ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
ROTUNDA
PRIORIDADE DE PASSAGEM
DANO BIOLÓGICO
Sumário

I - O embate provocado pela conduta ilícita e culposa da A., condutora do veículo QD, que não respeitou a regra de cedência de passagem a quem circula na rotunda, podendo e devendo fazê-lo; bem como pelo comportamento ilícito e culposo do condutor do veículo QA, que no interior da rotunda não moderou a velocidade, nem respeitou o limite máximo imposto no local, o que se lhe impunha, caso tivesse efetuado condução diligente.
II - Apurando-se comportamento censurável da A., concausal do evento lesivo e, considerando que as consequências resultantes do acidente são de lhe imputar em grau superior ao do condutor do veículo QA, afigura-se-nos correta a repartição da culpa em 60% para a A./apelante e 40% para o condutor do veículo seguro na R.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

JA e RA intentaram ação declarativa de condenação contra X SEGUROS, peticionando a condenação desta a pagar a quantia de € 8 625,00 ao Autor e a quantia de € 70 000,00 à Autora, quantias acrescidas de juros desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Para o efeito alegaram que a Autora foi interveniente num acidente de viação quando conduzia o veículo com a matrícula QD, propriedade do Autor. O acidente deu-se por culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula QA, o qual tinha transferido para a Ré a responsabilidade civil contra terceiros. Pedem o ressarcimento dos danos sofridos em consequência daquele.
A R., em contestação, alegou ser a responsabilidade do sinistro inteiramente imputável à autora. Impugnou, ainda, o valor dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“(…) julgo a ação totalmente improcedente, e, consequentemente, absolvo a R. do pedido formulado pelos autores.
Custas pelos Autores.”
Os AA. interpuseram recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“I - A douta sentença recorrida imputou a responsabilidade de acidente ocorrido numa rotunda, à Autora no facto de não haver acatado o disposto no artigo 14º-A nº l do CE - não cedência de passagem ao trânsito que nela se processava.
II - Para o efeito o tribunal deu como provado nos pontos 14 e 15 da Factualidade provada que: “Naquele dia, por volta das 07.45 horas, o veículo segurado pela Ré circulava já dentro da rotunda do PA, proveniente da RG e da via de trânsito norte sul; e, 15. No interior da referida rotunda e sem que nada o fizesse prever, o condutor da viatura QA foi surpreendido pela viatura QD, conduzida pela A que subitamente se atravessou à sua frente.
III - Contudo face aos elementos probatórios recolhidos na perícia realizada, ainda que por estimativa, à cerca da dinâmica do acidente, designadamente os apurados danos verificados, o início do ponto do impacto entre os veículos, a distância percorrida em plena rotunda pelo QD ( 7,5 metros), a distância existente entre o limite da entrada da rotunda no trajecto do QA e o ponto de embate( 25 metros), a demonstrada velocidade a que circulavam as viaturas ( o QD a 34,8 Km/hora) a 63 km/hora na aproximação à rotunda e a 62 km/hora, no interior desta, o depoimento prestado pela única testemunha ocular do acidente, que o tribunal desconsiderou de todo, aqueles concretos pontos de facto deverão ser alterados para:
14. Naquele dia, por volta das 07h45m, o veículo segurado na Ré circulava à velocidade de 62 km/hora, já dentro da Rotunda do PA, proveniente da RG e da via de trânsito a norte, no sentido norte/sul;
15. No interior da referida rotunda, o condutor da viatura QA foi surpreendido pela viatura QD que no sentido Poente/Nascente havia já percorrido a distância de 8 metros após entrada da rotunda.
IV. Em corolário lógico, e de resto do que resulta à saciedade da perícia realizada, o ponto b) da Matéria de facto dada como não provada, deveria o tribunal a quo dar por provado que "o veículo QA, animado de velocidade necessariamente superior à permitida no local, de pelo menos 63 Km/hora, invadiu a rotunda, embatendo com a sua frente direita, na lateral esquerda do veículo conduzido pela Autora quando este já se encontrava parcialmente na faixa interior desta, percorrida uma distância de 8 metros no interior da rotunda.
V - A alteração da matéria de facto conforme preconizado, correspondendo ao que resulta de um juízo crítico dos elementos colhidos pela perícia à dinâmica do acidente e ao depoimento testemunhal prestado pela única testemunha do acidente, não poderá deixar de ser atendida no superior critério ad quem e conduz a decisão diversa da absolutória firmada na sentença recorrida.
VI - Decididamente estando provado que na aproximação à rotunda e dentro dela, o veículo QA circula à velocidade apurada de 63 km/hora e 62 km/hora, em mais de 50% superior à velocidade que lhe é permitida no local, não só se impõe a decisão da alínea b) da matéria de facto não provada, para provada, com a diferença de que, não se provou que o QA circulasse a mais de 80 km/hora, mas já se prova que circulava àquelas velocidades, e por isso...
VI - A decisão recorrida não poderia omitir este concreto facto, devendo dá-lo como provado, devendo o mesmo ser aditado, conquanto imponha decisão diversa da tomada, e muito menos teria de incorrer na contradição insanável que se constata entre o facto 10 (a velocidade legalmente cometida ao QA, no local, é de 40 km/hora) que deu como provado e a fundamentação da factualidade provada e não provada ao afirmar que o veículo QA não circulava em excesso de velocidade.
VII - Tal contradição enferma a sentença do vício de nulidade ( Ut art. 615º nº 1 c) do CPC) que como tal deverá ser decretado.
VII - Perante o confronto de infrações estradais - não cedência de passagem por parte da A. que circula à velocidade de 34,8 km/hora, aquém do limite permitido, e o comprovado excesso de velocidade a que circulava o veículo QA - esta necessária e legalmente mais gravosa do que aquela, não atendendo o tribunal ser legítima e natural a actuação da Autora que apercebendo-se que fosse da viatura QA a 25 metros de distância, que se aproxima frontalmente e que difícil é na realidade aperceber-se da velocidade a que circula, como é do senso comum, e por isso confiou que o condutor desta cumprisse com a regra, e não concluindo que nas circunstâncias era exigível ao QA circulasse à velocidade imposta, e que com esta, tinha tudo para evitar o acidente ( circulasse a 40 Km/hora) é de concluir que o acidente só ocorre devido ao excesso de velocidade do QA, ou ao senão concluir que para a produção do evento concorreram culpas de ambos os condutores.
IX - É que, não pode deixar de ser censurável a actuação do veículo segurado na Ré, quando se prova que circula antes de entrar na rotunda à velocidade de 63 km/hora, é à de 62 Km/hora, quando nela circula, em frontal e grave desrespeito pelas regras estabelecidas nos artigos 25º e 27º do C.E.
X - Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o acto ilícito imputável ao veículo segurado na Ré, o dano, o inquestionável nexo causal entre um e outro, deve a sentença recorrida porque afronta o disposto nos artigos 25º e 27º do CE e 483º e seguintes do CC ser revogada substituída por Acórdão que faça adequada aplicação do direito, condenando a Ré sempre de acordo com a equidade.
