ALTERAÇÃO DO HORÁRIO DE TRABALHO
CONSULTA AOS TRABALHADORES
CONSULTA À COMISSÃO DE TRABALHADORES
Sumário


A alteração do horário de trabalho por parte da empregadora, ao abrigo dos poderes de direção, deve ser precedida das diligências referenciadas no artigo 217º, 2 do CT, sob pena de invalidade da decisão.
Tal dever, no que respeita às consultas, mostra-se cumprido se antes da alteração foi dado conhecimento aos trabalhadores das razões da eliminação do horário de trabalho em que laboravam, dando-lhes oportunidade de escolherem entre outros disponíveis e permitindo-lhes pronunciarem-se sobre a intenção; e por outro, foi dado conhecimento à comissão de trabalhadores da referida intenção, tendo o assunto sido abordado entre a administração e esta, em reuniões havidas.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

E. M., residente em Braga e com os demais sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum laboral, contra X Car Multimédia Portugal, S.A., com sede em Braga, pedindo se declare que a alteração do seu horário de trabalho do 3º para o 1º turno é ilícita, com a consequente condenação da ré:

- A repor o horário que, até 01.10.2018, vinha a cumprir, correspondente ao 3º turno; ---
- A pagar-lhe a quantia de € 7.651,40, bem como a importância, a liquidar em execução, a que, no futuro e até àquela reposição, resultar da diferença entre a retribuição mensal que irá auferir e a que deveria receber correspondente ao 3º turno; ---
- A indemnizá-la, por danos de natureza não patrimonial, na importância de € 5.000; ---
- A pagar, em partes iguais, a ela, autora, e ao Estado, a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que vierem a ser impostas por via da decisão a proferir e a partir do momento em que esta se apresentar na condição de exequível. ---
Fundamentou as correspondentes pretensões, alegando/sustentando, em síntese, que, foi admitida como trabalhadora da autora, como operadora fabril, a que corresponde, atualmente, a denominação de operadora especializada. Foi individualmente acordado entre as partes o horário de trabalho a ser cumprido, que, de acordo com a respetiva Cláusula 5ª., e após o período de aprendizagem, se iniciava pelas 23h00m, terminando, de terça a sexta-feira, pelas 6h00m e, aos sábados, pelas 8h30m, com intervalo para descanso entre as 3h00m e as 3h30m; que, aos 29.05.98, foi celebrada “Alteração ao Contrato de Trabalho”, acordando, nessa oportunidade, e individualmente, as partes que a atividade dela, autora, passaria a ser prestada em regime de tempo inteiro, de 40 horas por semana, com entrada pelas 14h30m, descanso pelas 19h00m e saída pelas 23h00m; que, posteriormente, aos 08.11.98, foi celebrado novo “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, por via do qual, e mais uma vez, foi individualmente acordado que ela, autora, ficaria sujeita a horário de trabalho com entrada pelas 6h00m, descanso entre as 11h00m e as 11h30m, e saída pelas 14h30m, entre segunda e sexta-feira.
Por carta de 18.04.2013, a ré, de forma unilateral, procedeu à alteração do horário que ela, autora, vinha cumprindo, correspondente ao 1º turno, para o 2º turno, que era das 14h30m às 23h00m, alteração essa relativamente à qual comunicou o seu desagrado, o que determinou que continuasse a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 1º turno, o que se manteve até 22.06.2013; que, nesta data, as partes acordaram, de forma individual também, que ela, autora, passaria a exercer funções no 3º turno parcial, entre as 23h00m e as 6h00m, de segunda a sexta-feira, situação que perdurou entre 23.06.2013 e 31.09.2018; que, nesta última data, a ré procedeu, unilateralmente, e sem o seu acordo, à alteração do horário de trabalho; que, a anteceder essa ocorrência, a ré, por comunicação escrita de 19.09.2018, lhe comunicou que, com efeitos a partir de 01.10.2018, passaria do 3º turno parcial para o 1º turno, com entrada pelas 6h00m, descanso das 11h00m às 11h30m, e saída pelas 14h30m, de segunda a sexta-feira; que, na sequência da mencionada comunicação, ela, autora, manifestou a sua oposição, por comunicação escrita datada de 24.09.2018, remetida por via postal registada à ré; que, não obstante isso, a ré manteve a alteração do seu horário de trabalho, passando a ficar sujeita a cumprir o horário correspondente ao 1º turno; que, para além de a alteração imposta não ter sido antecedida de consulta a ela, autora, a ré não consultou nem informou a Comissão de Trabalhadores, o SITE, de que era associada desde 30.04.2003, nem os delegados sindicais existentes na empresa; que, a acrescer à ilegalidade do seu procedimento, à luz do convencionado entre as partes e quanto aos formalismos de consulta prévia aplicáveis, a atuação da ré teve como efeito que, auferindo ela, autora, à data em que cumpria o 3º turno, a retribuição mensal ilíquida de € 1.333,46 e líquida de € 1.030,01, tivesse passado a auferir a remuneração mensal ilíquida de € 950,89 e líquida de € 764,52, com consequente redução da sua retribuição no montante ilíquido de € 382,57, e que, em termos líquidos, implicou perda remuneratória no montante de € 265,49, correspondente a, pelo menos, 30%; que o agregado familiar dela, autora, é composto por si e pelo seu cônjuge, desempregado, doente e sem qualquer tipo de rendimento, cifrando-se as respetivas despesas