrontados os réus com a alegada falsificação do contrato e a não entrega dos bens, os mesmos propuseram pagar à autora os valores em dívida no contrato de locação mencionado em 5; nesta sequência, o 2º réu efectuou várias promessas de pagamento à autora, nomeadamente em 12/02/2018 – momento em que prometeu realizar, no decurso dessa semana, uma amortização parcial sobre o montante em dívida referente ao contrato referido e que logo que fosse efectuada enviaria o respectivo comprovativo de pagamento, o que nunca veio a suceder; ainda neste contexto foram trocados sucessivos emails entre a autora e o 2º réu, concretamente os constantes de fls. 104 a 122 e cujos teores se consideram integralmente reproduzidos para todos os efeitos».

A apreciação dos factos agora em apreciação terá que ter por referência, além da prova produzida, as circunstâncias constantes dos pontos 14, 15, 17 a 20 da matéria de facto já provada, de que resulta, que, depois que a perspectivada locatária do bem que a A. comprou à 1ª R. com a finalidade exclusiva de  lho locar   - Frutas ..., Lda – não procedeu ao pagamento das rendas devidas no âmbito desse contrato de locação, e de, naturalmente, ter sido contactada pela A. para esse efeito, invocou, perante ela,  não ter celebrado o contrato de locação referido em 5., (tanto mais) que as assinaturas no mesmo apostas não tinham sido efectuadas pelo seu legal representante. Por assim entender, o legal representante das Frutas ..., Lda - participou criminalmente  contra a A. e os RR – o que  deu origem ao inquérito n.º 66/18....  - no âmbito do qual, muito embora o mesmo tivesse vindo a ser arquivado, se considerou, em função do  exame à letra do legal  representante da Frutas ..., Lda – a já  referida  testemunha DD -«ser muitíssimo provável que as escritas das assinaturas apostas no contrato de locação acima indicado não sejam da autoria do referido legal representante», embora não se tenha conseguido  obter um resultado conclusivo relativamente ao exame à letra efectuado ao  2º réu. A verdade é que, confrontados os RR. com a alegada falsificação do contrato, os mesmos não a desmentiram (referidos pontos provados 14, 15, 17 a 20)

 Importa ainda considerar os emails a que se reporta o facto 17, em função dos quais se conclui que a A,, através dos endereços de email GG < ... > e HH < ... >, efectuou várias conversações provenientes e dirigidas do e ao endereço de email EE < mailto:...>, concretamente as constantes de fls. 104 a 12,  e que aqui se opta por reproduzir, para melhor percepção da realidade que está em causa.

- no mail junto a fls 104, datado de 12/2/2018, oriundo do endereço de email de EE < mailto:...> , embora assinado por “AA”, e dirigido a GG < ... >, o autor desse email informa que «na sequência do ultimo contacto que iremos efectuar uma amortização parcial sobre o montante em divida no decurso da presente semana; logo que a mesma seja efectuada enviar-lhe-ei o comprovativo da mesma  (…)».

- no mail junto a fls 105, datado de 22/2/201,  oriundo de EE < mailto:...> , embora assinado por “AA”, e dirigido a GG < ... >,o autor desse mail, refere: «No seguimento da nossa conversa telefónica de ontem, venho pelo presente informar e solicitar esclarecimentos relativos a a): no passado dia 26-10-2017, foi efectuado um depósito em numerário no montante de 227,46 € , na conta a ordem com o IBAN  ...28 70119, titulada pela empresa G... , conforme talão de depósito em anexo;  b) sendo o montante global da divida a liquidar de 9.840,00€, será possível efectuarmos o encontro de contas com o montante atrás mencionado?  (…) ».

- no mail junto a fls 106, datado de 27/2/2018, oriundo de GG < ... >, e dirigido a  < mailto:...>,  aquela refere: «No seguimento de e-mail infra, a posição daN/cliente é de deduzir o referido valor caso seja feito ate ao final desta semana. Deste modo, agradecemos envio comprovativo de transferência no valor de € 9.612,54 para o IBAN  ...28 70119 (…)».