De todo o exposto deve o presente recurso, uma vez admitido, ser julgado procedente e por via disso:
Ser alterada a matéria de facto exposta nos termos requeridos e por via de tal alteração, ser determinada a responsabilidade na produção do evento, em conformidade;
Independentemente de tal alteração deve ser decretada a nulidade da sentença, posto que provada a velocidade excessiva a que seguia um dos veículos, o tribunal não poderia fundamentar a decisão de facto tomada, referindo que nenhum dos veículos intervenientes circulava em excesso de velocidade.
Devendo ser dada como provada a matéria consignada na alínea b) da factualidade não provada, uma vez que o tribunal não podia omitir a prova que foi produzida quanto à velocidade a que circulavam os veículos intervenientes no acidente, e tal facto ser determinante a apurar a responsabilidade na ocorrência e produção do mesmo, deverá a douta sentença recorrida ser revogada substituindo-se por Acórdão que valorizando e avaliando correctamente a prova produzida, condene a Ré de acordo com a responsabilidade do seu segurado na produção do evento danoso”.
A apelada apresentou contra-alegação, terminando com as seguintes conclusões:
“1. Vêm os Recorrentes colocar em causa o que a douta Sentença considerou como provado (pontos 14 e 15), dando agora ênfase à velocidade de circulação do veículo segurado pela Ré, aqui recorrida (QA), tentando assim retirar a sua culpa exclusiva na produção do acidente em causa nos presentes autos pela não cedência de passagem do seu veículo QD, a que estava a Recorrente estava obrigada no momento de entrada na rotunda;
2. Ora, conforme resultou apurado de toda a prova produzida, foi o incumprimento da Recorrente, em especial da norma constante do artigo 14º-A do Código da Estrada, o único causador do acidente em apreço;
3. E assim é porque foi realizada uma perícia técnico-científica do acidente, requerida pela própria Recorrente, devidamente esclarecida em sede de julgamento, que deverá ser valorizada como tal, tal como resulta do Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 23-01-2018;
4. Por isto, deve o entendimento técnico e especializado do Sr. Perito prevalecer, plasmado quer no relatório técnico produzido, quer pelos esclarecimentos prestados em sede de audiência de julgamento, os quais se mostraram credíveis e coerentes;
5. Ora, o que resulta do relatório de reconstituição realizado através de um processo de simulação computacional, com base na inserção dos dados constantes do auto de participação, nomeadamente o ponto de embate, é que, sem sombra de dúvidas e sem qualquer margem de erro relevante, o veiculo QA (segurado na ré) é o primeiro a entrar na rotunda, não tendo resultado dúvidas de que, quando o QD (veiculo conduzido pela A. e recorrente) entra na rotunda, já o QA se encontrava a circular no interior da mesma;
6. Mais esclareceu o perito que, de acordo com os dados recolhidos, independentemente da velocidade a que o QA circulava, não se conseguiria evitar o acidente atenta à entrada na rotunda menos acautelada realizada pelo veículo QD, ou seja, quando o QD entra na rotunda, já não era possível ao QA evitar o acidente, pese embora tenha travado;
7. Ora, dispõe o artigo 14º-A, nº1, alínea a) do Código da Estrada que, nas rotundas, o condutor deve adotar o seguinte comportamento: entrar na rotunda, após ceder a passagem aos veículos que nela circulam, qualquer que seja a via por onde o façam;
8. O condutor do veículo QA parou para verificar se podia entrar na rotunda, viu que podia fazê-lo em segurança e avançou de modo a sair no seu destino, não tendo violado qualquer norma estradal. Pelo contrário, a Recorrente infringiu o disposto nos artigos 14º-A, nº 1 e 31º nº 1, alínea c), considerando-se tais infrações, contraordenações muito graves, ao abrigo do disposto no artigo 146º, alínea n), todos do Código da Estrada;
9. Desde modo, não pode a Recorrente de maneira nenhuma recriar um excesso de velocidade inexistente, ainda mais de 50%, quando isso não resulta, nem da lei, nem dos factos, nem do entendimento do perito especializado o que implica que nenhuma responsabilidade possa ser assacada ao veículo seguro pela Ré;
10. Assim, o acidente ocorrido na Rotunda do PA, no dia 30.12.2019, entre os veículos com as matrículas QA, segurado pela Ré, e QD, propriedade do Autor, ora Recorrente, é da culpa exclusiva da sua condutora, Autora e aqui também Recorrente, que subitamente se atravessou à sua frente, isto porque não reduziu a sua velocidade quando se aproximava da rotunda, nem parou junto à linha de cedência de passagem com símbolo triangular e sinal vertical B1 e, consequentemente, não cedeu a passagem à viatura QA, tal como estava obrigada;
11. Já o condutor da viatura QA, segurado pela Ré, fez o que podia quando sentiu perigo, tendo travado de imediato, mas, sendo contudo impossível evitar o choque com esta;
12. Assim e em suma, não tem a Ré qualquer responsabilidade nem é devido qualquer montante aos Autores a título de indemnização civil, quer por danos patrimoniais do Autor, quer por danos patrimoniais e não patrimoniais da Autora, os quais, a existirem, decorrem da culpa exclusiva da condutora do veículo QD na produção daquele acidente de viação.
Termos em que deverão ser declaradas improcedentes as alegações de recurso a que agora se responde, devendo, em consequência, ser mantida na íntegra a douta Sentença recorrida.”
A sentença recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“1. O Autor é dono e legítimo proprietário do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca FIAT, Modelo Punto, de matrícula QD do ano de 2015.
2. A Autora nasceu a 12/11/1996.
3. No dia 30 de dezembro de 2019, pelas 07.45 horas, na rotunda que vulgarmente se designa por Rotunda do PA, na Estrada Nacional X, no trajeto PD/RG, ocorreu um acidente de viação.
4. O tempo estava bom, o piso, em bom estado, encontrava-se seco.
5. Foram intervenientes em tal acidente: O veículo ligeiro de mercadorias da marca Mercedes Modelo Vito com a matrícula QA e o veículo ligeiro de passageiros de marca Fiat Modelo Punto, matrícula QD.
6. O veículo QA seguia no sentido RG/PD, na EN X e era conduzido por AC.
7. O veículo QD seguia no sentido Poente Nascente na mesma EN (troço do RH) e era conduzido pela Autora.
8. Aquela Rotunda é composta por duas faixas de rodagem circular, com inclinação descendente de Norte para Sul (RG/PD) para a mesma confluindo:
a) O trânsito que se processa no sentido Sul/Norte, ou seja, PD/RG, em duas faixas de trânsito;
b) O trânsito que se processa em sentido inverso, igualmente em duas faixas de trânsito;
c) O trânsito proveniente da Canada PA, no sentido Nascente Poente;
d) O trânsito proveniente da EN X (parte da antiga estrada velha da RG), vulgo, rua do RH, no sentido Poente/Nascente;
9. As vias de trânsito situadas a norte da Rotunda, duas em cada sentido, encontram-se separadas por ilhéu direcional, ladeadas por Marca M19, Guias, Marca M17 e raias oblíquas.
10.A faixa de rodagem da via de trânsito no sentido Norte/Sul, o do veículo QA, tem ainda marca M20, bandas cromáticas de desaceleração, sinal vertical de cedência de passagem, sinal de rotunda e sinal vertical proibitivo de circulação a velocidade superior a 40 km/hora.
