ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACÇÃO DE REGRESSO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
RECURSO PARA A RELAÇÃO
Sumário

1. Se numa ação ficou definitivamente decidido, com trânsito em julgado, que o condutor do veículo X foi o único culpado pela produção do acidente, nenhum outro tribunal pode ser colocado na contingência de contrariar aquela decisão e imputar ao condutor do veículo Y a responsabilidade pela ocorrência do mesmo sinistro.
2. Por isso, não deve a Relação, numa ação de regresso instaurada pela seguradora do veículo X contra a proprietária do mesmo, para haver desta as quantias que, em anterior ação, pagou às proprietárias do veículo Y e de um outro veículo envolvido no acidente, a título de indemnização por danos para elas decorrentes do sinistro, apreciar o recurso de decisão sobre matéria de facto suscetível de contrariar os fundamentos de facto com base nos quais foi proferida, na primeira ação, decisão final transitada em julgado, que imputou ao condutor do veículo X a culpa exclusiva na produção do acidente.
3. O facto provado de que no momento do acidente o veículo X circulava com os pneus da frente sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha, em infração ao disposto no art 6.º, nº 1 do Dec. Regulamentar n.º 7/98, de 06.05, não permite considerar provado, com recurso a presunção judicial, que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os [seus] pneumáticos frontais», facto essencial para a procedência da ação de regresso e não abrangido pela autoridade do caso julgado.
4. Uma das atribuições do Tribunal de Relação em sede de matéria de facto consiste em sindicar o uso que a 1.ª instância fez de presunções judiciais, podendo considerar não provados factos que o tribunal recorrido considerou provados com recurso a tais presunções, sempre que concluir pela inexistência de nexo lógico, à luz das máximas da experiência comum, entre o facto-base ou indiciário e o facto presumido.
5. As obrigações legais de caráter técnico a que se refere o art. 27.º, n.º 1, al. h) do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21.08, são as disposições legais relativas à manutenção dos vários componentes do veículo, indispensáveis à prevenção do risco de ocorrência de sinistro, o que significa que o que está aqui em causa, como fundamento do direito de regresso da seguradora, é o aumento do risco desproporcional àquele que assumiu com a celebração do contrato de seguro.
6. Era, por isso, sobre a autora da ação de regresso, a seguradora do veículo X, que recaia o ónus de alegar e provar que o acidente foi provocado ou agravado pelo facto de o veículo circular com os pneus da frente sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha, o que não fez.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
L, S.A., instaurou a presente ação declarativa de condenação contra A., Lda., alegando, em suma, que celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ____, pelo qual foi transferida para si a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo pertença desta, um ligeiro de mercadorias, marca Renault, com a matrícula __-NO-__[1].
No dia 4 de julho de 2017, pelas 14 h e 10 m, o NO circulava na EN ___, ao Km __, no sentido ____ – Loures, conduzido por PC.
No mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, mas no sentido de trânsito inverso, circulava o veículo pesado de passageiros, com a matrícula __-IQ-__[2], pertença da R, SA., então conduzido por JM, e, imediatamente atrás deste, circulava a viatura com a matrícula __-PV-__[3], pertença de DV e por ela conduzido.
O NO circulava na sua faixa de rodagem quando, súbita e inesperadamente, o seu condutor, ao descrever uma curva à esquerda aí existente, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo da viatura, despistou-se, e foi invadir a faixa de rodagem por onde circulavam as outras duas viaturas.
Na sequência desse despiste, o NO foi embater na parte da frente do lado esquerdo do IQ, causando-lhe estragos.
Ainda em consequência desse embate, destroços do IQ atingiram o PV, causando-lhe igualmente estragos.
A autora suportou o custo das reparações do IQ e do PV, no valor global de € 11.022,20.
Na altura do acidente, os pneumáticos do NO não tinham qualquer rasto, estavam lisos.
É de 1,60 mm, o limite mínimo estabelecido para o rasto dos pneus de uma viatura, o que põe em evidência a precariedade da circulação do NO.
A falta de condições técnicas que o NO apresentava no momento do acidente foi «causa directa e única para a falta de controlo e não retoma da via, cujo sentido de marcha utilizava, imediatamente antes da curva onde ocorreu o acidente e onde havia invadido a meia faixa de rodagem no sentido de marcha inverso e resultou o embate no IQ, assim evidenciando que, por falta de manutenção e de substituição dos pneus utilizados precária e indevidamente pelo veículo NO, essa situação foi determinante e meio causal para a produção e colisão ocorrida no evento dos autos».
Assiste, por isso, à autora, o direito de reclamar da ré os montantes indemnizatórios que pagou às proprietárias do IQ e do PV, no referido valor global de € 11.022,20, acrescido de juros de mora, contados desde a data em que pagou as indemnizações.
Conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos, e nos demais de Direito, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e por via dela, ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de Euros 11.022,20 (onze mil e vinte e dois euros e vinte cêntimos, acrescidos de Euros 955,24 (novecentos e cinquenta e cinco euros em vinte e quatro cêntimos) a título de juros vencidos desde a data dos pagamentos até 2 de Janeiro de 2020, tudo no valor total liquidado de Euros 12.932,68 (doze mil novecentos e trinta e dois euros e sessenta e oito cêntimos), e ainda nos juros vincendos até integral e efectivo pagamento, custas do processo, e tudo o mais que fôr legal.»
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A ré contestou, alegando, também em síntese, que o responsável pela produção do acidente foi o condutor do IQ, que «ao descer e fazer a curva que é apertada, por negligência e devido á sua dimensão, ficou com o canto do lado esquerdo da frente do (farol) autocarro na faixa de rodagem contrária», «indo embater na parte lateral frente do veículo ligeiro que vinha a subir.»
Os pneus do NO não estavam no estado indicado pela autora.
Conclui assim a contestação:
«Nestes termos e nos mais de direito,
Deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada, e em consequência a ser absolvida do pedido.»
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Na subsequente tramitação dos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Atendendo aos fundamentos de facto e de Direito supra expendidos, julga-se a ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Ré no pagamento à Autora, do montante total de € 11.022,20 (onze mil e vinte e dois euros e vinte cêntimos), acrescido de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento do montante em dívida.»
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Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as extensas e prolixas alegações ao longo de não menos extensos e prolixos 103 (cento e três) pontos.
Convidada a corrigir, por complexas, as inicialmente apresentadas, a autora correspondeu a tal convite, apresentando novas conclusões, ainda desnecessariamente extensas, nos seguintes termos:
«Impugna-se a decisão do tribunal a quo,
Quanto ao dar como provado o mau estado dos pneus e que foi este estado a causa do acidente, mesmo tendo o veículo a inspeção periódica feita há apenas 3 meses
Quanto á imputação do alegado mau estado dos pneus á Ré
Quanto ao direito de regresso da A. contra o seu segurado a Ré, ao abrigo do contrato de seguro celebrado.
Quanto ao condenar a Ré nas despesas apresentadas pela A. apesar de impugnadas pela Ré.
1 - Pela prova produzida e não produzida em julgamento, com fundamentação também nos depoimentos gravados, entende a Recorrente, que tem que se dar como provado,
Que o estado dos pneus, do veículo ligeiro de mercadorias, não foi a causa do acidente dos autos
Que o acidente ocorreu no eixo da via, atribuindo-se a responsabilidade a ambos os condutores, na proporção de 50% a cada,
Ainda e sem conceder, que a A. não tem Direito de Regresso, contra a Ré, por não se verificar causa de exclusão, uma vez que a Ré não foi devida e especialmente informada nos termos do artigo 27º do Dec. Lei nº 291/07 de 21.08, e da cláusula 42 do contrato de seguro.
2 - O acidente ocorreu numa estrada nacional com inclinação, estreita, numa curva com visibilidade reduzida, existindo nas bermas muita e alta vegetação, num dia com bom tempo, considerada uma zona de grande perigosidade e onde ocorrem muitos acidente, factos estes que se encontram provados.
3 - Na data do acidente, o veículo ligeiro de mercadorias, de matrícula NO, seguia no sentido ascendente e o pesado de passageiros seguia no sentido descendente
4 - No auto policial, o local de embate encontra-se fixado no eixo da via, por acordo de ambos os condutores, conforme declarações prestadoras pelos mesmos, no dia e local do acidente, aos senhores guardas.
5 - Não existem testemunhas credíveis do acidente, apenas temos a versão de ambos os condutores e um auto policial com croqui, sendo estas as únicas provas a atender
6 - Em julgamento, foi ouvido um perito de averiguações de sinistro ao serviço da A., o condutor do veiculo pesado e a senhora guarda que esteve no local,
7 - A senhora guarda confirmou o croqui elaborado com acidente assinalado no eixo da via
8 - O senhor perito, testemunha da A., efetivamente refere que os pneus do veiculo ligeiro, estavam em mau estado
9 – Mas também afirma que aquela zona onde se verificou o acidente é uma zona perigosa, com muitos acidentes.
10 - Não existe no processo qualquer prova que o estado dos pneus foi a causa do acidente, não podendo tal facto ser dado como provado.
11 - O Meritíssimo Juiz a quo, vem defender a aplicação ao presente caso, da Autoridade de Caso Julgado formal, ou positiva, defendendo assim estar vinculado á decisão proferida no processo n.º ____/20.7T8LRS, quanto á atribuição da responsabilidade pelo acidente objeto dos autos, ao veiculo ligeiro de mercadorias de matricula NO, o que se impugna.
