ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
VALOR DA CAUSA
Sumário


I - A exceção prevista na al. a) do art.º 79.º do CPT, relativamente ao regime normal dos recursos, para além das situações onde esteja em causa a categoria profissional, ou a reintegração do trabalhador na empresa, apenas se aplica aos casos em que o despedimento ocorre por iniciativa do empregador, o que seguramente não sucede no caso em apreço, ou no caso em que seja questionada a validade ou subsistência do contrato de trabalho, o que também não sucede no caso em apreço.
II - O recurso é inadmissível quer porque o valor da causa é inferior à alçada do tribunal de que se recorre, quer porque a decisão impugnada não é desfavorável para o autor em valor superior a metade da alçada do tribunal de que recorrem, quer ainda porque não tem por fundamento qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, nem está em causa qualquer uma das ações a que aludem as alíneas do artigo 79.º do CPT.

Vera Sottomayor

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

APELANTE: D. M.
APELADA: X UNIPESSOAL, LDA.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão

I – RELATÓRIO

D. M., residente na Rua ..., Edifício ..., n.º …, em Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra X UNIPESSOAL, LDA., com sede Av. …, n.º …, Apartado …, Vila Nova de Famalicão na qual peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €1.767,31, acrescida de juros a contar da data da cessação do seu contrato de trabalho (10/11/20) até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de 5% até a integral pagamento.
Para tanto, alega ter sido admitido inicialmente ao serviço de Y, Lda por contrato de trabalho celebrado a termo incerto, em 11-05-2020, para exercer as funções de comercial mediante a quantia mensal ilíquida de €750,00, acrescida de €4,77 de subsídio de refeição tendo posteriormente sido transferido para a Ré, em virtude de aquela ter sido declarada insolvente.

Mais alega que o contrato cessou em 10 de Novembro de 2020, por caducidade, não lhe tendo sido liquidados todos os seus créditos salariais, razão pela qual reclama a condenação da Ré no pagamento da quantia global de €1.767,31, que assim discrimina:
- 750,00€:365 dias = 2,05€ x 182 dias = 373,97€ x 3 = 1.121,91€ (férias, subsidio de férias e de Natal)
- 750,00€ : 30 dias = 25,00€ x 12 = 300,00€ (férias vencidas e não gozadas)
- 750,00€ : 30 dias = 25,00€ x 9 dias que lhe foram retirados a titulo de faltas, quando ele não faltou) = 225,00€
- 50€ x 3 (Agosto, Setembro e Outubro, visto que só lhe pagaram 700,00€) = 150,00€
- 750,00€ :30 dias = 25,00€ x 10 dias de trabalho prestado em Novembro = 250,00€
- 4,77€ x 6 dias úteis (subsidio de alimentação) = 28,62€
- indemnização/compensação prevista no CT pela rescisão por acordo – 150,00€
Total – 2.225,53€ - 458,22€ (que já recebeu através de duodécimos) = 1.767,31€
A Ré contestou a acção dizendo, em resumo que foi constituída em 19/06/2020, tendo celebrado o contrato de trabalho a termo com o autor em 7-08-2020, o qual cessou de forma amigável, através de um acordo de revogação do contrato de trabalho, no dia 2 de Novembro de 2020, tendo liquidado integralmente os créditos laborais do Autor.
Por despacho proferido em 21-02-2021 foi determinada a notificação do autor para se pronunciar sobre a excepção invocada pela Ré em sede de contestação.
O autor veio responder em 7/03/2021, dizendo em resumo que mantém o alegado na p.i. e que impugna tudo o que, em contrário do seu articulado vem alegado pela Ré na sua contestação, o mesmo dizendo relativamente aos documentos juntos.
Por fim, pela Mma. Juiz a quo foi proferido despacho saneador sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a acção improcedente e, consequentemente, absolve-se a Ré “X Unipessoal, Lda.” do pedido deduzido pelo Autor D. M..
Custas pelo Autor.
Notifique.”

Inconformado com esta decisão que apreciou a exceção perentória da extinção da divida por remissão abdicativa e absolveu a Ré do pedido, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações e fazendo constar das suas conclusões recursivas as seguintes questões:

- nulidade da decisão, por violação do princípio do contraditório, dando lugar a uma decisão surpresa;
- errada valoração factual do acordo de revogação do contrato, junto aos autos pela Ré;
- da remissão abdicativa