11.A via de trânsito situada a sul da Rotunda é composta por 3 faixas de rodagem, duas no sentido sul/norte, e uma no sentido Norte/Sul, separadas por ilhéu direcional.
12.A via de trânsito no sentido Poente/Nascente (sentido de marcha do QD) é composta por duas faixas de rodagem, uma em cada sentido, demarcadas por ilhéu direcional, ladeadas pela Marca M19, Guias, Marca M17, raias oblíquas, Marca M9a, linha de cedência de passagem e sinal vertical B1.
13.A velocidade máxima permitida no local para o veículo ligeiro de mercadorias, o QA, é de 40 km/hora e a velocidade instantânea máxima permitida no local ao QD é de 50 km/hora.
14.Naquele dia, por volta das 07h45m, o veiculo segurado pela Ré circulava já dentro da Rotunda do PA, proveniente da RG e da via de trânsito a norte, no sentido norte sul.
15.No interior da referida rotunda e sem que nada o fizesse prever, o condutor da viatura QA foi surpreendido pela viatura QD, conduzida pela Autora, que subitamente se atravessou à sua frente.
16.O condutor da viatura QA travou de imediato.
17.O veículo da Autora foi embatido na parte posterior traseira esquerda, foi projetado em derrapagem, rodopiou, indo imobilizar-se, a mais de trinta metros de distância do local de embate, na faixa de rodagem de trânsito, à direita, que se processa no sentido Sul/Norte, PD/RG.
18.A viatura segurada pela Ré imobilizou-se poucos metros à frente e ainda dentro da rotunda.
19.Em consequência direta e imediata do acidente, o QD demandaria uma reparação de 9 192,15€.
20.O valor comercial do veículo do Autor era de 8 000,00€.
21. A 25/01/2020 A Ré comunicou ao Autor que não aceitava a responsabilidade no acidente.
22.Visando documentar os presentes autos com a propriedade da viatura sinistrada e com a participação do acidente, o Autor teve de despender a importância de 17 00€, com certidão da primeira e 76,00€ com certidão da segunda.
23. A Autora sentiu pavor aquando do embate.
24.A Autora deslocou-se ao serviço de urgência hospitalar, por precaução, posto lhe surgirem dores agudas, torácica na anterior esquerda baixa, na cabeça e no membro inferior esquerdo.
25.Foi medicada, teve alta médica da urgência e manteve vigilância clínica atinente a eventuais sintomas de TCE (trauma cranioencefálico).
26.Sofreu fraturas dos 5º e 6º arcos costais esquerdos.
27.Permaneceu no domicilio por 3 dias, sem que fosse trabalhar.
28.Trabalhava na Y auferindo 850,00€ euros mensais de base acrescidos de 134,20€ de subsídio de refeição.
29.À Autora, licenciada em Engenharia Alimentar, estava atribuída a categoria de Técnica de Desenvolvimento de Novos Produtos.
30.Durante a recuperação, cerca de um mês após o acidente, altura em que deixou de sentir dores agudas e persistentes, a Autora tinha, por causa delas, grande dificuldade em despender o esforço físico necessário à execução do seu trabalho e mesmo rodar o tronco.
31.Sofre de uma perturbação de stress pós-traumático.
32.Antes do acidente, a Autora tinha grande felicidade em viver, o que evidenciava pela alegria e boa disposição constantes, sentindo-se realizada, sendo muito saudável.
33.Vive deprimida, preocupando os familiares.
34.A responsabilidade emergente de acidentes provocados pela viatura QA encontrava-se transferida para a Ré, por via de contrato de seguro obrigatório, titulado pela Apólice com o número 00000.
Mais se provou (artigo 5º, nº2 do Código de Processo Civil):
35. A data de consolidação das lesões é 16/07/2021.
36.O período de défice funcional temporário parcial foi de 565 dias.
37.O período de repercussão temporária na atividade profissional total foi de 5 dias.
38.O quantum doloris foi de 4/7.
39.As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas poderão implicar ligeiros esforços suplementares.
40.Padece de um défice funcional permanente na integridade físico psíquica, fixado em 8 pontos.”
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A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“a) A Autora inteirou-se do trânsito que se processava na rotunda, que era inexistente.
b) O veículo QA, animado de velocidade necessariamente superior à permitida no local, de pelo menos de 80 km/hora, invadiu a rotunda, embatendo com a sua frente no veículo conduzido pela Autora quando esta já se encontrava na faixa interior desta
c) A Autora, condutora do veículo QD, não reduziu a sua velocidade quando se aproximava da rotunda, nem parou junto à linha de cedência de passagem com símbolo triangular e sinal vertical B1.
d) O veículo QD, conduzido pela Autora, entrou na rotunda a uma velocidade de, pelo menos, 60km/hora, atravessando-se, da direita para a esquerda, à frente do condutor do veículo QA, que já ali circulava, na faixa interior da rotunda.
e) Ao tempo, o aluguer de um veículo das características das do Autor tinha um custo médio diário no mercado de 25,00 €, incluindo taxas e seguro.
f) A Autora sentiu incontornável e súbita angústia de morte.
g) Após o acidente a Autora ficou em choque, tremia e tinha dificuldade em respirar.
h) Perdeu a remuneração correspondente a três dias.
i) A Autora receia até ir dormir, por vivenciar frequentemente pesadelos, sempre com o acidente, acabando por desabafar com os familiares e amigos próximos ter medo de não acordar.
j) Sem razão aparente chora, por tudo e por nada, agoniada, por na sequência de pesadelos acordar com aceleração cardíaca e assustada.
k) Refugia-se e isola-se no seu quarto e passa dias sem falar mesmo com os pais e irmãs.
l) Demonstra frieza e indiferença mesmo perante as suas grandes amizades de infância e de referência.
m) É facilmente irritável, apresenta-se desconcentrada e desmotivada, quase apática.
n) Entra em pânico (emudece e refugia-se no seu quarto) mesmo perante um qualquer noticiário que verse violência.”
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
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As questões a decidir são as seguintes:
1. Da nulidade da sentença
2. Da impugnação da decisão de facto
3. Da culpa na produção do evento lesivo
4. Do quantum indemnizatório
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1. Da nulidade da sentença
As nulidades da decisão encontram-se taxativamente enumeradas no artº 615º, nº 1 do C.P.C. que estabelece:
“É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Os apelantes defendem padecer a sentença da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615º do CPC.
“A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.” [i]
“A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença, como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – artº 668º, nº 1, al. d) do CPC.
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do artº 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente» (ibidem, sendo nosso o sublinhado).” [ii]
Na conclusão nº 6 do recurso consta que a imputada contradição se verifica entre o facto provado nº 10 e a fundamentação de facto. Já na motivação tal contradição é assacada entre o facto provado nº 13 e a fundamentação.
Tanto os factos provados nºs 10 e 13 consignam, nomeadamente, a velocidade permitida na rotunda, para quem circula no sentido do veículo QA, de 40km/hora. E entre este facto e o referido trecho da fundamentação de facto não existe qualquer contradição.
