OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PROCEDÊNCIA
SANÇÕES DO EXEQUENTE
Sumário

I - No artigo 858º do CPC, tal como sucede com o regime da litigância de má fé, a lei distingue entre o uso reprovável do processo ou dos meios processuais, isto é, a ofensa de valores de natureza pública - o que implica o sancionamento da parte no pagamento de uma multa - e as consequências danosas que poderão advir dessa conduta para a parte contrária, ou seja, a responsabilidade civil do litigante. Tratam-se, por isso, de regimes distintos e autónomos, na medida em que qualquer deles pode ser aplicado sem dependência do outro.
II – A responsabilidade do exequente prevista no artigo 858º do CPC depende da   verificação cumulativa de três requisitos: 1) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado, por imposição legal ou a requerimento do exequente; 2) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa, ou com negligência grosseira tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado;  3) que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como além disso reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível.
III - Verificados que estejam estes requisitos, e tendo o executado deduzido oposição por embargos – que procedeu -, e neles peticionado neste particular apenas a condenação do embargado/exequente, em multa, é no apenso de embargos que o pedido deve ser decidido.
IV- Tal pedido irreleva para a determinação do valor da causa.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

1)-

Em 2 de Novembro de 2021 a sociedade anónima A..., S.A., com sede na Estrada ..., ..., ..., intentou acção executiva com processo comum para pagamento de quantia certa (Ag. de Exec.), demandando I..., Lda,  com sede no Ed. AA, Zona Industrial ..., ..., trazendo como título executivo “decisão judicial condenatória” expondo no requerimento executivo, para fundamentar o pedido, do seguinte modo:

Em 18 de Março de 2016 a agora exequente interpôs uma acção declarativa com processo comum contra a executada peticionando entre outros o seguinte:

... ser a ré condenada a devolver à autora o valor da diferença entre a obra construída ­191.891,13 Euros - e o montante que a A. pagou à R. - 225.000,00 Euros - de 33.108,87 Euros , acrescido de juros à taxa legal, desde a data em que foi efectuado (indevidamente) o pagamento à R. até integral pagamento (devolução) deste valor à A., juros estes calculados à data da propositura da acção (2016-03-18) no montante de 3.877,18 €, sem prejuízo da computação ulterior de juros ainda vincendos.

Pretendia a exequente que a executada lhe pagasse o valor que considerava em débito.

A realidade é que após o julgamento e no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ..., Juiz ..., foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça em 7 de Setembro de 2021, já transitado em julgado tendo ficado decidido que exequente e executada convencionaram:

"( ... ) o valor de € 450.000,00 para a realização total da obra (edificação do hotel e pavimentação da rua) - cfr. pontos 3., 7., e 8., (...)" do referido aresto "tendo a autora adiantado à ré € 225.000,00 (cfr. pontos 9. e 14.).

"Conforme ficou igualmente demonstrado, os trabalhos realizados pela ré, em obra, têm o valor de mercado de € 191.891,13 (cfr. ponto 48.), sendo, portanto, inferior ao montante de € 225.000.00, adiantado pela autora àquela”.

"Por conseguinte, como o valor das obras realizadas pela ré ficou abaixo do montante já pago pela autora nada mais tem a receber desta, assim improcedendo o recurso da Reconvinte”.

Do referido Acórdão resulta, portanto, que a executada é devedora à exequente da quantia de euros 33.108,87 (trinta e três mil, cento e oito euros e oitenta e sete cêntimos) (225.000.00 -191.891,13=33.108,87 quantia que é dada à presente execução).

 

Juntou o Ac. do Venerando STJ de 7 de Setembro de 2020, proferido nos autos de acção declarativa comum, processo nº 2180/16...., que correu termos mo Juízo Central Cível ... – J ....

Por solicitação oficiosa foi junta certidão extraída dos referidos autos, p. nº 2180/16...., de onde constam a sentença proferida na 1ª instância, o Ac. do TRC de 15 de Setembro de 2019 e o Ac. do Venerando STJ de 7 de Setembro de 2020, este transitado a 24 de Setembro de 2020 – elementos estes colhidos por consulta via citius entretanto efectuada.

2)-

A execução seguiu seus termos.

3)-

- Solicitou o Senhor Agente de Execução o bloqueio/penhora de saldos às seguintes entidades bancárias: BPI, Banco BIC Português SA, BES/Novo Banco SA, Banco Santander Totta SA, CCAM Coimbra, CEMontepio Geral, CGD SA e Millennium BCP.

- Concretizou-se a diligência pedida nas seguintes entidades bancárias: Millennium BCP, Banco Santander Totta SA, CGD SA, BPI, BES/Novo Banco SA, CEMontepio Geral, Banco BIC Português SA, Banco Santander Totta SA e CEMontepio Geral.

- A Exequente comunicou ao Senhor Agente de Execução em 11-11-2021 estar interessada em que as diligências de penhora se realizassem no estritamente necessário para garantir o pagamento da quantia exequenda.

- Na sequência, o Senhor Agente de Execução manteve a penhora junto do Banco Santander, desbloqueando as contas nas demais entidades.

- A 23 de Novembro de 2021 é junto ao processo executivo auto de penhora de saldo em conta bancária titulada pela Executada no Banco Santander Totta SA, no montante de € 38.000,00.

- Ordenou-se a notificação da Executada, nos termos do disposto nos artigos 626º e 856º do CPC, para em 20 dias, pagar ou deduzir oposição à execução e/ou à penhora.

(A tramitação determinada por essas disposições legais para a execução em apreço é a prescrita para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora)

- A Executada foi notificada a 25 de Novembro de 2121 – conforme a/r junto ao processo principal.

(elementos estes colhidos por consulta via citius entretanto efectuada

4)-

Em 13 de Dezembro de 2021 veio a Executada I..., Lda, deduzir oposição à execução e à penhora, alegando:

Da Oposição à Execução,

1

Alega a Exequente, ser credora da quantia de € 33.108,87 e, devedora, a ora Executada, juntando, alegadamente, o que não se aceita, sentença condenatória, na qual a ora Executada é condenada a pagar-lhe a referida quantia de € 33.108,87.

2

Desce já se impugna tal crédito, por inexigível, nos termos da al. e) do Art. 729º do CPC, não resultando o mesmo da sentença, proferida no Proc. nº 2180/16...., que correu no Juízo Central ... -Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., nem de qualquer dos Acórdãos, quer do Tribunal da Relação de Coimbra, quer do Supremo Tribunal Judicial, em consequência dos recursos apresentados por ambas as Partes, que a Exequente juntou aos autos como título executivo.

3

Na parte final da fundamentação de direito desta sentença, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, lê-se “A acção merece, pois, nos termos expostos, total improcedência nos pedido da petição inicial” ..... (sendo o ora Exequente, o Autor).

4

No ponto IV – Decisão, lê-se “Pelo exposto:

- se julga a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré (ora Executada) dos pedidos;

- se julga a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora (ora Exequente) a pagar à ré (ora Executada) a quantia de € 100.049,93” ........

5

Desta sentença, recorreram as Partes por não se conformarem com a mesma, para o Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. Nº 2180/16....) sendo proferido Acórdão, no qual, no seu ponto 7, se lê “ “Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, agora, absolver a autora (ora Exequente) do pedido reconvencional da ré (ora Executada). No mais se mantendo a sentença.”

6

Não se conformando as Partes com a decisão proferida no Acórdão da Relação suprarreferido, recorreram de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça (Proc. Nº 2180/16.4T8CBRC1.S1) sendo proferido Acórdão no qual se pode ler no Ponto III.

Decisão. “Em conformidade com o exposto, decide-se negar ambas as revistas.”

7

Deliberação, e Decisões constantes da Sentença e Acórdãos dos Tribunais Superiores, junta aos autos, com o R.I. da Exequente, como Doc nº1, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

8

Da simples leitura das decisões do Tribunal de 1ª Instância e do Tribunal da Relação de Coimbra, bem como da deliberação do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se a inexistência de qualquer decisão condenatória que condene a ora Executada, ao pagamento da quantia € 33.108,37, ou de qualquer outra, pelo que não apresenta a Exequente, nos presentes autos, qualquer sentença condenatória que suporte a execução.

9

A quantia exequenda, não é exigível nem liquidável, com base no título executivo apresentado, pelo que com o recebimento dos presentes embargos, deverá a execução ser suspensa, sem necessidade de prestação de caução, tendo até em consideração que se encontra penhorada, conta bancária do ora Executado, na quantia de € 36.419,76.

10

O acórdão do STJ, base desta execução, transitou em julgado em 24/09/2020 (cfr. Certidão com código de acesso: ...... juntos aos autos com o R.I. da Exequente como Doc.nº1, que aqui se dá por reproduzido).

11

Acresce à inexigibilidade da dívida o facto, de o Acórdão apresentado pela ora Exequente, como título executivo, não poder ser utilizada com esse fim, uma vez que não reúne os elementos constitutivos de título executivo, dado ser uma sentença absolutória e não condenatória, como prescrito na al. a) do nº1 do Art. 703 do CPC.

12

Como resulta do disposto no artigo 703º, n.º 1 do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva. É o denominado título executivo, pressuposto ou condição geral de qualquer execução.

13

Diz-se no n.º 1 do artigo 53º do CPC, que a execução deve ser promovida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.

14

Assim, em sede de acção executiva e em regra, o pressuposto processual da legitimidade afere-se exclusivamente pelo título executivo, isto é, apenas tem legitimidade para promover e fazer seguir a execução como exequente quem no título figure como credor.

15

Por seu turno e por via de regra, só deve intervir como executado quem, à luz do título, seja devedor da obrigação exequenda.

16

Tal proposição emerge da consideração de que o título executivo constitui condição suficiente da acção executiva.

17

Significa com isto que, por seu intermédio, se faculta o recurso à acção executiva sem necessidade de qualquer indagação prévia sobre a subsistência do direito creditício nele contido, o que se justifica por o título oferecer um nível de segurança tido por lei como suficiente quanto à existência daquele.

18

No presente caso, verificamos que a ora Exequente não consta como credora, nem a ora Executada consta como devedora de qualquer quantia.... muito menos certa, pelo que são Exequente e Executada, partes ilegítimas na presente execução!!

19

O título executivo apresentado não obedece a um dos requisitos específicos previstos na lei, existir uma sentença condenatória, o que não sucede, como pela simples leitura da mesma se constata.

20

Concluindo-se, estarmos perante a falta de um requisito de exequibilidade do título, uma vez que do título executivo apresentado, resulta precisamente o contrário, ou seja, a inexistência de qualquer sentença condenatória e por consequência de título executivo que possa servir de base à presente execução.

21

Pela sua simples leitura, como título executivo, foi junta uma sentença absolutória da ora Executada, sentença que julgou improcedentes, todas as pretensões do ora Exequente.

22

A consequência jurídica da falta do referido pressuposto processual específico da acção executiva, implica a sua inadmissibilidade e, consequentemente, a sua extinção, o que aqui e agora se requer.

Da Oposição à Penhora

23

A ora Exequente não é credora da quantia penhorada, nem a Executada é devedora de tal quantia, nem aquela tem título executivo para proceder à penhora de qualquer bem desta, pelo que nos termos da al. a) do nº1 do Art. 784º do CPC, deve a penhora do saldo bancário de conta da Executada ser julgada inadmissível.

24

Mais se requer, a suspensão da execução, sem necessidade de prestação de caução, uma vez que se encontra penhorado saldo de conta bancária da Executada, na quantia de € 36.419,76, como consta doa autos.

Das Sanções ao Exequente,

25

Face ao teor absolutório das sentenças juntas pela própria Exequente, nomeadamente a do Supremo Tribunal de Justiça, transitada em julgado, tendo negado Revista ao recurso apresentado pela Exequente,

26

Mantém-se a sentença que declarou a total improcedência da P.I. do então Autor, ora Exequente, total improcedência confirmada pelo Acórdão da Relação de Coimbra, pelo que, salvo melhor opinião, deverá a oposição proceder e, nos termos do Art. 858º do CPC, por ter actuado sem a prudência normal a que se encontrava obrigado, responder a ora Exequente, pelos danos que culposamente causou à Executada.