A Recorrida não respondeu ao recurso,

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Apreciada a suscitada nulidade e admitido o recurso pelo tribunal a quo, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer no sentido da improcedência da apelação.
As partes foram notificadas para se pronunciarem quanto à admissibilidade do recurso.
A recorrente apresentou requerimento invocando o disposto no 79.º al. a) do CPT. dizendo que o objecto do litigio respeita à validade do contrato de trabalho celebrado com a sociedade “Y, Lda.”, que entretanto foi declarada insolvente, isto em conformidade com o que havia por si sido defendido no requerimento de interposição do recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões trazidas à apreciação deste Tribunal da Relação são as seguintes:
-Da nulidade da decisão por violação do princípio do contraditório;
- Da errada valoração do acordo revogatório do contrato de trabalho;
- Da remissão abdicativa
Antes, porém, impõe-se apreciar a questão prévia referente à admissibilidade do recurso.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados, em face da posição assumida pelas partes nos articulados e os documentos juntos aos autos:
A. A Ré dedica-se, à cedência e locação de recursos humanos a empresas e instituições privadas ou publicas, por termo definido contratualmente. Serviços de construção civil, construção de edifícios residenciais e não residenciais, fabricação, montagem e instalação de estruturas de construções metálicas, portas, janelas e outros elementos similares, fabricação e colocação de outras obras de carpintaria para janelas e outros elementos similares, fabricação e colocação de outras obras de carpintaria pata a construção, tendo sido constituída em 19.06.2020.
B. O Autor prestou à Ré a actividade de comercial, sob a sua autoridade e direcção, até 10 de Novembro de 2020.
C. Com data de 2 de Novembro de 2020, o Autor e a Ré assinaram o documento intitulado “Acordo de revogação do contrato de trabalho a termo” com o seguinte conteúdo:
“l.ª OUTORGANTE: "X, UNIPESSOAL, LDA. com o número único de matrícula e pessoa coletiva ………, com sede na Praça …, Loja … Vila Nova de Famalicão, neste ato representada pela sua sócia e gerente J. G., contribuinte fiscal número ………, titular do cartão de cidadão número ………, emitido pela República Portuguesa, válido até 15/06/2022 que outorga na qualidade de EMPREGADORA.
2.º OUTORGANTE: D. M., contribuinte fiscal número ………, titular do cartão de cidadão número ………, emitido pela República Portuguesa, válido até 19/11/2028, residente na Rua ... Edifício ..., no …, Vila Nova de Famalicão, que outorga na qualidade de TRABALHADOR.
Entre as outorgantes acima identificadas é livremente e de boa-fé celebrado o presente ACORDO DE REVOGACÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO INCERTO nos termos do artigo 349º do Código do Trabalho, com as cláusulas que seguem:
1ª CLÁUSULA: A primeira outorgante e o segundo outorgante cessam a partir do dia 10 de novembro de 2020, inclusive, por acordo, o contrato de trabalho a termo incerto celebrado entre ambas no dia 07/08/2020.
2ª CLÁUSULA: O segundo outorgante declara expressamente ter conhecimento que até ao sétimo dia seguinte à data da celebração do presente acordo, pode fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho mediante comunicação escrita dirigida à primeira outorgante.
3ª CLÁUSULA: O segundo outorgante declara que nada tem a reclamar e a receber da primeira outorgante, seja a que título for, uma vez que todos os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato estão totalmente pagos através de transferência bancária para o IBAN PT 50 .............. do qual o mesmo é titular.
O presente acordo é elaborado em duplicado, ficando cada um dos outorgantes com um exemplar.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da questão prévia da admissibilidade do recurso
Importa antes de mais apreciar a questão prévia da in/admissibilidade do recurso.
Resulta dos autos que a presente acção foi instaurada em 05/05/2021, tendo-lhe sido fixado o valor de €1.767,31, na decisão proferida em 22/03/2022, valor este que se tem por definitivamente fixado – cfr. artigo 306.º do CPC aplicável por força do disposto no artigo no artigo 1º n.º 2 al. a) do CPT.

Deixamos desde já consignado que o regime processual aplicável aos presentes autos é o seguinte:
- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;
O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto--Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março e 295/2009, de 13 de outubro, e alterado pela Lei n.º 107/2019, que o republicou.
O regime da admissibilidade dos recursos, em processo laboral, é o que consta das disposições combinadas do artigo 79.º do CPT. e do art. 629º do CPC.

Prescreve o art. 79.º do Código de Processo do Trabalho, com a epígrafe “Decisões que admitem sempre recurso” o seguinte:
Sem prejuízo do disposto no artigo 629.º do Código de Processo Civil e independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
a) Nas acções em que esteja em causa a determinação da categoria profissional, o despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador, independentemente da modalidade, a reintegração do trabalhador na empresa e a validade ou subsistência do contrato de trabalho;
b) Nos processos emergentes de acidente de trabalho ou de doença profissional;
c)Nos processos do contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais, das associações de empregadores e das comissões de trabalhadores.”