Na verdade, os apelantes fundam a contradição em parte do relatório pericial (que menciona que o QA entra na rotunda a 62km/h) e a afirmação na fundamentação de facto, de que o veículo QA não circulava em excesso de velocidade, como de forma esclarecedora se retira da alegação “Ora não se compreende como, resultando do relatório pericial que o veículo QA entra na rotunda à velocidade de 62 Km/hora, o meritíssimo Juiz a quo se tenha permitido afirmar na fundamentação de facto que o veículo QA também não circulava em excesso de velocidade.”
A contradição suscetível de integrar a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artº 615º do CPC é entre factos e fundamentos – e não entre o teor de relatório pericial e fundamentos.
Em conclusão, improcede o fundamento de nulidade da sentença invocado na apelação.
2. Da impugnação da decisão de facto
Estabelece o art. 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 165-169, escreve:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)
A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios de prova constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.)
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)” (sublinhados nossos)
Esta tem sido a orientação do S.T.J., de que é exemplo, o Ac. de 16/05/2018, in www.dgsi.pt:
“Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada, mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.” (sublinhados nossos)
Nas conclusões consta a indicação dos pontos de facto impugnados, concretamente os factos provados nº 14 e 15 e facto não provado da al. b).
 Já na alegação aludem, ainda, aos factos não provados das alíneas i), k) e n) e defendem que perante o relatório de perícia médica nada impedia que fossem aditados determinados factos.
Assim, por inobservância dos ónus exigidos no artº 640º, nº 1, al a) e c) do CPC rejeita-se o recurso da decisão de facto relativamente a factos que exorbitem os indicados nas conclusões.
Os apelantes impugnaram os factos provados nºs 14 e 15, pretendendo a sua alteração, nos seguintes termos:
14. Naquele dia, por volta das 07.45 horas, o veículo segurado pela Ré entrou na rotunda e nela circulava, proveniente da RG e da via de trânsito a norte, no sentido norte sul à velocidade de 63Km/hora e 62 Km/hora respectivamente.
15. No interior da referida rotunda, o condutor da viatura QA foi surpreendido pela viatura QD que no sentido Poente/Nascente havia já percorrido a distância de 8 metros após entrada da rotunda, circulando à velocidade de 34,8 km/hora.”
E relativamente ao facto não provado da al. b), pugnam para que se considere provado “o veículo QA, animado de velocidade necessariamente superior à permitida no local, de pelo menos 63 Km/hora, invadiu a rotunda, embatendo com a sua frente direita, na lateral esquerda do veículo conduzido pela Autora quando este já se encontrava parcialmente na faixa interior desta, percorrida uma distância de 8 metros no interior da rotunda.”
Sustentam a sua posição no relatório de Peritagem Técnico-Científica de Acidente Rodoviário e no depoimento da testemunha SC - única que terá presenciado o acidente.
A referida testemunha, pese embora conduzisse veículo automóvel e pretendesse passar a circular na rotunda onde ocorreu o embate discutido nos autos, apenas visualizou a entrada da rotunda por parte do veículo QD, não se tendo apercebido do veículo QA antes do embate pois, segundo a própria, umas arvores impediam a visibilidade. Mais referiu que estava atenta ao QD, e que o QA devia vir acelerado. Explicou que parou antes de entrar na rotunda porque nela circulava um veículo vermelho. Concretizou que o embate ocorreu quando o QD se encontrava já na rotunda, mas antes de chegar ao meio.
Em suma, do depoimento desta testemunha não resultou qualquer contributo para a alteração dos factos impugnados, designadamente qual dos veículos entrou primeiro na rotunda e a velocidade a que circulava o QA.
Como se refere no introito do relatório de Peritagem Técnico-Científica de Acidente Rodoviário “as fases do estudo técnico-científico deste acidente, envolveram uma análise de dados recolhidos referentes à envolvente do local do acidente, bem como dos danos verificados nos veículos, realizando de seguida um enquadramento dos danos materiais entre veículos intervenientes, tendo como base de partida as descrições efetuadas na participação do acidente feita pela GNR e as informações juntas ao processo e que foram disponibilizadas para a realização da perícia. Ao local de acidente foi um croqui à escala com a demonstração das medidas recolhidas pela GNR permitindo estudar dinâmicas possíveis para a ocorrência do acidente. A dinâmica do sinistro foi estudada também com recurso a uma ferramenta computacional PCCrash.”
O tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados nºs 14 e 15 e não provado da alínea b) neste relatório.
Consta do relatório de perícia técnico-científica que o veículo QA, na aproximação à rotunda circulava à velocidade de 63,8km/h e à entrada da mesma, à velocidade de 62 km/h (velocidades com margem de variação de +/-5km/h) – cfr. págs. 30 e 31.
Em audiência de julgamento, instado a precisar a velocidade dos veículos no momento da colisão, o autor daquele relatório, esclareceu que havia efetuado os respetivos cálculos, com os seguintes resultados: no momento de pré-embate (momento em que os veículos se tocam) o QA circulava a 37km/h e o QD a 34 Km/h. Mais afirmou que a dinâmica do acidente aponta para que o condutor do QA tivesse desacelerado o veículo depois de entrar na rotunda, sobretudo desde a entrada do QD.
Esclareceu, ainda, que o tempo de reação de um condutor é de 1 segundo e que à velocidade de 50 km/h o veículo percorre 13,80 m.
Em suma, as velocidades a que os apelantes aludem (63,8 km/h e 62 km/h) não se reportam à circulação dentro da rotunda e ao momento que antecede o embate. Como esclarecido pelo Sr. Perito, no momento que antecede o embate o QA circulava a 37km/h. Mas nessa altura já havia acionado os travões.
Referindo-se a esses cálculos, o Sr. Perito concluiu que nenhum dos veículos circulava, dentro da rotunda, a velocidade excessiva, designadamente o QA – constatação que foi consignada na fundamentação da sentença e que conduziu a que se desse por não provado o facto da alínea b).
O Sr. Perito foi perentório quanto ao seguinte aspeto: o QA entrou primeiro na rotunda, o QD entrou na rotunda quando nela já circulava o QA, há 0,7 segundos.
No entanto, a conclusão de que nenhum veículo circulava em excesso de velocidade resulta apenas do cálculo relativo ao momento de pré-embate. Ora, sabe-se que instantes antes o condutor do QA havia acionado os travões.  Do relatório não consta, e o Sr. Perito não referiu, a velocidade de circulação do QA na rotunda, depois de nela ter entrado. Mas sabe-se que nesse momento (de entrada na rotunda) o QA circulava a 62km/h.
Como consta do relatório (pág 31) “A entrada na rotunda pelos veículos ocorre em momentos distintos. O primeiro veículo a entrar na rotunda é o veículo QA com uma velocidade de 62km/h (Figura 35). Neste instante o veículo QA encontra-se a 25 metros do ponto de conflito e o veículo QD apresenta-se a 8 metros da entrada da rotunda.
Instantes depois (cerca de 0,7segundos) depois da entrada do veículo QA, ocorre a entrada do veículo QD, estando animado de uma velocidade de 34,8km/h (Figura 36). Neste instante os veículos encontram-se distanciados do Ponto de Conflito cerca de 7,5metros o veículo QD e 13,5metros o veículo QA.”
Verifica-se, assim, que quando o QD entrou na rotunda, o QA já havia percorrido 11,5m, desde a sua entrada (encontrava-se a 13,5m do ponto de conflito, que desde a entrada na rotunda dista 25 m.), o que efetuou em 0,7 segundos.
Se o QA percorreu 11,5m em 0,7seg, circulava à velocidade média de cerca de 59km/h, como decorre dos seguintes cálculos:
Velocidade = distância percorrida em km/tempo em horas
Sendo que:
1 h = 3600 segundos e x horas = 0,7 segundos
x = 0,7 s./3600
x = 0,000194444 h
1km = 1000m e x km = 11,5 metros
11,5m = 0,0115 km
Assim, a velocidade é 0,0115 / 0,000194444 ≅ 59km/h.
Considerando que as velocidades calculadas no relatório, como nele se refere, devem ser consideradas com um desvio admissível de +/-5km/h, a distância percorrida na rotunda pelo QA, até à entrada do QD, foi efetuada a velocidade não inferior a 54 km/h.
A apelante questiona, ainda, a dinâmica do acidente (mormente posição dos veículos) por entender que perante os danos sofridos (designadamente na lateral frente do QD) estes não podiam estar em posição perpendicular entre si, o que impedia que se desse por provado que o QD se atravessou repentinamente à frente do QA.
Cremos que o relatório é bastante explícito e cristalino quanto a esta parte, quando refere (pág. 18 a 23):
A zona lateral esquerda do veículo QD apresenta danos efetivos na porta do passageiro traseiro, na embaladeira, na porta do condutor, no guarda-lamas traseiro e no tejadilho. Os danos referidos resultam do embate do veículo QA. A deformação da porta traseira esquerda no veículo QD apresenta uma configuração, uma localização e uma profundidade enquadráveis com o embate angular com o canto frontal direito por parte do veículo QA, tal como descrito na participação do acidente. É de salientar também que na porta do condutor do veículo QD, na zona do pilar B, encontra-se a gravação por estampagem do primeiro segmento da chapa de matrícula do veículo QA, o que permite auferir sobre a posição relativa dos veículos no momento da colisão, situação que será aprofundada no próximo capítulo. A amplitude dos danos evidentes no veículo QD e a sua propagação para o guarda-lamas traseiro e tejadilho evidenciam a intensidade da força de impacto, o que pode justificar a projeção para a posição final do veículo QD em relação à zona de conflito. Para além disso, verifica-se a existência de danos ligeiros no canto esquerdo do para-choques frontal do veículo QD, que podem ser danos anteriores ao acidente ou resultado de algum contacto tangencial com algum elemento existente na ilha que foi transposta no momento em que este veículo rodopiou e se projetou para a posição final. (…)
Após o embate, o veículo QD apresentou uma distância de projeção considerável ao passo que o veículo QA apresentava uma posição final próxima da zona de conflito, conforme ilustra a Figura 21. Esta situação é representativa de que o embate entre os veículos ocorreu num alinhamento angular tal que a energia que animava o veículo QA foi, consideravelmente, transferida para o veículo QD na forma de energia cinética e de energia de deformação. (…)
Considerando os danos verificados, a colisão ocorrida entre os veículos QA e QD terá ocorrido de forma angular, sendo que o canto frontal direito do veículo QA atinge a zona posterior da lateral esquerda do veículo QD. A Figura 23, referente aos danos no veículo QD, permite verificar que a colisão promoveu a gravação do contorno do segmento inicial da chapa de matrícula do veículo QA sobre o canto inferior traseiro da porta do condutor do veículo QD, o que permite concluir que o embate terá ocorrido de acordo com o posicionamento angular referido. Acrescenta-se ainda que esta informação identifica também a posição dos veículos no máximo impacto ocorrido.”
O posicionamento geométrico de ambos os veículos no momento de impacto foi representado na imagem nº 24.
As figuras 25 e 26 ilustram o momento do início do impacto entre os dois veículos, correspondendo ao posicionamento das marcas da matrícula e dos danos apresentados pelos veículos.“
E na conclusão 3ª do relatório escreveu-se: “O posicionamento dos veículos no momento do embate é obliquo”.
Em síntese, o embate ocorreu com posicionamento angular, nos termos melhor descritos no relatório, o que tudo se compagina com projeções após embate e posicionamento final dos veículos.
Os danos ligeiros no canto esquerdo do para-choques frontal do veículo QD não foram causados pelo embate com o veículo QA. A posição dos veículos no momento do embate resulta particularmente esclarecida pela gravação por estampagem do primeiro segmento da chapa de matrícula do veículo QA, na porta do condutor do veículo QD, na zona do pilar B. O posicionamento dos veículos é percetível nas figuras 24 e 29 – não exatamente perpendicular, mas essencialmente angular.
Acresce que do veículo QA apenas existe uma fotografia, após o embate, obtida a distância razoável e com alguns obstáculos de permeio – pilares, vegetação (figura 11, aumentada na figura 12) -, tendo sido identificados danos ao nível do guarda-lamas frente direito, capot e canto direito do para-choques.
Afirmar-se que o QD se atravessou subitamente à frente do QA não equivale necessariamente à posição perpendicular exata, a formar ângulos de 90 graus – o que também não se evidencia nas figuras do relatório. Repete-se, neste relatório acentua-se o alinhamento angular dos veículos, resultante dos pontos de primeiro embate: a deformação da porta traseira esquerda no veículo QD apresenta uma configuração, uma localização e uma profundidade enquadráveis com o embate angular com o canto frontal direito por parte do veículo QA.
Relativamente ao facto provado nº 15 importa precisar que a distância percorrida pelo QD assinalada no relatório, após entrada na rotunda até ao local de embate (ponto de conflito) é de 7,5 metros. A distância de 8 metros, referida pelos apelantes, corresponde à distância a que o QD se encontrava até à entrada na rotunda, quando o QA nela entra (cfr. pág. 31 do relatório). Realidade distinta de o condutor da viatura QA ter sido surpreendido pela viatura QD quando este havia já percorrido a distância de 8 metros, após entrada da rotunda. A pretendida alteração equivaleria a que o condutor do QA apenas se tivesse apercebido do QD já após o embate. Além de não resultar dos meios de prova indicados, cumpre salientar que, além do tempo de reação (de 1 segundo), o condutor do QA ainda travou antes do embate, pelo que necessariamente quando se apercebeu do QD este ainda não tinha percorrido os 7,5 metros de distância por referência ao local do embate.
Não resulta de qualquer meio de prova que a velocidade do QA fosse superior a 80 km/h imputada pelos apelantes, nem que o QA tenha invadido a rotunda quando nela já circulava o QD e tenha embatido com a sua frente no veículo conduzido pela Autora quando esta já se encontrava na faixa interior desta. Assim, apenas é de eliminar a expressão “velocidade necessariamente superior à permitida no local” da al. b) dos factos não provados.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto quanto aos factos provados nºs 14 e 15 e al. b) dos não provados, aditando-se ainda um facto, nº 15 A, tudo nos seguintes termos:
14. Naquele dia, por volta das 07.45 horas, o veículo segurado pela Ré aproximou-se da rotunda, proveniente da Ribeira Grande e da via de trânsito a norte, no sentido norte sul, à velocidade de 63Km/hora e nela entrou à velocidade de 62 Km/hora.