12 - A Autoridade de Caso Formal, não se aplica no presente caso, pois segundo entendimento dominante na nossa doutrina e jurisprudência, o Principio da Autoridade de Caso julgado, não se aplica quando não há identidade nem de sujeitos, nem de pedidos. Não basta identidade de causa de pedir
13 - Também a prova produzida no anterior processo, não pode ser chamada a provar qualquer facto do presente processo, pois a prova aí produzida, não pode ser valorada extra-processualmente.
14 - Apos análise de toda a prova produzida e não produzida, quer a documental quer os depoimentos das testemunhas cujas passagens relevantes para o presente processo se encontram transcritas em obediência ao artigo 640º do CPC em sede de motivações,
15 - Deve ser dada a valoração probatória aos factos, da seguinte forma
Aceita-se como provados os factos constantes na sentença com os números:
1-2-3-4-5-6-7-8-9-10-11-13-17-18-19-20-22-24-25-27-28-29-31
Não se Aceita como provados, devendo os mesmos ser dados como Não provados, os factos constantes nos números,
12-14-15-16
Não se Aceita como Não provados, devendo os mesmos ser dados como provados, os factos constantes nos números,
3-4-5-6-8, (dos factos dados como não provados na sentença)
Com fundamento em tudo o alegado no presente recurso e na prova produzida, devem ser aditados e valorados como provados os factos identificados em sede de motivações, com os números
40-41-42-43-44-45-46.
16 - Com relevância, atendeu-se ao testemunho do condutor do veículo pesado, srº JM, do senhor perito ao serviço da A., Srº VS e da senhora Agente AM
17 - Não pode ser valorado qualquer referencia á Srª AR, que se desconhece quem seja e quem a indicou como testemunha ao senhor Perito,
18 - Nem o da Srª DV, cujo depoimento foi prescindido em audiência de julgamento pela própria A.
19 - A testemunha JM, o condutor do pesado, embora dizendo que a responsabilidade do acidente é do outro condutor, diz também, que circulava no sentido descendente, que o acidente ocorreu numa estrada estreita, com muito pouca visibilidade devido ao capim, numa zona perigosa onde ocorrem muitos acidentes
20 - Diz ainda que ambos os condutores seguiam devagar, que o acidente ocorreu porque o condutor do ligeiro se distraiu e cortou a curva, por isso foi bater no pesado
21 - Diz que apitou, mas que o outro condutor já não conseguiu fazer nada, que foi tudo muito rápido, que o outro condutor se atrapalhou porque vinha distraído.
22 - Diz ainda também, que não conhece ninguém que ia dentro do autocarro, nem indicou ninguém como testemunha, sequer se lembra de algum perito ter falado com ele sobre o presente sinistro.
23 - Não viu no local qualquer sinal de travagem ou derrapagem, nem no auto, nem no seu relatório, isto é referido.
24 - A testemunha AM, esclareceu, de forma bastante credível, porque colocaram o local de embate no eixo da via, confirmando que o mesmo foi indicado por ambos os condutores,
25 - A testemunha VS, perito ao serviço da A., baseando-se no relatório que elaborou a pedido da A, e que se encontra nos autos, confirma que efetivamente a zona onde ocorreu o acidente, é uma zona perigosa, onde ocorrem muitos acidentes, que a estrada é estreia com pouca visibilidade devido a vegetação
26 - Esta testemunha fez um relatório de averiguações sem analisar o auto policial, sem ouvir o testemunho do condutor do pesado e sem fazer a devida medição aos pneus de todas as viaturas envolvidas e a todos os pneus,
27 - Sem atender aos km dos mesmos e sem ter presente que o veiculo tinha a inspeção feita há apenas 3 meses.
28 - Lamentavelmente em julgamento, nem sequer sabia se os pneus com o embate tinham ou não rebentado.
29 - Cabendo aqui remeter para as fotos juntas com a contestação onde é perfeitamente visível que os pneus, pelo menos o esquerdo estava rebentado e todo no “chão”,
30 - Tendo que se concluir que o estado em que os pneus estavam quando vistos pelo senhor perito, se deveu ao facto dos mesmos, terem sido arrastado no alcatrão após o embate
31 - Ficando, em nosso entender, com o seu depoimento, por explicar a dinâmica do acidente.
32 - A prova feita não é prova suficiente e capaz, para atribuir a causa do acidente ao alegado mau estado dos pneus, é facto que o Juiz de 1ª instancia tem a livre apreciação da prova, mas tem o dever de a fazer de forma objetiva
33 - Cabia á A. fazer prova cabal, do mau estado dos pneus e não fez, apenas esse facto foi alegado pelo senhor perito, por mais ninguém, nem mais ninguém foi questionado/ouvido quanto a esse facto.
34 - Bem pelo contrário, é dito pelo motorista do pesado, que a causa do acidente se deveu á distração do outro condutor, que ia distraído, afirma mesmo que “ele se distraiu, vinha a cortar a curva e se distraiu”, que ainda lhe apitou mas ele já não teve tempo de corrigir, que foi tudo muito rápido.
35 - Foi dado como provado em sentença, facto 13, que o veiculo ligeiro de mercadorias, o NO, tinha sido sujeito a inspeção técnica obrigatória, em Março.
36 - Suscitando desde logo muitas dúvidas, que o veículo, passados apenas três meses, circulasse com os pneus no estado descrito pelo senhor perito,
37 - Sendo entendimento da Apelante, como já defendido supra, que tal facto se deveu ao acidente.
38 - Cabendo contudo dizer, que se entende que o mau estado dos pneus, não foi a causa do acidente, mas sim as características da estrada e a distração do condutor, conforme provado.
39 - Tem sido entendimento dominante na nossa doutrina e jurisprudência que, para a seguradora ter direito de regresso ao abrigo da alínea h) e i), é necessário que o tomador do seguro não tenha providenciado a sujeição do veículo á inspeção periódica obrigatória.
40 - E assim deve ser, dentro dos princípios da boa-fé e da justiça contratual, e ainda da enorme discrepância económica entre as seguradoras e os particulares,
41 - Não é aceitável que quando um veículo mesmo sujeito á inspeção obrigatória, apresente um problema técnico, e se for essa a causa de um acidente, se exclua a responsabilidade da seguradora
42 - Seria forte causa de desequilíbrio económico
43 - Dai que, para que a seguradora, a A., tenha direito de regresso sobre o responsável civil é sempre necessário que cumulativamente estejam preenchidas os pressupostos da alínea h) e i), de forma a salvaguardar os particulares cumpridores das suas obrigações e da lei.
44 - A Ré cumpridora da lei, não podia saber, nem devia, porque, para além de ter providenciado a inspeção, nem o conduzia, conforme provado,
45 - Ficando assim afastada a sua culpa, e mesmo a negligência, pois para a Ré, um veículo inspecionado há apenas 3 meses, estava em condições para circular, é esse o fundamento e objetivos das inspeções
46 - Ademais, seria excessivamente desfavorável para um segurado uma interpretação conducente à exclusão de responsabilidade da Seguradora se o veículo não estivesse, sempre e a todo o momento, em condições de poder ser aprovado na inspeção
47 - Só poderíamos falar em causa de exclusão se a viatura não tivesse a inspeção feita
48 - A não ser assim, estaríamos perante uma cláusula abusiva, violadora dos deveres de lealdade e colaboração que são os pressupostos de boa-fé, e uma relação de equidade que é um princípio de justiça contratual, provocando uma gravíssima situação de desequilíbrio.
49 - Obviamente que os pneus devem estar em bom estado de conservação, o que não é verossímil é que um carro com inspeção feita há 3 meses, aprovada, tivesse os pneus no estado em a A. alega,
50 - Não pode o Meritíssimo Juiz a quo, com meras teorias, vir dizer que talvez os pneus da viatura quando esta foi á inspeção, não fossem aqueles, que talvez a Ré tenha trocado os pneus.
51 - Assim, deve concluir-se que não se verificam os pressupostos fácticos para que seja aplicável a cláusula de exclusão em apreço, improcedendo o pedido formulado pela A., não tendo a A. Direito de Regresso contra a Ré.
52 - Não se encontra provado, que o estado dos pneumáticos do veículo ligeiro de mercadorias, foi a causa direta do acidente dos autos, a A. não logrou fazer essa prova.
53 - Quanto aos documento juntos pela A. com os quais pretende provar os pagamentos que fez e que imputa á Ré, contrariamente ao afirmado pelo Meritíssimo Juiz a quo, os mesmos foram expressamente impugnados pela Ré no seu artigo 80º da contestação
54 - E de facto não se podem aceitar documentos internos da própria A., com os quais pretende provar pagamentos, os pagamentos provam-se com recibos, transferências ou quaisquer outros meios de pagamento, devendo tais pagamentos ser considerados não provados.
55 - Também não podem ser imputados á Ré, pagamento sobre os quais não se encontra provado nem alegado a essencialidade dos mesmos, muito menos paralisações e veículos de substituição, sem que se encontre provado, sequer alegado, a sua necessidade e que daí decorria prejuízo.
56 - Não pode a Ré ser responsável pela forma como a A. fez a gestão do sinistro
57 – A Ré não foi informada das condições da sua apólice, nomeadamente não foi devidamente informada do teor da cláusula 42º (alíneas i e h) do contrato de seguro que encontra correspondência com o artigo 27 do Dec. Lei 291/2007 de 21-08.
58 - O facto de assinar uma mera proposta, na qual é referido que deve consultar a apólice na Internet, não preenche os requisitos que o legislador estatui no nº 2 do artigo 27º, do Dec. Lei 291/2007 de 21-08.
59 - A lei prevê (no artigo 27º referido) efetivamente que “A empresa de seguros, antes da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade automóvel, deve esclarecer especial e devidamente o eventual cliente acerca do teor do presente artigo”
60 - No presente caso, tendo a A. entendido que está preenchida essa obrigação remetendo o segurado para consulta da apólice na Internet, e nem sequer alegando que mais tarde a mesma seria remetida via CTT,
61 - O que também seria irrelevante, pois continuava a A. a não informar especial e devidamente ao segurado, sobre o teor de tal cláusula.
62 - Tendo a A. confessado, aceitando que á Ré, apenas lhe foi indicado que devia consultar as condições da apólice na Internet, aceitando que isso seria e é o suficiente para preencher os requisitos do nº 2 da indicada clausula
63 - Não sendo esse o alcance de tal cláusula, nem o exigido pelo legislador, que pretende com essa previsão, proteger a parte mais fraca,
64 - Não tendo a Ré sido informada, à data da celebração do contrato de seguro em causa, do teor das Condições Gerais da Apólice e do direito da Autora de ser por si reembolsada, uma vez verificadas determinadas circunstâncias descritas na lei,
65 - Forçoso é concluir que não pode a A. exercer direito de regresso, também por esse motivo, contra a Ré.
66 - Não estão pois reunidos os pressupostos para aplicação do direito de regresso
67 - Com todo o respeito que o Meritíssimo Juíz a quo, merece, entendemos que julgou mal a presente Acão, devendo a mesma ser julgada improcedente, por não provada e, consequentemente absolvida a Ré.
68 - Entende a Apelante, conforme fundamentação do presente recurso, que estamos perante um erro de julgamento, devendo a ação ser julgada totalmente improcedente e a Ré ser absolvida.
A decisão de que se recorre ao decidir como decidiu violou, por erro de interpretação e de apreciação da prova produzida, o disposto no artigo 607º do CPC e ainda o disposto no artigo 27º do Dec. Lei 291/07 de 21.08,
Em conformidade com tudo o exposto e alegado no presente recurso, deve o pedido da Autora Improceder e a Ré ser absolvida.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs., se requer que seja revogada, a sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos do presente recurso, VV.Ex.s porém melhor decidirão, fazendo a costumada JUSTIÇA !!!!»
*
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, “ex vi” do art. 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
- se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- se estão reunidos os pressupostos de que depende o invocado direito de regresso da autora contra a ré.
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III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 – A sentença recorrida considerou provado que:
«1. Em 04.07.2017, cerca das 14h10, o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula NO, pertencente à Ré, circulava na EN ___, ao KM __, no sentido ____ - Loures (sentido ascendente), na localidade de São Julião do Tojal.
2. O NO era conduzido por PC.
3. Nas mesmas data e hora, o veículo pesado de passageiros de matrícula IQ, pertencente à R, S.A., circulava na referida Estrada Nacional, no sentido de marcha inverso, Loures - ____ (sentido descendente).
4. O IQ era conduzido por JM.
5. Imediatamente atrás do veículo com a matrícula IQ, circulava a viatura com a matrícula PV, conduzida por DV.
6. A largura total da faixa de rodagem era de 5,30 metros.
7. No sentido ____ - Loures, a estrada apresentava uma inclinação correspondente a uma subida à direita, na zona de ____.
8. Era verão, o tempo estava seco e não chovia.
9. O piso era betuminoso e não apresentava irregularidades.
10. O limite de velocidade no local é de 50 km/hora.
11. No referido local existem sinais de perigo, por ser uma zona acidentada.
12. O NO circulava com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha.
13. A essa data, o referido veículo tinha sido sujeito a inspeção periódica obrigatória pela última vez em março de 2017.
14. Na ocasião de tempo e lugar suprarreferida, o condutor do veículo com a matrícula NO, ao descrever uma curva à esquerda, perdeu o controlo da viatura, invadindo parcialmente a faixa de trânsito de sentido oposto àquele em que circulava.
15. A perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais.
16. Nessa sequência, o veículo com a matrícula NO colidiu com a frente lateral esquerda (junto ao para-choques, guarda-lamas e porta da frente esquerda) na parte da frente e lateral esquerdas do veículo com a matrícula IQ.
17. Em consequência do embate entre os dois veículos, foram projetados destroços que embateram no vértice frente esquerdo (zona inferior do para-choques) do veículo com a matrícula PV.
18. As viaturas intervenientes ficaram imobilizadas na via, sendo que os veículos com as matrículas NO e IQ permaneceram nas respetivas bermas do sentido de marcha em que circulavam e o veículo com a matrícula PV na própria via em que circulava, no lado direito, imediatamente atrás do veículo com a matrícula IQ.
19. A Guarda Nacional Republicana deslocou-se ao local momentos após o embate, elaborou o auto e recolheu a versão dos condutores intervenientes.
20. Após a colisão, a Autora solicitou à sociedade M, Lda., que fizesse uma averiguação, a fim de apurar a concreta intervenção de cada um dos veículos no embate e os estragos causados pelo mesmo.
21. Pelos serviços de averiguação prestados, em 19.07.2017, a Autora procedeu ao pagamento do montante de € 184,50 à sociedade M, Lda.
22. Em 24.08.2017, a Autora pagou à Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de ____ o montante de € 246,00 pela intervenção no local do embate e limpeza da via.
23.Em 08.09.2017, a Autora pagou à ACG, Lda. o montante de € 61,00 pela gestão dos processos de sinistro.
24. Por intermédio da SGSP, S.A., a Autora procedeu à realização de peritagem à viatura com a matrícula PV, em oficina indicada pela sociedade JMM, Lda., que fixou a reparação no montante de € 616,06.
25. A Autora deu ordem de reparação do referido veículo à oficina em 10.08.2017.
26. Pelos serviços de peritagem prestados, em 14.07.2017, a Autora procedeu ao pagamento do montante de € 52,52 à SGSP, S.A.
27. Em 20.10.2017, a Autora procedeu ao pagamento, à JMM, Lda., do montante de € 616,06 a título de reparação do veículo com a matrícula PV.
28. Em 15.11.2017, a Autora procedeu ao pagamento do montante de € 36,90 à sociedade SC, pelo aluguer de viatura de substituição do veículo com a matrícula PV.
29. Por intermédio da UONC, S.A., a Autora promoveu a realização de peritagem à viatura com a matrícula IQ, em oficina indicada pela R, S.A., que fixou a reparação no montante de € 7.842,61 e a previsão de seis dias para a sua concretização.
30.Pelos serviços de peritagem prestados, em 08.08.2017, a Autora procedeu ao pagamento do montante de € 52,50 à UONC, S.A.
31. Ao tomar conhecimento do orçamento, a R, S.A. remeteu uma comunicação à Autora, em que solicitou a “emissão do respetivo recibo de indemnização no valor de € 9.772,72”, dos quais € 7.842,61 por “danos materiais” e € 1.930,11 por “paralisação”.
32. Em 26.10.2017, a Autora pagou o montante de € 9.772,72, a título de reparação do veículo com a matrícula IQ.
33. Nas datas de 18.03.2019 e 14.06.2019, a Autora remeteu comunicações à Ré, requerendo o pagamento do montante de € 11.022,20.
34. À data dos factos, a responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo com a matrícula NO encontrava-se transferida para a Autora, por acordo firmado com a Ré em __.__.___, tendo sido atribuído à respetiva apólice o número ____.
35. Nos termos da Cláusula 2.ª, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice, “[o] presente contrato destina-se a cumprir a obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, fixada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto”.
36. E do n.º 2, alínea a) da mesma Cláusula consta que “[o] presente contrato garante, até aos limites e nas condições legalmente estabelecidas: a) A  responsabilidade civil do tomador do seguro, proprietário do veículo, usufrutuário, adquirente com reserva de propriedade ou locatário em regime de locação financeira, bem como dos seus legítimos detentores e condutores, pelos danos, corporais e materiais, causados a terceiros”.
37. Dispõe a Cláusula 42.ª, alínea i) das Condições Gerais da apólice que “[s]atisfeita a indemnização ao abrigo da cobertura obrigatória, o segurador apenas tem direito de regresso: i) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de utilização ou condução de veículos que não cumpra as obrigações legais de carácter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo, na medida em que o acidente tenha sido provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo”.
38. O referido acordo teve origem em proposta apresentada pela Ré junto do mediador da Autora, LMMS, da qual constam as seguintes declarações:
“Declaro conhecer as Condições Gerais e Especiais aplicáveis a este seguro. Declaro também aceitar a entrega das Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao contrato no sítio da Internet indicado nas Condições Particulares”.
39. O representante legal da Ré apôs a sua assinatura no escrito que corporiza a referida proposta, no campo “o proponente”.»
3.1.2 – (...) e não provado que:
«1. Os sinais de perigo existentes no local encontram-se todos direcionados para os condutores que circulam no sentido descendente.
2. O veículo pesado de passageiros tem uma largura de 2,60 metros.
3. Ao descer e descrever a curva, o veículo com a matrícula IQ, devido à sua dimensão, ficou com o canto do lado esquerdo frontal na faixa de trânsito de sentido oposto.
4. Nessa sequência, embateu na parte lateral esquerda da frente do veículo com a matrícula NO, que circulava no sentido ascendente.
5. Quando o condutor do veículo com a matrícula NO se apercebeu do que estava a suceder, o veículo com a matrícula IQ já tinha embatido contra si.
6. O referido condutor não travou e não derrapou, tendo-se afastado totalmente para a sua berma à direita quando se apercebeu de que iria ser embatido.
7. Os veículos ligeiros de mercadorias são constantemente sujeitos a operações “STOP” e os agentes de autoridade verificam sempre as respetivas condições de circulação.