- no mail junto a fls 107, datado de 7/5/018, oriundo de HH < ... dirigido a  < mailto:...>, refere aquela: «…   das sucessivas promessas de pagamento, verificamos que a n/Cliente  não recebeu ate à data a quantia indicada pela G... (9.840,00) com vista à reversão do contrato de locação nº 124- 9016. Vimos assim pelo presente solicitar a v/Exª o pagamento urgente de 9.840,00 (a Transferir para o IBAN da G... ) sob pena da G... recorrer  aos meios judiciais ao s/ dispor para ver ressarcidos os valores que lhe são devidos».

- no mail junto a fls 106, datado de 7/5/2018, oriundo de EE < mailto:...> , embora assinado por “AA” , e dirigido a HH < ..., o autor do email refere: «A transferência/depósito relativa à reversão do contrato de locação financeira nº 124-9016 será efectuada no decurso da próxima semana para a conta IBAN  ...28 70119  pelo montante de € 9.612,54 (…)».

-  no mail junto a fls 108, datado de 7/5/2018, oriundo de HH < ... dirigido a   < mailto:...> , refere aquela: «… No entanto faço notar que a N/cliente tem vindo a aguardar  desde Dez/17 pelo pagamento da quantia indicada, acreditando nas sucessivas promessas de pagamento da v/parte  que não se concretizaram ate à data . Deste modo, não poderemos aguardar (mais um) prazo ora indicado  sem alguma demonstração da v/parte, pelo que sugiro a realização de um pagamento parcial  ainda hoje, por forma a poder a G... aceder à v/ pretensão (…) »

- no mail junto a fls 109, datado de 7/5/2018,  oriundo de EE < mailto:...> , embora assinado por “AA”, e dirigido a HH < ..., o autor do mail refere:« (…) é de nosso interesse a resolução imediata desta situação, pelo que, encarecidamente, solicitamos que nos prorroguem o prazo concedido , pelo que efectuar uma transferencia/depósito, mesmo a titulo parcial, hoje, será dificil (…) ».

- no mail junto a fls 110, datado de 8/5/2018, oriundo de HH < ... dirigido a < mailto:...>, refere aquela: «Face ao teor de v/ comunicação infra, aguardarei as v/noticias  sobre este assunto do decorrer do dia de hoje».

-no mail junto a fls 111, datado de 8/5/2018,  oriundo de EE < mailto:...> , embora assinado por “AA”, e dirigido a HH < ..., o autor do mail refere: « (…) no seguimento do seu email informo que, como prova de boa fé, iremos efectuar um depósito parcial na conta titulada pela G...  Logo que lhe seja enviado enviaremos comprovativo (…) ».

- no mail junto a fls 112, datado de 9/5/2018, oriundo de HH < ... dirigido a  < mailto:...>, refere aquela: «No seguimento da v/ comunicação infra, aguardaremos confirmação de realização de pagamento parcial por V/Exc».

- no mail junto a fls 113, datado de 10/5/2018,  oriundo de EE < mailto:... , embora assinado por “AA, e dirigido à a HH < ..., o autor do mail refere: «Iremos proceder a um pagamento parcial referente ao contrato de locação financeira nº 124-9016 no decurso do dia de amanhã».

- no mail junto a fls 114, datado de 11/5/018, oriundo de HH < ... dirigido a < mailto:...>, refere aquela: «(…) aguardarei assim a recepção de comprovativo de transferência ».

 -no mail junto a fls 115, datado de 14/5/018, oriundo de EE < mailto:...> , embora assinado por “AA”, e dirigido à HH < ..., o autor do mail refere : «(…) informo que foi efectuada transferencia  bancária para a conta a ordem titulada pela G... relativa ao pagamento parcial acordado, como prova de boa fé (…)».

- no mail junto a fls 116, datado de 17/5/2018, oriundo de EE < mailto:...>, embora assinado por “AA”, e dirigido à HH < ..., o autor do mail refere: «Em anexo segue comprovativo da transferência bancária efectuada para a conta à ordem da G..., pagamento parcial, como prova da boa fé  da nossa parte para a revogação do contrato de locação  financeira nº 124-9016».

- no mail junto a fls 117, datado de 7/5/2018, oriundo de HH < ... dirigido a  < mailto:...>,   refere aquela:  «O email ora enviado seguiu sem qualquer anexo, pelo que agradeço reenvio do comprovativo».

- no mail junto a fls 118, datado de 29/5/2018, oriundo de HH < ... dirigido a  < mailto:...>,  refere aquela: «Ainda aguardarei a v/ resposta».  

- no mail junto a fls 119, datado de 1/6/2018, oriundo de EE < mailto:...>, embora assinado AA, e dirigido à A HH < ...  aquele refere: « (…) Iremos proceder à liquidação total do montante de 9.612,54 .. no decurso da próxima semana (…)».

- no mail junto a fls 120, datado de 1/6/2018, oriundo de HH < ... dirigido a EE < mailto:...> ,    refere aquela:  «E quanto a amortização que indicaram ter feito em 17/5/18? Depreendo mos do teor de v/mail ora enviado que afinal nada foi pago…»

- no mail junto a fls 121, datado de 9/7/2018, oriundo de HH < ... dirigido a EE < mailto:...>,    refere aquela: « Mais uma vez insistimos na realização do pagamento do valor  que v/Excª se compromeeram a entregar à G... e quanto a amortização que indicaram».

- finalmente, no email junto a fls 122, datado de 9/3/2020, oriundo de JJ dirigido a EE < mailto:...>,  refere aquela: «Na qualidade de mandatária de G..., vimos pelo presente, e numa última tentativa, insistir na realização do pagamento do valor que V/Exª se comprometeram a entregar à G... . Face ao processo crime que decorreu, e do qual resulta de forma manifesta a falsificação da assinatura do locatário, bem como das “irregularidades”  na celebração do contrato de locação, concedemos a V/Exª a oportunidade de realizar o pagamento num prazo não superior a 10 dias. Caso tal não suceda, seremos forçados a avançar com a competente da acção judicial».

A troca de correspondência entre a A. e o autor dos emails provindos do endereço de email de EE < mailto:...>, que se iniciou em  31/1/2018 e que se manteve todo esse ano de 2018, repleto de sucessivas promessas de pagamento ou de garantias de pagamento, por via de pagamentos parciais, sucessivamente não cumpridas, e em que o mesmo admite  a “reversão do contrato de locação financeira “ – fls 108 – e a revogação desse contrato – fls 116 – é, do nosso ponto de vista, suficientemente esclarecedor do envolvimento de EE – e não necessariamente de AA – nas vicissitudes que antecederam a assinatura do contrato de locação. Desde o momento em que se aceitou que o aqui 2º R. não mentiu quando referiu que a 1ª R. «entregou o bem locado a EE que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último», tem obviamente que se entender que o autor dos acima referidos emails foi EE.

A questão é saber se, tendo sido este quem enviou e recebeu os emails em causa, e os assinou com o nome do 2º R , este 2º R. teve conhecimento desses emails.

Note-se que  a testemunha CC, gestor comercial na A. desde 2016, e de que não se vê motivo para duvidar, referiu que assim que recebeu a reclamação do cliente “Frutas ..., Lda” dizendo que não tinha assinado o contrato, deu conhecimento desse facto à R.., na pessoa do 2º R,, e este, «naquele momento mostrou-se, assim um pouco atrapalhado, até porque a forma como eu apresentei as coisas, se isto realmente teria ocorrido a parceria existente entre a B... e a G... seria terminada e ele prontificou-se em resolver a situação, aliás uma das propostas que eu fiz na altura era reverter o contrato, isto é, o contrato ser anulado e o valor que nós liquidámos da fatura à B... ser-nos devolvido. Inclusive até dei um prazo, sensivelmente uma semana mas não foi cumprido.» Mais tendo referido «ter tido uma ou duas reuniões presenciais» e ter sido o 2º R «a pessoa de contacto na B...».

Desde o momento em que o 2º R teve conhecimento destas circunstâncias e que se prontificou junto da A. a resolver a situação, não se vendo de que outro modo tenha procedido  para resolver a situação senão através da referida correspondência, dever-se-á concluir que, podendo não ter tido conhecimento dos concretos emails atrás referidos, confiou a KK a resolução da situação em causa, que este geriu da forma como o demonstram os referidos emails. 

Do que resulta – como se verá adiante em função da apreciação de direito - ser também ele autor dos emails em causa.

