Excede manifestamente os limites impostos pela boa fé o pedido feito por um comproprietário no sentido de o outro demolir obras feitas na coisa comum, quando:
I – As obras foram levadas a efeito para obter melhor aproveitamento do espaço existente para arrumações e para fazer face às efectivas necessidades do seu agregado familiar, designadamente ao nível de banhos, lavagem e secagem de roupa, privacidade dos membros da sua família e criação de zonas de descanso e estudo para estes;
II - Não se provou que tais construções tenham diminuído o valor da coisa comum;
III – As obras são facilmente levantadas/removíveis, sem prejuízo para a coisa comum;
IV – A demolição constituiria uma reacção desproporcional à conduta do outro comproprietário.
quer pela testemunha FF (depoimento prestado no dia 10/02/2022 e gravado no sistema Habilus Media Studio das 11:05:48 até às 11:19:33 horas), que desde que Autor e Ré adquiriram a fracção autónoma melhor identificada na Alínea A) dos Factos Provados, em 2004, que esta, juntamente com os seus três filhos, habitam tal imóvel, situação que se mantém até aos dias de hoje.
4) Os depoimentos destas testemunhas nesta parte encontram-se, também, corroborados pelo teor do documento 1 junto com a p. i., assim como pelo teor da certidão judicial junta aos autos pela Ré a 05/05/2021.
5) Deve ser ADITADA aos FACTOS PROVADOS a seguinte matéria:
- “a Ré e o seu agregado familiar, composto pelos seus três filhos CC (nascido a .../.../2004), DD (nascido a .../.../1999) e EE (nascido a .../.../2002), habitam, de forma contínua e ininterrupta, a fracção autónoma identificada na Alínea A) dos Factos Provados desde, pelo menos, 2004.”
6) No que respeita à matéria de facto do artigo 15º da Contestação, as testemunhas DD (depoimento prestado no dia 10/02/2022 e gravado no sistema Habilus Media Studio das 10:18:36 até às 10:51:37 horas) e FF (depoimento prestado no dia 10/02/2022 e gravado no sistema Habilus Media Studio das 11:05:48 até às 11:19:33 horas), ouvidas em julgamento, declararam ambas que, com as duas divisórias feitas na garagem, a Ré pretendeu criar um espaço de arrumação autónomo para o cilindro e para as máquinas de lavar e de secar roupa (lavandaria) e um outro espaço onde pudesse colocar/arrumar os bens que, anteriormente, estavam dispersos na garagem, junto ao veículo automóvel.
7) Mais referiram que a Ré teve necessidade de subdividir em dois o espaço que, até então, consistia no quarto dos seus dois filhos mais velhos, para que os mesmos tivessem mais privacidade e pudessem estudar.
8) Deve ser ADITADA aos FACTOS PROVADOS a seguinte matéria:
- “As obras referidas em C) e H) dos Factos Provados foram levadas a efeito pela Ré para obter melhor aproveitamento do espaço existente para arrumações e para fazer face às efectivas necessidades do seu agregado familiar, designadamente ao nível de banhos, lavagem e secagem de roupa, privacidade dos membros da sua família e criação de zonas de descanso e estudo para estes.”
9) Relativamente à matéria de facto constante do artigo 18º da Contestação, o mesmo devia ter sido dado como provado, em face da resposta dada pelo Sr. Perito ao Quesito 4.
10) Tendo em conta o resultado da perícia nesta parte e, bem assim, as regras de experiência comum, deveria o Tribunal a quo ter dado como PROVADO que:
- “As alterações efectuadas pela Ré e descritas na alínea C) e H) dos Factos Provados são facilmente levantadas/removíveis, sem prejuízo para a coisa.”; razão pela qual deve tal matéria ser também ADITADA aos Factos Provados.
11) As paredes mencionadas nas Alíneas C) e H) dos Factos Provados (tal como sucede com a instalação de máquinas de lavagem/secagem de roupa, de um termoacumulador, de um lavatório e de cadeiras de
cabeleireiro e assim foi considerado pelo Tribunal de Primeira Instância) estão ligadas ao imóvel de forma precária e podem facilmente ser removidas, pelo que integram o conceito de bens móveis – Cfr. Relatório Pericial - resposta do Perito ao Quesito 4 (Artigos 203º, 204º, nº. 3 e 205º, nº. 1 todos do Código Civil).
12) As paredes de «pladur» mencionadas nas Alíneas C) e H) dos Factos Provados, não integram o conceito de edificação previsto no DL 555/99 de 16/12.