8. A Ré não foi informada, à data da conclusão do acordo em causa, do teor das Condições Gerais da Apólice e do direito da Autora de ser por si reembolsada, uma vez verificadas determinadas circunstâncias descritas na lei.
9. As Condições Gerais da Apólice foram enviadas à Ré por correio em momento posterior à data da conclusão do acordo.»
*
3.2 – Mérito do recurso:
3.2.1 – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
3.2.1.1 – A questão da extensão, a este processo, da autoridade do caso julgado relativa aos fundamentos de facto em que assentou a decisão final proferida no Proc. n.º ____/20.7T8LRS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Cível de Loures – Juiz _:
A decisão a proferir neste recurso em sede de impugnação da decisão sobre  a matéria de facto passa, antes de mais, necessariamente, por aferir se a autoridade do caso julgado operado pela sentença, transitada em julgado, proferida no Proc. n.º ____/20.7T8LRS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Cível de Loures – Juiz _, se estende à presente ação; mais concretamente, importa aferir se os fundamentos de facto da sentença proferida naquele processo têm força de caso julgado neste processo.
O Proc. n.º ____/20.7T8LRS respeita a uma ação intentada pela aqui ré, A., Lda., contra a F – Companhia de Seguros, S.A., companhia de seguros para a qual, à data do acidente se encontrava transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação do NO.
Nessa ação, a A., LDA. alegou, em síntese, e além do mais, que no dia 4 de julho de 2017, cerca das 14h10, na EN ___, ao KM __, ocorreu um acidente de viação.
O acidente foi provocado pelo IQ, que ao descrever uma curva, invadiu com o canto frontal esquerdo a faixa de rodagem por onde circulava o NO, embatendo-lhe na parte da frente do lado direito.
Na sequência de tal embate, a A., LDA. sofreu prejuízos (pelos quais pretendia ser ressarcida naquela ação).
Sendo complexa a causa de pedir de uma ação de indemnização emergente de acidente de viação, verifica-se que a causa petendi na ação a que corresponde o Proc. n.º ____/20.7T8LRS integra precisamente o acidente de viação a que se reportam os presentes autos.
A parte dispositiva da sentença proferida no Proc. n.º ____/20.7T8LRS tem o seguinte teor:
«Em face do exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, decide-se absolver a Ré, F - Companhia de Seguros, S.A., de todos os pedidos.»
Essa decisão assentou, para o que aqui e agora interessa, nos seguintes fundamentos de facto:
«a) No dia 4 de Julho de 2017, pelas 14h, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula NO, propriedade da Autora, na data conduzido por PC,
b) Viatura que se encontrava segura na companhia de seguros Lusitânia-Companhia de Seguros S.A., pela apólice ____,
c) E o veiculo pesado de passageiros, viatura de matricula IQ, propriedade da R, S.A., na data conduzido por JM,
d) Viatura que se encontrava segura na companhia de seguros F, pela apólice ____, ora Ré.
e) O acidente ocorreu na Estrada Nacional ___, ao Km __,
f) Estrada que liga ____ a Loures, com a inclinação de uma ligeira subida na zona de ____.
g) No sentido Loures - ____ circulava a viatura pesada de passageiros e no sentido ____ - Loures circulava a viatura da Autora.
h) O acidente ocorreu em pleno dia, com bom tempo, a estrada estava em bom estado de conservação.
i) No local existem sinais de perigo.
(...)
v) O local do acidente é de grande perigosidade, com velocidade limitada a 50 km/h, em curva acentuada e com inclinação ascendente.
w) No próprio local existe sinal de limitação de velocidade (50 km/h), bem como sinal avisador de "zona de acidentes".
x) O veículo IQ fazia a carreira ___, circulando na N115, sentido Loures/____, seguindo a cerca de 30 km/h, dentro da sua faixa de rodagem, quando foi surpreendido pelo veículo NO que, ultrapassando o traço contínuo existente na via, em plena curva invadiu a faixa de rodagem onde circulava o referido IQ, embatendo com a sua parte dianteira esquerda, na parte dianteira esquerda do IQ.
y) No local, o traço divisório das faixas de rodagem era contínuo.
(...)
aa) A largura da via no local é superior a 5, 30 m.
(...)
cc) A velocidade recomendada era de 50km/h.
dd) O veículo NO apresentava os pneus da frente completamente carecas e com a borracha ressequida.
(...)
FACTOS NÃO PROVADOS:
(...)
a) Na zona de ____, a estrada faz uma inclinação à direita para quem circula no sentido ____ - Loures.
b) Os sinais de perigo existentes no local estão todos direccionados para os condutores que circulam no sentido Loures - ____.
(...)
d) Ao descer e fazer a curva, que é apertada, por negligência e devido à sua dimensão, o pesado de passageiros ficou com o canto do lado esquerdo da frente do (farol) autocarro na faixa de rodagem contrária,
e) Indo embater na parte lateral frente do veículo ligeiro que vinha a subir.
f) O veículo ligeiro foi embatido na parte lateral esquerda, do farol à porta.
g) O condutor do veículo pesado de passageiros não conseguiu fazer a curva totalmente dentro da sua faixa de rodagem,
h) O condutor do veículo pesado de passageiros vinha a uma velocidade que não lhe permitiu fazer a curva em segurança.
i) o veículo pesado, tem uma largura de 2,60 e a faixa de rodagem, na sua totalidade, tem 5,30 m.
j) O condutor do veículo ligeiro, quando se apercebeu do acidente já estava a ser embatido pelo pesado de passageiros, dentro da sua faixa de rodagem.
k) Não travou, não derrapou, apenas quando se apercebeu do embate afastou-se totalmente para a sua berma à direita, onde ficou imobilizado.
(...).»
Dispõe o art. 202.º da CRP que na administração da justiça «incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados», impondo o n.º 2 do artigo 205.º a obrigatoriedade das decisões judiciais para todas as entidades públicas e privadas e a sua prevalência sobre as de quaisquer outras autoridades.
Como principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, surge o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado.
Esse imperativo constitucional concretiza-se no «caso julgado material», que o art. 671.º, n.º 1, define desta forma: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».
A definitividade na resolução do conflito de interesses, decorrente da força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação, desdobra-se em duas vertentes:
a) por um lado, a questão decidida não pode ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado);
b) por outro lado, o respeito pelo conteúdo da decisão anteriormente adotada implica que não possa haver decisão posterior que a contrarie (o que se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado).
Na esteira do ensinamento de Alberto dos Reis[4], Manuel de Andrade traça a fronteira entre as figuras da exceção e da autoridade do caso julgado, nestes termos: «Força e autoridade de caso julgado e exceção de caso julgado: a 1ª é uma qualidade ou valor jurídico especial que que compete às decisões judiciais a que diz respeito; a 2ª constitui um meio de defesa do Réu, baseado na força e autoridade do caso jugado (material) que compete a uma precedente decisão judicial, força que pode manifestar-se e ser invocada por outra forma (como fundamento da ação, etc.).»[5]
Mais adiante, afirma o mesmo Autor: «O que a lei quer significar [nos arts. 580º e 581º do CPC/2013, correspondentes aos arts. 497º e 498º do CPC/61] é que uma sentença pode servir como fundamento de exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo). Esta interpretação permite chegar a resultados positivos bastante parecidos com aqueles a que tende uma certa teoria jurisprudencial, distinguindo entre a exceção do caso julgado e a simples invocação pelo Réu da autoridade do caso julgado que corresponde a uma sentença anterior, e julgando dispensáveis, quanto a esta 2.ª figura, as três identidades do artigo 498º.»[6]
Posteriormente, a distinção entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a ser objeto de aprofundado estudo por parte de Teixeira de Sousa[7], cujas conclusões se sintetizam com a transcrição de dois pequenos trechos desse trabalho: «(…) A exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção de caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (Zweierlei), mas também a inviabilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (Zweimal). (…) Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição da decisão antecedente. (…).»
A distinção doutrinária entre os conceitos de «caso julgado» e «autoridade de caso julgado» veio a merecer amplo acolhimento jurisprudencial, desde logo pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em suma, a fronteira entre as duas figuras define-se pelos seguintes fatores:
a) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, ao passo que a figura da «autoridade do caso julgado» tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda - o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida;
b) com a «exceção do caso julgado» visa-se evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, ao passo que na «autoridade do caso julgado», o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada[8].
Como consta da citação transcrita supra de Manuel de Andrade, a teoria que faz a distinção entre a exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, considera «(...) dispensáveis, quanto a esta segunda figura, as três identidades do artigo 498º[9](...)».
A este propósito afirma Francisco Ferreira de Almeida que «(…) a invocação da autoridade de caso julgado destina-se precisamente a cobrir situações relativamente às quais a exceção (dilatória) não opera. (…). A exceção de caso julgado encerra a sua vertente negativa, em ordem a evitar-se a repetição de ações. A autoridade de caso julgado traduz a vertente positiva, no sentido de imposição externa da decisão tomada. A exceção de caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado dispensa-os»[10].
Esta tese tem tido acolhimento na jurisprudência, como se ilustra com o Ac. do S.T.J. de 13.12.2007, Proc. n.º 07A3739 (Nuno Cameira), in www.dgsi.pt, onde lapidarmente se decidiu: «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a exceção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a exceção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode atuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão.»
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STJ de 3.12.2009, Proc. nº 8870/03.4TVLSB.L1.S1 (Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt, onde se decidiu:
«São realidades jurídicas distintas a exceção dilatória do caso julgado, que pressupõe a repetição de uma causa com identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (art. 498º do CPC) e a chamada exceção inominada da preclusão da dedução da defesa, que não exige tal identidade.»[11]
No Ac. do S.T.J. de 07.03.2017, Proc. n.º 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 (Pinto de Almeida), decidiu-se o seguinte:
«A excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva".[12]
(...)