mensais fixas no valor, pelo menos, de € 1.000,00, a incluir renda da casa - € 164,77 -, alimentação - € 250,00 -, eletricidade e gás - € 137,00 -, água - € 20,00 -, medicamentos – no mínimo, de € 150,00 – e demais despesas correntes; que, por efeito da ocorrida redução salarial, só com privação na parte dos encargos diários e mensais do agregado lhe tem vindo a ser possível subsistir; que a alteração de horário promovida pela ré também provocou injustificada alteração na organização de vida dela, autora, a nível laboral e pessoal, na medida em que ficou impedida de providenciar pela refeição de almoço do seu agregado e da relativa à sua progenitora, que, aquando da alteração de turno, foi acometida de AVC, estando internada num lar de dia, bem como de realizar as demais lides domésticas que se encontram sob a sua responsabilidade, tudo tarefas que deixou de executar; que a ré desenvolve a sua atividade em laboração contínua, com, pelo menos, cinco turnos, a permitir-lhe a obtenção de elevados lucros, com um volume de vendas a ultrapassar os 1,5 milhões de euros, pelo que não tinha necessidade nem nada justificava a alteração a que procedeu; que a ré não fundamentou a alteração de horário a que procedeu, sendo, por conseguinte, nula a correspondente comunicação, para além de afetada por idêntico vício por falta de requisitos formais prévios, representando a sua atuação comportamento substancialmente ilícito e, ainda, revelador de contrariedade aos ditames da boa fé, na modalidade de abuso de direito; que, tendo a ré tido a oportunidade de alterar a decisão que tomou, não o fez, dando causa a que ela, autora, se sentisse, como se sentiu, afetada, humilhada e vexada, e que vivenciasse intensa preocupação quanto à manutenção dos encargos e despesas do seu agregado, bem como profundo desgosto e sentida indignação; que a ré, líder no seu sector de atividade, gera milhões de euros em vendas e obtém, em decorrência disso, avultados lucros, empregando mais de 3.500 trabalhadores. ---
A ré contestou alegando/sustentando, em síntese, não corresponder com a verdade que o horário da autora, definido aquando da sua admissão, haja sido individualmente acordado com ela nem, tampouco, que isso haja sucedido nas alterações a que foi sendo sujeito, tendo aceite a autora, ao invés, no momento da celebração do contrato de trabalho, cumprir o horário que a empresa, em cada momento, e de acordo com o seu poder de direção, viesse a fixar; que a alteração que foi promovida com efeitos a partir de 01.10.2018, obedeceu, como as restantes, a motivos de reorganização e gestão interna da empresa, tendo sido realizada de forma legítima e justificada; que o assunto respeitante a essa alteração foi abordado e discutido nas reuniões mensais realizadas entre ela, ré, e a Comissão de Trabalhadores, ao longo do ano de 2018; que essa comissão sugeriu, na sequência disso, que ela, ré, divulgasse a correspondente informação pelo universo de trabalhadores, o que foi concretizado através de publicação de um “Infor+” sobre transferências do 3º turno para outros turnos, com indicação de que os trabalhadores deveriam manifestar, junto das chefias diretas, qual o turno alternativo preferencial; que a mudança de trabalhadores afetos ao 3º turno resultou de uma transição progressiva, tendo-lhes sido concedida a possibilidade de manifestar a sua preferência, a que ela, ré, sendo possível, atendeu, atendendo, na prevalência dessa escolha, à antiguidade do trabalhador, cabendo-lhe, em última instância, em caso de dúvida ou impossibilidade, decidir; que, para além disso, a mudança de turno foi previamente abordada e discutida com a autora e restantes trabalhadores presentes nas reuniões que ocorreram com as respetivas chefias; que foi na sequência dessas reuniões que a autora, perante o seu chefe de linha, manifestou a sua preferência pelo 1º turno; que a diminuição verificada na remuneração da autora adveio da redução proporcional do complemento auferido a título de horas noturnas, que, com a integração no 1º turno, passou a ser de apenas de uma hora por dia, pelo que o correspondente procedimento não contendeu com o princípio da irredutibilidade da retribuição; que, a entender a autora que a alteração do horário de trabalho implicou alteração substancial do contrato de trabalho e respetivas condições, tinha ao seu alcance a possibilidade de, com justa causa objetiva, resolver o contrato; que não se encontra o empregador adstrito à obrigação de atribuir/manter o trabalhador em horário de trabalho específico, em função da conveniência pessoal, organização familiar e/ou situação económica do mesmo, sob pena de ficar impedido de exercer direito legítimo, integrador do seu poder de direção; que, para além de desconhecer, sem obrigação do contrário, o que a autora articulou para fundamentar os danos de natureza não patrimonial cujo ressarcimento peticionou, o que, a esse respeito, alegou, não passa de referências genéricas, sem a necessária densificação factual nem clarificação do correspondente nexo causal; que o montante indicado para fixação de eventual sanção pecuniária compulsória excede os limites da razoabilidade. ---
Concluiu, pugnando pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição das pretensões formuladas. –
Realizado o julgamento foi proferida decisão absolvendo a ré dos pedidos.

Inconformada a autora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso interposto da sentença final, proferida nos autos acima referenciados, que julgou improcedente a ação apresentada pela ora apelante;

D) Após a produção de prova, o tribunal a quo proferiu decisão quanto à matéria de facto e de direito, no qual e, em suma, entende que os horários de trabalho aplicados pela recorrida à recorrente não foram acordados individualmente, que se tratou de um uso legitimo do poder de direção daquela, que a violação do dever prévio de consulta à trabalhadora visada e a Comissão de Trabalhadores não interfere com a eficácia da decisão, constituindo um mero ilícito contraordenacional, concluindo que a decisão de alteração do horário de trabalho foi licita, não tendo a empregadora agido em abuso de direito;

G) A matéria de facto que foi dada provada e não deveria ter sido, pelas razões vertidas na análise dos pontos infra identificados nas motivações, as quais se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente pela ausência de prova, encontra-se vertido no ponto 2 e que se reporta à seguinte factualidade: r). A ré fez comunicar, pelo menos a partir de março de 2018, à Comissão de Trabalhadores e a todos os trabalhadores do sector produtivo do 3º Turno, designadamente através de boletim informativo Infor+, a sua intenção de, por motivos de reorganização e gestão interna da empresa, o extinguir, bem como a possibilidade de os trabalhadores manifestarem preferência por algum dos restantes turnos, a atender, se isso viesse, em função da respetiva antiguidade, a mostrar-se possível;
s). O assunto respeitante à extinção do 3º Turno para os trabalhadores do sector produtivo, à transição destes para outros turnos e ao exercício de preferências, foi, também, abordado e discutido nas reuniões mensais realizadas, a partir, também e pelo menos, do mês de Março de 2018, entre a ré e a Comissão de Trabalhadores, bem como em plenários dessa comissão com os seus trabalhadores, um deles com participação de um representante do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Norte – SITE Norte -, e, ainda, entre os trabalhadores, a autora incluída, e as suas chefias diretas, em reuniões entre estes realizadas;
H) Quer em face da alteração da decisão da matéria de facto assente, quer mesmo que assim não se entenda alterar, o que não se concede, sempre se impunha decisão diversa da proferida pelo tribunal a quo;
I) Embora a decisão da alteração do horário de trabalho recaia no poder de direção da empregadora, o certo é que a mesma está adstrita a determinados condicionalismos legais e que não foram respeitados pela recorrida em relação à recorrente e que implica a ilicitude de tal ordem;
J) Com efeito, a alteração do horário da recorrente do 3º para o 1º turno é ilícita na medida em que a comunicação da empregadora não se encontra fundamentada, pelo facto da decisão não ter sido precedida da consulta à recorrida e à Comissão de Trabalhadores, de implicar uma alteração a um horário acordado individualmente e por interferir diretamente com os direitos e interesses da trabalhadora;
M) Em consequência, tem a recorrida o direito a reposição do horário de trabalho correspondente ao 3º turno, ao pagamento das diferenças salariais em resultado dessa alteração e ao pagamento da indemnização por danos não patrimoniais, tudo nos termos em que se encontra peticionado;
N) Ao decidir, como decidiu, julgando improcedente a ação instaurada pelo recorrente contra a recorrida, absolvendo esta dos pedidos formulados, o tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou corretamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 106º, nº 1 e 3, 109º, nº 1, 212º, nº 1, 2, al. b), 3 e 4, 217º, nº 2 e 4, 425º, al. c) do Código do Trabalho; 236º do Código Civil; e 607º 4 e 5 do Código de Processo Civil e artº 54º, nº 1, 5, al. a), b), c), 59º, nº 1, al. b) e d) e 67º, nº 1 estes da Constituição da República Portuguesa;…
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Exmo. procurador deu parecer no sentido da improcedência.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

***
Factualidade:

Resultaram provados os seguintes factos:
a). A ré X Car Multimédia Portugal, S.A., constituída que foi em 1990, com a inicial natureza de sociedade por quotas e a denominação de Y Auto-Rádio Portugal, Ldª., dedica-se, no local da sua sede, à atividade de fabrico e comercialização de autorrádios e material elétrico e eletrónico. ---
b). Por escrito denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, outorgado aos 03.02.1998, a autora foi admitida ao serviço da ré, pelo período de três meses, com início a 09.03.1998, para, mediante retribuição e sob as ordens, direção e fiscalização desta, exercer as funções inerentes à categoria de operária fabril, a que, atualmente, corresponde a categoria de operadora especializada. ---
c). Da Cláusula 5ª. do escrito mencionado em b)., foi feito constar que: ---
“O trabalho será prestado em regime de tempo parcial de acordo com os seguintes horários:
a). Durante o período de aprendizagem: Entrada: 6:00 Descanso 11:00-11:30 Saída: 13:30
b). Após período de aprendizagem: Entrada: 23:00 Descanso: 03:30 Saída: 06:00 de 3ª a 6ª Feira e 8:30 ao Sábado”. ---
d). Mais foi feito constar da Cláusula 9ª. do sobredito escrito que: ---
“O(A) Contratado(a) obriga-se a:
a). Cumprir o horário de trabalho fixado, ou que a parte contratante vier a fixar (…)”. ---
e). Por escrito denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, datado de 08.05.1998 e nessa data assinado por autora e ré, foi declarado celebrarem as partes, com efeitos a partir de 09.05.1998, aditamento ao contrato de trabalho, nas seguintes condições: ---
“(…) 4ª – As partes aceitam em prorrogar a vigência do Contrato de Trabalho, pelo período de 06 meses.
5ª – O trabalho será prestado em regime de tempo parcial de acordo com o seguinte horário:
Entrada: 23:00 Descanso: 03:00-3:30 Saída: 06:00 (3ª a 6ª. Feira e 8:30 ao Sábado) (…)”.
f). Por escrito denominado “Alteração ao Contrato de Trabalho”, datado de 29.05.1998 e nessa data assinado por autora e ré, foi declarado: ---
“(…) 1ª – As partes aceitam alterar o teor das cláusulas 5ª e 6ª, do contrato de trabalho entre elas celebrado, em 03 de fevereiro de 1998, e que vem vigorando desde 09 de fevereiro de 1998, que passa a ser a seguinte:
Cláusula 5ª.
O trabalho passará a ser prestado em regime de tempo inteiro (40 horas semanais) com o seguinte horário:
Entrada: 14:30 Descanso 19:00-19:30 Saída 23:00
(…) 2ª – A presente alteração tem o acordo das partes.
3ª – As restantes cláusulas do contrato inicial celebrado em 03 de fevereiro de 1998 mantêm-se em vigor. (…)”. ---
g). Por escrito denominado “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, datado de 08.11.1998 e nessa data assinado por autora e ré, foi declarado celebrarem as partes, com efeitos a partir de 09.11.1998, aditamento ao contrato de trabalho, nas seguintes condições: ---
“(…) 4ª – As partes aceitam em prorrogar a vigência do Contrato de Trabalho, pelo período de 12 meses.
5ª – O trabalho será prestado em regime de tempo total de acordo com o seguinte horário:
Entrada: 06:00 Descanso: 11:00-11:30 Saída: 14:00 (2ª a 6ª. Feira) (…)”. ---
h). Por escrito datado de 18.04.2013, a ré comunicou à autora: ---
“(…) Por razões imperiosas de funcionamento e de interesse global da empresa, a X CAR MULTIMÉDIA PORTUGAL, S.A., decidiu alterar o horário de trabalho, ou seja, do turno designado por 1º Turno para o 2º Turno. Desta forma, tendo em consideração o estabelecido no Contrato Coletivo de Trabalho, em particular no nº 1 da Cláusula 9ª. do CCT, bem como o que se encontra estabelecido nos contratos individuais de trabalho, nomeadamente naquele que oportunamente celebrou com a empresa, informamo-lo(a) que no próximo dia 21.05.2013, inclusive, será alterado o seu horário de trabalho.
Pelo atrás exposto dá-se instrução formal para que na data atrás referida se apresente no seu local de trabalho, passando a partir da mesma a praticar o horário do 2º turno. (…)”. ---
i). Em resposta à comunicação reportada em h)., a autora dirigiu à ré escrito com os seguintes dizeres: ---
“(…) Tendo recebido uma carta enviada por V. Ex.ªs, na qualidade de minha entidade patronal, com indicação de alteração de turno/horário de trabalho – passagem para o 2º Turno – para o próximo dia 21/05/2013 vem-se expor e requerer o seguinte:
1. Encontro-me há 12 anos a realizar o meu horário de trabalho no 1º Turno.
2. Tenho 15 anos de antiguidade nesta empresa.
3. Considero que sempre fui uma trabalhadora zelosa, diligente e cumpridora dos meus deveres e sempre pautei a minha conduta pela defesa dos interesses desta empresa.
4. Em 14/10/2009 o meu pai (…) sofreu um grave acidente vascular cerebral que lhe determinou graves lesões e um estado de total incapacidade, encontrando-se desde essa data acamado, sem fala, sem qualquer possibilidade de locomoção e alimentado por sondas.
5. Necessita assim de cuidados permanentes (…).
6. Esses cuidados são efetuados pela minha pessoa e pelo único irmão (…).
7. Por total ausência de outra ajuda e incapacidade física da minha mãe (…), na qualidade de únicos cuidadores, eu e o meu irmão organizamos esses cuidados de acordo com os nossos horários de trabalho (…).
10. Acresce ainda que os rendimentos de ambos os meus pais (…) são insuficientes para suportar o pagamento de um lar ou outros cuidados externos (…).
13. Sendo certo que, com o devido respeito, existem outros trabalhadores, incluindo com menos antiguidade de casa, a quem a alteração de horário não iria trazer tantas dificuldades e prejuízo como à minha pessoa.
14. A apresentação deste meu pedido não irá certamente colidir com o bom funcionamento, nem com o interesse global desta empresa,
15. Aliado à prossecução do bem social que sempre norteou a conduta da X. Nesses termos, requer-se mui respeitosamente a V. Ex.ªs, atendendo às razões supra expostas, que a minha posição seja reavaliada, concedendo-me a permanência no horário de trabalho primitivo, designado por 1º Turno (…)”. ---
j). O horário de trabalho da autora acabou por não ser alterado, mantendo-se a mesma a exercer funções no 1º Turno, o que se manteve até 22.06.2013. ---
l). A partir de 23.06.2013, a autora passou a exercer funções no 3º Turno parcial, com horário entre as 23h00m e as 6h00m, de segunda a sexta-feira. --
m). Por escrito datado de 19.09.2018, a ré comunicou à autora: ---
“(…) Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 217º do Código do Trabalho, vimos pelo presente meio dar comunicar a V. Exª. da alteração de horário de trabalho do 3º turno parcial para o 1º turno (entrada: 06:00; descanso das 11:00 às 11:30; saída: 14:30 de segunda-feira a sexta-feira), com efeitos a 01/10/2018. (…)”. ---
n). Em resposta à comunicação mencionada em m)., a autora remeteu escrito à ré, datado de 24.09.2018, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos, por via do qual manifestou a sua discordância à alteração do respetivo turno/horário de trabalho, manifestando pretender continuar a exercer funções no 3º Turno e instando a ré a retroceder na sua decisão.
o). Não obstante a oposição pela autora manifestada, nos termos reportados em n)., passou a mesma, em resultado da determinação da ré, a exercer, partir do dia 01.10.2019, funções no horário correspondente ao 1º Turno, com entrada pelas 6h00m, descanso das 11h00m às 11h30m, e saída pelas 14h30m. ---
p). Subjacente à comunicação referida em m). esteve a decisão que a ré, por motivos de reorganização e gestão interna da empresa, tomou no início do ano de 2018, de extinção do 3º Turno relativamente ao sector produtivo, no qual se incluía a autora, tendo tal decisão sido por ela executada de forma progressiva, até momento não posterior ao final do referido ano e com abrangência relativamente a todos os trabalhadores até aí enquadrados nos mencionados sector e turno. ---
q). Essa decisão não foi antecedida de acordo individual entre a ré e a autora.
r). A ré fez comunicar, pelo menos a partir de março de 2018, à Comissão de Trabalhadores e a todos os trabalhadores do sector produtivo do 3º Turno, designadamente através de boletim informativo Infor+, a sua intenção de, por motivos de reorganização e gestão interna da empresa, o extinguir, bem como a possibilidade de os trabalhadores manifestarem preferência por algum dos restantes turnos, a atender, se isso viesse, em função da respetiva antiguidade, a mostrar-se possível. ---
s). O assunto respeitante à extinção do 3º Turno para os trabalhadores do sector produtivo, à transição destes para outros turnos e ao exercício de preferências, foi, também, abordado e discutido nas reuniões mensais realizadas, a partir, também e pelo menos, do mês de Março de 2018, entre a ré e a Comissão de Trabalhadores, bem como em plenários dessa comissão com os seus trabalhadores, um deles com participação de um representante do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Norte – SITE Norte -, e, ainda, entre os trabalhadores, a autora incluída, e as suas chefias diretas, em reuniões entre estes realizadas. ---
t). Na sequência dessas reuniões com as chefias diretas, a autora manifestou, perante o seu chefe de linha, preferência, de entre os restantes turnos que iriam manter-se, pelo 1º Turno em momento que antecedeu a comunicação reportada em m). ---
u). A autora é associada do SITE Norte, pelo menos, desde junho de 2003. ---
v). À data em que se encontrava adstrita ao 3º Turno, a autora auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.333,46 e líquida de € 1.031,01. ---
x). A partir de outubro de 2018, a autora passou a auferir a retribuição mensal ilíquida de € 950,89 e líquida de € 764,52. ---
z). A alteração remuneratória ocorrida adveio da redução proporcional do complemento auferido pela autora, a título de horas noturnas, que, com a integração no 1º Turno, passou a ser de uma hora por dia. ---
aa). O agregado familiar da autora é composto por ela e pelo respetivo cônjuge, sendo que este, pelo menos em 2018, não auferiu qualquer rendimento. ---
bb). O agregado suporta o encargo mensal de € 164,77 relativo a habitação, bem como o de € 20,00 em consumo de água, despendendo, em consumos de eletricidade e gás, por cada dois meses, a importância de € 137,00, a isso acrescendo gastos com alimentação e outas despesas correntes. ---
cc). A autora vivenciou os sentimentos de desagrado e de revolta pela mudança de horário que a visou, pela necessidade que teve de reorganizar aspetos da sua vida pessoal e familiar, para além da diminuição de retribuição que isso para ela representou. ---
dd). A ré integra o grupo multinacional X, que é líder no fornecimento de tecnologias e serviços e que emprega mais 400.500 colaboradores por todo o mundo, gerando 78 mil milhões euros de euros em vendas. ---
ee). A ré, no estabelecimento fabril de Braga, onde desenvolve o seu objeto social e emprega mais de 3.500 colaboradores, é líder no fabrico e comercialização de material elétrico e eletrónico, gerando milhões de euros em vendas e obtendo avultados lucros. ---

B). FACTUALIDADE NÃO DEMONSTRADA

Não se demonstrou, com relevância para a decisão a proferir, que: ---
1. O horário de trabalho a prestar pela autora haja sido, na oportunidade da celebração do acordo mencionado na al. b). da materialidade dada como demonstrada, individualmente negociado entre elas. ---
2. Outro tanto haja sucedido aquando dos “Aditamentos ao Contrato de Trabalho” mencionados nas als. e)., f). e g). ---
3. O posicionamento da autora, em face da comunicação referida na al. h). da materialidade dada como demonstrada, haja sido de oposição à decisão da ré e que haja sido por isso que esta se viu na condição de ter que a manter a exercer o seu trabalho no 1º Turno.
4. A alteração de horário mencionada na al. j). da materialidade dada como demonstrada haja resultado de acordo individual entre autora e ré. ---
5. O SITE não haja sido consultado a respeito da decisão da ré de extinção do 3º Turno e de afetação, em resultado disso, dos trabalhadores a outros turnos. ---
6. A ré, por desenvolver a sua atividade em laboração contínua, pelo menos, com cinco turnos, a permitir-lhe a obtenção de elevados lucros, com um volume de vendas a ultrapassar os 1,5 milhões de euros, não tivesse necessidade, nem nada justificasse, a alteração a que procedeu. ---
7. O cônjuge da autora fosse, em 2018, ou que seja atualmente, pessoa doente e que o mesmo continue a manter da condição de desprovido de qualquer tipo de rendimento. ---
8. A despesa mensal em alimentação do agregado familiar da autora ascenda ao montante de € 250,00 e que, a acrescer aos encargos mencionados na al. bb) da materialidade dada como assente, seja, ainda, suportada mensalmente a quantia de € 150,00 em medicamentos, elevando a totalidade dos encargos/despesas do agregado para o valor mensal fixo, pelo menos, de € 1.000,00. ---
9. Por efeito da redução que, nos termos referidos na al. v). da materialidade dada como demonstrada, veio a produzir-se na medida da retribuição da autora, a subsistência desta apenas seja possível com privação em parte dos encargos diários e mensais do agregado. ---
10. A alteração do horário de trabalho de trabalho haja tido como implicação que a mesma tivesse passado a ficar totalmente impedida de providenciar pela refeição de almoço do seu cônjuge e do da sua progenitora, bem como se realizar as lides domésticas que se encontravam antes sob a sua responsabilidade, tudo tarefas que deixou de executar. ---
11. Para além do reportado na al. cc). da materialidade que se deu por assente, a autora haja vivenciado os sentimentos de humilhação, vexame e profundo desgosto, tendo, ainda, sido tomada por intensa inquietação quanto à manutenção dos encargos/despesas do seu agregado.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto relativamente aos pontos
Factos “R” e “S”.
- Acordo individual quanto aos horários, ilicitude da mudança de horário e direitos indemnizatórios.
***
- Quanto aos factos:
(…)
*
A recorrente sustenta a existência de acordo individual quanto aos horários e a ilicitude da mudança de horário.
Refere o artigo 217.º
Alteração de horário de trabalho
1 - À alteração de horário de trabalho é aplicável o disposto sobre a sua elaboração, com as especificidades constantes dos números seguintes.
2 - A alteração de horário de trabalho deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, bem como, ainda que vigore o regime de adaptabilidade, ser afixada na empresa com antecedência de sete dias relativamente ao início da sua aplicação, ou três dias em caso de microempresa.
3 - Excetua-se do disposto no número anterior a alteração de horário de trabalho cuja duração não seja superior a uma semana, desde que seja registada em livro próprio, com a menção de que foi consultada a estrutura de representação coletiva dos trabalhadores referida no número anterior, e o empregador não recorra a este regime mais de três vezes por ano.
4 - Não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado.
5 - A alteração que implique acréscimo de despesas para o trabalhador confere direito a compensação económica.
6 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Relativamente ao invocado acordo individual quanto ao horário de trabalho, resulta dos contratos que assim não é, sendo de sufragar a posição tomada na primeira instância. A cláusula d) al. a) do contrato é clara no sentido de que a empregadora podia, nos termos da lei, proceder a alterações do horário. Os aditamentos não alteram este acordo. Consequentemente e por esta motivação improcede o alegado.
Invoca ainda a recorrente a ilegalidade da mudança de horário, referenciando o incumprimento do disposto no artigo 217º, nº2 do CT, invocando o Ac. STJ de 24/2/2010, processo nº 248/08.0TTBRG.S1. Refere-se neste:
A nossa legislação laboral exige, em diversas situações, a consulta daquelas estruturas, como diligência prévia à decisão que venha a ser tomada pela entidade patronal. Todas elas têm a ver com o particular melindre de que tal decisão se poderá revestir na relação laboral em si e na própria vida do trabalhador seu destinatário.
Acresce que as sobreditas situações se reportam a um período de plena vigência da relação vinculística, durante a qual é pacificamente reconhecida a desigualdade negocial das duas partes em confronto.
Por isso, bem se compreende que a lei preveja, em tais casos, mecanismos de controlo a cargo de entidade supostamente alheia ao conflito que se perspetiva.

Num tal contexto, estamos em crer que a omissão das referidas formalidades não pode configurar uma simples irregularidade sem outras consequências que não as de mero ilícito contraordenacional.
A importância desta fase de consulta – motivada, como dito, pelas implicações e consequências que a alteração do horário de trabalho pode determinar – leva-nos a concluir que a sua postergação – como sucedeu in casu – consubstancie a omissão de ato essencial na formação da vontade do empregador, que inquina a sua validade.
Mal se compreenderia até que a apontada omissão integrasse apenas ilícito contraordenacional – satisfazendo, assim, apenas, o interesse punitivo do Estado – e deixasse precisamente sem salvaguarda o interesse que se nos afigura ter estado na base da previsão do n.º 2, do art. 173.º, do Código do Trabalho, e que mais não é senão o interesse do próprio trabalhador.
Tal é, aliás, a interpretação que se afigura ser a que melhor se adequa com os princípios constitucionais que tutelam a esfera jurídica do trabalhador, constantes dos arts. 53.º, 59.º, n.º 1, als. b) e d), e n.º 2, al. b), todos da CRP.”
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Considerou-se na sentença não haver incumprimento do citado normativo, e mais se considerou que ainda que assim não fosse, o eventual incumprimento traria apenas consequências contraordenacionais. Refere-se:

“O incumprimento das formalidades prescritas pelo nº 2 do artº 173º do CT/2003 constituía, à luz do disposto no artº 659º, nº 1 do mesmo diploma legal, contraordenação grave, outro tanto sucedendo com a violação do disposto no nº 2 do artº 217º do CT/2009, conforme decorre do nº 6 deste normativo legal. ---
Aqui chegados, coloca-se, com pertinência ao caso, a questão de saber em que é que consiste, nas hipóteses de alteração do horário de trabalho, a consulta aos trabalhadores e à comissão representativa deles e se, ocorrendo violação desses procedimentos, fica afetada a eficácia da decisão. ---
Pois bem. ---
Constitui ponto assente que, à luz do direito constituído, aquele dever de consulta não foi erigido pelo legislador como condição de eficácia da alteração do horário de trabalho. ---
Com efeito, e tal como resulta do que acima se expôs já, apenas a falta de acordo do trabalhador, quando exigível, o que sucede nos casos em que o horário de trabalho haja sido individualmente negociado, pode ditar a ilicitude, do ponto de vista da respetiva eficácia, da alteração de horário. Se, porventura, a isso acrescer, a falta de cumprimento das mencionadas formalidades de consulta, o comportamento do empregador integra, a par disso, infração contraordenacional. ---
Nos casos em que não seja necessária a anuência do trabalhador à alteração de horário, por este não ter sido individualmente acordado, a falta pelo empregador do cumprimento daquelas formalidades de consulta integra, apenas, de acordo, reforçamos, com o direito constituído, ilícito contraordenacional. “
É duvidosa a posição jurídica seguida na primeira instância sobre a irrelevância do cumprimento dos requisitos do artigo 217º, 2 do CT, sendo opinião maioritária que o mesmo deve ser cumprido, quer jurisprudencial quer doutrinalmente, como condição de validade da ordem.
Não está em questão que a definição do horário de trabalho – e sua alteração dentro dos condicionalismos legais -, constitui “função típica de gestão “, e que a intervenção dos trabalhadores envolvidos e da comissão de trabalhadores ou, na sua falta, da comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, é meramente consultiva - lobo Xavier Curso do Direito e Trabalho, Verbo, 1992, pág 363 -. Ainda, Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, II, 7ª ed, pág. 434; Meneses Cordeiro, Direito do Trabalho, II, almedina, pág. 535, aludindo aos procedimentos tendo em vista proteger a confiança dos trabalhadores.
Tal poder, no entanto, deve ser exercido nos termos da lei, no caso cumprindo-se os procedimentos prescritos no artigo 217º do CT., o que remete para as consequências em caso de incumprimento.
Inserindo-se embora no poder de direção do empregador, a alteração do horário, como é manifesto, tem relevantes repercussões na vida do trabalhador, interferindo como o modo (tempo) de prestação por parte deste, relevando para a estabilidade e previsibilidade da vida privada do trabalhador, qual o tempo, concreto, de que dispõe para si e como pode ele organizar a sua vida pessoal, familiar e social.
Conquanto se insira nos poderes de direção da empregadora, em tributo às necessidades organizativas da empresa e de adaptação ao mercado, na alteração do horário de trabalho intercorrem também os interesses do trabalhador. As exigências procedimentos visam garantir que a decisão da empregadora é tomada tendo em conta também os interesses do trabalhador. Daí que o seu cumprimento venha sendo entendido como essencial à formação da vontade da empregadora e como condição da validade da decisão tomada.
Como se refere no ac. do STJ de 30-4-2014, processo nº 363/05.1TTVSC.L1.S1; “esta é a interpretação que encontra na lei um sentido útil”.
Além do acórdão referido, Ac. ST de 30-4-2014, processo nº 363/05.1TTVSC.L1.S1, referindo a propósito; “É uniforme e pacífico o entendimento deste Supremo Tribunal sobre as precedentes proposições – cfr, inter alia, os Acórdãos de 12.2.2009, na Revista n.º 3086/08; de 24.2.2010, na Revista n.º 248/08.0TTBRG.S1 e de 7.10.2010, na Revista n.º 439/07.0TTFAR.E1.S1, todos desta 4.ª Secção… a sua falta ou omissão, enquanto injuntivos requisitos procedimentais formais, seja suscetível de traduzir – como se tem entendido na recente Jurisprudência deste Supremo Tribunal, já identificada –, mais do que uma mera irregularidade, a preterição de uma formalidade indispensável, essencial, que afeta a perfeição da validade da decisão gestionária do empregador, tornando-a, por isso, inválida.”; RP de 16-11-2015, processo nº 904/14.3T8AVR.P1 e de 5-1-2017, processo nº 14805/14.1T8PRT.P1.
Na doutrina, Milena Rouxinol e Joana Vicente, “Duração e Organização do Tempo e Trabalho, 573 ss, em Direito do Trabalho, Relação Individual, Almedina, João Leal Amado, et al., referem quanto ao incumprimento dos procedimentos que este interfere com a validade da decisão, ficando os trabalhadores “exonerados do dever de observar o novo horário”.
António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21º Ed., Almedina, pág. 509, refere, “deve reconhecer-se a essa consulta uma relevância decisiva, ela constitui o único meio de defesa do interesse do trabalhador diante de uma modificação das coordenadas temporais, da sua organização de vida.”
Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 6ª, Almedina, pág. 307, considera nula a decisão de alteração do horário de trabalho que não respeite as exigências da norma.
Liberal Fernandes e Regina Redinha, Contrato de Trabalho, Novo Regime Jurídico Angolano, Vida Económica, parece defenderem, para norma algo semelhante, uma posição tal como a sustentada em primeira instância. Em “O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho”, https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/111840/2/264530.pdf, 2018, em nota ao artigo 217º, Liberal Fernandes defende a invalidade da decisão.
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É certo esbarrar-se com o silência da norma sobre as consequências do incumprimento dos procedimentos previstos, designadamente dos de consulta, não obstante, a posição referida encontra apoio no comando do artigo 97º do CT.
Refere o normativo que “compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.”
Ora, se o poder é exercido fora dos limites decorrentes das normas, não pode considerar-se regularmente exercido, sendo consequentemente inválida a decisão.
Vejamos se a recorrida deu cumprimento ao normativo.
Resulta provado que a ré fez comunicar, pelo menos a partir de março de 2018, à Comissão de Trabalhadores e a todos os trabalhadores do sector produtivo do 3º Turno, designadamente através de boletim informativo Infor+, a sua intenção de, por motivos de reorganização e gestão interna da empresa, o extinguir, bem como a possibilidade de os trabalhadores manifestarem preferência por algum dos restantes turnos, a atender, se isso viesse, em função da respetiva antiguidade, a mostrar-se possível. Mais resulta provado que o assunto foi abordado e discutido nas reuniões mensais realizadas, a partir, também e pelo menos, do mês de março de 2018, entre a ré e a Comissão de Trabalhadores, bem como em plenários dessa comissão com os seus trabalhadores.
A recorrente refere a nulidade aludindo a que a decisão não foi precedida do parecer prévio da Comissão de Trabalhadores.
A exigência de parecer constava do artigo 24, 1, al. f) da L. 46/79 de 12/9.
O artigo 217º do CT, e antes já o artigo 173º, 2 do Código do Trabalho/2003, aludem apenas ao dever de consulta, sem outras exigências de forma, quer quanto ao modo como se concretiza esse dever de consulta quer quanto ao modo de pronúncia do organismo representativo em causa.
Da factualidade resulta que a empregadora ouviu os trabalhadores, a quem deu possibilidades de escolha quanto ao novo horário, e o assunto foi abordado em reuniões com a comissão de trabalhadores. Mostra-se cumprido o requisito, sendo de confirmar a decisão.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente sem prejuízo do apoio judiciário.
3-11-22

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Leonor Barroso