13) Não constituindo a aplicação de paredes de pladur “obra” ou “edificação”, na medida em que as mesmas são facilmente removíveis, estando afixadas ao imóvel de forma precária/sem carácter de permanência, não deve a Ré ser condenada a remover as mesmas, pelo menos enquanto estiver a habitar o imóvel em causa.
14) Atenta a prova produzida em julgamento, a colocação de tais paredes de gesso cartonado não serviu apenas para recreio da Ré, destinando-se, antes, a fazer face às necessidades do seu agregado familiar.
15) Constitui acto de administração ordinária aquele destinado a atender às necessidades quer do titular, quer da sua família.
16) Como resulta da alínea B) dos Factos Provados, à Ré foi, posteriormente à instauração da presente acção, conferido o direito de uso e habitação da fracção ...) dos Factos Provados (casa de morada de família), ou seja, o direito de uso funcionalizado limitado pelas necessidades do seu titular e da sua família – artigo 1484º, nº. 1 do Código Civil.
17) Ao direito de uso e habitação aplicam-se as disposições que regulam o usufruto (artigo 1490º do Código Civil), sendo que dispõe o artigo 1450º, nº. 1 do Código Civil que «O usufrutuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer, contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico».
18) As alterações efectuadas pela Ré e descritas nas Alíneas C) e H) dos Factos Provados são lícitas por visarem fazer face às necessidades ordinárias do seu agregado familiar, designadamente higiene e descanso dos seus filhos menores.
19) Determina o artigo 1022º do CC que o locador proporciona ao locatário o gozo temporário de uma coisa, sendo que, nos termos previstos no artigo 1073º do CC, ao arrendatário é permitido “realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado, quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade”.
20) As alterações mandadas efectuar pela Ré e descritas nas Alíneas
C) e H) dos Factos Provados, porque facilmente removíveis sem prejuízo para o imóvel, são, também ao abrigo do disposto no artigo 1073º do CC, lícitas, inexistindo fundamento legal para ordenar a sua demolição enquanto a Ré estiver no uso exclusivo legítimo do imóvel.
21) Perante a matéria de facto efectivamente provada nos autos, designadamente aquela por cujo aditamento acima se pugna, dúvidas não temos que a presente acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente.
22) Ainda que se entenda inexistir fundamento para alterar (no nosso caso, aditar) a decisão relativa à matéria de facto (o que apenas por dever de patrocínio se admite), a verdade é que, atento o Facto Provado sob a Alínea B), deveria o Tribunal de Primeira Instância ter julgado a presente acção totalmente improcedente, sob pena de violação do Princípio da atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes.
23) No âmbito da Acção de Atribuição de Casa de Morada de Família Nº. 2326/18...., a 09/09/2020 foi proferida decisão, transitada em julgado a 18/11/2020, que atribuiu à aqui Autora/Recorrente o uso exclusivo da casa de morada de família melhor identificado na Alínea A) dos Factos Provados.
24) Face à decisão proferida no âmbito do Processo Nº. 2326/18...., a Ré passou a ter o direito, judicialmente reconhecido, de habitar e usufruir de tal imóvel até que o mesmo seja partilhado ou vendido.
25) Atento o alegado em 23), carece de toda a lógica que a Ré seja obrigada a demolir tais alterações continuando lá a viver.
26) Conforme referido em 17), o usuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer.
28) Ainda que se entenda que a Ré, aquando da aplicação das paredes de pladur, não podia fazê-lo sem autorização do Autor (comproprietário), certo é que, com o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito da acção de atribuição da casa de morada de família, passou a ter o direito de, agora na qualidade de moradora usuária, erigir de novo tais paredes, sem que o comproprietário (Autor) o possa impedir ou exigir nova demolição.
29) Conforme preceitua o artigo 611º, nº. 1 do CPC, «deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão».
30) No caso em apreço, a atribuição à Ré do direito ao uso exclusivo da casa de morada de família constitui um facto extintivo do direito do Autor. Passando a Ré, em face da decisão entretanto proferida no Processo Nº. 2326/18...., a ter direito a fazer no imóvel benfeitorias úteis e voluptuárias, deverá a presente acção ser decidida como se a decisão de atribuição da casa de morada de família tivesse sido proferida antes da realização dos factos descritos sob as Alíneas C) e H) dos Factos Provados.
31) Para a hipótese de se entender não ser aplicável ao caso sub judice o disposto nos artigos 1484º e ss. e 1450º do CC, a verdade é que a Ré tem o direito ao uso exclusivo do imóvel melhor identificado na Alínea A) dos Factos Provados, até que a partilha ou venda de tal imóvel seja efectivada, pelo que apenas deverá ser condenada a retirar as paredes em causa, se, por força da partilha ou venda do imóvel, tal uso cesse, nos termos do artigo 1043º, nº. 1 do Cód. Civil, evitando- se, desta forma, a prática de actos inúteis.