15. No interior da referida rotunda quando o veículo QA já havia percorrido 11,5 metros, cerca de 0,7 segundos depois de nela ter entrado, a viatura QD entrou na mencionada rotunda, nela passando a circular à velocidade de cerca de 34 km/hora, atravessando-se à frente do QA, tendo ocorrido o embate a cerca de 25 metros da entrada do QA e a cerca de 7,5 metros da entrada do QD.”
E relativamente à al. b) dos factos não provados, altera-se a sua redação para:
“b) O veículo QA, animado de velocidade, de pelo menos de 80 km/hora, invadiu a rotunda, embatendo com a sua frente no veículo conduzido pela Autora quando esta já se encontrava na faixa interior desta”.
Adita-se o seguinte facto provado:
15 A. O QA percorreu a distância de 11,5m, referida em 15, a velocidade não inferior a 54 Km/h.
Ao abrigo do artº 607º, nº 4, ex vi do artº 663º, nº 2 do CPC, com fundamento na carta remetida pela R., datada de 22/01/2020, junta aos autos como documento nº 6, anexo à p.i., não impugnada, e a que corresponde a factualidade alegada nos artºs 35º e 36º da p.i. (admitida no artº 28º da contestação) adita-se o seguinte facto provado, com relevância para a decisão do presente recurso:
O salvado do veículo foi avaliado em € 100.00.”
3. Da culpa na produção do evento lesivo
Os apelantes defendem a atribuição exclusiva da culpa ao condutor do veículo seguro na apelada, dado que circulava em excesso de velocidade, ou, pelo menos, a repartição de culpas entre os dois condutores.
Estabelece o nº 1 do artº 483º que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
Verifica-se, assim, que, de acordo com o preceito transcrito, os pressupostos da responsabilidade civil são:
a) O facto do agente, facto esse que pode traduzir-se numa ação ou numa omissão;
b) A ilicitude - ou anti juridicidade - podendo esta revestir a modalidade de violação de direito de outrem (direito subjetivo) ou a de violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) O vínculo de imputação do facto ao agente ou culpa do lesante em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e podendo revestir a forma de dolo ou negligência;
d) O dano ou prejuízo; e
e) O nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da factualidade apurada resulta que no dia 30 de dezembro de 2019, pelas 07.45 horas, na rotunda que vulgarmente se designa por Rotunda do PA, na Estrada Nacional X, no trajeto PD/RG, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias da marca Mercedes Modelo Vito com a matrícula QA e o veículo ligeiro de passageiros de marca Fiat Modelo Punto, matrícula QD. O QA aproximou-se da rotunda, proveniente da RG e da via de trânsito a norte, no sentido norte sul, à velocidade de 63Km/hora e nela entrou à velocidade de 62 Km/hora. No interior da referida rotunda, quando o veículo QA já havia percorrido 11,5 metros, cerca de 0,7 segundos depois de nela ter entrado, a viatura QD entrou na mencionada rotunda, nela passando a circular à velocidade de cerca de 34 km/hora, atravessando-se à frente do QA, tendo ocorrido o embate a cerca de 25 metros da entrada do QA e a cerca de 7,5 metros da entrada do QD. O QA percorreu a referida distância de 11,5m a velocidade não inferior a 54 Km/h.
Ao invés do defendido pela apelada existia sinal vertical proibitivo de circulação na rotunda a velocidade superior a 40km/h, imposto aos veículos que entram pela via usada pelo QA (cfr. factos provados nºs 10 e 13).
Nos termos do disposto no artº 14º-A, nº1, alínea a) do Código da Estrada, “nas rotundas, o condutor deve adotar o seguinte comportamento: entrar na rotunda após ceder a passagem aos veículos que nela circulam, qualquer que seja a via por onde o façam.”
E o artº 31º, nº 1, al. c) do CE dispõe que deve sempre ceder a passagem o condutor que entre numa rotunda.
Por sua vez, estabelece o artº 25º, nº 1, al, h) do C.E. que “sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade, nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida.”
E o artº 27º al. b) dispõe que “sempre que a intensidade do trânsito ou as características das vias o aconselhem podem ser fixados, para vigorar em certas vias, troços de via ou períodos:
limites máximos de velocidade instantânea inferiores ou superiores aos estabelecidos no n.º 1 do artigo anterior.”
Não restam dúvidas de que a apelante violou o disposto no arº 14-A, nº 1, al. a) e 31º, nº 1, al. c) do CE, ao entrar na rotunda, sem ceder a passagem ao veículo QA, que nela circulava, tendo-se atravessado à frente deste.
Por seu turno, o QA circulava a velocidade superior à permitida no local, não inferior a 54km/h, cujo limite máximo (sinal vertical) era de 40km/h, tendo ainda travado para evitar o acidente.
Impõe-se, assim, concluir que o embate foi provocado quer pela conduta ilícita e culposa da condutora do QD, que não respeitou a regra de cedência de passagem a quem circula na rotunda, podendo e devendo fazê-lo; quer pela conduta ilícita e culposa do condutor do QA que no interior da rotunda não moderou a velocidade, nem respeitou o limite máximo imposto no local, o que se lhe impunha, caso tivesse efetuado condução diligente.
O QD foi embatido na parte posterior traseira esquerda, foi projetado em derrapagem, rodopiou, indo imobilizar-se, a mais de trinta metros de distância do local de embate, na faixa de rodagem de trânsito, à direita, que se processa no sentido Sul/Norte, PD/RG. Por sua vez o QA mobilizou-se poucos metros à frente e ainda dentro da rotunda.
Tendo o embate ocorrido a cerca de 25 m. da entrada na rotunda pelo QA e a 7,5m. da entrada pelo QD, afigura-se-nos que a conduta ilícita da condutora do QD reveste maior censurabilidade, ainda que a velocidade de que o QA ia animado tenha contribuído também para a sua eclosão, embora em menor proporção.
Com efeito, tendo o QD entrado na rotunda cerca de 0,7 segundos depois do QA, e se considerarmos que o tempo que um condutor demora a reagir, de 1 segundo, que começou a contar, com toda a probabilidade, depois de o QD ter entrado na rotunda (pois é a partir desse momento que emerge a situação de perigo concreta), ainda que o QA circulasse no interior da rotunda dentro do limite de velocidade permitido no local, a 40km/h, seria difícil evitar totalmente o embate. E dúvidas não restam de que os danos foram necessária e substancialmente agravados pela velocidade de que o QA ia animado, o que permitiu uma projeção do QD a uma distância superior a 30 metros.
Estabelece o artº 570º, nº 1 do CC que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
Apurando-se comportamento censurável da A., concausal do evento lesivo e, considerando que as consequências resultantes do acidente são de lhe imputar em grau superior ao do condutor do veículo QA, afigura-se-nos correta a repartição da culpa em 60% para a A./apelante e 40% para o condutor do veículo seguro na R.
3 Do quantum indemnizatório
Do acidente resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais para a A. e danos patrimoniais para o A.
Na petição inicial a A./apelante peticionou indemnização por danos patrimoniais no montante de € 25.000, e por danos não patrimoniais o valor de € 45.000. O A./apelante peticionou indemnização por dano patrimonial, no valor de € 8.718,00.