            Há, no entanto, que introduzir uma correcção na matéria da alínea d), pois que a resolução da situação não passava pelo pagamento à A.  pelos RR. dos valores em dívida no contrato de locação mencionado em 5, mas pelo pagamento à A. do valor que esta entregou à 1ª R. para compra do equipamento que pretendia locar à “Frutas ..., Lda”, como resulta abundantemente do conteúdo dos emails atrás reproduzidos – o valor de € 9.840,00 .

 Assim, responde-se à matéria das alíneas em causa, que:

al d) «Confrontados os réus com a alegada falsificação do contrato e a não entrega do bem, os mesmos propuseram pagar à autora o valor por ela pago na compra e venda do equipamento em causa no contrato de locação mencionado em 5.».

al e) «Nesta sequência, o 2º réu efectuou várias promessas de pagamento à autora, nomeadamente em 12/02/2018 – momento em que prometeu realizar, no decurso dessa semana, uma amortização parcial sobre o montante em dívida referente ao contrato referido e que logo que fosse efectuada enviaria o respectivo comprovativo de pagamento, o que nunca veio a suceder».

Al f) «Ainda neste contexto foram trocados sucessivos emails entre a autora e o 2º réu, concretamente os constantes de fls. 104 a 122, cujo teor, no seu essencial, acima se reproduziu».

             

Passando para a matéria das alíneas a), b) c) g), h) e i), nas quais a 1ª instância julgou não provado, respectivamente,  que «no âmbito do contrato de locação mencionado em 5. a fornecedora/aqui 1ª ré assegurou à locadora/aqui autora ter feito a entrega do bem locado ao locatário- a); a 1ª ré/fornecedora confirmou junto da locadora/autora ter efectuado a entrega do bem locado à locatária- b); o 2º réu confirmou junto da autora a entrega dos bens ao locatário, o que fez para defraudar aquela –c); o prejuízo que a autora sofreu teve origem num acto consciente e deliberado dos réus – g); os RR. não entregaram o bem objecto do contrato de locação nas condições do mesmo constante- h); os RR. em data anterior ao recebimento do preço, convenceram a A. que haviam entregue o bem locado-i).

No âmbito destes factos importa ter presente a matéria já provada (porque não foi objecto da impugnação) constante dos pontos 1, 2, 4 a 10 e 12 e 13,  e a que acima se deu provada no ponto 11.

Sendo obviamente cansativa a reprodução dessa matéria – quer para o presente Tribunal quer para quem lê o acórdão -  entende-se, não obstante, que a mesma facilitará a compreensão do que se pretende concluir. 

Por isso se repete aqui:

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens com o propósito de os alugar.

2. A 1ª ré era uma sociedade unipessoal por quotas, cujo capital social era representado por uma única quota, pertencente ao 2º réu.

4. No âmbito das respectivas actividades comerciais a 1ª ré submeteu à autora uma proposta de locação, proposta esta que a autora, após análise dos elementos remetidos – documentos, informações – aprovou, assim aceitando formalizar o contrato de locação abaixo referido em 5.

5. Nesse contexto foi formalizado o contrato de locação com o n.º 124-9..., destacando-se do seu teor, além do mais, que aí figuram como locador a aqui autora, como locatário “Frutas ..., Lda – Estrada ..., ..., ... .... Esta morada é também o domicilio convencionado pelas partes, o local de entrega e a localização do objecto locado. Se assim não for indicar novas moradas. Telefone 00351/27...-mail: frutas...@gmail.com (…) OL controlo de acessos de acordo com a proposta de entrega (Ver Anexo). (…) “Vendedor/Fornecedor do objecto locado – B..., Praça ... VI ... n.º 318 R/ch ..., ... ... ...69” (…)” e bem ainda, além do mais, o seguinte clausulado: “(…) Termo inicial base; Tipo de pagamento (…) Trimestral, Número de rendas: 20, Valor da Renda: 492,00 EUR (…)”. 1. O OL é previamente selecionado pelo locatário e é adquirido pelo locador G... adiante apenas designado por GR, no interesse do locatário. (…). 3.1. O locatário tem direito a utilizar o OL durante a vigência deste contrato. (…). 15. O locatário deverá devolver o OL à GR no final do contrato de locação Processo: 3017/20.... Referência: 89504445 em boas condições de funcionamento. (…). 16. O locatário não tem o direito de adquirir a propriedade do OL. (…), conforme documento de fls. 16 e 17 cujo teor se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, contrato este com inicio em 29/08/2017.

6. A aqui 1ª ré, na qualidade de fornecedor do bem locado referido, recolheu as assinaturas apostas sob a rubrica “locatário” no contrato de locação identificado em 5.

7. Posteriormente a 1ª ré entregou/devolveu o contrato de locação referido à autora, devidamente assinado sob a rubrica “locatário” e acompanhado de todos os documentos necessários à celebração do contrato, incluído o documento denominado “Confirmação de Aceitação” constante de fls. 18 e cujo teor se considera reproduzido para todos os efeitos legais.

8. Por via deste contrato de locação a autora adquiriu à 1ª ré o bem “Controlo de Acessos – Equipamento de Biometria de Impressão Digital e Software de Relógio de Ponto”, pelo valor de € 9.840,00.

9-. Ao adquirir o bem indicado a autora teve como único propósito dá-lo de locação à sociedade identificada sob a epígrafe “locatário”.

 10. Aquando da entrega do bem locado referido a autora/locadora não se encontrava presente.

11. A 1ª ré entregou o bem locado, acima referido, a um terceiro que tratou da negociação com o locatário e no pressuposto do mesmo ser entregue a este último.

12. Com o recebimento do sobredito contrato, devidamente assinado sob a rubrica “locatário”, e demais documentação referida em 7. a autora ficou convencida que o bem havia sido entregue à sociedade nesse contrato identificada como “locatário” e que o contrato havia sido subscrito validamente.

 13. Nessa sequência a autora, por transferência bancária datada de 30/08/2017, procedeu ao pagamento à 1ª ré do preço referido em 8.

Está em causa saber se se deve julgar provado, ao contrário do que a 1ª instância o fez, que no âmbito do contrato de locação mencionado em 5. a fornecedora/aqui 1ª ré assegurou à locadora/aqui autora ter feito a entrega do bem locado ao locatário.  

È evidente que este ponto de facto, no que excede os dizeres do próprio contrato de locação (máxime a fls 18 dos autos, quando aí se reporta à “confirmação de encomenda”), tem que se manter como não provado.  

Quer dizer, tendo resultado apurado do exame à letra do legal representante de “Frutas ..., Lda”, realizado no âmbito do processo crime, «ser muitíssimo provável que as assinaturas apostas no contrato não sejam da autoria» daquele legal representante, não pode pretender-se extrair a entrega do bem a esta sociedade em função do contrato de locação se mostrar assinado.

 Por outro lado, o 2º R., no seu depoimento, disse não saber se EE entregou ou não o bem à “Frutas ..., Lda”, dizendo ter presumido que sim, porque a A. lhes pagou o bem comprado, mas, em rigor, não saber.

A testemunha DD, por sua vez, no respectivo depoimento, disse que o bem não lhe foi entregue.

Por isso se mantém como não provado a matéria desta alínea a)   

Pelos mesmos motivos, também se tem que manter como não provado que a 1ª ré/fornecedora haja confirmado junto da locadora/autora ter efectuado a entrega do bem locado à locatária  – al b).  O 2º R. no seu depoimento de parte limitou-se a presumir essa entrega por parte de EE, a quem entregou o bem para essa finalidade, como acima se referiu.

Na mesma linha de entendimento, tem que se manter como não provada a matéria da al c) -o 2º R. confirmou junto da A. a entrega dos bens ao locatário, o que fez para defraudar aquela -, bem como a da al i)- os RR. em data anterior ao recebimento do preço, convenceram a A. que haviam entregue o bem locado -,  e da al g)  - o prejuízo que a autora sofreu teve origem num acto consciente e deliberado dos réus.

Com efeito, e como acima se assinalou, não se fez qualquer prova do envolvimento do 2º R. nas circunstâncias que rodearam a assinatura do contrato, mas apenas conhecimento dessas circunstâncias após e em função da reclamação da cliente.   

Resta saber se se há-de manter como “Não provada” a matéria da al h) – os RR. não entregaram o bem objecto do contrato de locação nas condições do mesmo constante.

Sucede que não está aqui em causa propriamente matéria de facto, mas uma conclusão jurídica, visto que a conclusão a respeito da entrega ou não do bem objecto do contrato de locação se faz depender das condições constantes do contrato de locação. 

Será precisamente essa questão – a da entrega, ou não, do bem objceto do contrato de locação - que nos irá ocupar de imediato, pelo que se transita para a apreciação da segunda questão objecto do recurso.

 

Do ponto de vista defensivo do 2º R – e através dele, da 1ª R. – o bem objecto do contrato de locação foi entregue, na medida em que o entregaram a EE, para este, enquanto comissionista da 1ª R, o entregar à cliente “Frutas ..., Lda”, «nas condições do contrato».

A matéria de facto trazida aos autos não permite conhecer a concreta relação de prestação de serviços entre a 1ª R. e o referido EE.

Resta-nos, pois, o comum entendimento a respeito da expressão “comissionista”-    profissional que não está ligado à empresa por um contrato de trabalho e que recebe uma comissão  variável  em função do cumprimento  de metas estabelecidas pela empresa para que presta serviço.

Uma das metas em causa, na situação dos autos,  no que se refere à prestação de serviços que EE mantinha com a 1ª R., analisava-se no contacto com o futuro locatário cuja subscrição do contrato de locação haveria de providenciar em função, obviamente, da entrega do bem locado.  

Situando-nos na presente acção, como nos situamos, no âmbito da  responsabilidade contratual,  não pode deixar de se recorrer ao disposto no art 800º CC (e não ao art 500º, como o refere a apelante).

Dispõe o art 800º CC, sob a epígrafe, “Actos dos representantes legais ou auxiliares”, no respectivo nº 1: «O devedor é responsável  perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para cumprimento da obrigação,  como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor».

Apenas nos importa, como é evidente, o segmento da norma em causa que se reporta às pessoas que o devedor utilize para o cumprimento da obrigação.

Como ensina Maria Victória R. F. da Rocha [2] , «o art. 800.º, n.º 1 consagra o princípio geralmente reconhecido nos direitos modernos da responsabilidade do devedor perante o credor pelos actos das pessoas que utilize no cumprimento da obrigação como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor (….).  Caso de responsabilidade objectiva em que o devedor responde independentemente de culpa sua, in eligendo, in vigilando ou in instruendo».

E mais à frente a mesma A. ensina que a «ratio do artigo resulta de necessidades práticas económico-sociais que se manifestam na necessidade de responderem pelos riscos da actividade aqueles que dela tiram proveitos; na exigência de garantir ao credor a indemnização, que seria precária dada a falta de acção contra e/ou a provável insolvência dos auxiliares; da consideração da libera electio, reconhecida ao devedor, dos meios idóneos à execução, e da extraneidade do credor relativamente a esta escolha».”.

Analisemos melhor estas noções.

Em 1º lugar há que fazer notar que a doutrina do art 800º CC, desde logo em função da sua colocação sistemática, deve entender-se como um “princípio geral” em matéria de falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, sem prejuízo da existência de  situações em que a lei  previu especificamente aplicações desta doutrina, como sucede nos arts 264º/4 (referente ao procurador), 1165º (mandato/submandatário), 1197º (sub--depositário), 1198º (auxiliares do depositário), 1213º (subempreitada), 2334  (testamenteiro).

Por outro lado, há que reter que a responsabilidade em causa no art 800º resulta de uma ficção jurídica – está-se a ficcionar que os actos praticados pelo representante legal do devedor, ou pela pessoa de quem o mesmo se socorreu no cumprimento perante o credor, são actos do próprio devedor, quando, no plano naturalístico, quem pratica os actos não é o devedor. Que se trata de uma ficção, decorre da expressão do nº 1 do 800º «como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor».

Está-se perante uma responsabilidade objectiva do devedor – quer dizer, ele é responsável pelo incumprimento da obrigação mesmo sem ter culpa (directa).

Assim, o nº 1 do art 800º assenta numa equiparação da conduta do auxiliar ou representante legal à conduta do próprio devedor, não permitindo que este se possa exonerar da sua responsabilidade atribuindo àqueles o comportamento que conduziu à violação da obrigação. 

Como é evidente, o motivo por que se responsabiliza (ainda) o devedor pelos actos praticados pelo seu representante legal ou auxiliar, é o da defesa do interesse do credor lesado.