32) A pretensão do Autor em obrigar a Ré a retirar as paredes de gesso cartonado enquanto a mesma se encontra ainda a residir no imóvel, sem se aguardar pela cessação do direito ao uso exclusivo conferido judicialmente à Ré, sempre constituiria um exercício anómalo do direito do Autor, pois não equacionamos qualquer razoável motivação para que o Autor pretenda a imediata reposição do imóvel no estado em que o mesmo se encontrava, não obstante a Ré lá legitimamente residir enquanto o imóvel não for partilhado/vendido.
33) Prescreve o artigo 334º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
34) O abuso de direito equivale à falta de direito.
35) Ainda que com recurso à figura jurídica do Abuso de Direito, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente.
36) A douta sentença sob recurso violou, por erro de interpretação e/ou de aplicação, os Artºs. 5, nº. 1 e 611, ambos do C. P. C. e artigos 205º, nº. 1, 204º, nº. 3 a contrario, 334º, 1022 1073º, 1450º, nº. 1, 1484, nº. 1, 1490º, todos do Código Civil. […]».
Terminou pugnando pela substituição da sentença recorrida por decisão que julgue a acção totalmente improcedente.
prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, nos termos supra descritos, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 53º e 54º todos do Cód. Penal»;
b) «na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB durante o período de dois anos, incluindo o afastamento da residência onde esta habita, actualmente sita na Rua ..., ..., ..., ..., nos termos do artº. 152, nºs. 4 e 5, do Cód. Penal»;
c) no pagamento à aqui Ré da importância de € 1.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais. (…)”.
b) Factos não provados
1. A construção de paredes interiores de gesso cartonado acrescentou valor ao imóvel [artigos 25.º e 26º. da contestação, ressalvando o conteúdo da alínea I) dos factos provados].
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, não se reproduzindo a matéria repetida, irrelevante, conclusiva, de direito ou que se traduz na aceitação ou impugnação (ainda que motivada) dos factos relevantes alegados pelo autor, nem se transcrevendo os factos instrumentais (atendíveis na motivação da decisão da matéria de facto) [artigos 1.º, 3.º, 5.º a 7.º, 15.º a 17.º e 21.º a 31.º da petição inicial, 1.º a 7.º, 9.º a 10º, 13.º, 16º, 17º, 19º a 24º, 27.º e 28.º da contestação]..”.
abrange, evidentemente, a realização de quaisquer obras (ainda que de conservação ou em benefício do prédio). Como resulta claramente da expressão ali utilizada – “…servir-se dela…” – aquele uso corresponde apenas à utilização directa da coisa e ao aproveitamento imediato das suas aptidões naturais e, não abrangendo, sequer, a sua fruição, ou seja, a sua utilização como instrumento de produção […], muito menos poderá englobar a realização de obras que – como aqui acontecia – alteram a sua configuração e o modo como era utilizado, no que toca, designadamente, ao respectivo acesso.
Assim, e conforme se considerou na sentença recorrida, a situação dos autos não cai no âmbito de previsão do art. 1406º, ficando sob a alçada do art. 1407º.
Reportando-se à administração da coisa comum, o art. 1407º determina ser aplicável aos comproprietários o disposto no art. 985º, mais preceituando que, para que exista a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
Da conjugação dessas disposições, decorre que, apesar de todos os consortes terem, em princípio, igual poder para administrar, qualquer um dos consortes tem o direito de se opor ao acto que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição (art. 985º, nº 1 e 2), sendo que esta maioria terá que corresponder, pelo menos, a metade do valor total das quotas.
Assim, porque a Autora e Réu têm igual poder para administrar a coisa comum e não estando em causa um acto urgente de administração destinado a evitar um dano iminente (caso em que, de acordo com o disposto no art. 985º, nº 5, poderia ser licitamente praticado por qualquer um dos administradores), a Autora poderia legitimamente opor-se ao acto que o Réu pretendia realizar.
E, porque são iguais as quotas da Autora e do Réu, a situação apenas poderia ser resolvida nos termos do art. 1407º, nº 2, onde se dispõe que, não sendo possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade. […]».
Foi no sentido do ora exposto que a sentença aqui recorrida, dando parcial procedência à acção, condenou a Ré a “…retirar as paredes de gesso cartonado (pladur) que construiu no interior da fração autónoma do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., descrita sob o n.º ...20..., da freguesia ..., repondo os respetivos compartimentos no estado em que se encontravam (sem a colocação dessas paredes).(…)”.
Para o efeito, essencialmente, escreveu-se na sentença “sub
judice”:
«[…] a construção de paredes em gesso cartonado em
compartimentos da cave do imóvel, não sendo indispensáveis para a conservação do imóvel, nem lhe aumentando o valor, visaram apenas ajustar os compartimentos do imóvel às escolhas estéticas e de conforto da ré e do seu agregado familiar, servindo, assim, apenas para recreio do benfeitorizante, configurando-se como benfeitorias voluptuárias (cf. artigo 216.º, n.º 3, do Código Civil)).
Quanto a estas, deverá a ré levantá-las, sendo que, se esse levantamento causar o detrimento do imóvel, caberá à ré repô-lo no estado em que se encontrava antes de colocadas as paredes de gesso cartonado (sem que lhe seja devido qualquer valor) (cf. artigos 1275.º e 1407.º n.º 3 do Código Civil). […]».
Ora, já quanto a outra alteração introduzida na casa e cuja demolição, e reposição no estado anterior, também englobava o pedido do Autor, se entendeu de modo diferente, entendimento esse que ora se reproduz:
«[…] A colocação de mosaicos no chão da garagem e a instalação da canalização ligada ao termoacumulador constituem benfeitorias úteis, por não serem indispensáveis para a conservação do imóvel, mas lhe aumentarem o valor (cf. artigo 216.º, n.º 3, do Código Civil). Apesar de insuscetíveis de serem levantadas sem detrimento do imóvel (tal como existia antes das benfeitorias), por não serem necessárias, não existe a obrigatoriedade de comparticipação, pelo comproprietário que as não autorizou (cf. artigo 1411.º do Código Civil).
No entanto, no caso concreto, a pretensão do autor em que essas alterações efetuadas na cave do imóvel sejam destruídas, com reposição do estado anterior em que aquele se encontrava, constituiria um exercício anómalo do seu direito de compropriedade. De facto, sendo inequívoco o benefício que as mesmas trazem ao prédio (com um correspondente aumento do seu valor), não se identifica qualquer motivação atendível para as destruir o que, além de representar um custo para a autora, retiraria utilidades de que o imóvel agora beneficia, depreciando o seu valor, com prejuízo para os dois comproprietários.
Assim, não se mostrando admissível que o Tribunal valide exigências que não sejam razoáveis ou que derivem de mero capricho (…), um eventual direito do autor de exigir a remoção do piso colocado pela ré no chão da garagem, assim como do termoacumulador e da respetiva canalização, sempre seria abusivo, por não corresponder a qualquer interesse legítimo.
Efetivamente, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito (cf. artigo 334.º, do Código Civil).
Nestes termos, verifica-se um abuso do direito quando, “admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia, no caso concreto, ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante” (…).
Neste caso, a pretensão do autor, aparentando ser o exercício de um direito, não realizaria quaisquer interesses pessoais atendíveis, mas visaria apenas prejudicar outrem (representando, inclusivamente, um prejuízo para o próprio) (…).
Na realidade, a condenação da ré a praticar atos que retirariam valor ao imóvel pertencente a ambas as partes – que, enquanto se mantiver em compropriedade, o autor não poderá usar, por força da atribuição do seu uso exclusivo à ré, e não manifestando o mesmo pretender a sua adjudicação nas ações de divisão de coisa comum que já foram instauradas – não teria qualquer acolhimento no objetivo natural e na razão justificativa da existência do direito de compropriedade de que o autor é titular, sendo o seu exercício nesses termos apoditicamente ofensivo da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pelo fim social ou económico desse direito (…). […]».5
Não vê, no entanto, razões, para que, “mutatis mutandis”, não se aplique, quanto às paredes em gesso cartonado, o que a sentença entendeu a respeito da colocação de mosaicos.
Vejamos.
Como se sabe, nos termos do art° 1793° do CC, como contrapartida do seu uso exclusivo, a casa de morada da família foi atribuída à Ré, até à partilha ou venda do imóvel (melhor se diria, até à divisão da coisa comum, em lugar de partilha), mediante o pagamento ao aqui Autor de metade do valor locativo do imóvel (460€ mensais).
Sem dúvida que, após a atribuição da casa de morada de família à Ré, que esta e o Autor não deixaram de ser comproprietários do imóvel em causa, e, por isso, enquanto tais, de estar sujeitos às normas que condicionam os direitos de cada um deles, acrescendo, para o Autor, enquanto não se extinguiu a pena, as condicionantes impostas pela condenação que este sofreu nos autos nºs 496/12.....
Contudo, após ter sido atribuída à Ré - que já aí vivia com os filhos que fazem parte do respectivo agregado familiar -, a casa de morada de família que constitui tal imóvel, a Ré, que era “apenas” uma comproprietária do mesmo, viu com tal atribuição e com o escopo que lhe é inerente, legitimada a habitação exclusiva, que, com o respectivo agregado familiar, fazia desse imóvel.
Ora, tendo em conta a factualidade provada, importa aferir, v.g., face ao instituto do abuso do direito, a bondade da procedência do pedido do Autor que foi atendido pelo Tribunal “a quo”.
Embora sem importância decisiva para o caso, pois a Ré poderia ter suprido pelas via judicial, com delongas, certamente, a falta de autorização do Autor, importa, no entanto, não deixar de reconhecer que o “histórico” das relações entre ambos - sobretudo após a condenação do Réu pelo crime de violência doméstica, por ele perpetrado na pessoa daquela, em pena de prisão com execução suspensa e na pena acessória de proibição de contactos com a requerente, pelo período de 2 anos, com afastamento da residência, sita no imóvel em causa -, não antevia qualquer êxito na obtenção, pela Ré, da autorização, pelo Autor, das obras em causa, nem mesmo propiciava qualquer aproximação entre ambos tendente a essa obtenção.
Já importante é realçar, que as construções em causa, consistiram em erigir uma parede em gesso cartonado (pladur), a dividir um compartimento ao nível da cave, que servia de quarto para dois dos filhos da ré, por forma a criar dois quartos, um para casa um desses filhos, e no erguer de uma outra parede interior em gesso cartonado (pladur), na cave do imóvel, perpendicular ao sentido de comprimento da garagem, criando dois espaços, tendo a Ré, num deles, instalado as máquinas de lavagem/secagem de roupa e um termoacumulador para aquecimento de águas com as respetivas canalizações, instalando no outro espaço,uma mesa de lavagem e cadeiras de cabeleireiro.
Provou-se que tais referidas obras foram levadas a efeito pela Ré para obter melhor aproveitamento do espaço existente para arrumações e para fazer face às efectivas necessidades do seu agregado familiar, designadamente ao nível de banhos, lavagem e secagem de roupa, privacidade dos membros da sua família e criação de zonas de descanso e estudo para estes.
Finalmente, importa realçar que, embora não se haja provado que a construção de tais paredes interiores de gesso cartonado tenha acrescentado valor ao imóvel, não se provou, também, que tais construções tenham diminuído esse valor, sendo, por outo lado, de salientar, ter-se provado que as tais alterações efectuadas pela Ré são facilmente levantadas/removíveis, sem prejuízo para a coisa.
Ora, ante esta factualidade, estando em causa, no fundo, a divisão
interna de parte da casa, com o erguer de duas paredes interiores de gesso cartonado, sem prova de diminuição do valor do imóvel, facilmente levantadas/removíveis, sem prejuízo para a coisa, dir-se-á, à imagem do que foi entendido na sentença quanto ao piso colocado pela ré no chão da garagem, que, por não corresponder à satisfação de um interesse sério e legítimo, resultando a concretização do respectivo exercício, numa desproporcional reacção à conduta da Ré, o direito do Autor de exigir a demolição de tais construções, revela-se manifestamente violador dos limites impostos pela boa fé, configurando, nos termos do artº 334º do CC, abuso do direito, motivo pelo qual deve improceder tal pedido.
A Apelação procede, pois, improcedendo o pedido de condenação da Ré a retirar as paredes de gesso cartonado (pladur) que construiu no interior da fração autónoma do prédio em causa, repondo os respetivos compartimentos no estado em que se encontravam.
Em face do exposto, decide-se, julgar Apelação procedente e, consequentemente:
- Revogar a sentença, na parte em que condenou a Ré a “retirar as paredes de gesso cartonado (pladur) que construiu no interior da fração autónoma do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., descrita sob o n.º ...20..., da freguesia ..., repondo os respetivos compartimentos no estado em que se encontravam (sem a colocação dessas paredes)”;
- Absolver a Ré de tal pedido, improcedendo, assim, a acção, “in totum”;
- Colocar, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, a cargo do Autor, as custas do Recurso e as postas a cargo da Ré na sentença recorrida. (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC)
25/10/20226
1 Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
3 Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 226.
4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
5 Por manifesto erro de escrita, resultante de lapso ostensivo, escreveu-se, no excerto da sentença ora transcrito, “custo para a autora”, em lugar de “custo para a Ré”.
6 Processado e revisto pelo Relator.