27

Com a presente execução, por ordem do Agente de Execução, foram cativados, em dez instituições bancárias, a quantia de € 36.419,76, ou seja, encontraram-se cativados saldos bancários da Exequente, que totalizaram € 364.197,60 (trezentos e sessenta e quatro mil cento e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), o que causou grande transtorno à gestão corrente da Executada, bem como prejudicou o seu bom nome perante a banca em geral, uma vez que de imediato, se acenderam luzes vermelhas, para o titular das contas penhoradas.

28

Numa altura em que o crédito bancário se encontra mais restrito e mais difícil de obter, todos os incidentes como estes ficam registados e são tidos em consideração pelas instituições bancárias que, ou não concedem o crédito solicitado, ou simplesmente consideram que o risco do Cliente aumentou e, por conseguinte, concedem crédito em condições mais desvantajosas para estes.

29

O bom-nome na banca, leva bastante tempo a consolidar e ainda mais, mesmo por incidentes julgados improcedentes, a recuperar.

30

Acresce que, face ao presente processo executivo, de imediato, as empresas de avaliação de crédito registam estes incidentes, tendo a Executada sido contactada por um fornecedor seu, mesmo antes de ter recebido uma qualquer notificação, a indagar o porquê da execução.

31

Sendo a Exequente uma empresa que actua no mercado há muitos anos, bem sabe dos danos que a presente execução, para a qual não dispõem de título válido, causaria e causou à Executada.

32

Para além do seu bom-nome, encontram-se cativos à ordem do tribunal, em conta bancária da Executada, o saldo de € 36.419,00, e estiveram cativos, por vários dias, saldos bancários, na quantia de € 364.197,60, causando enormes transtornos e dificuldades de gestão da tesouraria, face às obrigações que já tinha assumidos e para as quais, contava com aquelas quantias, para as suprir e liquidar, obrigando-a a encontrar soluções de recurso, adiando compromissos e investimentos que tinha como firmes.

33

O bom-nome de uma empresa no “mercado”, de qualquer empresa em geral e em particular da Executada, é um activo extremamente valioso, pelo que apenas se entende a vontade dolosa da Exequente, tendo por escopo, prejudicar a imagem e bom nome da Executada.

34

Face ao “modus operandi” da Exequente, requer-se a sua condenação em multa, correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, na quantia de € 3.642,00 (três mil seiscentos e quarenta e dois euros), nos termos do Art. 858º do CPC, por não ter actuado com a prudência normal que lhe era exigível, ao instaurar a presente execução.

Culmina pedindo:

Deve a oposição à execução e à penhora, ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser declarado:

i) A extinção da execução por inexistência de título válido bem como da inexigibilidade de qualquer quantia em dívida, nomeadamente, a quantia de 33.108,87, e ainda, ordenar o levantamento da penhora;

Caso assim se não entenda,

ii) A suspensão da presente execução e penhora, por inexistência de título executivo válido, bem como da inexigibilidade da quantia exequenda, dado não resultar do título apresentado, sentença condenatória, nem que a Exequente seja credora e a Executada seja devedora, da quantia de € 33.108,87, ou de qualquer outra;

iii) Ser a Executada dispensada de prestar caução, para suspender a execução e penhora, por se encontrar cativo, em conta bancária da Executada, à ordem do Tribunal, quantia equivalente ao valor da Execução ( € 36.419,76 );

iv) Declarar a Exequente e Executada partes ilegítimas na presente execução, uma vez que do título executivo apresentado, não resulta que a Exequente seja credora de qualquer quantia sobre a Executada e esta, devedora daquela;

v) Condenar a Executada ao pagamento de coima nos termos do Art. 858º do CPC, em quantia correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, € 3.642,00 (três mil seiscentos e quarenta e dois euros), por ter actuado sem a prudência normal a que se encontrava obrigada, uma vez que resulta do título executivo apresentado pela Exequente, a inexistência de sentença condenatória que obrigue a Executada, a pagar à Exequente, a quantia de € 33.108,87.

5)-

Os embargos foram liminarmente recebidos e a Exequente notificada, além do mais, para querendo se pronunciar sobre uma eventual suspensão da execução à luz do artigo 733º, 1, c) parte final, do CPC.

6)-

Com a ref. 87651051 e em 22-02-2022 foi proferido douto despacho a suspender os termos da execução, sem prestação de caução.

7)-

Foi dispensada a audiência prévia.

A Exequente pronuncia-se defendendo a manutenção da execução por “ter por base um título executivo proferido pelo STJ que reconhece um crédito à Exequente, que é certo, líquido e exigível”, como termina dizendo.

8)-

A Senhora Juiz considerou que os autos já continham elementos necessários à prolação de decisão final sobre a totalidade do pedido sem produção de mais provas, e, saneando a causa, prolatou, com a ref. citius 87955296, douto saneador-sentença.

No saneador-sentença dão-se como assentes os seguintes factos:

1. Em 2 de Novembro de 2021, a Exequente “A..., S.A.” instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, sob a égide de agente de execução, contra a executada “I..., Lda”, com vista à cobrança coerciva de € 33.108,87 euros - cf. requerimento executivo, da execução principal.

2. Tal execução baseia-se em sentença judicial proferida no âmbito do Processo n.º 2180/16...., que correu termos no Juízo Central Cível ..., da Comarca ....

3. E transitou em julgado em 24-09-2020.

4. Na sentença proferida na 1.ª instância, no âmbito do referido processo comum n.º 2180/16...., em que foi Autora “A..., S.A.”, e Ré “I..., Lda”, foi decidido:

Julgar “ a presente acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos;

- se julga a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora a pagar à ré a quantia de € 100 049,93 (cem mil, quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa devida para juros comerciais, desde 22 de Abril de 2016 até integral e efectivo pagamento, absolvendo a autora no demais peticionado.”.

5. Admitido recurso dessa sentença, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 15/10/2019, que veio:

“conceder parcial provimento ao recurso e, agora, absolver a autora do pedido reconvencional da ré. No mais se mantendo a sentença. “.

6. E por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2020, depois das partes terem recorrido do acima aludido acórdão do TRCoimbra, foi decidido:

“ negar ambas as revistas.”.

7. Por auto de penhora de 23/11/2021, na execução principal, foi penhorado o depósito bancário da executada no valor de 38.000,00 (trinta e oito mil euros).

No douto saneador-sentença elencaram-se em duas as questões centrais a dirimir:

1ª - da falta de título executivo para o pedido efectuado;

2ª - da aplicação do art.º 858.º, do CPC.