Afirma Teixeira de Sousa que "o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente.
Quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada; a autoridade de caso julgado é o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente ("proibição de contradição / permissão de repetição") (…); a excepção de caso julgado é a proibição de acção ou comando de omissão atinente ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente" ("proibição de contradição/proibição de repetição").[13]
Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda.
Na excepção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível.
Todavia, a autoridade de caso julgado, prescindindo embora da referida identidade objectiva, exige, como parece evidente, a identidade das partes adjectivas; nem poderia ser de outro modo, em atenção ao princípio do contraditório (art. 3º do CPC), não sendo admissível que uma pessoa possa ser juridicamente afectada por uma decisão sem ser ouvida previamente no processo em que a mesma é proferida.
Na vertente da autoridade de caso julgado, como refere Mariana França Gouveia, "a decisão ou as decisões tomadas na primeira acção vinculam os tribunais em acções posteriores entre as mesmas partes relativas a pedidos e/ou causas de pedir diversos".[14]
(...)
A verificação da excepção de caso julgado é mais exigente em termos de pressupostos, dependendo da tríplice identidade prevista no art. 581º do CPC.
A autoridade do caso julgado apenas pressupõe a identidade subjectiva nas duas acções; os pedidos e as causas de pedir podem ser diferentes.
Como se prevê no art. 5º, nº 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo proceder a diferente subsunção ou qualificação jurídica de determinada questão.
É certo que deve observar o contraditório, nos termos previstos no art. 3º, nº 3, do CPC, ouvindo (sendo caso disso) complementarmente as partes para o efeito.
Porém, nem sempre será necessária e exigível essa audição complementar: esta apenas se impõe quando aquele diferente tratamento jurídico seja efectuado em termos inesperados e inovatórios e quando "não fosse exigível que a parte interessada o houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ele".[15]
(...) a autoridade do caso julgado é, como se disse, menos exigente em termos de pressupostos. Nesta medida, representa como que um menos em relação à excepção, podendo verificar-se quando falhe a identidade objectiva de que esta depende.
Por outro lado, está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade).»
Para Manuel de Andrade «o caso julgado só se destina a evitar uma contradição prática de decisões, e não já a sua colisão teórica ou lógica. Pouco lhe interessa que possam ser resolvidos diversamente pelos tribunais questões cujos elementos de direito, ou mesmo de facto, sejam idênticos. São outros os institutos processuais (...) que, até certo ponto, curam de prevenir ou remediar esse inconveniente. O caso julgado, por sua parte, só pretende obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas; a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos ou tutelados.»[16]
E acrescentava logo a seguir, reportando-se à decisão e à motivação da sentença: «Consoante o exposto, o caso julgado só se forma em princípio sobre a decisão contida na sentença. O que adquire a força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz quanto aos bens ou direitos (materiais) litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para esses bens ou direito. Não a motivação da sentença: as razões que determinaram o juiz; as soluções por ele dadas aos vários problemas que teve de resolver para chegar àquela conclusão final (pontos ou questões prejudiciais»[17].
No entanto, Castro Mendes opinava no sentido de que «os fundamentos são elemento válido na interpretação e integração da parte decisória da sentença, disso não cabem dúvidas (aliás, a decisão igualmente se pode apontar como elemento de interpretação dos fundamentos e o próprio relatório como elemento de interpretação de uma e outros). (...).
Que a fundamentação é elemento de interpretação da parte decisória, isso é reconhecido mesmo por todos os autores que negam rigidamente qualquer extensão do caso julgado aos motivos.»[18]
Ainda segundo Castro Mendes, «desligando-a por completo dos seus fundamentos, a sentença de absolvição aparece-nos apenas com o seguinte conteúdo: “o réu é absolvido do pedido formulado contra ele”. E logo questiona: «Como pode pretender atribuir-se força de caso julgado a esta frase vazia de conteúdo?»
Para em seguida responder: «Para integrar portanto a decisão, para saber em que consiste aquilo que o juiz concede ou recusa, temos de recorrer aos motivos - aí é que encontramos a identificação dos elementos da situação de direito tornada (...) ficto veritatis, rectius, indiscutível.
Por outras palavras [prossegue o mesmo Autor, citando Savigny], a autoridade do caso julgado que cabe à sentença é inseparável das relações jurídicas afirmadas ou negadas pelo juiz; porque a parte puramente prática do julgamento, o acto imposto ao réu, ou a rejeição do pedido, não é senão a consequência dessas relações jurídicas. Eis, portanto, o sentido em que atribuo aos motivos a autoridade do caso julgado.»[19]
Ou seja, para Castro Mendes, «os pressupostos da decisão transitada em julgado são indiscutíveis como pressupostos da decisão, e só nessa medida», o mesmo é dizer, «os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão, ficando fora do caso julgado tudo o que o que esteja contido na sentença e que não seja essencial ao iter judicandi.»[20]
Teixeira de Sousa, por sua vez, afirma que «o caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos, que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento da providência solicitada.
Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
O caso julgado da decisão também possui valor enunciativo: essa eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada».[21]
No que tange à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, salienta o mesmo Autor que «em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Esta solução justifica o disposto no artº 96.º, n.º 2 [correspondente ao atual art. 91.º, n.º 2, do C.P.C./13], sobre a apreciação incidental: pode inferir-se desse preceito que, se só a apreciação incidental possibilita que os fundamentos da decisão adquiram valor de caso julgado fora do processo respectivo, é porque tais fundamentos não possuem em si mesmos esse valor (…).
Portanto, pode afirmar-se que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressupostos, valor de caso julgado (…). Esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.
(…)
A regra acabada de enunciar comporta algumas excepções, isto é, também se verificam situações em que os fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto, desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado. Esses fundamentos possuem um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e um outro objecto (ou entre o efeito produzido e um outro efeito). Essas conexões podem ser várias: sem excluir outras possíveis, analisam-se em seguida as relações de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre prestações (…).
Importa acrescentar, no entanto, que essas relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas só podem conduzir à extensão do caso julgado aos fundamentos da decisão quando o processo no qual ela foi proferida fornecer às partes, pelo menos, as mesmas garantias que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos.
(…)
A atribuição do valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade verifica-se quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior.»[22]
No Ac. do S.T.J. de 08.11.2018, Proc. n.º 478/08.4TBASL.E.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, escreveu-se que «a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
Para tal efeito, embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, “a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
Nesta linha, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.»
O segmento «limites e termos em que se julga», contido no art. 621.º, significa que a extensão objetiva do caso julgado se afere, em regra, face às normas substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e dos pedidos formulados na ação.
Tal como referido no Ac. do S.T.J. de 08.03.2007, Proc. n.º 07B595 (Salvador da Costa), in www.dgsi.pt, «(...) não há fundamento legal para considerar que o legislador tenha visado, com a nova formulação do artigo 673º do Código de Processo Civil[23], excluir do âmbito do caso julgado as questões que constituam pressuposto necessário da decisão.
Assim, foi expresso no Anteprojecto publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 123, página 120, que a nova solução legal não teve por finalidade a consagração da solução oposta, mas deixar à doutrina o seu estudo mais aprofundado e à jurisprudência a sua solução, caso por caso, mediante conhecidos processos de integração da lei.
Com vista a determinar o restante plano de abrangência do caso julgado, importa identificar, por um lado, as questões meramente instrumentais ou secundárias em relação ao thema decidendum bem como as impertinentes, como é o caso de declarações enunciativas, opinativas ou desnecessárias, designadas por obiter dicta.
E, por outro, atentar nas questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares ao thema decidendum tão lógica e necessariamente conexas com o segmento decisório que este não pode delas ser dissociado na definição do quadro normativo envolvente.
Sabe-se que os segmentos decisórios de sentenças ou acórdãos do tipo de declaração de absolvição, de condenação, de titularidade do direito de propriedade sobre determinada coisa, de resolução de um contrato, de reconhecimento de um direito de preferência e de substituição do comprador pelo preferente no contrato de compra e venda, de suspensão da instância até que seja decidida noutro processo alguma questão prejudicial, estão tão lógica e necessariamente ligados a decisões de outras questões, como que constituindo um todo unitário, que os primeiros só fazem sentido se conexionados com as segundas.
Na interpretação do sentido e alcance da lei, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Em consequência, tendo em linha de conta a economia processual e a certeza das relações jurídicas, importa que se conclua no sentido da extensão do caso julgado à decisão das questões preliminares que sejam antecedente lógico-necessário da parte dispositiva do julgado.»
O âmbito objetivo do caso julgado, a sua autoridade, integra, assim, os fundamentos da decisão que com ela estejam estruturalmente conexionados.
É o que ocorre no caso concreto!
Foi com base nos fundamentos de facto acima transcritos que na sentença proferida no Proc. n.º ____/20.7T8LRS, se decidiu que o condutor do NO foi o único responsável pela produção do acidente.
À mesma conclusão chegou o Ac. da R.L. de 7.10.2021, proferido no mesmo processo na sequência do recurso que a ali autora, aqui ré, interpôs daquela sentença, onde se conclui da seguinte forma:
«E não ocorrendo alteração da decisão sobre a matéria de facto nenhuma censura merece a conclusão sobre o mérito da causa que, com base nela, foi extraída dos factos.
O acidente de viação ocorreu, como salientado na sentença impugnada, por culpa do condutor do veículo propriedade da autora[24], que invadiu a faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e ali embateu no veículo pesado de passageiros[25], não resultando provada a prática de qualquer acto causal do acidente por parte do condutor deste último veículo.
Improcede assim o recurso de apelação interposto pela autora em reação contra a sentença que absolveu a ré seguradora do pedido.»
Significa isto que a responsabilidade pela produção do acidente está definitivamente apurada, pois ficou decidida, com trânsito em julgado, no Proc. n.º ____/20.7T8LRS, em termos vinculativos para a aqui ré, autora naquele processo.
Por conseguinte, nenhum outro tribunal pode ser colocado na contingência de contrariar aquela decisão, vinculativa, que imputou ao condutor do NO a exclusiva responsabilidade pela produção do acidente, sob de ser posta em causa a certeza e segurança jurídicas e o próprio prestígio dos tribunais.
Serve todo o excurso que antecede, para concluir que não será objeto de apreciação neste acórdão, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscetível de contrariar os acima transcritos fundamentos de facto com base nos quais a decisão final, transitada em julgado, proferida no Proc. n.º ____/20.7T8LRS, imputou em exclusivo ao condutor do NO, a culpa - efetivamente apurada ou provada, e não presumida[26] – na produção do acidente.
3.2.1.2 – Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto não abrangida pela autoridade do caso julgado decorrente do decidido no Proc. n.º ____/20.7T8LRS:
Na petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação alega a autora que, uma vez apurada a culpa do condutor do NO na produção do acidente, procedeu ao pagamento das quantias identificadas naquele articulado, ao abrigo do contrato de seguro titulado pela apólice identificada em 34. dos factos provados, pelo qual, à data do sinistro, se encontrava para si transferida a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo.
Sucede que se apurou que no momento do acidente o NO não reunia as condições mecânicas para ser utilizado na circulação rodoviária, nos termos do disposto no art. 27.º n.º 1, al. h), do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21.08.
É que o rasto dos pneumáticos do NO estava abaixo do limite mínimo legalmente estabelecido de 1,60 mm, fixado no n.º 1 do art. 6.º, do Decreto-Regulamentar n.º 7/98.
Na verdade, os pneus do NO não tinham qualquer rasto, encontrando-se “lisos” ou “carecas”.
Essa deficiência nos pneus do NO foram «causa directa e única para a falta de controlo e não retoma da via, cujo sentido de marcha utilizava, imediatamente antes da curva onde ocorreu o acidente e onde havia invadido a meia faixa de rodagem no sentido de marcha inverso e resultou o embate no IQ, assim evidenciando que, por falta de manutenção e de substituição dos pneus utilizados precária e indevidamente pelo veículo NO, essa situação foi determinante e meio causal para a produção e colisão ocorrida no evento dos autos.»
Nisto fundamenta a autora o seu alegado direito de regresso contra a ré.
A sentença recorrida considerou provado que «o NO circulava com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha» - 12. dos factos provados.
E em seguida considerou provado que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais.» - 15. dos factos provados.
Tal como decidido no Ac. do S.T.J. de 30.10.2014, Proc. n.º 8/09.0TBMCD.P1.S1 (Távora Victor), in www.dgsi.pt:
- a violação de uma norma de segurança respeitante à circulação do veículo;
- a infração ao disposto no arts. 6.º, n.º 1[27], do Decreto Regulamentar 7/98, de 06.05:
- o mau estado de conservação dos pneus,
não faz presumir o nexo de causalidade quanto à ocorrência do acidente.
Ou seja, e com reporte ao caso concreto, a violação, pelo proprietário do NO, do disposto no art. 6.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar 7/98, de 06.05, por os pneumáticos frontais do NO se encontrarem sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha, não constitui presunção de que este facto foi a causa do acidente, não constitui presunção de nexo de não constitui presunção de que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais.»
O transcrito enunciado de facto descrito sob o ponto 15. dos factos provados não está, naturalmente, abrangido pela autoridade do caso julgado decorrente do decidido no Proc. n.º ____/20.7T8LRS.
A recorrente impugna assim a decisão sobre este ponto de facto:
«Mas a verdade é que o outro condutor a testemunha JM, no seu depoimento diz que nenhum dos motoristas ia em velocidade excessiva para o local, diz antes que ambos iam a uma velocidade moderada, (do mm 00:08:54 ao mm 00:09:08).
Refere claramente esta testemunha que a estrada e estreia, que tem pouca visibilidade e é uma zona de muitos acidentes (do mm 00:17:12 ao mm 00:18:10 e do 00:18:32 ao mm 00:18:48).
Também quanto á dinâmica do acidente cabe analisar o depoimento do outro condutor, o senhor JM, que insistentemente afirma que a culpa pelo acidente é do motorista do ligeiro de Mercadorias, o NO
E diz que é dele, porque ele se distraiu, que vinha cortar a curva e se distraiu, que ainda lhe apitou mas ele já não teve tempo de corrigir, que foi tudo muito rápido, Ao mm 00:05:41, mm 00:05:52 ao mm 00:09:54).
A verdade é que diz que o outro motorista se distraiu, diz que vinha cortar a curva, e que se distraiu e atrapalhou, (00:08:10)
Não fala esta testemunha, em travagens, derrapagens, nada !! pelo contrario diz que foi tudo muito rápido, (00:24:38) , que quando o outro motorista se aperceber já não teve tempo para nada, diz mesmo que o condutor do ligeiro não vinha em velocidade excessiva, que apenas se distraiu, (00:08:54 ao mm 00:09:08), diz mais diz que a curva é perigosa(00:09:30 ao mm 00:09:36)
Ora com este testemunho, depoimento que o Meritíssimo Juiz quo dá total credibilidade, não pode dar-se como provado que o acidente se deu em virtude do mau estado dos pneus, mas sim por distração, pelo menos do condutor do NO.»
O tribunal a quo considerou provado o ponto de facto 15. por via indiciária, através de presunções judiciais.
Uma das atribuições do Tribunal de Relação em sede de matéria de facto consiste em sindicar o uso que a 1.ª instância fez de presunções judiciais, cabendo-lhe ainda, sempre que disso for o caso, fazer uso de tais presunções na formulação da sua própria e autónoma convicção.
No tocante ao controlo sobre o uso de presunções judiciais feito pela 1.ª instância, o Tribunal da Relação pode proceder à alteração da matéria de facto se dispuser de todos os meios de prova que fundaram a decisão do tribunal a quo sobre os concretos pontos de facto objeto de impugnação (art. 662.º, n.ºs 1 e 2, al. c)).
Em suma, a intervenção do Tribunal da Relação no que se refere a presunções faz-se:
- ou pela via do controlo do uso de presunções judiciais pela 1.ª instância;
- ou pela via da utilização de presunções judiciais pela própria Relação quando formule a sua convicção autónoma.
O uso autónomo das presunções judiciais pelo Tribunal da Relação pode ainda ser feito sempre que se tratar de retirar dos factos provados presunções impostas pelas regras da experiência, conforme decorre dos arts. 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, ainda que, nestes casos, a Relação não possa contrariar outros factos que, tendo sido considerados provados pela 1.ª instância, não foram objeto de impugnação[28].
No caso sub judice, não obstante se expressar de uma forma que não prima pelo rigor e pela clareza, aquilo que a recorrente efetivamente pretende ao impugnar a decisão do tribunal a quo sobre o ponto 15. dos factos provados é que este tribunal de recurso controle o uso de presunções feito pela 1.ª instância para decidir como decidiu aquele ponto de facto.
Vejamos, então, se a 1.ª instância fez bom uso das presunções.
Dispõe o art. 349.º CC que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Decorre deste normativo, que a presunção é o resultado de uma dedução lógica, que tem como ponto de partida um facto conhecido e como objetivo a demonstração da realidade desse ou de um outro facto[29].
Tal dedução é o culminar da elaboração de um raciocínio lógico, constituindo a presunção a base da conclusão e a explicação do outro facto que se pretende provar, sem que se olvide que o facto que serve de ponto de partida é já um facto conhecido ou provado, em que apenas se pretende alcançar um facto desconhecido[30].
As chamadas presunções hominis, conceito no qual se integram as presunções judiciais, naturais ou de facto, têm por base e fundamento as máximas da experiência, ou seja:
- o conhecimento adquirido através da observação dos factos pelo homem médio, o denominado bom pai de família no contexto da comunidade em que se insere;
- a observação por ele feita e o conhecimento que daí retira quanto ao decurso das coisas tal como elas normal, lógica e naturalmente acontecem.
A presunção é, pois, o resultado de todo um raciocínio lógico, cujo ponto de partida é um facto conhecido, seja ele essencial, complementar, concretizador ou meramente instrumental, através do qual se pretende alcançar um facto desconhecido, que deverá ser considerado provado.
Conforme afirma Luís Pires Sousa, a presunção é «um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos:
FACTO-BASE/FACTO INDICIÁRIO + NEXO LÓGICO =
= FACTO PRESUMIDO.»[31].
O esquema proposto indica o seguinte:
- deve considerar-se um facto, o facto-base ou indiciário, já provado;
- através desse facto pretende alcançar-se o facto desconhecido, o facto presumido, a ser provado:
- essa prova faz-se através de um nexo lógico entre o facto conhecido e o facto desconhecido.
Abrantes Geraldes afirma que «(...) as presunções judiciais tanto podem assentar em factos essenciais que tenham sido considerados provados ou que resultem plenamente dos autos, como em factos de natureza puramente instrumental que resultem do processo ou da instrução da causa, tenham ou não tenham sido alegados pelas partes.
Relativamente aos factos que apenas sirvam de suporte à afirmação de outros factos por via de presunções judiciais, para além de não se mostrar necessária a sua alegação [art. 5.º, n.º 2, alínea a)] e de poderem ser livremente discutidos na audiência final (arts. 410.º e 516.º), nem sequer terão de ser objeto de um juízo probatório específico na 1.ª instância. Em regra, bastará que sejam revelados na motivação da decisão da matéria de facto, quando o juiz analisa criticamente as provas produzidas e exterioriza o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais ou complementares.
O importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas de prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade, designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais e nas regras de experiência que foram expostas.
Em tais circunstâncias, a Relação, em sede de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, tendo acesso a todos os meios de prova que foram produzidos e aos que foram prestados oralmente (...), estará apta a reapreciar a decisão e o correspondente juízo probatório formulado relativamente aos factos principais.»[32].
As máximas da experiência, tal como refere Ana Margarida Faria de Andrade, «(...) consistem em regras retiradas de diversos casos considerados semelhantes, em que ocorre uma expressão daquilo que sucede na grande maioria dos casos. Basicamente são juízos originários da experiência e da observação de tudo o que ocorre normalmente. Ao recorrermos à experiência, formulamos uma relação entre todos os factos, bem como um determinado juízo de valor, tendo como pressuposto que quando os casos são considerados semelhantes, é porque existe um certo comportamento idêntico.»[33].
Segundo afirma, «(...) a repetição dos factos não é suficiente para o fundamento das máximas da experiência, mas sim a ambição de que certos casos ainda inobservados poderão produzir-se de forma igual ou semelhante aos casos já observados. Os fenómenos que irão consubstanciar as máximas da experiência deverão ser de observação de todos os indivíduos, sendo parte integrante de um património considerado comum, permitindo a que as máximas da experiência sejam relativas, e não absolutas.»[34].
Para Michelle Taruffo, as máximas da experiência são regras que têm como principal base a experiência sobre o estado das coisas ou determinados acontecimentos, às quais o juiz recorre para servirem de base e fundamento das suas próprias linhas de raciocínio, articulando todo o raciocínio lógico, sendo a máxima da experiência um princípio maior da ilação judicial.
Para este Autor, as máximas da experiência são uma forma de racionalizar o senso comum, que pretende «dar uma configuração lógica àqueles aspetos do raciocínio judiciário.»[35].
Ainda de acordo com Ana Margarida Faria de Andrade, «as máximas da experiência consideram-se comuns quando incidem sobre aspetos do quotidiano de uma sociedade, que fazem parte da cultura do homem médio e que chegam a ser considerados parte integrante do património da sociedade. Estas máximas têm por base os acontecimentos diários, sendo constituída uma regra que será aplicada sempre que surjam casos ou situações similares.»[36].
Retornando ao caso concreto, o tribunal a quo não enuncia um único facto base ou indiciário a partir do qual e através de um nexo lógico, chegou à consequência da existência do facto essencial presumido: «A perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais.»
Por outras palavras, não enuncia um único facto base ou indiciário a partir do qual, e através de um nexo ou raciocínio lógico, lhe foi permitido concluir que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais».
Afirma o tribunal recorrido em sede de motivação da decisão quanto a esse enunciado fático, que «(...) a sua prova resulta da aplicação de regras de experiência comum, relacionadas com o modo de funcionamento dos veículos e com a concreta função que os pneus – essencialmente os frontais – assumem na condução (nomeadamente, em manobras que impliquem a travagem da viatura).
É, pois, através do recurso às presunções judiciais previstas nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil que se torna possível estabelecer o nexo de causalidade entre o estado dos pneus e o despiste ocorrido.
Ora, é do conhecimento geral que o mau estado de conservação dos pneus de uma viatura reduz de forma inversamente proporcional a sua capacidade de aderência à estrada, provocando a redução de atrito e a sua consequente falha.
É igualmente consabido que, quando a borracha superficial existente nas ranhuras dos pneus fica gasta, ocorrem alterações estruturais nos mesmos, ficando exposta uma borracha que está demasiado próxima da parte metálica do pneu e que terá menor qualidade, e, consequentemente, menor aderência.
Acresce que, num pneu vulgarmente caracterizado como “liso” ou “careca”, a borracha mostra-se desgastada e envelhecida, sem as caraterísticas de elasticidade necessárias para uma adequada tração e, consequentemente, para a circulação do veículo em condições de segurança, nomeadamente, dificultando a realização de manobras de mudança de direção, e, bem assim, de travagem, provocando um maior deslizamento e alteração de trajetória do veículo em curva e aumentando o espaço percorrido desde a travagem até à imobilização do mesmo.»
Ninguém duvidará que as coisas são mesmo assim em termos genéricos.
No respeitante ao caso concreto, afirma o tribunal a quo que «(...) tendo-se provado que os pneumáticos dianteiros do veículo seguro se apresentavam sem qualquer rasto, resulta claro que tal circunstância provocou a perda de aderência dos mesmos ao solo e dificultou a realização da curva apertada e da manobra de retoma da marcha no sentido em que o veículo deveria transitar, constituindo a causa do despiste verificado.
De facto, ao descrever a curva, a força centrífuga exercida pela inércia do veículo, aliada ao reduzido atrito provocado pelo facto de os pneus não terem rasto, levou necessariamente a que o mesmo fosse projetado para o eixo da faixa de rodagem, introduzindo-se na via onde circulava o outro veículo, provocando o embate.
Com efeito, nenhum outro circunstancialismo explica o acidente, não tendo sido provadas quaisquer outras causas que pudessem ter causado a perda de controlo do veículo por parte do seu condutor (como condições atmosféricas adversas, o piso molhado, a existência de algum obstáculo na estrada ou o seu mau estado de conservação ou, ainda, o excesso de velocidade do veículo).
Assim sendo, no contexto fáctico apurado, a falta de aderência dos pneus ao solo motivou a perda do controlo do veículo por parte do seu condutor, culminando na invasão da via de trânsito contrária e no embate com a outra viatura que nela circulava.
Refira-se a este propósito que é absolutamente irrelevante que o veículo em apreço tivesse sido submetido a inspeção periódica obrigatória há menos de quatro meses por referência à data do embate, uma vez que nada foi demonstrado pela Ré – ou sequer alegado – quanto à concreta condição dos pneumáticos frontais à data de tal inspeção, ou ainda, se tais pneus eram aqueles que se encontravam colocados na viatura no momento do acidente.»
Estando efetivamente provado que «o NO circulava com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha», o raciocínio subsequentemente seguido pelo tribunal a quo não permite, porém, à luz das regras da experiência comum, estabelecer um nexo lógico, um fio condutor, entre esse facto e o facto presumido: «A perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais.»
Ou seja, o tribunal a quo não logrou estabelecer e demonstrar o tal nexo lógico que lhe permitisse concluir que a perda de controlo do NO por parte do seu condutor foi causada pelo facto de a viatura circular com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha.
Sendo indiscutível, por notório, que a circulação de um veículo com os pneus da frente sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha:
- constitui indiscutivelmente um fator de perda da sua aderência ao solo;
- dificulta a realização de curvas apertadas e consequente retoma do seu sentido de marcha,
não é possível, “in casu”, estabelecer um nexo lógico que permita concluir que aquele facto foi a causa do despiste do NO.
Por outras palavras, inexiste, no caso em apreço, qualquer facto base ou indiciário, a partir do qual seja possível estabelecer um nexo lógico que permita concluir nos termos em que o fez o tribunal a quo, no sentido de que o facto de os pneus da frente do NO se encontrarem sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha, determinou a sua falta de aderência ao solo e motivou, causou, teve como consequência, a perda do controlo do veículo por parte do seu condutor, culminando na invasão da via de trânsito contrária e no embate com a outra viatura que nela circulava em sentido contrário.
É que, além de se ter provado que «O NO circulava com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha» (12.º), apenas se provou, para o que aqui e agora interessa, que:
- «A largura total da faixa de rodagem era de 5,30 metros.» - 6.º;
- «No sentido ____ - Loures, a estrada apresentava uma inclinação correspondente a uma subida à direita, na zona de ____.» - 7.º;
- «Era verão, o tempo estava seco e não chovia.» - 8.º;
- «O piso era betuminoso e não apresentava irregularidades.» - 9.º;
- «O limite de velocidade no local é de 50 km/hora.» - 10.º;
- «No referido local existem sinais de perigo, por ser uma zona acidentada.» - 11.º;
- «Na ocasião de tempo e lugar suprarreferida, o condutor do veículo com a matrícula NO, ao descrever uma curva à esquerda, perdeu o controlo da viatura, invadindo parcialmente a faixa de trânsito de sentido oposto àquele em que circulava.» - 14.º;
- «Nessa sequência, o veículo com a matrícula NO colidiu com a frente lateral esquerda (junto ao para-choques, guarda-lamas e porta da frente esquerda) na parte da frente e lateral esquerdas do veículo com a matrícula IQ.» - 16.º;
Nada disto permite o estabelecimento do tal nexo lógico de causalidade, à luz de regras da experiência comum, entre o facto base ou indiciário de que «o NO circulava com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha» (12.º) e o facto presumidamente provado de que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais.» (15.º).
Um aspeto que não pode deixar de ser realçado consiste no facto de no local do acidente existirem sinais de perigo, por ser uma zona acidentada – ponto 11. dos factos provados.
Assim sendo, tratar-se-á, por certo, de um local onde ocorrem, com alguma frequência, despistes de viaturas, nem todos eles sendo, seguramente, motivados pelo facto de os veículos cujos condutores perdem o controle da respetiva marcha, circularem com pneus lisos.
Facto base ou indiciário a partir do qual seria possível estabelecer o tal nexo lógico que permitisse chegar ao facto presumido, ou seja, que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais», poderia ser, por exemplo, a existência, no pavimento, um rasto de travagem do NO que, pelas suas características, indiciasse, à luz das regras da experiência comum, que a causa do despiste do veículo foi efetivamente o mau estado de conservação dos seus pneumáticos dianteiros.
Afirma o tribunal a quo que «nenhum outro circunstancialismo explica o acidente, não tendo sido provadas quaisquer outras causas que pudessem ter causado a perda de controlo do veículo por parte do seu condutor (como condições atmosféricas adversas, o piso molhado, a existência de algum obstáculo na estrada ou o seu mau estado de conservação ou, ainda, o excesso de velocidade do veículo).»
Não podemos acompanhar tão categórica afirmação!
A distração, a desatenção, a atrapalhação, até a imperícia, do condutor do NO, no momento do acidente, poderão muito bem ter sido fatores motivadores da «perda do controlo do veículo (...), culminando na invasão da via de trânsito contrária e no embate com a outra viatura que nela circulava.»
O facto de não constar da fundamentação de facto, enquanto matéria de facto provada ou não provada, isso não significa que «a perda de controlo da viatura», ou seja, do NO, não tenha sido «motivada» por qualquer um dos referidos fatores.
Veja-se, a propósito, o depoimento da testemunha JM, condutor do IQ, que depois de afirmar que:
- nenhum dos veículos intervenientes no acidente seguia a uma velocidade excessiva para o local, antes a uma velocidade moderada;
- a estrada é estreita, com pouca visibilidade, pronunciado uma curva perigosa, constituindo zona de muitos acidentes,
considera que o condutor do NO, a quem imputa a culpa pela produção do acidente, se distraiu ao «cortar a curva», referindo que «ainda lhe apitou mas ele já não teve tempo de corrigir, que foi tudo muito rápido» e que ele se atrapalhou.
Inexistindo qualquer facto base ou indiciário que permita, à luz das regras da experiência comum, o estabelecimento de um nexo lógico entre o facto provado sob o ponto 12. e o facto presumidamente provado sob o ponto 15., ou seja, no sentido de que a perda de controlo do NO foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais, isto é, por o veículo circular com os pneumáticos dianteiros sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha, há que:
- julgar procedente a impugnação da decisão sobre o facto provado sob o ponto 15.; e, consequentemente,
- julgar não provado este enunciado fático.
3.2.2 – Enquadramento jurídico:
Julgada procedente a impugnação da decisão quanto ao ponto 15. dos factos provados, em consequência do que se considera não provado que «a perda de controlo da viatura foi motivada pelo estado em que se encontravam os pneumáticos frontais», fica prejudicado o conhecimento do recurso quanto à demais matéria de facto impugnada (arts. 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2), passando-se de imediato à matéria de direito.
Dispõe o art. 27.º, n.º 1, al. h) do Dec. Lei n.º 291/2007, de 21.08, que «satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso (...) contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de utilização ou condução de veículos que não cumpram as obrigações legais de carácter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo, na medida em que o acidente tenha sido provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo.»
As obrigações legais de caráter técnico a que o preceito se refere são as disposições legais relativas à manutenção dos vários componentes do veículo, indispensáveis à prevenção do risco de ocorrência de sinistro.
Significa isto que o que está aqui em causa, como fundamento do direito de regresso da seguradora, é o aumento do risco desproporcional àquele que assumiu com a celebração do contrato de seguro.
À luz do citado normativo, e como decorrência do disposto no art. 342.º, n.º 1 CC, era sobre a autora que recaia o ónus de alegar e provar o nexo de causalidade entre o mau estado de conservação dos pneus do NO e o acidente.
Por outras palavras, era à autora que cabia alegar e provar que o acidente foi provocado ou agravado pelo facto de o NO circular com os pneumáticos frontais sem qualquer rasto e com sinais de perda de borracha[37], o que não fez.
Por isso, sem necessidade de mais considerandos, terá a apelação de ser julgada procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida, considerando-se, reitera-se, prejudicado, nos termos dos arts. 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, o conhecimento de quaisquer outras questões, de facto ou de direito, suscitadas no presente recurso.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, revogando, em consequência, a sentença recorrida e absolvendo a ré, A., Lda., do pedido contra si formulado pela autora, L, S.A..
Custas do recurso a cargo da apelada – arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2.

Lisboa, 8 de novembro de 2022
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
_______________________________________________________
[1] Doravante identificado apenas por “NO”.
[2] Doravante identificado apenas por “IQ”.
[3] Doravante identificado apenas por “PV”.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 80.º, p. 393.
[5] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 138.
[6] Idem, pp. 320-321. O Autor reporta-se ao art. 498.º do C.P.C./61, correspondente ao art. 581.º do C.P.C./13.
[7] O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325.º, pp. 49 e ss.
[8] Cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 599-600, e Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 49 e ss..
[9] Art. 581.º do C.P.C./13.
[10] Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 628, citando, em pa2018rte, o Ac. do STJ de 29.05.2004, Proc. nº 1722/12.9TBBCL.G1.S1 (João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[11] Vejam-se ainda, além do referido Ac. de 29.05.2014, os Acs. do S.T.J. de 06.03.2008, Proc. n.º 08B402 (Oliveira Rocha) e da R.G. de 12.07.2011, Proc. n.º 4959/10.1TBBRG.G1, todos in www.dgsi.pt.
[12] Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coimbra, Almedina, 2004, p. 415. Cfr. ainda a jurisprudência do S.T.J. citada na nota do acórdão que vimos acompanhando.
[13] B.M.J. 325.º, pp. 178-179.
[14] Ob. cit., p. 499. Cfr. ainda Teixeira de Sousa, Ob. Cit., 171. Cfr. também os Acórdãos do S.T.J. de 12.07.2011, de 12.09.2013, de 18.06.2014 e de 24.03.2015, citados no acórdão que vimos acompanhando.
[15] Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 33. Deve tratar-se, como refere este Autor, de "uma aplicação ou interpretação normativa insólita e inesperada, fora de um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão".
[16] Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pp. 317-318.
[17] Noções cit., p. 318.
[18] Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, 1968, p. 76.
[19] Limites cit., p. 101.
[20] Limites cit., pp. 152-159.
[21] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pp. 578-579.
[22] Estudos cit., pp. 579-581.
[23] O acórdão reporta-se ao art. 673.º do CPC/95-96, correspondente ao atual art. 621.º do CPC/13.
[24] O condutor do veículo NO, propriedade da aqui ré.
[25] O veículo IQ.
[26] Recorde-se o decidido no Ac. da R.L. de 07.10.2021, proferido naquele processo: «(...) O acidente de viação ocorreu, como salientado na sentença impugnada, por culpa do condutor do veículo propriedade da autora[26], que invadiu a faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e ali embateu no veículo pesado de passageiros[26], não resultando provada a prática de qualquer acto causal do acidente por parte do condutor deste último veículo.»
[27] «Os automóveis ligeiros e os reboques de peso bruto não superior a 3500 kg não podem transitar na via pública sem que o piso de todos os seus pneus, incluindo o de reserva, quando obrigatório, apresente em toda a circunferência da zona de rolagem desenhos com uma altura de, pelo menos, 1,6 mm nos relevos principais.»
[28] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, 2022, p. 339.
[29] Cfr. Antunes Varela-Miguel Bezerra-Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, p. 500.
[30] Cfr. Antunes Varela-Miguel Bezerra-Sampaio e Nora, Manual cit., p. 501, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, p. 215.
[31] Cfr. Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2012, pp. 23-24.
[32] Abrantes Geraldes, Recursos cit., p. 339.
[33] A Prova por Presunção no Direito Civil e Processual Civil – As Presunções Judiciais e o Recurso às Máximas da Experiência, Dissertação elaborada para a obtenção do grau de Mestre em Direito na especialidade de Ciências Jurídico-Processuais, Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões, Departamento de Direito, Lisboa, 2016, p. 24, disponível na internet em https://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/2744/1/UNIVERSIDADE%20AUT%C3%93NOMA%20DE%20LISBOA%20LU%C3%8DS%20DE%20CAM%C3%95ES%20-%20tese%20final.pdf (consultado no dia 29.10.2022).
[34] A Prova por Presunção cit., p. 25.
[35] Senso comum, experiência e ciência no raciocínio do juiz, in Revista da Escola Paulista de Magistratura, São Paulo, Vol. II, n.º 2 (Julho-Dezembro de 2001), p. 171-204, disponível em http://www.epm.tjsp.jus.br/Publicacoes/RevistaEPMView.aspx?ID=5520, p.186, citado por Ana Margarida Faria de Andrade, A Prova por Presunção cit., pp. 26-27.
[36] A Prova por Presunção cit., p. 25.
[37] Neste sentido, cfr. Nuno de Almeida Araújo Sobreira, Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel – Direito de Regresso da Seguradora e Sub-rogação do FGA, in Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito em Ciências Jurídico-Civilísticas, Menção em Direito Civil, Coimbra, 2014, pp. 98-99, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28442/1/Seguro%20obrigatorio%20de%20responsabilidade%20civil.pdf (Consultado em 29.10.2022), e Mário Luís Fernandes Dos Santos, Direito de Regresso da Seguradora no Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel – “Condução sob a influência do álcool” (art. 19.º, c) do DL 522/85 de 31/12 e 27.º c) do DL 291/2007 de 21/8), in Dissertação apresentada no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2013, p. 97, acessível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/34907/1/Direito%20de%20Regresso%20da%20Seguradora%20no%20Contrato%20de%20Seguro%20Obrigatorio%20de%20Responsabilidade%20Civil%20Automovel.pdf (Consultado em 29.10.2022).