CASSAÇÃO DE CARTA
SUBTRAÇÃO DE PONTOS
Sumário

- A ponderação feita na decisão de cassação de carta de condução, embora tendo por base a conduta estradal do recorrente é autónoma em relação a cada uma das infracções toda a globalidade de uma conduta muito para além das infracções individuais as quais apenas relevam enquanto demonstrativas de uma personalidade que pode ou não ser considerada apta para o exercício da condução.
- A cassação da carta de condução por efeito da perda total de pontos não constitui uma nova condenação pela prática dos factos determinantes da aplicação da proibição de conduzir veículos motorizados.
Ao invés, a dita cassação consubstancia, em relação às condenações determinantes da perda de pontos, um novo sancionamento, axiologicamente motivado pela inidoneidade, entretanto revelada pelo condutor e, em última ratio, por imperativos de segurança rodoviária.
- O circunstancialismo referido não traduz qualquer violação do princípio ne bis in idem.”
- A subtracção de pontos ao condutor que cometa contra-ordenação grave ou muito grave na carta de condução, ou que seja sancionado com a sanção acessória de proibição de conduzir não é uma sanção aplicada pelos Tribunais. Essa subtracção é efectivamente uma consequência automática e da competência da Administração, o que implica que não seja admissível a sua impugnação judicial, excepto quando e se vier a ser decidida a cassação do título de condução.
- A subtracção de pontos não constituiu qualquer pena acessória, porquanto estas têm, por natureza, um conteúdo sancionatório autónomo, ainda que coadjuvante da pena principal.
(Sumário Elaborado pelo relator)

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
I – Relatório 
RF______, inconformado com a decisão proferida em 23.06.2022, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Oeiras - Juiz 3 - o qual manteve a decisão da ANSR de cassação da sua carta de condução veio recorrer para este Tribunal da Relação formulando, após motivações, as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem como objecto a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 23.06.2022, que julgou improcedente o recurso interposto pelo recorrente. 
2. Em suma, a Sentença refere que o aqui recorrente faltou injustificadamente à acção de formação de segurança rodoviária que estava obrigado, em razão de ter apenas 4 pontos.
3. E por esse motivo, o recorrente incumpriu a obrigação de frequentar a acção de formação de segurança rodoviária, no prazo de 180 dias, e, consequentemente, perdeu os remanescentes 4 pontos da carta de condução, o que origina a cassação do título.
4. Sucede, porém, e salvo o devido respeito, que a Sentença, ora em apreço, não pode deixar de ser declarada nula e de nenhum efeito, por manifesta omissão de pronúncia e por violação do princípio do non bis in idem, do caso julgado e, consequentemente, do princípio da segurança e da confiança jurídica – a significar que a sua prolação cristaliza um uso ilegítimo do poder jurisdicional.
5. No dia 11.05.2020 foi o aqui recorrente notificado pela ANSR para frequentar uma acção de formação de segurança rodoviária, uma vez que, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada e do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 1Al2016, de 30 de Maio, a mesma é obrigatória quando o condutor detenha, apenas, 4 pontos.
6. Subsequentemente, o recorrente efectuou a inscrição na plataforma da ANSR na acção de formação de segurança rodoviária tendo frequentado a mesma.
7. Contudo, nunca se apercebeu que a acção de formação que estaria a frequentar seria a acção de formação na sequência da contraordenação n.º 127339639.
8. Uma vez que, para além de ser a única formação que aparecia no portal da ANSR disponível para inscrição, o recorrente nunca associou que a formação pudesse ser correspondente a esse outro processo contraordenacional.
9. Sendo que, não se inscreveu na nova acção de formação por mero lapso, uma vez que pensava que já a estaria a frequentar devidamente.
10. Por volta de 02.09.2021, o recorrente recepcionou um projecto de decisão de cassação do título de condução.
11. Tendo-se pronunciado sobre o mesmo no dia 22.09.2021.
12. Sem que se fizesse prever, a ANSR, sem nunca se pronunciar sobre a defesa apresentada, quanto projecto de decisão de cassação, veio em Fevereiro de 2022, apresentar a decisão final de cassação.
13. Nem a decisão final do projecto de cassação, nem sequer a Sentença, de que ora se recorre, tiveram em conta a defesa apresentada.
14. Ora, não pode ser aplicada a cassação do título de condução, sem antes ser assegurado ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a mesma.
15. Trata-se, aqui do reconhecimento em sede de processo contraordenacional dos direitos de audiência e defesa com consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.
16. É à autoridade administrativa que compete a investigação e a instrução do processo.
17. Da análise dos autos enviados pela autoridade administrativa, é possível perceber que a 22.09.2021 foi enviado (e recepcionado) o articulado de defesa do Recorrente.
18. Atribuído ao Arguido o prazo de 20 dias úteis para apresentação de defesa, tendo esta sido notificada a 02.09.2021, o prazo para sua defesa terminaria a 30.09.2021.
19. Pois bem, sendo a apresentação da defesa, tempestiva, sempre deveria a autoridade administrativa apreciar a mesma e não, como fez, referir que nem sequer foi apresentada defesa.
20. O direito de defesa do Recorrente foi violado, porquanto foram totalmente desconsiderados os argumentos por estes expostos.
21. A decisão recorrida é, pois, totalmente omissa, configurando, uma nulidade, por omissão de pronúncia – cf. artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações – sendo de esta de conhecimento oficioso, devendo os autos ser devolvidos à autoridade administrativa.
22. A Sentença, padece de inequívoca nulidade, conforme se dispõe o artigo 2.º, 29.º, n.º 5 e 18.º n.º 1 todos da Constituição da República Portuguesa.
23. Durante todo este período o recorrente esteve convicto de e que estava a cumprir devidamente a acção de formação que lhe fora imposta pela ANSR.
24. Tendo o recorrente realizado a inscrição na formação rodoviária, não pode vir a ANSR notificar o arguido, sem ter em conta a defesa apresentada, quando notificado do projecto de cassação da carta de condução, sem mais, da decisão final de cassação do título de condução.
25. Ora, impor ao recorrente uma sanção de obrigatoriedade de inscrição, numa acção de formação e, mesmo cumprida, decidir pela cassação do título de condução, implica uma clara e insuportável violação do princípio non bis in idem, consagrado no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.
26. Acresce que o legislador com o procedimento de inscrição numa acção de formação, apenas pretende advertir o recorrente da importância da segurança rodoviária e não proibir por completo o exercício da condução.
27. Tendo na base o momento e efeitos do caso julgado (artigos 69.º, n.º 3 e 467.º do Código de Processo Penal), não pode, por força do princípio constitucional de no bis in idem, levar a que o condenado suporte uma dupla sanção/proibição, o que contraria os princípios da segurança jurídica e da confiança, decorrentes da ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º da CRP. 
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento deste Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, deve ser concedido provimento integral ao presente recurso, por totalmente fundado, de facto e de Direito, declarando-se nulo e de nenhum efeito a Sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo e determinando-se, por consequência, a nulidade da decisão administrativa, tudo com as demais consequências legais, como é de elementar
Justiça.”
Ao assim recorrido veio responder o Ministério Público sustentando que:
“1.- A sentença proferida nos autos de contra-ordenação improcedeu o recurso apresentado pelo ora recorrente, mantendo a decisão administrativa proferida pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, de cassação do título de condução nº L1992391. 
2.- O presente recurso tem como objecto saber se, por um lado, existe nulidade da sentença por falta de conhecimento de todos os argumentos apresentados e, se por outro, a decisão viola o princípio constitucional ne bis in idem. 
3.- A aplicação da cassação do título de condução resulta da condenação do Recorrente por um crime de condução sob o efeito do álcool e por condenação na prática de uma contra-ordenação grave. 
4.- Em virtude das condenações nos processos supra identificados o recorrente viu serem-lhe retirados 8 (oito) pontos no título de condução – cfr. art.º 148 n.º 2, do Código da Estrada. 
5.- O recorrente invocou que apresentou defesa escrita e que a entidade administrativa não a considerou na decisão final que proferiu e, portanto, essa situação configura uma nulidade por omissão de pronúncia. 
6.- Dúvidas não há e o recorrente até confessa que foi efectivamente notificado para apresentar defesa ao projecto de decisão. 
7.- Salvo melhor opinião, entendemos que o recorrente, provavelmente, não enviou qualquer defesa por email, nem comprovou nos autos o envio do suposto email, como lhe competia e, consequentemente, a alegada defesa, que desconhecemos o teor, não poderia ser atendida, porque não foi junta aos autos, por culpa imputável ao recorrente. 
8.- Por conseguinte, não tendo a autoridade administrativa recebido, por qualquer meio, qualquer defesa, nada lhe cumpria efectuar e, em bom rigor, nada mais havia a conhecer. 
9.- Acresce que, em nenhum momento aduziu o recorrente que a alegada defesa não foi tida em conta, nem tão pouco que a decisão administrativa não a considerou, bem pelo contrário, o mesmo exerceu o seu direito de defesa - recorrendo da decisão administrativa-, mas não arguiu, primeiramente, a aludida nulidade, por falta de pronúncia em relação à suposta defesa apresentada. 
10.- Donde que, ainda que se admitisse existir qualquer irregularidade (o que também não se crê) o certo é que a mesma não poderia deixar de se considerar sanada. 
11.- Efectivamente, o recorrente exerceu o seu direito de defesa, mas omitiu a alegada nulidade, assim o tribunal a quo não podia conhecer de uma nulidade que não foi invocada uma suposta defesa que não está junta aos autos e que somente foi mencionada, agora, em sede do presente recurso. 
12.- Ademais, a verificação de nulidade não impediu o recorrente de tempestivamente exercer a sua defesa, aduzindo os fundamentos pelos quais discordava da decisão administrativa e que, no seu entendimento, justificavam a revogação da referida decisão administrativa. 
13.- Repita-se, uma vez que o recorrente exerceu o direito de defesa, qualquer invalidade supostamente praticada não pode deixar de se considerar sanada, sem olvidar, que da própria alegação do recorrente, não se vislumbra qualquer consequência de preterição de tal suposta questão, nem tão pouco em sede do presente recurso aduz o recorrente que tal omissão tivesse influído no desfecho do processo administrativo. 
14.- Por último, dizer que a sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre questões com relevância para a decisão de mérito e que tenham sido efectivamente alegadas, o que não sucedeu no caso sub judice. 
15.- No caso dos autos verifica-se que na decisão recorrida, o Mmº Juiz tomou posição sobre todas as questões invocadas no confronto com as questões formuladas no recurso. 
16.- Conforme se refere no Ac. STJ de 9.03.2017, proc. n.º 582/05.0TASTR.E1.S1 – 3.ª sec., in www.dgsi.pt. “os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento do tribunal recorrido. O tribunal de recurso aprecia e conhece de questões já conhecidas pelo tribunal recorrido e não de questões que antes não tenham sido submetidas à apreciação deste tribunal – o tribunal de recurso reaprecia o concretamente já decidido, não profere decisões nova” 
17.- Assim, atento o teor das conclusões da motivação do recurso – assim como a própria alegação - que o arguido apresentou perante o tribunal recorrido confirma-se que ali não vinha questionada a nulidade da decisão administrativa, por falta de pronúncia.  
 18.- O recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, pelo que estamos perante uma questão nova. 
19.- Destarte, por pura ausência de objecto deverá improceder, nesta parte, o recurso por inexistência de objecto. 
20.-Quanto à violação do princípio do ne bis in idem invocada pelo recorrente, entende o Ministério Público que não assiste razão ao recorrente, pois que, a subtracção de pontos ao condutor que cometa contra-ordenação grave ou muito grave na carta de condução, ou que seja sancionado com a sanção acessória de proibição de conduzir não é uma sanção aplicada pelos Tribunais. 
21.- Essa subtracção é efectivamente uma consequência automática e da competência da Administração, o que implica que não seja admissível a sua impugnação judicial, excepto quando e se vier a ser decidida a cassação do título de condução, como é o caso nestes autos. 
22.- Portanto, a subtracção de pontos não constituiu qualquer pena acessória, porquanto estas têm, por natureza, um conteúdo sancionatório autónomo, ainda que coadjuvante da pena principal, e “só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal” - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 93 e ss. 
23.- Pelo que, nenhuma razão assiste ao ora recorrente, não tendo havido qualquer violação do ne bis in idem, nem do caso julgado - uma vez que não se trata de nova apreciação dos mesmos factos pelo Tribunal a quo, mas sim de uma consequência automática e da competência da Administração - nem qualquer violação do art.º 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. 
24.- Desta feita e, salvo melhor entendimento, bem andou o Tribunal a quo, ao decidir pela condenação do arguido à cassação da sua carta de condução, uma vez que inexiste qualquer nulidade e inconstitucionalidade das normas aplicadas. 
25.- As decisões que retiraram o total de 8 pontos da carta de condução ao arguido e a decisão que lhe retirou a carta de condução não são  condenações pelo mesmo facto, ou seja, não existe qualquer violação do princípio non bis in idem, previsto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, no mesmo sentido decidiu  o Acórdão TRP, proferido a 12.05.2021 ao referir que: “Não ocorre, pelo exposto, a violação do art.º 29 nº 5 da CRP, nem se vislumbra que o sistema instituído no art.º 148 do CE viole qualquer preceito ou princípio com consagração constitucional” 
26.- A decisão recorrida não merece, por isso, qualquer reparo, devendo manter-se nos seus precisos termos. 
Nestes termos e pelos expostos fundamentos, deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se inteiramente a douta sentença.  
V.Ex.as, porém, encontrarão a decisão que for Justa!”
Os autos foram a vistos e à conferência.
*
São as seguintes as questões a decidir:
a) Da omissão de pronúncia;
b) Da violação do princípio non bis in idem. Para este efeito recordemos os factos dados como provados (transcrição):
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Do mérito do recurso
Como é sabido, e resulta do disposto nos art.º 368º e 369º ex-vi art.º 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão incluindo as nulidades que não devam considerar-se sanadas e ainda das nulidades da sentença (cfr. n.º 3, do artigo 410.º, n.ºs 1 e 2, do artigo 379.º e n.º 1, do artigo 119.º, todos do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas).
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, designadamente os vícios previstos no art.º 410º nº 2 do Código do Processo Penal (já que a impugnação alargada da matéria de facto não é admissível ante o disposto no art.º 75º nº 1 do RGCO). 
Por fim, as questões relativas à matéria de Direito.
Em razão da ordem lógica das coisas há que, em primeiro lugar, conhecer da omissão de pronúncia.
O recorrente assaca a omissão de pronúncia ao facto de na decisão administrativa se considerar que o mesmo não respondeu ao projecto de cassação da carta.
Como é bom de ver o recorrente considera que a omissão é da ANSR mas olvida que recorre da decisão judicial de 1ª instância.
Ora, os recursos conhecem das vicissitudes das decisões recorridas e não de outras. Tal vale por dizer que perante este Tribunal o recorrente apenas pode assacar vícios à decisão de 1ª instância da mesma forma que perante aquela só podia assacar os vícios da decisão administrativa.
E tal é assim porque os recursos entre nós não se destinam a proferir uma segunda decisão sobre a mesma questão mas sim a corrigir e reparar vícios das decisões recorridas.
Assim, só existiria uma omissão de pronúncia se o recorrente tivesse invocado o vício da omissão de pronúncia da decisão administrativa perante a 1ª instância e esta não se tivesse pronunciado sobre o mesmo quando o tinha de fazer.
Compulsadas as conclusões do recurso 1 apresentado perante a 1ª instância é bom de ver que o recorrente nunca invocou perante aquele Tribunal a questão da ANSR não haver considerado a sua defesa donde o Tribunal a quo não tinha de se pronunciar sobre a questão.
De igual sorte não tem este Tribunal de o fazer pela simples e singela razão de se tratar de uma questão nova, nunca antes trazida a juízo.
Assim, e nesta parte improcede o recurso.
O recorrente contende ainda que existiu, com a prolação da decisão em causa, violação do princípio non bis in idem e violação de caso julgado.
O raciocínio formulado é o seguinte: com as infracções cometidas o recorrente perdeu pontos na carta e esta perda de pontos constitui uma sanção de per se. A cassação da carta constitui, desta forma, o sancionar duplamente a mesma conduta.
Não tem, manifestamente, razão.
Em primeiro lugar e em termos perfeitamente objectivos não foi a perda de pontos das duas infracções que determinou a cassação. Esta foi determinada pela perda de pontos das infracções e pela perda de pontos resultante da não frequência de uma acção de formação de segurança rodoviária, nos termos da alínea a) do n.º  4 do artigo 148.º do Código da Estrada e do n. º 1 do artigo 9.º do Decreto Regulamentar n.º 1-Al2016, de 30 de Maio e nela se faz a análise, sobretudo, da idoneidade ou falta dela do visado para conduzir em função da sua anterior conduta e o que a mesma demonstra qua tale. Assim não existe coincidência entre os factos.
Como se salienta no Ac. da Rel. de Coimbra de 02.02.2022, acessível em www.dgsi.pt : “A cassação da carta de condução por efeito da perda total de pontos [cfr. artigo 148.º, n.ºs 4, al. c), 10, 11 e 12, do Código da Estrada] não constitui uma nova condenação pela prática dos factos determinantes da aplicação da proibição de conduzir veículos motorizados. Ao invés, a dita cassação consubstancia, em relação às condenações determinantes da perda de pontos, um novo sancionamento, axiologicamente motivado pela inidoneidade, entretanto revelada pelo condutor e, em última ratio, por imperativos de segurança rodoviária. Deste modo, o circunstancialismo referido não traduz qualquer violação do princípio ne bis in idem.”
Em segundo lugar e como salienta o Ministério Público na sua resposta, “(…) a subtracção de pontos ao condutor que cometa contra-ordenação grave ou muito grave na carta de condução, ou que seja sancionado com a sanção acessória de proibição de conduzir não é uma sanção aplicada pelos Tribunais. Essa subtracção é efectivamente uma consequência automática e da competência da Administração, o que implica que não seja admissível a sua impugnação judicial, excepto quando e se vier a ser decidida a cassação do título de condução, como é o caso nestes autos. Portanto, a subtracção de pontos não constituiu qualquer pena acessória, porquanto estas têm, por natureza, um conteúdo sancionatório autónomo, ainda que coadjuvante da pena principal, e “só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal” - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p. 93 e ss..
Em terceiro lugar a ponderação feita na decisão de cassação, embora tendo por base a conduta estradal do recorrente é autónoma em relação a cada uma das infracções apreciando toda a globalidade de uma conduta muito para além das infracções individuais as quais apenas relevam enquanto demonstrativas de uma personalidade que pode ou não ser considerada apta para o exercício da condução.
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IV – Dispositivo
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas pelo arguido que se fixam em 3 (três) U.C..
Notifique.
 
Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pelos Venerandos Juízes Adjuntos.
 
Lisboa e Tribunal da Relação, 12 de Outubro de 2022
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
Alfredo Costa
Rosa Vasconcelos
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1 São as seguintes as conclusões formuladas perante a 1ª instância: 
A. Não é verdade que o arguido não se tenha inscrito e frequentado a acção de formação de segurança rodoviária.  
B. Aliás, o arguido frequentou o Curso de Reabilitação de Condutores Infractores, cfr. Doc. que se anexa. 
C. Na verdade, o arguido inscreveu-se na acção de formação, após notificação da ANSR nesse sentido.  
D. Acontece que, no ano de 2020, estávamos em plena pandemia mundial, sendo que o arguido teve de interromper a primeira acção de formação, a dia 17 de Outubro de 2020, uma vez que estava em isolamento profilático, cfr. doc. anexo.  
E. Houve, por esse motivo, necessidade de o arguido se inscrever em nova acção de formação, que coincidiu com o período de recolher obrigatório às 13 horas, pelo que as sessões foram diluídas em 3 sábados, no dia 5, 12 e 19 de Dezembro de 2020. 
F. O arguido frequentou o curso de reabilitação, mesmo com as contingências de uma pandemia, demonstrando-se colaborante com a ANSR e motivado a tornar-se um condutor prudente e cumpridor.»