No recurso pugnam pela condenação da Ré seguradora no pagamento aos AA. dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos de acordo com o provado e segundo juízos de equidade.
Nos termos dos artºs. 562º e 566º do C. C. o obrigado a indemnizar deve reparar os danos reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, e, caso esta não seja possível a indemnização é fixada em dinheiro. O dever de indemnizar compreende para além do prejuízo causado (dano emergente), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do facto (lucros cessantes), devendo ainda atender-se aos danos futuros desde que sejam previsíveis (artº 564º C.C.).
Nas situações em que a incapacidade fisiológica não determina perda ou diminuição da capacidade de ganho, mas exige um esforço suplementar no exercício da atividade habitual, a significar uma maior penosidade, desgaste físico, ainda estamos no campo do dano patrimonial, pois visa-se indemnizar o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100, integridade psicossomática plena e que se repercutirá no futuro no desenvolvimento de atividades pessoais, quer no exercício da atividade profissional, quer na generalidade dos atos e gestos correntes do dia-a-dia – sem prejuízo dessa incapacidade funcional ser suscetível de provocar também danos não patrimoniais.
“A chamada incapacidade funcional ou fisiológica, vulgarmente designada por “handicap” a repercussão negativa da respetiva IPP centra-se precisamente na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade”.
Visa-se “indemnizar, a se, o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 – integridade psicossomática plena –, e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de créditos”.
O dano corporal permanente tem repercussões sobre a sua atividade laboral, enquanto diminuição da capacidade de trabalho, com a necessidade de esforço suplementar para a desenvolver, pelo que se verifica indubitavelmente (também, para além da vertente não patrimonial ou moral) o dano (futuro) de natureza patrimonial indemnizável.
A este dano acrescem os danos não patrimoniais que abrangem prejuízos como as dores físicas, o sofrimento psicológico, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação e os complexos de ordem estética de cada lesado que, não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente.” [iii]
Também o STJ, em corrente que cremos maioritária, tem valorado tal dano em sede patrimonial. [iv]
Atinente a esta matéria apurou-se que a A. ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas poderão implicar ligeiros esforços suplementares.
No caso, como o presente, em que não existe efetiva perda ou diminuição da capacidade de ganho, a indemnização deve ser fixada com recurso à equidade – e não por referência ao vencimento que auferia à data do acidente –, ponderando fatores como a idade do lesado, as lesões e sequelas, o grau de incapacidade, a esperança média de vida.
A atividade jurisprudencial de fixação de indemnização por danos (patrimoniais e não patrimoniais) deve procurar uma uniformização de critérios, sem prejuízo das circunstâncias de cada caso concreto.
“Assim, no caso concreto, importa ponderar que a lesada passou a padecer de um défice funcional de 3 pontos – que não só a afetarão no desempenho da sua atividade profissional como no de múltiplas atividades potencialmente geradoras de lucros que ao longo da sua vida poderá vir a realizar –, consubstanciado nas sequelas já apontadas. Adicionalmente é de sopesar que o referido Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos é compatível com exercício da atividade habitual, mas implica esforços suplementares, importando, pela actividade que exerce uma componente física inegável, bem se compreendendo, pois, que as referidas sequelas de que ficou a padecer tenham uma repercussão significativa nas limpezas que faz em centros comerciais e que, por outro lado, a consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 15.05.201 e a Autora tinha 50 anos. Em conjugação importa considerar a esperança média de vida das mulheres - e não apenas o tempo de vida activa -, bem como o facto de, face aos juros bancários actualmente praticados, a antecipação dos rendimentos não aportar hoje em dia as vantagens que noutras épocas justificavam a redução do quantitativo necessário à reparação deste dano.
Assim, (…) julgamos ajustada a indemnização de € 12.500,00 para compensar o dano biológico.” [v]
“Tendo o autor a idade de 56 anos, à data do acidente, e permanecendo com uma incapacidade genérica de 8%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas implicando grandes esforços suplementares, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como pedreiro/ladrilhador, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, aliado ao facto do autor não possuir qualificação profissional e ter fraca instrução escolar, mostra-se ajustada a indemnização de € 15.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial.”  [vi]
“A Autora «…ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável num mínimo de 7 (sete) pontos»; «Com as lesões e tratamentos a que foi submetida a Autora sofreu e continua a sofrer dores, o que a obriga a tomar analgésicos»; «…ficou também com repercussões na atividade profissional, uma vez que as sequelas resultantes do acidente lhe exigem esforços acrescidos, tendo em conta a patologia dolorosa a nível da coluna lombar»; «…ficou afetada por um dano estético permanente que deve igualmente ser fixado no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente»; «Nos períodos de crise dolorosa a Autora tem de tomar um comprimido para conseguir dormir, o que se não verificava antes da ocorrência do acidente»; «Quando anda prolongadamente, a Autora fica com dores na região lombar»; «…passou a demorar mais tempo na realização de algumas lides domésticas, como passar a ferro»; , «…é secretária clínica, e o seu trabalho exige grandes períodos de tempo sentada, o que causa à Autora dores lombares, tendo de interromper o trabalho para descansar». Dada a dificuldade de encontrar critérios que conduzam a indemnizações uniformes, como se referiu já, mas tendo em conta a os casos e as decisões que antecedem é ajustado ao caso subir a indemnização para € 15.000,00.”  [vii]
Tendo em conta os parâmetros legais e jurisprudenciais e os factos provados, a saber:
- a A. permaneceu no domicilio por 3 dias, sem que fosse trabalhar.
- trabalhava na Y, auferindo 850,00€ euros mensais de base acrescidos de 134,20€ de subsídio de refeição.
- à Autora, licenciada em Engenharia Alimentar, estava atribuída a categoria de Técnica de Desenvolvimento de Novos Produtos.
- durante a recuperação, cerca de um mês após o acidente, altura em que deixou de sentir dores agudas e persistentes, a Autora tinha, por causa delas, grande dificuldade em despender o esforço físico necessário à execução do seu trabalho e mesmo rodar o tronco
- a data de consolidação das lesões é 16/07/2021.
- o período de défice funcional temporário parcial foi de 565 dias.
- o período de repercussão temporária na atividade profissional total foi de 5 dias.
 -as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas poderão implicar ligeiros esforços suplementares.
- padece de um défice funcional permanente na integridade físico psíquica, fixado em 8 pontos.
- à data do acidente tinha 23 anos de idade.
Atendendo a que a esperança média de vida é estimada em 83 anos (tabela do INE), reputa-se adequada a indemnização arbitrada pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, em € 15.000.
No sentido de ser de considerar a esperança média de vida e não apenas o período de vida ativa, entendimento que partilhamos, v., entre outros, Ac. STJ de 20/05/2010, base de dados citada.
“Finda a vida ativa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com ela todas as necessidades, é que atingida a idade de reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como é das regras da experiência comum” (Jorge Arcanjo, in Notas sobre a Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação, Revista do CEJ, 2.º Semestre 2005, pág. 57).
A A. peticionou o montante global de € 103,30, a título de perda de remuneração e subsídio de refeição, referente a três dias. Todavia, tal facto foi considerado não provado (cfr. al. h).
O montante dos danos patrimoniais sofridos pela A. ascende a € 15.000,00, competindo à R. o pagamento da quantia de € 6.000,00.