Relativamente à primeira dessas questões:

Escreveu-se:

A exequente solicita, no requerimento executivo, o pagamento coercivo da quantia de € 33.108,87 euros.

Todavia, como refere a embargante no seu requerimento inicial de embargos, não há qualquer decisão condenatória que condene a executada ao pagamento da quantia € 33.108,37, ou de qualquer outra.

Isso mesmo resulta da leitura das decisões do Tribunal de 1ª Instância e do Tribunal da Relação de Coimbra, bem como da deliberação do Supremo Tribunal de Justiça.

Efectivamente, na sentença proferida na 1.ª instância, no âmbito do referido processo comum n.º 2180/16...., em que foi Autora “A..., S.A.”, e Ré “I..., Lda”, foi decidido julgar “ a presente acção totalmente improcedente, absolvendo a ré dos pedidos;

- se julga a reconvenção parcialmente procedente, condenando a autora a pagar à ré a quantia de € 100 049,93 (cem mil, quarenta e nove euros e noventa e três cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa devida para juros comerciais, desde 22 de Abril de 2016 até integral e efectivo pagamento, absolvendo a autora no demais peticionado.”.

Depois de admitido recurso dessa sentença, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 15/10/2019, que veio: “conceder parcial provimento ao recurso e, agora, absolver a autora do pedido reconvencional da ré. No mais se mantendo a sentença. “.

Por fim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2020, depois das partes terem recorrido do acima aludido acórdão do TRCoimbra, foi decidido:

“ negar ambas as revistas.”.

Nestes termos, não há qualquer sentença condenatória que suporte a execução.

Ou seja, temos uma sentença judicial, mas que não condena a “I..., Lda”, a pagar à “A..., S.A.” o montante de € 33.108,87 euros.

Os embargos foram julgados procedentes nesta parte.

Relativamente à segunda dessas questões:

Escreveu-se:

A embargante pede a condenação da executada no pagamento de coima nos termos do Art. 858º do CPC, em quantia correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, € 3.642,00 euros, por ter actuado sem a prudência normal a que se encontrava obrigada, uma vez que resulta do título executivo apresentado pela exequente a inexistência de sentença condenatória que obrigue a executada, a pagar à exequente, a quantia de € 33.108,87.e exequente arrastou a embargante para um processo que já considerava esquecido, o que, com a possibilidade de não suspensão da execução, poderá vir a significar graves danos para esta última.

Ora, essa responsabilidade processual depende do preenchimento de vários pressupostos, desde logo a execução tem de fundar-se em título executivo extrajudicial (o que não sucede neste caso, pois o título apresentado é uma sentença judicial) e ter sido julgada procedente a oposição à execução.

Acresce ainda vários requisitos de natureza substantiva, que são os pressupostos gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos, a saber: facto voluntário, ilicitude, culpa e danos.

Mas os embargos de executado não são o meio processual adequado à apreciação do pedido de condenação da exequente no pagamento de indemnização, dado que tal implicaria a dedução de pedido reconvencional que extravasa as finalidades do apenso declarativo dos embargos.

Ademais, o conhecimento da responsabilidade civil da exequente pela dedução de execução injusta está excluído da competência material dos Juízos de Execução, por não se integrar no art.º 129.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

Pelo exposto, concluímos que é legalmente inadmissível o conhecimento do pedido de indemnização previsto no art.º 866.º do CPC em sede de embargos de executado (v. acórdãos do TRLisboa de 08-11-2012, do TRCoimbra de 13-05-2014 e de 14-11-2017, consultáveis em www.dgsi.pt).

Não se conheceu do pedido atinente a esta 2ª questão.

POR isso que, a final, se julgaram procedentes, por provados, os presentes embargos à execução, julgando extinta a execução quanto à executada “I..., Lda”, devendo ser, de imediato, levantada as penhoras efectuadas nos autos principais quanto a essa executada.

9)-

Inconformada, recorre a Executada, ora Embargante, Ré, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Conclusões de recurso da Embargante:  

A Embargante conclui a motivação da sua apelação asseverando:

1. Da leitura da sentença proferida no Proc. nº 2180/16...., que correu no Juízo Central ... -Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., nem de qualquer dos Acórdão, quer o proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, quer da deliberação Supremo Tribunal Judicial, em consequência dos recursos apresentados por ambas as Partes, que a Exequente juntou aos autos, verificamos a inexistência de qualquer decisão condenatória que obrigue a ora Executada, ao pagamento da quantia € 33.108,37, ou de qualquer outra, pelo que não apresenta a Exequente, qualquer sentença condenatória que suporte a execução.

2. Procedeu a A..., S.A., sem a prudência normal a que se encontrava obrigada, pois não restava qualquer dúvida, tendo três instâncias apreciado o seu pedido e todas elas, sem excepção, terem declarado a sua total improcedência.

3. Face a falta de prudência exigível à A..., S.A., no iniciar de um processo executivo completamente infundado, utilizando um título que não lhe concedia qualquer direito à quantia exequenda de € 33.108,87, ou qualquer outra quantia ou direito, actuou a Exequente, com manifesta má-fé, pelo que, salvo melhor opinião, deverá a mesma ser condenada em multa, nos termos do artigo nº 858º do CPC, a quantia correspondente a 10% do valor da execução.

4. Os pressupostos de aplicação dos artigos 858º e 866º, ambos do CPC, não são similares, tendo cada um o seu campo de aplicação e pressupostos próprios.

5. São pressupostos de aplicação do artigo 858º (sanções do Exequente) do CPC, a) que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado; b) que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa ou com negligência grosseira, tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado e que a mesma tenha sido julgada procedente.

6. A condenação em multa processual, tem por fundamento a litigância de má-fé do Exequente, uma vez que entendemos que o artigo 858º do CPC (sanções do Exequente), no que se refere ao processo executivo, preenchidos os requisitos, cumpre este propósito.

7. Deve a decisão proferida pelo douto Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião, ser alterada quanto à aplicação dos termos do artigo 858º do CPC e em consequência ser a Exequente, A... S.A., condenada em multa processual, a titulo de litigância de má-fé, correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, na quantia de € 3.642,00 (três mil seiscentos e quarenta e dois euros).

Pugna por ser revogada a douta sentença na parte recorrida, com todas as legais consequências.

Contra-motiva a Exequente ora Embargada:  

Contra-motiva a Embargada, apresentando as seguintes conclusões:

A – É legalmente inadmissível o conhecimento do pedido de indemnização previsto no artigo 816º do C.P.C. em sede de embargos de executado (ver acórdãos citados pela instância recorrida, consultáveis em www.dgsi.pt, concretamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2012 e do Tribunal da Relação de Coimbra os Acórdãos de 13-05-2014 e 14-11-2017).

B – O conhecimento da responsabilidade civil de uma exequente pela dedução de uma execução pretendida injusta está excluído da competência material dos Juízos de Execução por não integrar o nº 1 do artigo 129º da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

C – Os embargos de executado não são por isso o meio processual adequado para a apreciação de pedido de condenação de uma exequente no pagamento de uma indemnização, que implicaria a dedução de um pedido reconvencional que extravasa as finalidades do apenso declarativo dos embargos.

D – Desde logo a execução tem de fundar-se em título executivo extra judicial, o que não é o caso, e ter sido julgada procedente a oposição à execução.

E – O pagamento da coima prevista no artigo 858º do C.P.C. em valor correspondente a 10% do valor da execução sempre teria que cumprir os pressupostos gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos implicando uma actuação no mínimo sem a prudência normal, o que não é o caso, em que a decisão definitiva foi um Acórdão do S.T.J. que negou a revista pedida por ambas as partes à corrigenda do Tribunal da Relação de Coimbra que incidiu sobre a decisão do Tribunal da Primeira Instância que condenara a então A. a pagar à então R. uma quantia elevada. Assim absolvendo a então A. nesse processo.

F – Quanto ao pagamento da quantia devida pela executada embargante, o Acórdão não condenou a I..., Lda, a pagar à A..., S.A., mas reconheceu a existência dessa dívida.

G – Não deveria por isso ter deixado de constituir título executivo o Acórdão do S.T.J. que fundou a execução, pois integra-se nos títulos executivos elencados, de forma exemplar e não taxativa, nas várias alíneas do artigo 703º do C.P.C., tendo a nosso ver maior força executiva por se tratar de uma dívida reconhecida na fundamentação do decidido por três magistrados de um Tribunal Superior.

Sustenta o acerto da douta sentença na parte recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.


III - OBJECTO DO RECURSO 

Não integra o objecto do recurso o decidido relativamente à alegada falta de título executivo para o pedido efectuado pela Exequente.

Reconduz-se a questão do recurso a saber se cabe ou não conhecer nos autos o pedido de condenação da Exequente na multa prevista no artigo 858.º, do CPC.

IV- mérito do recurso

*

Relevante a resenha fáctico-processual que consta do relatório supra, para que se remete – especialmente os factos assentes transcritos no ponto 8)-.

*

No ponto V) do pedido de embargos, a Embargante – I..., Lda  peticionou

Condenar a Executada ao pagamento de coima nos termos do Art. 858º do CPC, em quantia correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, € 3.642,00 (três mil seiscentos e quarenta e dois euros), por ter actuado sem a prudência normal a que se encontrava obrigada, uma vez que resulta do título executivo apresentado pela Exequente, a inexistência de sentença condenatória que obrigue a Executada, a pagar à Exequente, a quantia de € 33.108,87.

A douta sentença proferida vem recorrida na parte em que concluiu ser legalmente inadmissível o conhecimento de tal pedido.

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Que dizer?

Marco Carvalho Gonçalves in Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, ensina de fls. 405 a 417, como respigamos:

Na sua obra "Processo de Execução", vol. I, pág. 57, Alberto dos Reis afirmava já, com pertinente actualidade, que a acção executiva pode conduzir a uma anomalia jurídica, qual seja a de "sacrificar o executado ou um terceiro a um credor aparente". De facto, "o processo de execução, em vez de ser posto ao ser­viço do direito de crédito, pode funcionar como instrumento de extorsão e violência em benefício de um portador do título executivo que não é verdadeiramente credor". Com efeito, a propositura de uma acção executiva para pagamento de quantia certa que, posteriormente, vem a revelar-se injustificada acarreta, inevitavelmente, prejuízos e danos ao executado, designadamente nos casos em que a penhora tenha precedido a citação, por  dispensa legal ou judicial de citação prévia, já que o património do executado é agredido sem qualquer tipo de aviso prévio. Neste particular, o risco de uma execução injusta é exponencialmente maior nos casos em que esta se funde num título executivo extrajudicial e/ou em o ­julgador dispense a citação prévia do executado, pois que, nessa situação o direito de que o exequente se arroga titular não passa pelo crivo prévio de um juízo declarativo.

Ora, sendo a execução considerada injusta, a lei prevê a possibilidade de o exequente ser responsabilizado pelos danos causados ao executado. De facto, apurando-se que o executado "foi vítima de uma perseguição injusta" ou de que foi promovida contra ele uma "execução infundada” o exequente, enquanto "autor da perseguição", deve indemnizá-lo pelas perdas e danos causados".

Assim, dispõe o art. 858.º que "Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, ­responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver actuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.". Trata-se, com efeito, de um mecanismo legal que procura conciliar o interesse do exequente em que o processo executivo seja célere e o interesse do executado em que o processo executivo seja justo.

Em anotação a este regime, Olinda Garcia ressalta que o mesmo assenta "na ideia de penalização do recurso infundado à acção executiva, naquelas hipóteses em que a lei (confiando na existência de fundamento da pretensão executiva) desprotege o executado, não lhe garantindo o direito de defesa até à efectiva apreensão dos bens susceptíveis de penhora, sujeitando-o, portanto, aos riscos inerentes à celeridade dessa tramitação. Efectivamente, neste domínio o executado só é citado depois da apreensão dos seus bens, ou seja, depois de já ter sofrido danos, vindo posteriormente a demonstrar, na oposição à execução, a falta de fundamento dessa acção executiva"- GARCIA, Maria Olinda, A Responsabilidade do Exequente e de outros Intervenientes Processuais,  p. 15. Na realidade, a circunstância de a acção executiva ser intentada com base num título executivo não garante, por si só, a existência do crédito de que o exequente se arroga titular. De facto, "o título execu­tivo (judicial ou extrajudicial), sendo indispensável para instaurar a acção executiva, não dá ao tribunal a certeza absoluta da existência do direito, mas tão-somente a probabilidade séria da sua existência". Daí que, se o exequente mover uma acção executiva sem que exista o direito de crédito correlativo, está a dar lugar a uma execução injusta, porquanto faz "uso de um meio próprio para efectivar o direito subjectivo substancial, quando esse direito já não existe na realidade". O mesmo é dizer que "a execução é injusta quando o exequente pretende conseguir um fim contrário ao direito".

A aplicação do regime previsto no art. 858.º depende, fundamentalmente, da verificação de dois requisitos cumulativos, um de natureza processual e outro de natureza substantiva.

- A este propósito, Paula Costa e Silva assinala que a aplicação do regime da responsabilidade do exequente depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) ter a penhora precedido a citação do executado; b) ter o executado deduzido oposição à execução; c) ter sido a oposição julgada procedente; d) ter a execução causado prejuízos ao executado; e) terem os prejuízos sido causados culposamente; f) não ter o exequente agido com a prudência normal - SILVA, Paula Costa e, A Litigância de Má Fé,  p. 457). -

Quanto ao requisito de natureza processual, o exequente só pode ser responsabilizado pelos danos causados ao executado se este não tiver sido citado previamente à penhora dos seus bens - seja porque a lei dispensa essa citação prévia (art. 857.º, n.º 3), seja porque o exequente assim o requereu [arts. 725.º, n.º 1, al. j), e 728.º] - e tiver deduzido, de forma procedente, oposição à execução. Por conseguinte, a responsabilidade do exequente assenta na agressão do património do executado, sem que este tenha tomado conhecimento prévio da pendência da execução. Nesta perspectiva, "esta circunstância justifica uma extensão da «zona de protecção» do executado, reconhecendo-lhe a possibilidade de ser ressarcido dos danos que lhe tenham sido infligidos pela penhora indevida dos seus bens" no caso de a oposição à execução ser julgada pro­cedente. Trata-se, como bem refere Alberto dos Reis, de uma situação em que "a execução injusta encontra o seu natural correctivo no predomínio da acção declarativa sobre a acção executiva. Mediante a decisão definitiva do recurso ou julgamento da oposição, que são formas de processo decla­rativo, ou jurisdicional na técnica de Carnelutti, a relação jurídica material reage sobre a relação processual fundada no título executivo e acaba por impor-se a esta. O princípio da justiça vence e domina, por fim, o sistema da força posta ao serviço da prontidão”- Processo de Execução", vol. I, pág. 60.

No que concerne ao requisito de natureza substantiva, a aplicação do regime de responsabilidade civil impõe que o exequente tenha actuado de uma forma voluntária, ilícita e culposa, verificando-se a produção de danos na sequência dessa actuação. Visa-se, fundamentalmente, proteger a parte prejudicada com a realização de uma penhora ilegal, nas situações em que o exequente, não tendo actuado com dolo ou culpa grave, agiu de modo irreflectido ou imprudente".

Assim, o facto voluntário materializa-se na "formulação da pretensão através da instauração da execução.

Por sua vez, o facto ilícito traduz-se na agressão do património do executado, sendo a execução infundada. O mesmo é dizer que a ilicitude "decorre do uso abusivo ou indevido desse meio".

Já no que respeita à culpa, o exequente só será responsabilizado quando "não tenha agido com a prudência normal", isto é, quando tenha actuado de forma dolosa ou negligente. Deste modo, a actuação do exequente será dolosa quando este tiver procurado causar danos ao executado de forma propositada e deliberada por meio da acção executiva. Por sua vez, a actua­ção do exequente será negligente quando este, ainda que não agindo de forma intencional, não tiver observado a diligência própria do bom pai de família (art. 487.º, n.º 2, do CC). Na verdade, atento o disposto no art. 858º para que se verifique a responsabilização civil do exequente basta que este tenha adoptado um comportamento leviano ou actuado com negligência leve, traduzido na inobservância do dever de cuidado, sendo certo que "o dever de cuidado a cargo do exequente é próximo da prudência exigida ao requerente de uma providência cautelar". O mesmo é dizer que o exequente responderá civilmente pelos danos causados ao requerido sempre que não tenha agido com a prudência normal, ou seja, sempre que “tenha requerido, sem agir com a prudência exigível, uma execução inadmissível ou infundada".

A censurabilidade da actuação do exequente verificar-se-á ainda nos casos em que este, conhecendo ou não devendo ignorar a falta de título, ou actuando com culpa, tiver omitido factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda ou deturpado os factos alegados para demonstração da certeza ou exigibilidade da obrigação.

Para além disso, a culpa do exequente deve ser apreciada de forma casuística, ou seja, em função das particularidades do caso em concreto, sendo que o grau de exigência quanto à conduta a observar pelo exequente varia em função da natureza do título executivo.

(…)

Relativamente ao dano, este materializa-se nos prejuízos sofridos pelo executado por força da penhora de bens e/ou de direitos integradores do seu património. É o que sucederá, designadamente, com a privação do gozo da coisa penhorada por força da sua apreensão efectiva, com a impossibilidade de alienação, com eficácia plena, da coisa penhorada, ou com a humilhação ou vexame sofridos pelo executado em virtude da realização da diligência de penhora de coisas ou de direitos.

Por último, no que respeita ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, exige-se que o dano seja uma consequência normal e previsível da actuação culposa do exequente, isto é, deve estar em causa um dano que o executado muito provavelmente não teria sofrido se não fosse a “actuação ilícita" do exequente.

Efeitos

O Código de Processo Civil prevê a penalização do exequente em cinco níveis distintos: restituição do indevido, responsabilidade civil por factos ilícitos, responsabilidade processual, responsabilidade tributária e respon­sabilidade criminal.

(…)

Responsabilidade processual

Para além da responsabilidade civil a que, no caso em concreto, houver lugar, o exequente que tiver actuado de forma culposa deve ser sancionado no pagamento de uma multa, cujo montante corresponde, em regra, a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça. Com efeito, "a razão de ser desta penalização é a de responsabilizar o exequente por ter feito um uso reprovável da acção executiva para alcançar um resultado a que não tinha direito". De facto, tal como sucede com o regime da litigância de má fé, a lei distingue entre o uso reprovável do processo ou dos meios processuais, isto é, a ofensa de valores de natureza pública - o que implica o sancionamento da parte no pagamento de uma multa - e as consequências danosas que poderão advir dessa conduta para a parte contrária, ou seja, a responsabilidade civil do litigante. Tratam-se, por isso, de regimes distintos e autónomos, na medida em que qualquer deles pode ser aplicado sem dependência do outro.

(…)

Apreciação da responsabilidade e da pretensão indemnizatória:

No que em particular se refere ao momento processualmente adequado para que o executado formule a sua pretensão indemnizatória ­contra o exequente, a doutrina tem vindo a admitir a possibilidade deste pedido ser formulado em sede de oposição à execução ou em acção autónoma.

Relativamente a esta questão, acompanhamos a posição defendida por Maria Olinda Garcia, segundo a qual, se constarem do incidente de oposição à execução todos os elementos necessários para a demonstração da conduta ilícita e culposa do exequente, nada obsta a que o executado faça valer a responsabilidade indemnizatória do exequente no próprio incidente de oposição à execução. Na verdade, de acordo com a citada Autora, “sendo o incidente de oposição à execução um processo de natureza declarativa e desde que os autos forneçam todos os elementos necessários, por uma razão de economia processual, a decisão judicial que dá razão ao opoente deverá logo apreciar a responsabilidade civil do exequente, condenando-o pagamento dos danos que se apurarem".

Tal não exclui, no entanto, a possibilidade de o executado exigir o ressarcimento dos danos sofridos em acção autónoma, o que poderá suce­der, desde logo, quando o executado não se encontre em condições de demonstrar, em sede de oposição à execução, os requisitos legais para a responsabilização civil do exequente pelos danos por ele culposamente causados. A situação mais frequente é a que se prende com o apura­mento e determinação de todos os danos, de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos pelo executado em virtude da actuação culposa do exequente.  

*

É esta, cremos -, a doutrina dominante.

Estamos agora em condições de melhor enquadrar a situação dos autos à luz das normas aplicáveis.

*

Dispõe o art. 858.º que "Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, ­responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver actuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.".

Corresponde, com alterações, ao anterior artigo 819º na redacção do DL 38/2003 de 8-3.

*

A incorrência na responsabilidade do exequente prevista no artigo 858º do CPC depende da verificação cumulativa de três requisitos:

1- que a penhora tenha sido efectuada sem a citação prévia do executado (quer seja por disposição legal quer seja por via de requerimento do exequente);

2- que o executado haja deduzido oposição à execução, imputando ao exequente uma conduta dolosa, ou com negligência grosseira tendente a causar-lhe danos ou prevendo a possibilidade desse resultado; e

3- que o juiz não só acolha os fundamentos invocados na oposição, como além disso reconheça que o exequente agiu sem a prudência normal exigível.

Relativamente ao requisito 3º, entende-se que o legislador quis adoptar um conceito idêntico ao da má fé que decorre do artigo 456º do m.d. – cfr. Ac. TRL de 22-2-2006, proferido no p. nº 6528/2005-4, a que se pode aceder no site da dgsi.net.

No caso dos autos a Exequente, A..., S.A., intentou acção executiva com processo comum para pagamento de quantia certa (Ag. de Exec.), demandando I..., Lda,  trazendo como título executivo alegada “decisão judicial condenatória”.

Trata-se de execução de sentença prolatada em processo declarativo instaurado no tribunal de comarca, em que a Exequente demandou a Executada - Proc. nº 2180/16...., que correu no Juízo Central ... -Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ....

Dela foram interpostos recursos para os Tribunais Superiores.

Houve penhora em saldo bancário de conta pertença da Executada.

Ordenou-se a notificação da Executada, nos termos do disposto nos artigos 626º e 856º do CPC, para em 20 dias, pagar ou deduzir oposição à execução e/ou à penhora.

A tramitação determinada por essas disposições legais para a execução em apreço é a prescrita para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.

Cfr. facticidade do ponto 3)- do relatório supra.

Verifica-se o requisito 1º.

A Executada foi notificada da penhora e para deduzir oposição.

Deduziu oposição.

Cfr. facticidade do ponto 4)- do relatório supra.

Verifica-se o requisito 2º.

A Senhora Juiz  julgou procedentes os embargos, decidindo: não há qualquer sentença condenatória que suporte a execução. Ou seja, temos uma sentença judicial, mas que não condena a “I..., Lda”, a pagar à “A..., S.A.” o montante de € 33.108,87 euros.

Desta decisão não se recorre, pelo que transitou em julgado.

O juiz acolheu os fundamentos invocados na oposição – conforme factualidade do ponto 8)- do relatório supra.

Verifica-se a 1ª parte do 3º requisito de aplicação ao caso da norma do artigo 858º do CPC.

Quanto à 2ª parte do 3º requisito, temos:

A decisão recorrida não conheceu dela.

Não conheceu dela com os seguintes fundamentos:

1º- Essa responsabilidade processual depende do preenchimento de vários pressupostos, desde logo a execução tem de fundar-se em título executivo extrajudicial (o que não sucede neste caos, pois o título apresentado é uma sentença judicial) e ter sido julgada procedente a oposição à execução.

2º- Acresce ainda vários requisitos de natureza substantiva, que são os pressupostos gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos, a saber: facto voluntário, ilicitude, culpa e danos.

3º- Mas os embargos de executado não são o meio processual adequado à apreciação do pedido de condenação da exequente no pagamento de indemnização, dado que tal implicaria a dedução de pedido reconvencional que extravasa as finalidades do apenso declarativo dos embargos.

4º- O conhecimento da responsabilidade civil da exequente pela dedução de execução injusta está excluído da competência material dos Juízos de Execução, por não se integrar no art.º 129.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário.

Estes argumentos são facilmente rebatidos uma vez que se partiu do pressuposto de que a Embargante formulou pedido de condenação da Embargada em pedido cível de indemnização, o que não é verdade; se aplicou à situação dos autos a norma do artigo 866º do CPC, norma esta que dispor para a execução para entrega de coisa certa, o que não é o caso; a apreciação da pretensão da Embargante implicaria a dedução de uma reconvenção, o que não é o caso pois ao pedido da Embargante já respondeu a Embargada; e que finalmente estaria fora do âmbito da competência material dos Juízos de Execução.

O Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra integra, como Secção de Instância Central, a Secção de Execução com sede em Coimbra – artigo 75º, 1, i) do DL nº 49/3014, de 27 de Março, que regulamenta a Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Sobre competência dos Juízos de Execução dispõe o artigo 129º, 1 da Lei nº 62/2013 –: compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no CPC.

Já vimos supra na lição de Marco Carvalho Gonçalves que, no artigo 858º do CPC, tal como sucede com o regime da litigância de má fé, a lei distingue entre o uso reprovável do processo ou dos meios processuais, isto é, a ofensa de valores de natureza pública - o que implica o sancionamento da parte no pagamento de uma multa - e as consequências danosas que poderão advir dessa conduta para a parte contrária, ou seja, a responsabilidade civil do litigante. Tratam-se, por isso, de regimes distintos e autónomos, na medida em que qualquer deles pode ser aplicado sem dependência do outro.

A Embargante apenas pediu a condenação da Embargada em multa, tendo esta já tido oportunidade de responder, como efectivamente respondeu.

Não se vê que nestas condições, e face a este preciso pedido, e face a este normativo, se possa defender a declinação da sua apreciação nos embargos de executado.

A tal não obsta o artigo 129º, 1 da Lei nº 62/2013.

Neste contexto, a decisão recorrida não pode subsistir.

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No ponto V) do pedido de embargos, a Embargante – I..., Lda  peticionou a condenação da Executada no pagamento de multa nos termos do Art. 858º do CPC, em quantia correspondente a 10% do valor da execução, ou seja, € 3.642,00.

Entende-se na Relação que o processo contém todos os elementos necessários à apreciação do pedido, e que nos termos do artigo 665º, 1 do CPC a Relação se deve substituir ao 1º grau.

Não cabe ouvir as partes nos termos do nº 3 do dispositivo porque estas, anteriormente, já se pronunciaram sobre o mérito da questão agora em apreço.

*

Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva – artigo 10º, 5 do CPC.

São títulos executivos as sentenças condenatórias -  artigo 703º, 1, a) do CPC.

Acontece que a Exequente traz è execução uma sentença em que a mesma Exequente não é vencedora.

Como já se decidiu no saneador-sentença proferido nestes embargos, temos uma sentença judicial, mas que não condena a “I..., Lda”, a pagar à “A..., S.A.” o montante de € 33.108,87 euros peticionado, ou outro.

No douto Acórdão do TRC de 15 de Outubro de 2019 prolatado no processo nº 2180/16.4T8CBR confirmou-se a improcedência do pedido inicial formulado pela “A..., S.A.” contra a “I..., Lda”, e absolveu-se a aqui Embargada, “A..., S.A.”, do pedido reconvencional deduzido contra esta pela ora Embargante, “I..., Lda”.

No douto Acórdão do STJ de 7 de Setembro de 2020 manteve-se a improcedência do pedido inicial formulado pela “A..., S.A.” contra a “I..., Lda”, e manteve-se a improcedência da reconvenção movida pela “I..., Lda” contra a “A..., S.A.”.

Em sede de análise do pedido reconvencional, movido pela “I..., Lda” contra a “A..., S.A.”, considerou o Venerando STJ, como se pode ver de fls. 75 verso e 76, que, estando provado que o valor total das obras realizadas pela empreiteira “I..., Lda”, ficou abaixo do montante por ela já anteriormente recebido, obviamente não lhe assiste direito a receber mais (da Reconvinda “A..., S.A.”), sob pena de enriquecimento sem causa.

Daí a improcedência da reconvenção.

A ora Exequente – a “A..., S.A.” parte deste argumentário para acrescentar:

Se "nada mais tinha a receber” é, obviamente, porque já tinha recebido tudo aquilo a que tinha direito (rigorosamente estabelecido em €191.891,13), face ao comprovado pagamento antecipado supra referido também.

(…)

O âmbito material do conteúdo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça refere-se ao único negócio até hoje contratado entre A..., S.A. e as empresas do Grupo Iz... (…) a que pertence a “I..., Lda”.

A A..., S.A., pagou antecipadamente a importância € 225.000,00 ao Grupo Iz.... Em ­contrapartida apenas foram sido realizados trabalhos no valor de €191.891,13.

Retira, para sustentar o pedido exequendo: então, por simples subtracção, fica comprovado o crédito da aqui exequente sobre, aqui executada no montante diferencial, seja de €33.1 08,87.

A Exequente intentou a execução.

Efectuadas que estavam diligências para penhora em bens da Executada, a Exequente manteve o propósito, pois como se viu comunicou ao Senhor Agente de Execução em 11-11-2021 estar interessada em que as diligências de penhora se realizassem no estritamente necessário para garantir o pagamento da quantia exequenda. Cfr. ponto 3) do relatório supra.

Em sede de contra-alegações, a Exequente mantém a toada, como se vê das al. F) e G), admitindo não existir uma “sentença condenatória”, mas sim um “ reconheceu a existência dessa dívida”.

A Exequente actua em lide dolosa. Não se limita a litigar para ver um direito alegado reconhecido.

A Exequente sabe que não é portadora de uma sentença condenatória contra a demandada.

Apesar disso, e a coberto da sua suposta existência, coloca-se ao abrigo das disposições da acção executiva, que, no caso, como sabe, se permite agredir o património da demandada sem esta ser previamente ouvida.

A Exequente faz um uso reprovável da acção executiva para alcançar um resultado a que não tinha direito.

Está verificada a 2ª parte do 3º requisito para aplicação do disposto no artigo 858º do CPC.

*

Procede a apelação.

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda neste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e por isso se revoga o segmento decisório impugnado da sentença proferida, e, nos termos do artigo 665º, 1 do CPC, se condena a Exequente, ora Embargada, A..., S.A., no pagamento da multa a que se refere o artigo 858º do m.d. que se fixa em € 3.311,00 (três mil trezentos e onze euros), correspondente a 10% do valor da execução.

Na Relação, custas pela Embargada.

Valor da causa: € 33.108,87 (cfr. fls. 47).

Coimbra, 25 de Outubro de 2022.

(Rui  António Correia  Moura)                                

(João Moreira do Carmo)

(Fonte Ramos)