È que, em termos gerais, entende -se que a responsabilidade do devedor cessa sempre que este demonstre que o facto é imputável a terceiro, uma vez que nesse caso não se pode considerar que ele tenha actuado com culpa na violação da sua obrigação, como decorre do art 799º/1. Ora, o legislador entendeu que essa solução de desprotecção do credor é injusta, quando, afinal, o terceiro que tornou culposamente impossível a prestação não é um estranho qualquer, mas é uma pessoa ligada ao devedor,  quer porque legalmente o representa, quer porque o devedor entendeu socorrer-se dele para cumprir a prestação a que está adstrito.

Deve compreender-se que o terceiro na sua actuação  -  em beneficio do devedor  ou debaixo do controle dele -  é como uma longa manus do devedor .  E porque assim é, deve ser o devedor a arcar com o risco decorrente do dano resultante da actuação culposa da pessoa de que se socorra para o cumprimento da obrigação .

É  que, como o refere Antunes Varela,  o  devedor que se aproveita de auxiliares no cumprimento, fá-lo a seu risco e deve portanto responder pelos actos dos auxiliares que são apenas um instrumento para o seu cumprimento.

 Na verdade, com (a ajuda) de  auxiliares, as possibilidades do devedor alargam-se [3], pois pode assumir um maior número de compromissos.

Tirando óbvios benefícios dessa actuação, deve suportar os prejuízos inerentes à sua utilização.

A qualidade de auxiliar do devedor não passa necessariamente pela circunstância deste investir aquele de poderes de representação. Ainda que estes não existam na actuação  do auxiliar , nem por isso o devedor se pode eximir à sua responsabilidade para com o seu credor, invocando o comportamento do auxiliar.

A responsabilidade objectiva do devedor pressuposta no nº 1 do art 800º  pressupõe que o mesmo não tenha culpa no não cumprimento da obrigação,  mas pode tê-la de forma indirecta em função da escolha  do auxiliar, nas instruções que lhe deu,  ou na fiscalização do mesmo, ou mesmo quando possa ter induzido o auxiliar a não cumprir, caso em que age com dolo.

De todo o modo, deverá entender-se como pressuposto da responsabilidade do devedor a existência de culpa ou dolo por parte do representantes legais ou do auxiliar .

Se estes não tiverem agido com culpa ou com dolo, isto é, se não tiverem culpa,   nenhuma responsabilidade advirá para o devedor da sua actuação, a menos  que ele, devedor, tenha tido culpa na escolha do auxiliar, nas instruções que lhe deu, ou na fiscalização que exerceu, ou omitiu.

Ainda a respeito desta figura, diga-se que  são excluídas da aplicação do 800º as situações em que em relação ao comportamento do representante legal ou auxiliar se possa considera ocorrer uma justificação para o incumprimento, estendendo-se assim essa justificação ao devedor.

Discute-se se a solução do nº 1 do art 800º - que, indiscutivelmente tem de representar a violação do dever de prestar principal - abrange também os deveres acessórios que acompanham o vinculo obrigacional [4].

De todo o modo, é necessário que os actos praticados pelo representante legal ou auxiliar do devedor sejam praticados no cumprimento da obrigação e não meramente por ocasião do mesmo mas nada tendo a ver com ele [5].

Aplicando-se estas noções à situação dos autos, fácil é concluir que os RR.  deverão responder perante a aqui A. pelas consequências resultantes da resolução do contrato de locação, e em função desta resolução, pelas do contrato de compra e venda,  pois que aquela  resolução decorreu do incumprimento definitivo desse contrato,  desde logo decorrente  de não ter chegado a ser entregue ao pretendido locatário  o bem que ela, A.,  comprou à 1ª R., exclusivamente para ser àquele locado.

Tendo-se a 1ª R. servido de EE para cumprir, entre o mais, a obrigação de entrega da coisa ao pretendido locatário, obrigação essa em que estava investida junto da A., deverão os RR. serem  responsabilizados pelas consequências desse incumprimento, por ser manifesto, da confluência dos factos provados nos autos, que este procedeu com culpa, ligado como não pode deixar de estar à falsificação da assinatura das “Frutas ..., Lda” no contrato de locação.

Justificam-se ainda outras considerações na situação dos autos.

Como é evidente, mesta situação, o contrato de locação financeira e o de compra e venda estão coligados.

  Segundo Gravato Morais [6]  e em função do DL 149/95 de 24/6, «da coligação entre os contratos, o de locação financeira e o de compra e venda, resulta, de facto, a obrigação do fornecedor de entregar o bem directamente ao utilizador, saltando, por assim dizer, sobre o locador, sua contraparte na compra e venda». Acrescentando: «Por isso, o risco que emerge da omissão de entrega ou do eventual atraso na entrega corre por conta do locatário financeiro, que deve consequentemente dirigir-se ao fornecedor». Referindo, ainda: «Na prática, o locador financeiro só paga – ou melhor só deve pagar – ao vendedor depois de o locatário lhe ter entregue, depois de por si assinado, o auto de recepção e de conformidade do equipamento» .

Por assim ser, e salvo o devido respeito, as considerações da sentença recorrida  a respeito da responsabilidade da aqui A. na incorrecção dos elementos constantes do contrato referentes a “F..., Lda” por não os ter confirmado, não se justificam  – não obstante, como se constata da comparação da morada constante do contrato  (Estrada ..., ..., ..., ... ...), com a morada  que se extrai do print junto a fls 99, (Estrada ..., ..., ..., ..., ..., ... ...), as mesmas não sejam coincidente.

È que apenas cabe ao locador financeiro assegurar-se de que o “auto de recepção e de conformidade do equipamento” se mostra assinado pelo pretendido locatário.   Como o refere Gravato de Morais  - lugar citado - «a subscrição pelo locatário do referido “auto de recepção e de conformidade do equipamento” releva, neste âmbito, a dois níveis . Por um lado, serve para aferir se houve ou não entrega da coisa ao locatário. Por outro lado, marca o momento a partir do qual o comprador da coisa (locador) deve pagar o preço ao vendedor».

Deste modo, pelo que se expôs, deve entender-se que a apelação procede.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, condenando os RR. (a R. B... Unip. Lda, na pessoa do 2º R, AA, seu liquidatário), a pagar à A. a quantia de € 9.840,00, acrescida dos juros contabilizados às taxas de juro sucessivamente em vigor e aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais que se venceram e vencerão ate efectivo pagamento, desde a citação.

            Custas na 1ª instância e nesta, pelos RR.  

Coimbra, 25 de Outubro de 2022
(Maria Teresa Albuquerque)
(Falcão de Magalhães)
(Pires Robalo)

(…)



               [1] Tratar-se-á aqui de um lapso da apelante que quereria dizer 11 e disse 12
               [2] 1- «A Imputação objectiva na responsabilidade contratual. Algumas considerações», Revista de Direito e Economia, Ano XV, pág. 78.
               [3] - Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», 7ª Ed , Vol II  p 264/265 , refere.se aqui à «dilatação através do concurso do terceiro de quem o devedor se serviu para o cumprimento da obrigação;»  da «capacidade fáctica de prestar», referindo que «essa extensão da capacidade de cumprimento por parte do devedor através da utilização dos auxiliares  deve ser igualmente acompanhada por uma extensão da responsabilidade do devedor por actos por ele praticados, sem o que a posição do credor ficaria consideravelmente enfraquecida » (…) a utilização de auxiliares estende a capacidade de prestação por parte do devedor  e deve por isso mesmo , ser considerada como um risco dessa actividade»

[4]  - De acordo com Carneiro da Frada, «Contrato»,  203 e ss, o art 800º cobre a violação de deveres de protecção. Para Menezes Leitão, lugar acima citado, estamos perante uma lacuna a integrar caso a caso, na medida em que há muitos e variados deveres acessórios de conduta, só perante o caso concreto se podendo encontrar a solução mais adequada perante os diferentes interesses a proteger.

               [5] O mesmo sucede no domínio da responsabilidade extra obrigacional em função do art 500º CC .Mas enquanto no art 500º se exige uma relação de comissão, aqui não se exige uma relação de comissão entre o devedor e o representante legal ou auxiliar , bastando o próprio vinculo da representação legal ou a mera utilização do terceiro para a realização da prestação debitória.

               [6] - «Manual da Locação Financeira», 2006,  p. 122