*
Nos termos do disposto no artº 496º, nº 1 do Código Civil são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo o montante da indemnização ser fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A indemnização neste tipo de danos tem natureza mista pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Não olvidando que “na esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também não deve nem pode representar negócio.
Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”. [viii]
Para Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, pag. 474, 3ª ed., o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo, para além do mais, ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica das partes, à flutuação da moeda, e “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
Também Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, pág.385, sublinha que o montante da fixação do montante da reparação dos danos não patrimoniais deverá ser determinado “mediante o cômputo equitativo de uma compensação, em que se atenderá, não só e antes de mais à própria extensão e gravidade dos prejuízos, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso”.
Entre os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito, inclui-se necessariamente o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica. Nesse âmbito, tem-se considerado ser de valorar a dor física e dor moral, ou psíquica, sofrida pelo lesado.
Ponderemos, as circunstâncias das indemnizações arbitradas nos seguintes arestos:
“Resultando dos autos que a autora, saudável e com 24 anos à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos, julga-se adequado e equitativo o montante indemnizatório de € 10.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais” [ix]
 “É de atribuir uma indemnização não patrimonial de 12.000€ a um lesado que teve de suportar consultas e tratamentos médicos, ficou com IPG de 2%, teve um quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7 e um traumatismo da coluna cervical e lombar, tem cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, ficou com uma alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e teve uma IGP de 84 dias.”  [x]
“O quantum doloris (grau 4 em 7), as dores cíclicas e a rigidez da coluna vertebral, bem como o cansaço muscular e a necessidade regular de fisioterapia, justificam a atribuição à lesada Autora de uma indemnização de € 12.500, a título de danos não patrimoniais.” [xi]
Com relevância para a fixação da indemnização importa atender que a apelante contribuiu para a eclosão do acidente de que foi vítima, e de que lhe resultaram as seguintes consequências:
- sentiu pavor aquando do embate.
- deslocou-se ao serviço de urgência hospitalar, por precaução, posto lhe surgirem dores agudas, torácica na anterior esquerda baixa, na cabeça e no membro inferior esquerdo.
- foi medicada, teve alta médica da urgência e manteve vigilância clínica atinente a eventuais sintomas de TCE (trauma cranioencefálico).
- sofreu fraturas dos 5º e 6º arcos costais esquerdos.
- durante a recuperação, cerca de um mês após o acidente, altura em que deixou de sentir dores agudas e persistentes, a Autora tinha, por causa delas, grande dificuldade em despender o esforço físico necessário à execução do seu trabalho e mesmo rodar o tronco.
- sofre de uma perturbação de stress pós-traumático.
- antes do acidente, a Autora tinha grande felicidade em viver, o que evidenciava pela alegria e boa disposição constantes, sentindo-se realizada, sendo muito saudável.
- vive deprimida, preocupando os familiares.
- o quantum doloris foi de 4/7.
Afigura-se manifestamente exagerado o montante reclamado de € 45.000,00.
Conjugando a factualidade provada com as considerações acima expostas, os padrões de indemnização adotados pela jurisprudência, e o disposto nos artºs 496º, nº 4 e 494º do C.C., reputa-se adequado fixar a indemnização, a título de danos não patrimoniais, em € 15.000,00, indemnização atualizada à presente data, competindo à R. a indemnização de € 6.000,00, atenta a repartição acima efetuada.                                                         *
O A. pediu, a título de indemnização pelos danos sofridos no veículo com matrícula QD, de sua propriedade, a quantia de € 8.000, a qual alegou ter resultado de avaliação efetuada pela R. e uma vez que a reparação foi orçada em € 9.192,15.
A R./apelada defendeu que face ao valor da reparação - € 9.192,15 – e ao valor venal do veículo (€ 8.000), sendo o salvado no valor de € 100,00, caso fosse responsável pela indemnização, teria a mesma que ser aferida pela perda total, ao abrigo do disposto no artº 41º, do DL nº nº 291/2007, de 21 de agosto.
Dispõe este preceito que:
“1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses:
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total;
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afetadas as suas condições de segurança;
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.
2 - O valor venal do veículo antes do sinistro corresponde ao seu valor de substituição no momento anterior ao acidente.
3 - O valor da indemnização por perda total corresponde ao valor venal do veículo antes do sinistro calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respetivo salvado caso este permaneça na posse do seu proprietário, de forma a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização. (…)”
Do pedido formulado resulta que o A. aceitou a indemnização a título de perda total.
Tendo em consideração que o valor venal do veículo é de € 8.000,00 e o do salvado de € 100,00, nos termos do artº 41º, nº 3, a indemnização devida, a título de perda total, ascende a € 7.900,00, sendo a R. responsável pelo pagamento da quantia de € 3.160,00.
 O A. pediu o ressarcimento pela privação do uso do veículo sinistrado, desde o dia do acidente até à data em que a R. comunicou não assumir a responsabilidade (25/01/2020), no valor diário de € 25,00, e total de € 625,00. O A. não logrou provar o valor diário reclamado.
Para que a privação do uso de um veículo automóvel seja indemnizável é necessária a demostração de que era efetivamente utilizado – o que nem sequer foi alegado.
O custo da documentação com vista à instauração da ação não é indemnizável, por não se verificar o necessário nexo causal.
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Face ao AUJ nº 4/2002, de 09/05, os juros que incidem sobre a indemnização a título de danos não patrimoniais, montante atualizado, apenas são devidos desde a presente decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, e consequentemente, julga-se parcialmente procedente a ação, em resultado do que se condena a R.:
- a pagar à autora a quantia de € 6.000 (seis mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente data;
- a pagar à autora a quantia de € 6.000 (seis mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação;
- a pagar ao A. a quantia de € 3.160,00 (três mil, cento e sessenta euros) a título de danos   patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação;
Custas da ação e do recurso por apelantes e apelada, na proporção do decaimento.

Lisboa, 3 de novembro de 2022                 
Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço
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[i] Ac. STJ, de 22/01/2019, in www.dgsi.pt.
[ii] Ac. do STJ de 30/05/2013, in www.dgsi.pt.
[iii] Ac. RL de 27/11/2018, proc. nº 376/13.0PTLRS.L2-5, in www.dgsi.pt
[iv] Neste sentido v., entre outros, Ac. STJ de 10/12/2019, proc. nº  32/14.1TBMTR.G1.S1, www.dgsi.pt
[v] Ac. R.G. de 14/11/2019, proc. nº 44/17.3T8MDL.G1, www.dgsi.pt
[vi] Ac. RE de 03-11-2016, proc. nº 718/12.5T2STC.E1, www.dgsi.pt
[vii] Ac. RC de 21/01/2020, proc. nº 5370/17.9T8VIS.C1, www.dgsi.pt
[viii] Ac. STJ de 10/10/2012, proc. nº 6628/04.2TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[ix] Ac. STJ de 20/11/2014, proc. nº  5572/05.0TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt
[x] Ac. RL de 13/09/2018, proc. nº  3181/14.2TBVFX-2, www.dgsi.pt
[xi] Ac. RP de 22/01/2013, proc. nº 13492/05.2TBMAI.P1, www.dgsi.pt