Este regime enuncia a regra geral, que resulta do n.º 1 do art. 629.º do CPC, e particulariza diversas exceções, plasmadas nos seus números 2) e 3). Como nenhuma dessas exceções se verifica no caso dos autos, apenas releva a assinalada regra geral que resulta agora do n.º 1 do artigo 629.º do CPC, que tem como epígrafe “Decisões que admitem recurso”:
1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”
Cabe-nos salientar que quer o artigo 79.º do CPT, quer os n.ºs 2 e 3 do artigo 629.º do CPC, preveem situações em que o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Contudo, ressalvadas as situações excecionais consagradas na lei o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse Tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
Ora, a admissibilidade de recurso ordinário impõe a verificação cumulativa dos referidos requisitos um que respeita ao valor da causa e o outro à sucumbência.
Por outro lado, importa reter que em matéria civil, o valor da alçada da 1ª instância está atualmente fixado em €5.000,00 e a dos tribunais da Relação está fixado em €30.000,00– artigo 44º da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ).
Por alçada entende-se o “limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário” – cf. Alberto dos Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 220.
A decisão de que se recorre foi proferida no âmbito de um processo declarativo comum de natureza laboral, no âmbito do qual foi fixado o valor da causa em €1.767,31, ou seja, um valor bastante inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre, sendo certo que não está em causa nenhuma das situações excecionais consagradas nas alíneas a) a c) do artigo 79.º do CPT, nem nenhuma das situações previstas no artigo 629.º, nºs 2 e 3 do CPC., nem se questiona o valor da causa que foi fixado por despacho, que transitou em julgado, o que significa que é esse o valor a atender para efeitos de admissão de recurso.
Cumpre ainda dizer que a exceção prevista na al. a) do art.º 79.º do CPT, relativamente ao regime normal dos recursos, para além das situações onde esteja em causa a categoria profissional, ou a reintegração do trabalhador na empresa, apenas se aplica aos casos em que o despedimento ocorre por iniciativa do empregador, o que seguramente não sucede no caso em apreço, ou no caso em que seja questionada a validade ou subsistência do contrato de trabalho, o que também não sucede no caso em apreço.
No caso dos autos, apesar do autor alegar a caducidade do contrato de trabalho, o que não configura uma situação de despedimento de iniciativa do empregador – cfr. artigos 340.º, 343.º a 348.º do Código do Trabalho -, o certo é que se limita a peticionar créditos laborais resultantes do acerto de contas finais por o contrato ter terminado, nele se incluindo também uma compensação pelo acordo de revogação de contrato, tal como ele próprio discrimina na petição inicial.
Acresce dizer que o objeto do litígio em nada contende com a validade do contrato de trabalho inicialmente celebrado com a sociedade que foi declarada insolvente, pois nos seus articulados o autor não questiona a validade do contrato a termo incerto inicialmente celebrado, nem questiona a validade do contrato a termo que a Ré em sede de contestação alega ter consigo celebrado, daí extraindo as respectivas consequências. Ou seja, no âmbito dos presentes autos apenas se discute o acerto de contas final resultante da cessação do contrato, sem que a validade do contrato/contratos, seja posta em causa e sem que se formule qualquer pedido em conformidade.
Ora, nem a causa de pedir, nem o pedido de condenação que o Autor formula se inserem em qualquer uma das situações excecionais a que alude o art.º 79.º do CPT, designadamente na prevista na sua alínea a). A razão de ser desta alínea a) tem a ver com os valores envolvidos, designadamente a proteção do direito ao emprego, estando em causa a reintegração do trabalhador, ou por opção deste o substituto desta. Já não se justifica o regime excecional quando, por se tratar de autodespedimento ou de acordo revogatório, em que não está em causa a reintegração, mas tão só o direito ou não a uma quantia monetária indemnizatória.
Na verdade, o autor limita-se a peticionar créditos laborais resultantes da cessação do contrato de trabalho, que ocorreu por acordo revogatório ou eventualmente por caducidade, sem por em causa a validade ou a subsistência do contrato, tudo situações em que não é aplicável o regime excecional.
Em suma, o recurso é inadmissível quer porque o valor da causa é inferior à alçada do tribunal de que se recorre, quer porque a decisão impugnada não é desfavorável para o autor em valor superior a metade da alçada do tribunal de que recorrem, quer ainda porque não tem por fundamento qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, nem está em causa qualquer uma das acções a que aludem as alíneas do artigo 79.º do CPT.
Nos termos expostos, mais não resta do que não admitir o presente recurso de apelação, em face do valor da causa - €1.767,31 - artigos 629.º, n.º 1 CPC, 1º do CPT e 44.º nº 1 da Lei n.º 62/2013 de 26-08.

V – DECISÃO

Nesta conformidade, pelos motivos expostos, acordam os Juízes nesta Relação em julgar inadmissível a apelação e consequentemente decidem não conhecer do seu objeto.
Custas pelo Apelante/Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, que lhe foi concedido.
Notifique.
Guimarães, 3 de Novembro de 2022

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira