SOCIEDADE ANÓNIMA
DEVER DE APRESENTAÇÃO DE CONTAS
RELATÓRIO DE GESTÃO
PARECER DO CONSELHO FISCAL
FALTA DE ASSINATURA
IRREGULARIDADE
Sumário

I - O dever de apresentação das contas previsto nos arts 65 e segs do CSC visa permitir a informação sobre a real situação da sociedade, protegendo interesses públicos e privados.
II - A irregularidade consubstanciada na falta de assinatura do relatório de gestão é regulada pelo art. 69º, do CSC.
III - Se a parte que invoca a mesma foi o administrador que deu causa à omissão dessa única assinatura, não pode ser declarada nenhuma irregularidade.
IV - Nos mesmos termos, o vogal do conselho fiscal, filho do administrador que não assina o parecer desse órgão sem qualquer justificação viola por omissão os seus deveres funcionais.
V - A irregularidade dessa omissão não pode ser declarada por aplicação do principio geral processual, aplicável, nos termos do art, 2º do CSC aos procedimentos societários, segundo o qual não pode invocar a nulidade aquele que lhe deu causa (art. 197º, do CPC).
VI - A força de precedente de um aresto depende da identidade de situações de facto.

Texto Integral

Processo: 4033/20.2T8VNG.P1

Sumário:
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1. Relatório
O Sr.AA, id a fls. 2, veio intentar a presente demanda declarativa contra a C...,S.A., Porto pedindo que seja declarada a anulação da deliberação de 25.05.20 da sobredita entidade, na parte em que aprova o relatório da gestão e o balanço e contas da administração e o parecer do conselho fiscal relativos ao exercício de 2019.
Para tal, alega em suma que:
I. Não foram prestadas contas ou informações necessárias ao conhecimento por parte de todos os administradores sobre realidade contabilística da sociedade.
II. Ao longo do triénio do mandato que cessou em 25.05.20, o vogal do conselho fiscal, BB, não foi convocado para nenhuma reunião daquele órgão, desconhecendo o autor se, de facto, alguma vez reuniu.
III. foram violados os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 65º do Código das Sociedades Comerciais, tornando esta deliberação anulável, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais.
IV. No relatório de gestão não consta qualquer “exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta”, exposição que “deve consistir numa análise equilibrada e global da evolução dos negócios, dos resultados e da posição da sociedade”, abrangendo “tanto os aspectos financeiros como, quando adequado, referências do desempenho não financeiras relevantes para as actividades específicas da sociedade” – artigo 66º, 1, 2 e 3 do Código das Sociedades Comerciais.
V. A proposta de aplicação de resultados, não contém qualquer fundamentação.
A ré contestou explicando que, no seu entender estamos perante um litigio exterior à sociedade e que:
a) foi o autor quem decidiu não assinar as contas que não explicou perante o Conselho de Administração a razão da sua eventual divergência, nem fez constar a sua justificação nos documentos sujeitos a aprovação.
b) a aprovação das contas foi objeto de decisão colegial.
c) e que O Dr. BB, filho do Autor, alinhou nos interesses pessoais do Autor, em claro detrimento dos interesses da Ré e por isso não assinou os pareceres do conselho fiscal.
d) pretende finalmente que o autor incorre em abuso de direito em múltiplas modalidade.
Os autos foram saneados, procedeu-se a audiência prévia e 4º sessões de audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformada veio a autora recorrer, recurso esse que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões
A. O pedido de anulação da deliberação social de 25.05.20 assenta em duas irregularidades: (A) o facto de o relatório de gestão não ter sido objecto de deliberação pelos administradores da sociedade nem ter sido assinado pelo autor, à data administrador, e (B) o parecer do conselho fiscal apresentado na assembleia geral não ter sido colegialmente apreciado e elaborado, nem ter sido assinado por um dos vogais que integram aquele órgão social.
B. As irregularidades em causa resultam evidentes da prova documental produzida e da prova testemunhal ouvida em audiência, mas a decisão recorrida opta por ignorar o pedido e a prova produzida, decidindo contra prova e contra Direito, através de uma fundamentação afastada do objecto do litígio.
C. Ao longo das diferentes secções da decisão, o Tribunal a quo distorceu o objecto da acção, optando por se concentrar em considerações sobre os deveres dos administradores e as razões de fundo que justificariam a oposição do autor às contas apresentadas, questões que não estavam em apreciação.
D. Na formação da convicção do Tribunal procurou-se encontrar razões materiais de discordância das contas da sociedade por parte do autor, quando se deveria ter concentrado no incumprimento das normas que estabelecem aspectos formais essenciais para a transparente governação do escopo societário e que determinam a invalidade da deliberação impugnada.
E. A falta da assinatura do autor, naquela data administrador, no relatório de gestão, e a falta de assinatura do 1º vogal do Conselho Fiscal no parecer daquele órgão não é inócuo e sem interesse útil, não é irrelevante.
F. Como se alcança da própria acta da reunião do Conselho de Administração ocorrida em 12.05.20, o relatório de gestão não foi objecto de deliberação, facto que resulta igualmente do depoimento prestado pelo autor (ficheiro 20210927101612_15750385_2871619) e pela testemunha BB (ficheiro 20220113103121_15750385_2871619), ambos presentes naquela reunião, até porque os documentos contabilísticos apresentados se mostravam previamente elaborados e assinados.
G. Com a decisão proferida, mostra-se violado o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 65º do Código das Sociedades Comerciais, sendo esta deliberação anulável nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais.
H. Torna-se evidente da prova produzida que o 1º Vogal do Conselho Fiscal nunca foi chamado a nenhuma reunião daquele órgão, nem foi chamado a conhecer ou aprovar nenhum dos documentos que foram levados a deliberação na Assembleia ora impugnada, razão pela qual não podia ter assinado o respectivo parecer.
I. O depoimento prestado pelo Presidente do Conselho Fiscal, que consta do ficheiro 20220113112440_15750385_2871619, é esclarecedor em relação ao procedimento que foi seguido para a elaboração do parecer e sua assinatura pelos membros desse órgão social, de que o seu 1º vogal foi totalmente excluído.
J. Como consta das suas declarações, entre o minuto 5.51 e o minuto 7.12, o principal trabalho do Conselho Fiscal é feito pelo ROC, que lhe apresenta os documentos e parecer, discutindo abreviadamente o seu conteúdo, tendo sempre merecido o seu aval e confiança ao longo dos anos que exerce o cargo, pelo que sempre os assinou.
K. Entre o minuto 13.35 e 20.30, explica claramente o modo de funcionamento do Conselho Fiscal, sublinhando que a documentação era preparada pelo ROC, que depois reunia consigo ou lhe deixava os documentos no escritório para serem assinados, confirmando que nunca existiu uma reunião do Conselho Fiscal com todos os seus elementos.
L. O Presidente do Conselho Fiscal explica ainda que “pressupunha” que o mesmo procedimento era seguido com o 1º Vogal, desconhecendo o facto de este nunca ter assinado nenhum dos documentos emitidos formalmente pelo Conselho Fiscal, porque partia do princípio que isso acontecia.
M. Por seu lado, as declarações prestadas em audiência pelo Presidente do Conselho de Administração revelaram contradições insanáveis com os restantes depoimentos e com a prova documental carreada para os autos, mostrando que tem, de facto, validade limitada.
N. Confrontado com os factos alegados pelo autor no requerimento datado de 10.10.21, admitido por despacho com a ref.ª Citius 429849616, de 07.11.21, e com os documentos que o acompanhavam, que contrariavam o depoimento prestado pelo Presidente do Conselho de Administração em audiência (ficheiro 20210927104641_15750385_2871619), este foi incapaz de articular uma justificação (ficheiro 20220120110606_15750385_2871619).
O. Impõe-se ainda a alteração da decisão proferida em face do depoimento prestado pelo 1º vogal do Conselho Fiscal, filho do autor, que no seu depoimento (ficheiro 20220113103121_15750385_2871619) deixou claro que o seu pai, apesar de ter sido administrador de Direito ao longo de décadas, nunca teve intervenção efectiva na administração da sociedade, que era conduzida em exclusivo pelo seu actual Presidente do Conselho de Administração.
P. Em face da prova produzida, não pode julgar-se provado que “o autor, fruto do exercício do cargo de administrador durante décadas é conhecedor da realidade da actividade da ré”, facto que deve ser julgado provado.
Q. No mesmo sentido, não pode julgar-se não provado que “o Sr. AA desconhece igualmente as contas da sociedade, porque nunca exerceu, de facto, a administração da sociedade, que até à data, foi sempre administrada pelo sócio administrador Dr. CC de forma exclusiva”, facto que deve ser julgado provado.
R. Resulta também que não pode julgar-se como não provado “que não tivessem sido prestadas contas ou informações necessárias ao conhecimento por parte de todos os administradores sobre a realidade contabilística da sociedade”, facto que resulta absolutamente não provado, realidade que, apesar de defendida pelo Presidente do Conselho de Administração, é absolutamente desmentida pelos demais meios de prova.
S. Em sentido inverso, deve julgar-se como provado que (1) o autor não participou na elaboração de nenhum dos documentos levados a deliberação na Assembleia geral impugnada nos presentes autos, (2) o relatório de gestão levado a Assembleia Geral não foi objecto de deliberação na reunião do Conselho de Administração, (3) o Conselho Fiscal não foi convocado para emitir parecer ou apreciar e deliberar sobre qualquer parecer que lhe tenha sido proposto, (4) o parecer do Conselho Fiscal não foi assinado pelo seu 1º vogal porque este nunca foi chamado a fazê-lo, apenas tendo tomado conhecimento desse documento na reunião do Conselho de Administração em que esteve presente, por iniciativa própria, em 12.05.20, e (5) o relatório de gestão não contém nenhum dos requisitos estabelecidos no artigo 66º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente “uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta”, ainda que elaborado em período de extrema incerteza decorrente do Estado de Emergência que foi decretado, nem qualquer fundamentação relativa à aplicação de resultados.
T. Com a decisão proferida, mostra-se violado o disposto na al. G) do n.º 1 do artigo 420º do Código das Sociedades Comerciais, que estabelece que o Conselho Fiscal deve “Elaborar anualmente relatório sobre a sua acção fiscalizadora e dar parecer sobre o relatório, contas e propostas apresentados pela administração.”, bem como o disposto no n.º 6 da mesma disposição legal, que estabelece que “No parecer a que se refere a alínea g) do n.º 1, o fiscal único ou o conselho fiscal devem exprimir a sua concordância
ou não com o relatório anual de gestão e com as contas do exercício, para além de incluir a declaração subscrita por cada um dos seus membros, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 245.º do Código dos Valores Mobiliários.”
U. Para além da falta de assinatura do relatório de gestão, o autor invoca outras irregularidades que não foram, sequer, objecto de apreciação na decisão recorrida, porque o relatório de gestão levado a deliberação não cumpre o disposto no artigo 66º do Código das Sociedades Comerciais, facto que determina que a deliberação seja anulável, nos termos estabelecidos pelo n.º 1 do artigo 69º do Código das Sociedades Comerciais, disposições igualmente violadas com a decisão recorrida.

2.2. A parte contrária contra-alegou nos seguintes termos:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 11 de março de 2022, na qual foi julgada totalmente improcedente a ação intentada pelo Autor ora Recorrente pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da Recorrida ocorrida a 25 de maio de 2020, nomeadamente a deliberação que aprova o relatório de gestão e restantes documentos de prestação de contas e a X... - Sociedade de Advogados, SP, RL 74/87 deliberação que aprova o parecer do conselho fiscal, ambos relativos ao exercício de 2019.
B. Para uma correta apreciação do caso que nos ocupa nos presentes autos, importa ter em consideração a relação material subjacente: nomeadamente da relação entre o Recorrente e a Recorrida e a relação entre o Recorrente e o Presidente do Conselho de Administração da Recorrida.
C. A factualidade subjacente a relação material foi dada como provada pelo Tribunal a quo e não foi impugnada pela Recorrente – mormente o primeiro, décimo terceiro a décimo sexto, décimo oitavo a vigésimo segundo, vigésimo quarto, vigésimo sexto a vigésimo oitavo, trigésimo a trigésimo segundo, todos factos dados como provados.
D. O Recorrente incumpriu manifestamente o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640.º do CPC, o que impede que o Tribunal ad quem reaprecie a decisão sobre a matéria de facto vertida na Sentença recorrida e determina a rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de aperfeiçoamento das alegações apresentadas.
E. O Recorrente remeteu para o Tribunal ad quem e para a Recorrida a tarefa de concretização do que sustenta, nomeadamente de indicar que concretos meios de prova visam suportar a alteração de cada um desses factos, isto é, não existe qualquer correspondência entre a prova e os factos que se propõe alterar.
F. O Recorrente limitou-se a indicar, em bloco, a prova testemunhal que pretende ver reapreciada e, em outro bloco, que factos pretende ver alterados, ao qual acresce que o Recorrente não fundamentou, de forma clara e suficiente, a sua discordância com o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo e com a concreta valorização da prova por este realizada.
G. O Recorrente impugna a decisão recorrida sobre a matéria de facto, pretendendo que seja reapreciada a prova testemunhal gravada e que o vigésimo quinto facto dado como provado seja dado como não provado e, no seu reverso, que o primeiro facto dado como não provado seja dado como provado; que o segundo facto dado como não provado seja dado como provado; e que sejam aditados vários factos provados à matéria dada como assente; carecendo a sua pretensão de qualquer fundamento.
H. Sob a vigésimo quinto facto dado como provado, ficou provado que “O Autor, fruto do exercício do cargo de administrador durante décadas é conhecedor da realidade da atividade da Ré” e, no seu reverso, não ficou provado que “que o Sr. AA desconhece igualmente as contas da sociedade, porque nunca exerceu, de facto, a administração da sociedade, que até à data foi sempre administrada pelo sócio administrador Dr. CC de forma exclusiva”.
I. A decisão quanto a estes factos, tomada pelo Tribunal a quo, deve ser mantida e não merece qualquer censura, tendo total respaldo na prova produzida nos autos: nomeadamente no primeiro depoimento do Dr. CC (00:07:34 a 00:08:42), de DD (00:13:07; 00:21:43 a 00:22:23), de EE (00:02:15; 00:04:35 a 00:05:43; 00:25:19 a 00:26:22; 00:30:16 a 00:30:23), de FF (00:04:40; 00:11:04 a 00:12:37), de GG (00:07:33 a 00:07:47; 00:09:14 a 00:10:30; 00:11:14 a 00:11:27), de HH (00:06:46 a 00:07:19), bem como da prova documental produzida nos autos, nomeadamente os docs. n.º 1 a 7 da Contestação.
J. Aliás, apenas esta valoração é coerente com os factos dados como provados –nomeadamente o primeiro, décimo primeiro, décimo quinto a vigésimo quarto factos dados como provados –que demonstram, na sua globalidade, que, sendo a atividade social da Recorrida a mesma ao longo de trinta anos e conhecendo o Recorrente esta atividade por força do exercício do cargo de administrador, não pode agora pretender mudar a realidade factual, alegando um falso alheamento dos assuntos sociais.
K. Impugna o Recorrente, igualmente, a decisão quanto ao segundo facto dado como não provado, nomeadamente considerando que deveria ter sido dado como provado “que não tivessem sido prestadas contas ou informações necessárias ao conhecimento por parte de todos os administradores sobre a realidade contabilística da sociedade”.
L. E bem andou o Tribunal a quo em fazê-lo, no que não merece qualquer censura ou reparo, na medida em que foi extensa e contundente a prova produzida a este respeito, como é patente de vários depoimentos prestados em juízo, nomeadamente no primeiro depoimento de parte do Dr. CC (00:08:49 a 00:10:16; 00:33:47 a 00:34:13) de II (00:16:03 a 00:16:31; 00:17:11 a 00:17:34).
M. Quanto ao requerimento apresentado a 10 de outubro de 2021 (e sobre o qual a Recorrida exerceu o respetivo contraditório), o Recorrente insiste em trazer aos autos factos referentes à assembleia geral de 2019 (na qual foram discutidas e aprovadas as contas de 2018) quando, nos presentes autos, está em causa a assembleia geral ocorrida em 2020, visando apenas confundir o Tribunal ad quem.
N. Resulta claro da prova produzida em sede de audiência é que (i) o Recorrente sempre teve acesso aos documentos da sociedade – e aos quais, enquanto administrador podia (e devia) aceder –, (ii) tendo inclusivamente um gabinete próprio na sede desta e (iii) que tinha um bom relacionamento quer com o Presidente do Conselho de Administração quer com o funcionário da Recorrida, sendo que (iv) ambos sempre se disponibilizaram a enviar os documentos ao Recorrente, mesmo sendo por e-mail.
O. Por fim, pretende o Recorrente aditar os seguintes factos à matéria dada como assente: 1) O Autor não participou na elaboração de nenhum dos documentos levados a deliberação na Assembleia Geral impugnada nos presentes autos; 2) O relatório de gestão levado a Assembleia Geral não foi objeto de deliberação na reunião do Conselho de Administração; 3) O Conselho Fiscal não foi convocado para emitir parecer ou apreciar e deliberar sobre qualquer parecer que lhe tenha sido proposto; 4) O parecer do Conselho Fiscal não foi assinado pelo seu 1.º vogal porque este nunca foi chamado a fazê-lo, apenas tenho tomado conhecimento desse documento na reunião do Conselho de Administração em que esteve presente, por iniciativa própria, em 12.05.20; 5) O relatório de gestão não contém nenhum dos requisitos estabelecidos no artigo 66.º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente “uma exposição fiel e clara da evolução do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta”, ainda que elaborado num período de extrema incerteza decorrente do Estado de Emergência que foi decretado, nem qualquer fundamentação relativa à aplicação de resultados.
P. Também estes factos não deverão ser aditados à matéria dada como assente: primeiramente, quanto a estes factos, é absolutamente evidente que o Recorrente não carreou o mínimo de referências relevantes aos meios de prova produzidos; em segundo lugar, importa salientar que muitos destes factos não encontram suporte nos depoimentos referidos; e por último, referia-se que tanto o facto 4) e 5) não constituem verdadeiramente factos pois não traduzem experiências da vida – são, isso sim, juízos conclusivos.
Q. O facto 1) não corresponde à realidade factual, na medida em que visa, propositadamente, omitir que o Recorrente teve a seu dispor os ditos documentos, durante meses, e que podia, durante esses meses, ter analisado e suscitado as questões que achasse pertinentes.
R. Nesse sentido testemunhou o Dr. CC (00:08:49 a 00:10:16, 00:33:16 a 00:34:13, 00:33:47 a 00:34: 13; 00:35:22 a 00:35:25) e ainda FF (00:04:40; 00:11:04 a 00:12:37) e JJ: 00:07:33 a 00:07:47, 00:09:14 a 00:09:24).
S. Quanto ao facto 2), é necessário sublinhar que em parte alguma o Recorrente apresenta qualquer meio de prova que permita aditar este facto ao rol de factos provados, pelo que só se pode concluir pelo incumprimento do ónus processual expressamente previsto no art. 640.º do CPC e o dito facto não poderá ser aditado ao rol de factos provados.
T. Acresce que se encontra provado que que a reunião do Conselho de Administração ocorreu e que nessa reunião foram discutidos os documentos agora colocados em crise, nomeadamente o relatório de gestão e o parecer do conselho fiscal (cf. sexto a oitavo factos dados como provados).
U. Quanto ao pedido de aditamento do facto 3) ao rol de factos provados, também este deverá ser julgado improcedente não foi produzida qualquer prova nos presentes autos que demonstrem que, no ano de 2020, o Conselho Fiscal “não foi convocado”, operando a regra prevista no art. 342.º do Código Civil.
V. Quanto ao facto proposto sob o número 4, segundo o qual terá resultado provado que “O parecer do Conselho Fiscal não foi assinado pelo seu 1.º vogal porque este nunca foi chamado a fazê-lo, apenas tenho tomado conhecimento desse documento na reunião do Conselho de Administração em que esteve presente, por iniciativa própria, em 12.05.20”, é necessário chamar a atenção que este “facto” na verdade encerra dois factos distintos e um juízo conclusivo, não factual, que deverá ser expurgado.
W. A referência a “porque este nunca foi chamado a fazê-lo” é meramente conclusiva e assenta numa presunção não fundamentada do próprio Recorrente, pelo que deverá ter-se por não escrita. Atente-se, ainda, que esta referência é desmentida pelo facto de o 1.º Vogal do Conselho Fiscal ter prestado depoimento no sentido de nunca ter tido qualquer tipo de iniciativa ou procurado qualquer contacto para tomar conhecimento “desse documento”.
X. Quanto aos “dois factos” em que é possível desdobrar o facto 4) são esses os seguintes: ⎯ O parecer do Conselho Fiscal não foi assinado pelo seu 1.º vogal – facto que apelidaremos de facto 4.1.); e ⎯ O 1.º vogal apenas tomou conhecimento desse documento na reunião do Conselho de Administração em que esteve presente, por iniciativa própria, em 12.05.20 – facto que apelidaremos de facto 4.2.)
Y. Quanto ao facto 4.1.), verifica-se que este já consta da matéria dada como assente, assente, pelo que o ora requerido se revela absolutamente supérfluo e destituído de utilidade para a decisão da lide.
Z. Quanto ao facto 4.2.), este nunca poderá ser aditado ao rol de factos dados como provados dado que contraria toda a prova produzida na audiência, nomeadamente o depoimento do Dr. CC (00:08:49 a 00:10:16, 00:33:16 a 00:34:13, 00:33:47 a 00:34: 13, 00:35:22 a 00:35:25, 00:33:27 a 00:36:49), de DD (00:13:35 a 00:14:16, 00:16:29 a 00:17:13)
AA. O facto 5) proposto pelo Recorrente não descreve qualquer ocorrência da vida real e reveste uma natureza puramente jurídico-conclusiva, e, inclusivamente, o dito “facto” encerra parte do texto do art. 66.º do CSC. A esta circunstância acresce que o Recorrente não indica qualquer matéria de facto concreta que permita fundamentar o aditamento do referido “facto” à matéria dada como assente, como lhe incumbe ao abrigo do art. 640.º do CPC.
BB. No entanto, mesmo que assim não se entenda, sempre resultará da análise dos doc. n.º 2, n.º 3, n.º 5 e n.º 6 juntos com a Petição Inicial para concluir que o relatório de gestão se encontra fundamentado, cumpre os parâmetros determinados pelo art. 66.º do CSC e que toda a documentação da Recorrida se encontra “em dia”:
CC. Como resulta da factualidade provada e de tudo aquilo que vem sido referido nas presentes alegações, o fundamento invocado para a anulabilidade das deliberações foi criado artificialmente pelo Recorrente (diretamente e através do seu filho). Assim, o objeto do litígio não se reduz à verificação da existência ou não de uma mera assinatura num documento, mas sim na averiguação do motivo que se esconde por trás da omissão dessa assinatura.
DD. Analisando a convicção do Tribunal, resulta claro que o Tribunal analisou de forma crítica a prova produzida, fundamentando, como lhe competia, a sua convicção para, de seguida, subsumir a factualidade provada às normas jurídicas aplicáveis, ao abrigo do art. 607.º do CPC.
EE. É patente (e expresso na sentença proferida) que o Tribunal a quo se alicerçou na (i) razão da ciência dos depoimentos prestados, na (ii) articulação e valoração conjunta dos diferentes meios de prova (nomeadamente nos depoimentos prestados e prova documental produzida e (iii) na conformidade com as regras da experiência e a normalidade do acontecer, que constitui o padrão normal de atuação de desenvolvimento das situações da vida.
FF. Contrariamente ao que entende o Recorrente, a prova dos factos em discussão nos presentes autos não ocorre apenas mediante prova documental, podendo o Recorrente lançar mãos dos restantes meio processuais probatórios à sua disposição – como fez.
GG. Quanto à “trajetória desviante” do Tribunal a quo, conclui-se que a dita trajetória desviante apenas é assim apelidada porque este Tribunal, e bem, analisou o comportamento do Recorrente à luz daquilo que se considera o comportamento expectável, médio de um administrador de uma sociedade anónima.
HH. A Recorrida invocou este argumento na sua Contestação, mobilizou o regime dos deveres dos administradores, pelo que o Tribunal conheceu a questão.
II. A fundamentação de Direito da sentença recorrida não merece qualquer reparo na medida em que se limitou a analisar o comportamento do Recorrente do prisma do cargo que desempenhava: o de o administrador de uma sociedade anónima, com responsabilidade e sobre o qual impedem as mais variadas obrigações.
JJ. O Recorrente pretende transmitir a ideia de que os restantes administradores possuíam o dever de, por si mesmos, informarem o Recorrente do que sucedia na Sociedade Recorrida – apesar de todos os documentos e todas as informações estarem permanentemente ao seu dispor.
KK. Como resulta demonstrado nos presentes autos, na qualidade de Administrador, o Recorrente detinha acesso direto às informações e documentos que bem assim entendesse consultar, não sendo sequer necessário solicitar ou requisitar qualquer informação que fosse.
LL. Pelo que, se fosse verdade a falta de conhecimento da atividade da Recorrida, só se poderia concluir pelo incumprimento do dever de cuidado que sobre o Autor recaía (art. 64.º, al. a), do CSC).
MM. A presente ação demonstra que o Recorrente não estava interessado em promover os interesses da Recorrida, mas apenas em utilizá-la para antagonizar os restantes sócios administradores, praticando uma conduta desleal (em violação do art. 64.º, al. b), do CSC).
NN. O Recorrente pretende que as deliberações adotadas sejam anuláveis ao abrigo do art. 58.º, n.º 1, al. a), e art. 69.º, n.º 1, ambos do CSC, por violação dos art. 65.º e 66.º, ambos do CSC, respetivamente. Contudo, os argumentos do Recorrente devem ser considerados totalmente improcedentes.
OO. As eventuais divergências do Recorrente deveriam, nos termos da lei, ter sido explicitadas de forma clara em 3 momentos distintos, o que não sucedeu: (i) Na reunião do Conselho de Administração do dia 12 de maio, onde o Recorrente se remeteu ao silêncio e se absteve na votação de aprovação das contas; (ii) Nos próprios documentos de prestação de contas, onde o Recorrente deveria ter aposto a sua assinatura e exposto de forma clara e transparente as razões de divergência; (iii) Na reunião de Assembleia Geral da Recorrida onde o Autor também estava legalmente obrigado a explicar as razões da sua divergência.
PP. Conforme dita o art. 65.º, do CSC, o relatório de gestão e os restantes documentos de prestação de contas previstos na lei foram apresentados e deliberados quer em conselho de Administração realizado a 12 de maio de 2020, quer em Assembleia Geral Ordinária realizada a 25 de maio de 2020.
QQ. Na verdade, quem se encontra em incumprimento é o Recorrente, que, como já se
referiu, não respeitou o dever estabelecido no art. 65.º, n.º 3, in fine, do CSC RR. Em momento algum o Recorrente coloca em causa o conteúdo do relatório ou das contas ou lhes aponta qualquer irregularidade, contestando, apenas, a falta da sua assinatura no relatório – situação que o próprio, dolosamente, criou.
SS. Não se tendo alterado a atividade da Recorrida, não há razão para o Recorrente, relativamente ao ano de 2019, discordar dos relatórios aprovados, sendo assim inevitável a conclusão que a falta de assinatura do relatório em discussão é motivada pela procura, através da presente ação judicial, de uma nova tentativa de pressão sobre o Dr. CC, situação à qual a Recorrida é alheia.
TT. Em suma: o relatório de gestão referente a 2019 não padece de qualquer irregularidade, cumprindo os patamares impostos pelo art. 66.º, do CSC e abordando todos os pontos exigidos legalmente, tal como resulta da sua simples leitura.
UU. Tudo o que atrás se disse tem aplicação quanto à falta de assinatura, pelo filho do Recorrente, do relatório do Conselho Fiscal, pois o Dr. BB, filho do Recorrente, faz parte do enredo deliberativo construído pelo Recorrente, pois também nesta sede, o Recorrente pretende aproveitar-se de uma situação que o próprio criou, com conivência do seu filho, o Dr. BB, inexistindo qualquer violação de disposição legal.
VV. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar existir abuso de direito por parte do Recorrente.
WW. Ora, o Recorrente, apesar de a atividade da Recorrida ser a mesma há décadas, vem agora invocar que o desconhecimento da referida atividade constitui facto impeditivo do regular funcionamento da Recorrida. Este comportamento excede os limites impostos pela boa-fé e redunda num claro abuso de direito, na modalidade de tu quoque.
XX. O Recorrente atuou ilicitamente, deixando de assinar os documentos devidos, com dolo e nunca se justificando (como dita o art. 65.º, n.º 3, do CSC), e, por isso, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas da sua própria omissão, mormente a possibilidade de impugnação da deliberação adotada com fundamento na falta da sua própria assinatura (!).
YY. E o mesmo se diga relativamente ao parecer e relatório do Conselho Fiscal, cuja falta de assinatura deriva da situação criada pelo Recorrente, em conluio com o seu filho Dr. BB, e que pretendem exercer pressão negocial sobre o Dr. CC.
ZZ. Mesmo que assim não se entenda, o que só por amor ao raciocínio de concebe, o Recorrente incorre em abuso de direito na modalidade negativa de venire contra factum proprium, verificando-se todos os pressupostos do instituto.
AAA. O Recorrente foi administrador da Recorrida durante mais de 30 anos, aprovando as contas assentes nos mesmo critérios contabilísticos e nunca procurou alterar tais critérios, apesar de dispor de todos os elementos e ferramentas para o fazer. Aprovou durante décadas contas, balanços, relatórios de gestão, certificações legais de contas e relatórios do conselho fiscal em tudo semelhantes aos submetidos a votação da assembleia geral de 25 de maio – comportamento que constituiu um facto gerador de confiança.
BBB. A Recorrida e os restantes Administradores depositaram confiança no comportamento passado do Recorrente, atenta a sua estabilidade e duração e inexistência de manifestação de qualquer desacordo quanto às contas da Recorrida e a sua gestão – existe, portante, justificação para a confiança, existe uma confiança fundada, estável, plausível e razoável.
CCC. Do contexto factual apresentado resulta claro que o comportamento destinado a criar confiança, bem como o comportamento contraditório que se lhe seguiu são inteira e integralmente imputáveis ao Recorrente.
DDD. Em suma: o Recorrente, ao pretender reagir judicialmente (venire) contra uma realidade sempre conheceu e que, por sua vontade, no passado sempre aceitou (factum proprium), incorre em abuso de direito.
EEE. No presente caso, é claro que o Recorrente agiu com a intenção de pressionar os restantes sócios e administradores, por força de negociações malogradas entre estes, utilizando a Recorrida como uma mera arma de arremesso e prejudicando o seu funcionamento.
FFF. Face ao exposto, os argumentos invocados pelo Recorrente só poderão ser considerados improcedentes pelo Tribunal, pois são utilizados com a única finalidade de perturbar os restantes sócios e administradores, utilizando a Recorrida como meio para alcançar este fim, em claro abuso de direito.

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3.Questões
1. Da rejeição liminar do recurso nos termos do art 640.º DO CPC;
2. Apreciação das questões de facto
3. Apreciação da existência ou não de nulidades da deliberação
4. Caso positivo averiguar da existência do abuso de direito
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4. Da admissão do recurso de facto
O apelante indicou os factos que pretende que sejam provados ou não provados e indicou de forma genérica os depoimentos que fundamentam, no seu entender essa alteração. Logo, cumpriu de forma suficiente os requisitos do art. 640º, do CPC já que, se dúvidas houvesse a parte contrária esgrimiu esses pontos e motivos e por isso demonstrou ter entendido de forma clara as razões da discordância.
Improcede, pois, a questão prévia suscitada.
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5. Do recurso da matéria de facto.
O desacordo da matéria de facto é o seguinte:
“o autor, fruto do exercício do cargo de administrador durante décadas é conhecedor da realidade da actividade da ré”, facto que deve ser julgado provado.
Q. No mesmo sentido, não pode julgar-se não provado que “o Sr. AA desconhece igualmente as contas da sociedade, porque nunca exerceu, de facto, a administração da sociedade, que até à data, foi sempre administrada pelo sócio administrador Dr. CC de forma exclusiva”, facto que deve ser julgado provado.
R. Resulta também que não pode julgar-se como não provado “que não tivessem sido prestadas contas ou informações necessárias ao conhecimento por parte de todos os administradores sobre a realidade contabilística da sociedade”, facto que resulta absolutamente não provado, realidade que, apesar de defendida pelo Presidente do Conselho de Administração, é absolutamente desmentida pelos demais meios de prova.
S. Em sentido inverso, deve julgar-se como provado que
(1) o autor não participou na elaboração de nenhum dos documentos levados a deliberação na Assembleia geral impugnada nos presentes autos,
(2) o relatório de gestão levado a Assembleia Geral não foi objecto de deliberação na reunião do Conselho de Administração,
(3) o Conselho Fiscal não foi convocado para emitir parecer ou apreciar e deliberar sobre qualquer parecer que lhe tenha sido proposto,
(4) o parecer do Conselho Fiscal não foi assinado pelo seu 1º vogal porque este nunca foi chamado a fazê-lo, apenas tendo tomado conhecimento desse documento na reunião do Conselho de Administração em que esteve presente, por iniciativa própria, em 12.05.20, e
(5) o relatório de gestão não contém nenhum dos requisitos estabelecidos no artigo 66º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente “uma exposição fiel e clara da evolução dos negócios, do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta”, ainda que elaborado em período de extrema incerteza decorrente do Estado de Emergência que foi decretado, nem qualquer fundamentação relativa à aplicação de resultados.
Decidindo
Ouvidas as alegações de facto (e direito), efectuadas pelas partes através dos seus mandatários, verificamos que, afinal, já aí a autora salientou que o seu filho BB nem sequer aceitou a declaração de aceitação de membro do conselho fiscal.
Depois, no mesmo momento, é admitido que o objeto da sociedade é a celebração de arrendamentos e que a sua actividade regular é apenas essa e, por isso conhecida do autor. Pois, “a sociedade o que faz é nada de diferente”.
Por fim, acaba por admitir que “foi é inequívoco que foi (administrador durante largos anos)”. Ou seja, os dois primeiros pontos de discordância com a decisão do tribunal a quo ficam indiciados com essa admissão que foi administrador durante longos anos da ré.
Depois, esta conclusão é confirmada pelo teor das atas juntas pela ré na sua contestação onde, afinal o autor aparece, como administrador, função que exerceu durante quase 30 anos. Diga-se, por exemplo que foi junto com a contestação um documento, aceite pelo autor, no qual este declara que recebeu cópia de todos os contratos de arrendamento.
Portanto, se esse cargo e essa duração não são suficientes para que o tribunal entenda, de forma racional e objectiva que este tem conhecimento da atividade da ré, então parece que é o autor que terá de ajustar os seus critérios de valoração probatória, pois, estes não minimamente racionais e objectivos, já que contrariam o teor do depoimento do próprio autor que a determinada altura diz num aparte (por vezes nem obras eram feitas), logo conhece a fundo a actividade da sociedade, pois, o autor no seu depoimento admite que a sociedade só tem um empregado e que o seu único objecto era arrendar imóveis e cobrar rendas.
Logo, ao contrário do pretendido não existem meios de prova que demonstrem o desconhecimento do autor sobre essa matéria.
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Analisando os restantes depoimentos ouvimos que:
No seu depoimento, o autor à pergunta o que está mal no relatório de gestão diz as contas não estão bem. À pergunta diga um exemplo concreto “as obras não são feitas” (minuto 9). Ou seja, de acordo com o próprio autor, a sua divergência será quanto à gestão e não contas e apesar de insistir não consegue apontar uma rubrica (refere apenas um problema do CAE). Mas diz minuto 13 abstive-me quanto às contas. Note-se que o tribunal insistiu, ficcionou até uma almoço num restaurante e a resposta foi “não concordo com a gestão”, e “foi uma falta de consideração comigo, pois, estava tudo assinado”. À pergunta do que fazia quando estava na gestão diz “assinei sempre de cruz”, porque “confiei sempre” mas “ninguém o impediu”.
O Dr. FF (ROC da ré e testemunha comum) depôs no dia 20.1. e confirma que foi cumprido o procedimento normal e que subscreveu o relatório do conselho fiscal. Mais salienta que as contas eram simples e “limpas” nada impedia a sua aprovação.
O Sr. Dr. GG, após uma interessante introdução, afirma conhecer bem as partes, pois trabalhou para a ré como contabilista e era ele quem elaborava as contas dizendo que apresentava as contas numa reunião com o próprio réu e Dr. CC, na última semana de Fevereiro. Esta testemunha confirma que o relatório de gestão é elaborado com base numa minuta pré-efectuada que se adapta à situação anual, mas que não se altera (veja-se ao minuto 21 e segs. onde contradiz o mandatário do autor quanto ao que é, nesta empresa o relatório de gestão).
O Sr. HH (Advogado), colega de escritório do administrador da ré, e membro dos órgãos sociais, depôs dizendo que é comum, como nessa assembleia, serem entregues os documentos no inicio da mesma. Na parte final diz que os procedimentos adoptados são os “habituais” e pacíficos “não houve qualquer problema durante muitos anos”.
Por seu turno, o Dr. CC (na sua segunda inquirição), confirma as suas anteriores declarações nas quais afirma (finalmente à segunda pergunta) que o filho do autor foi um ano, antes, um dia à sociedade pretendendo consultar documentos e que ele disse “o que estiver aí mostre”. Mais disse que “nunca gostou de negociar sobre pressão e que o seu primo já intentou, com esta, três acções a propósito das contas” e que “o Dr. KK gosta de confundir tudo porque o que está em causa não é 2019 mas 2020”. E confrontado com a declaração escrita explica que o documento foi escrito pelo Sr. mandatário e que foi assinado pelo colaborador da ré.
O filho do autor (inquirido no dia 13.1) que é amigo do seu ilustre mandatário, no seu longo depoimento confirma que sabe o objecto da sociedade e que “não tem duvidas sobre o recebimento de rendas e despesas (…) nem sobre a realidade e bondade das contas” (minuto 25), mas com a voz já a tremer diz não concordar com algumas despesas (não elencadas neste processo), e no fundo admite que não concorda com as opções de gestão. No seu depoimento é, pois, evidente por um lado o seu interesse e comprometimento na causa que afecta a sua credibilidade e isenção, e que o seu descordo não é quanto às contas mas sim quanto ao relatório de gestão (minuto 42 e segs).
O Dr. DD, presidente do conselho fiscal da ré, confirma que iniciou funções à cerca de 15 anos e que os procedimentos são idênticos (de acordo com todo o sempre), admitindo que o conselho fiscal não reunia colegialmente e que o relatório era assinado, à vez, após o Sr. Dr. FF o elaborar.
O Sr. Dr. II (Advogado), testemunha comum, presidente da mesa da assembleia geral há mais de 30 ano, descreve as relações anteriores (de amizade e familiares) entre o autor e o Administrador da Ré. Nesse contexto afirma que “nunca me passou pela cabela que pudesse existir um problema de uma assinatura (…) mesmo numa relação com altos e baixos (…) mas entre irmãos).
Ou seja, ouvindo integralmente todos os meios de prova, é evidente e seguro que estamos perante um litígio entre dois primos que possuem cerca de 100 imóveis arrendados entre si, e que, afinal o que está em causa será a gestão e não as contas sendo que o autor afirma que se absteve porque se sentiu insultado. E, mesmo o filho deste Sr. Dr. BB, admite que nada tem contra as contas mas sim contra a gestão que não se modernizou.
Por fim, pretende o apelante aditar os seguintes factos à matéria dada como assente:
1) O Autor não participou na elaboração de nenhum dos documentos levados a deliberação na Assembleia Geral impugnada nos presentes autos;
Este facto não foi sequer alegado na petição é é irrelante para decisão jurídica da questão.
2) O relatório de gestão levado a Assembleia Geral não foi objeto de deliberação na reunião do Conselho de Administração;
Este facto consta do art. 15 da pi mas, conforme resulta do supra exposto não pode ser considerado demonstrado.
3) O Conselho Fiscal não foi convocado para emitir parecer ou apreciar e deliberar sobre qualquer parecer que lhe tenha sido proposto;
Este facto, consta parcialmente do art. 19 da PI. Mas, conforme resulta do já descrito o mesmo não pode ser considerado provado, pois, os membros do conselho fiscal reuniram entre si de forma não presencial.
4) O parecer do Conselho Fiscal não foi assinado pelo seu 1.º vogal porque este nunca foi chamado a fazê-lo, apenas tenho tomado conhecimento desse documento na reunião do Conselho de Administração em que esteve presente, por iniciativa própria, em 12.05.20;
A realidade relevante já consta dos factos provados. A restante parte, com excepção da sua presença nessa reunião, tem como sustentáculo o seu depoimento que já foi analisado negativamente.
5) O relatório de gestão não contém nenhum dos requisitos estabelecidos no artigo 66.º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente “uma exposição fiel e clara da evolução do desempenho e da posição da sociedade, bem como uma descrição dos principais riscos e incertezas com que a mesma se defronta”, ainda que elaborado num período de extrema incerteza decorrente do Estado de Emergência que foi decretado, nem qualquer fundamentação relativa à aplicação de resultados.
Esta matéria é puramente conclusiva, e por isso não assume natureza de factual.
Deste modo teremos de concluir que a matéria que o apelante pretende dar como não provada está claramente demonstrada e por isso o recurso da matéria de facto é claramente improcedente.
Em conclusão, teremos de salientar que a decisão da matéria de facto já não é um sentimento arbitrário de acordo com qualquer convicção. Bem pelo contrário, o grau e critério da convicção é aquela que qualquer normal cidadão prudente e sagaz exige para uma acção semelhante. Ora, o autor e seu filho compreenderão que ouvindo os seus depoimentos (e sem necessidade de mais elementos de prova) dos mesmos resulta que estamos perante o aproveitamente de duas questões menores, auto criadas pelos mesmos, que nem sequer são o essencial da querela entre as partes. Curiosamente a testemunha (filho do autor) que faz parte do conselho fiscal não põe em causa as contas que não assinou mas está contra a gestão da empresa. O seu pai, autor dos autos, diz que pretendia abster-se quanto ao relatório de gestão. Porque discorda da mesma? Não. Porque entendeu, e por certo com razão, que foi desconsiderado com a apresentação do relatório já redigido.
Ora, esses depoimentos (note-se os únicos meios de prova relevantes do autor) são pouco, muito pouco, para que qualquer terceiro isento possa comprovar com uma mínima segurança a tese alegada pelo autor.
Daí a improcedência do recurso da matéria de facto.
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6. Motivação de facto[1]
1. A ré é uma sociedade anónima de cariz familiar, constituída em 1917, tendo o seu capital social repartido entre dois ramos familiares, sendo hoje um representado pelo autor, AA, e outro por CC e mulher.
2. Na presente data, o capital social da ré é dividido em 6.000 acções ordinárias, tituladas e ao portador.
3. O autor é titular e legítimo portador de 2.736 acções, que representam 45,60% do capital social, e foi administrador da sociedade ré até 25.05.20, data em que foi eleito um conselho de administração de que não faz parte, encontrando-se o restante capital social repartido entre CC, titular de 3204 acções, e a mulher, LL, titular de 60 acções.
4. Nessa data de 25.05.20, realizou-se uma assembleia geral ordinária com a seguinte ordem do dia: Deliberar sobre o Relatório da Gestão e o Balanço e Contas da Administração e do Parecer do Conselho Fiscal, relativos ao exercício de 2019. Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados. Eleição dos membros dos órgãos sociais para o triénio 2020-2022.
5. Até à data da mencionada Assembleia Geral, o conselho de administração da sociedade ré era constituído pelos sócios AA e LL, como vogais, e o sócio CC, como presidente.
6. Em 12.05.20, teve lugar uma reunião do conselho de administração na qual estiveram presentes os três administradores.
7. Nessa reunião, foram apresentados ao autor três documentos previamente redigidos: (1) relatório de gestão, com data de 03.03.20, (2) declaração do órgão de gestão, com data de 10.03.20, ambos previamente assinados pelos administradores CC e LL, e (3) relatório e parecer do conselho fiscal, com data de 10.03.20, conforme acta junta com a petição a 22.6.2020 e cujo restante teor se dá por reproduzido.[2]
8. Para além destes documentos, foi entregue ao autor cópia de um documento intitulado “certificação legal de contas”, com data de 10.03.20, e um outro intitulado “demonstrações financeiras ano 2019”, ambos assinados pelos administradores CC e LL.
9. Ao tempo, o conselho fiscal era constituído por DD, como presidente, BB, filho do aqui autor, como vogal, e a sociedade de revisores oficiais de conta Y..., SROC, Lda., como 2º vogal.
10. A Ré é uma sociedade anónima, constituída em 1917, e cujo objeto social consiste no “Exercício de comércio, a administração da carteira de participações da própria sociedade, a realização e gestão de investimentos na área imobiliária, nomeadamente a compra e venda de imóveis para si ou para revenda, a construção, urbanização e loteamento, a administração e arrendamento de bens imobiliários, próprios ou de terceiros.”
11. Embora seja uma sociedade anónima, a Ré tem uma dupla característica: (i) é uma sociedade de cariz familiar e (ii) a sua atividade centra-se em administrar e cobrar as rendas de dois imóveis.
12. A sociedade Ré foi inicialmente constituída pela Senhora D. MM (avó do Autor e do Dr. CC, sócio maioritário da Ré e atualmente presidente do Conselho de Administração da Ré) que detinha 90% do capital e pelo seu irmão Senhor AA, que detinha os restantes 10% do capital social.
13. o Autor atualmente detém cerca de 45% do capital social da Ré.
14. O Dr. CC detém os restantes cerca de 55% do capital social da Ré.
15. A sociedade Ré dedica-se, efetivamente, ao arrendamento de imóveis de que é proprietária.
16. A Ré detém apenas dois imóveis i (i) um imóvel no centro da cidade do Porto (na Praça ...) e ii (ii) um imóvel no centro da cidade de Lisboa (na Rua ..., em plena baixa pombalina).
17. Tais imóveis estão organizados em frações, e a Ré procede ao respetivo arrendamento na qualidade de senhoria e proprietária.
18. a atividade da Ré é caracterizada cobrança de rendas nos espaços arrendados, procurar inquilinos quando algum deles fica devoluto, efetuar obras se for necessário; suportar pequenas despesas; suportar o vencimento de um único funcionário, bem como as remunerações dos órgãos sociais; pagar impostos.
19. Isto é assim há décadas, tendo em conta que o prédio de Lisboa foi adquirido pela Ré em 1920, e o prédio do Porto em meados do século XX.
20. O Sr. AA foi administrador da Ré durante mais de 30 anos.
21. Com efeito, o Autor foi nomeado administrador da Ré em 1988.
22. E anteriormente a assumir o cargo de administrador, o Autor era o Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
23. O Sr.AA presidiu à reunião de Assembleia Geral em que foi nomeado administrador.
24. Desde 1988 o Autor foi sendo sucessiva e ininterruptamente nomeado para novos mandatos, até à assembleia geral de 25 de maio de 2020.
25. O Autor, fruto do exercício do cargo de administrador durante décadas é conhecedor da realidade da atividade da Ré.
26. O Autor e o Dr. CC primos direitos (parentes no 4º grau da linha colateral).
27. Para além de sócios e familiares, encontravam-se ligados por uma amizade forte.
28. Almoçavam com regularidade, e conversavam com frequência sobre a atividade da Ré.
29. O Dr. CC integra o Conselho de Administração da Ré também desde 1987, primeiro como vogal, e mais tarde (depois do falecimento do seu Pai) como presidente.
30. E que se mantém essencialmente a mesma atividade desde há décadas.
31. O Autor e o Dr. CC entenderam iniciar, no final de 2017, negociações tendo em vista a separação patrimonial, vulgo “partilhas”.
32. O Sr. AA e o Dr. CC, para além das participações sociais na Ré, detêm imóveis em conjunto, quer em comunhão indivisa, quer em compropriedade. negociações não foram, até agora, bem sucedidas.
33. o Presidente do Conselho de Administração da Ré convocou uma reunião destinada a aprovar as contas anuais da sociedade.[3]
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Oficiosamente (e com base nos dois depoimentos mencionados que se encontram gravados) aditam-se os seguintes factos instrumentais provados:
34. O vogal do conselho fiscal que não assinou o parecer do conselho fiscal manifestou em julgamento ter discordância com a gestão da sociedade mas não com as contas apresentadas.
35. O autor Sr. AA declarou em julgamento ter pretendido abster-se no que respeita ao relatório de gestão sem que a sua divergência diga respeito ao teor das contas apresentadas que reputa verdadeiras.
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7. Motivação jurídica
1. Da informação
Estamos perante uma questão relativa à omissão da assinatura de dois documentos da sociedade Ré (o relatório de gestão e ao parecer do conselho fiscal).
Essa matéria está regulada, além do mais, no art. 65º do CSC em termos que revelam, de forma evidente, que o legislador pretendeu através de uma série de exigências proteger e garantir o direito de informação dos, neste caso, acionistas.
Por isso é que o artigo 65.º, do CSC impõe à administração da sociedade o dever de relatar a gestão e apresentar contas.
Essa informação, obtida através desses elementos pretende ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita usando a formulação análoga do art. 7º do CMVM[4].
Nessa medida o interesse pela informação contida no relatório de gestão, e sobretudo nas contas, abrange os accionistas, os credores e o próprio Estado.
Ou seja, existe aqui uma multiplicidade de interesses privados, de ordem pública e interesses públicos.
Por causa disso é que se regula, em termos gerais, um especial cuidado na elaboração das contas decorrente desta função que desempenham.
Nestes termos o legislador enquadrou a elaboração das contas das sociedades como um acto que deve ser praticado directa e pessoalmente pelos administradores.
E, para que o mesmo seja obtido o art. 65º, do CSC impõe um especifico regime relativo à assinatura do relatório de contas e relatório de gestão exigindo no seu nº 3 que: “O relatório de gestão, o relatório separado com a informação não financeira, quando aplicável, e as contas do exercício devem ser assinados por todos os membros da administração; a recusa de assinatura por qualquer deles deve ser justificada no documento a que respeita e explicada pelo próprio perante o órgão competente para a aprovação, ainda que já tenha cessado as suas funções”.
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2. Do relatório de gestão
O artigo 66.º e o artigo 508.º-C, do CSC, fixam um conteúdo mínimo a que deve obedecer o relatório de gestão de uma sociedade.
Porque, como é evidente, estas desenvolvem a sua actividade em sectores muito distintos, com diversa complexidade e sofisticação e regem-se por estratégias próprias também elas muito diferentes entre si.
Podemos, portanto afirmar que o relatório de gestão consiste num documento que sintetiza, de forma descritiva, toda a actividade da sociedade nos seus mais variados aspectos e que deve estar adaptado à concreta sociedade que o aprovou[5].
Quem terá de entender se o relatório de gestão é, ou não suficiente, são em primeira linha os acionista presentes na assembleia que podem e devem pedir todos os esclarecimentos e complementos necessários.
In casu e segundo a acta da deliberação o autor nada pediu, sendo que afinal era até essa data administrador da mesma, logo, afirmar desconhecer o seu funcionamento é admitir a violação dos seus deveres de zelo.
O nosso ordenamento impõe, por isso, que o administrador tenha de tomar uma posição activa sem que possa simplesmente recusar-se a assinar as contas porque está “obrigado a fazê-lo de forma expressa e fundamentada”.[6]
Este é o único caso em que se admite a não assinatura das contas e que se limita à situação de recusa de assinatura. Trata-se de um acto revelador de discordância com as contas
Por isso, acrescenta o mesmo autor, “as razões que motivaram a recusa devem ser apresentadas e explicadas pelo administrador que não assine as contas, e deverão constar no próprio documento de apresentação das contas”.
Sendo que o relatório é um documento com vida própria e independente da existência de uma deliberação formal de aprovação do seu conteúdo.
Ou seja, o autor parece confundir a não assinatura do relatório com a sua posterior aprovação.
Que o relatório e contas foram aprovadas não restam dúvidas.
Que o autor omitiu a sua assinatura no relatório também não. Mas esse facto não pode gerar, neste caso a anulabilidade da apresentação do relatório, por duas razões simples e evidentes.
Em primeiro lugar essa o autor recusou-se a assinar o relatório de gestão sem que tenha expresso a sua discordância, e, como esclareceu em julgamento, quando queria afinal apenas abster-se do mesmo.
Ora, a assinatura do relatório e contas, prevista no n.º 3 do artigo 65.º do CSC, visa comprovar o assentimento e vinculação de cada um dos administradores ao respectivo conteúdo, tendo em vista a tutela de interesses da sociedade e de terceiros, no que respeita à possível responsabilidade dos administradores pela gestão da sociedade.
Por isso essa assinatura (ou a sua omissão) é um acto pessoal do administrador que implica desde logo a violação dos seus deveres funcionais.
Segundo Miguel Pupo Coreia [7]: “no termo de cada exercício, o membro ou os membros do órgão de administração – trata-se de um dever que lhes é pessoalmente imputado – “devem elaborar e submeter (…) o relatório de gestão, as contas do exercício e demais documentos de prestação de contas previstos na lei.” Tais documentos serão elaborados nos termos que a lei determinar, que podem ser completados mas não derrogados, pelo contrato social, e serão assinados pelos membros do órgão de administração em exercício (art. 65.º, n.ºs 1 a 4)”.
Nos mesmos termos José Machado [8] “os membros têm o dever de assinar o relatório de gestão (…) assim (só deve recusar a assinatura) se as contas não correspondem à realidade.” (…) Mas recusando a assinatura tem então o dever de justificar o seu acto”.
Podemos, portanto concluir que foi o autor e, não os restantes administradores que deu causa, à irregularidade e que esta dirá respeito não apenas à falta de assinatura mas também à falta de expressão das razões da discordância que afinal em nada integram qualquer irregularidade ou invalidade.
Depois, essa irregularidade em nada afecta o interesse protegido, seja do autor seja da sociedade e dos restantes acionistas.
Quanto ao conteúdo do relatório parece que este é sucinto, mas suficiente para uma sociedade que possui dois imóveis e se dedica “à cobrança de rendas nos espaços arrendados, procurar inquilinos quando algum deles fica devoluto, efetuar obras se for necessário; suportar pequenas despesas; suportar o vencimento de um único funcionário, bem como as remunerações dos órgãos sociais; pagar impostos”.
O autor, pelos vistos discorda apenas da forma como o relatório foi elaborado; não do seu conteúdo e muito menos que este tenha coartado o seu conhecimento efectivo da gestão corrente e estratégica da sociedade. Os restantes acionistas aprovaram esse mesmo relatório por maioria.
Por isso, é evidente que estamos perante uma irregularidade cometida pelo próprio autor, que em nada afecta a validade da deliberação nos termos do art. 68º, do CSC, já que em nada afectou o teor da deliberação que foi realizada com conhecimento integral do objecto da actividade da ré.
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3. Da falta de assinatura do parecer do conselho fiscal
A questão que está patente neste recurso é a falta de assinatura de um vogal do conselho fiscal no relatório de contas, sendo que este é filho do autor (conforme resulta dos factos provados).
Daí resulta, desde logo, que o mesmo nem sequer poderia integrar o conselho fiscal, porque até essa data o seu pai era administrador (facto provado nº3).
Por isso, nos termos do art. 414º-A, nº1, al g), do CSC este estria impedido de exercer funções no conselho fiscal, pois, “Não podem ser eleitos ou designados membros do conselho fiscal, fiscal único ou revisor oficial de contas (…) Os cônjuges, parentes e afins na linha recta e até ao 3.º grau, inclusive, na linha colateral, de pessoas impedidas por força do disposto nas alíneas a), b), c), d) e f), bem como os cônjuges das pessoas abrangidas pelo disposto na alínea e).
Sendo, “nula a designação de pessoa relativamente à qual se verifique alguma das incompatibilidades estabelecidas no n.º 1 do artigo anterior ou nos estatutos da sociedade ou que não possua a capacidade exigida pelo n.º 3 do mesmo artigo”.
Ou seja, a intervenção do filho do autor nos termos da qual também não terá assinado a aprovação das contas viola essa norma imperativa e implicaria por isso apenas a necessidade de intervenção do seu substituto (cfr. art. 19º da pi).
Por isso a suposta irregularidade (falta da sua assinatura) não existe, porque, em primeiro lugar a sua eleição está vedada nos termos dos impedimento do art. 414º-A do CSC.
Em segundo lugar, mais uma vez o autor confunde o regime de invalidade do processo de apresentação de contas com a sua falta de assinatura.
Que as contas foram verificadas, certificadas e aprovadas pela maioria do conselho fiscal é inequívoco (factos provados 3 a 9). Apenas o relatório e parecer do conselho fiscal estava assinado por apenas 2 dos seus membros.
Ora, o art 423º, do CSC impõe também que “2 - As deliberações do conselho fiscal são tomadas por maioria, devendo os membros que com elas não concordarem fazer inserir na acta os motivos da sua discordância”.
In casu, mais uma vez o Sr. Vogal nada disse, nada fez, nem nada requereu, sendo que, afinal e conforme resulta do seu depoimento a sua discordância nem é com o teor das contas que reputa verdadeiras mas com as opções de gestão.
Acresce que essa omissão deriva da sua conduta.
Com efeito, teria o mesmo os poderes estatutários previstos no art. 421º, do CSC que não exerceu.
Podemos, por isso concluir que a falta de assinatura (que recorde-se poderia ainda ser colhida com razõees de discordância na assembleia onde esteve presente), é-lhe imputável.
Ora, na nossa ordem jurídica existe um principio geral nos termos do qual quem deu causa a uma nulidade não a pode invocar.
Nestes termos do art 197º, n2, do CPC estabelece que “Não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição”. Essa norma processual é especialmente relevante para questões procedimentais do funcionamento das sociedades. Logo, estamos aqui perante uma analogia de situações relevantes para a aplicação de um principio geral[9].
Nestes termos subscrevemos o argumento da decisão a quo, no sentido de que quem deu causa à omissão na assinatura, foi o próprio vogal que poderia querendo expressar a sua discordância com a exposição das respetivas razões.
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4. Do procedente judicial invocado
Logo, na sua petição o apelante reproduz um aresto do TRL de 12.4.2007, nº 2034/2006-7, (Orlando Nascimento), que supostamente resolveria, sem mais, este litigio.
Mas, para que uma decisão anterior tenha a força de precedente é necessário que incida sobre uma questão de facto semelhante na qual os interesses em conflito sejam análogos.
Ora, o autor esqueceu-se que nessa acção estávamos perante uma sociedade anónima com o capital social de 230 milhões. Os accionistas que interpuseram a acção possuíam menos de 6 mil escudos desse capital. Depois, “à excepção de um “nenhum dos documentos estava assinado” e diziam respeito a factos de Maio quando a assembleia foi realizada em Dezembro. Esqueceu, pois, o autor que neste caso estamos perante uma sociedade com basicamente dois acionistas, da qual o mesmo foi administrador durante largos anos e que afinal a omissão da assinatura que justifica o pedido de anulabilidade foi feito por si e pelo seu filho ilegalmente nomeado vogal do conselho fiscal.
Parece, pois, que a força desse precedente é, pelo menos, largamente atenuada.
Deste modo, a solução do caso concreto sempre passaria, se necessário, pela aplicação da disposição do art. 69º, nº2, do CSC que permite, em casos de pouca gravidade a correcção das irregulares[10].
Sendo que mesmo a aplicação desta norma sempre seria desnecessária, pois, afinal o próprio autor esclareceu já o teor da sua discordância que não diz respeito à verdade das contas, mas aos desentendimentos com o seu primo.

Consideram-se prejudicadas as restantes questões.
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8. Deliberação
Pelo exposto, este tribunal julga o presente recurso improcedente por não provado e, por via disso confirma a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante porque decaiu inteiramente.

Porto em 10.11.22
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira
António Carneiro da Silva
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[1] Corrige-se oficiosamente a irregularidade relativa á falta de numeração dos factos provados.
[2] Parcialmente aditado.
[3] Com relevo para dirimir a causa, não resultou provado que: que o Sr.AA desconhece igualmente as contas da sociedade ,porque nunca exerceu, de facto, a administração da sociedade, que até à data foi sempre administrada pelo sócio administrador Dr.CC forma exclusiva. Que não tivessem sido prestadas contas ou informações necessárias ao conhecimento por parte de todos os administradores sobre realidade contabilística da sociedade.
[4] Cfr. Maria Adelaide Croca, As contas do exercício/perspectiva civilística, R.O.A., Ano 57, Abril de 1997, págs.639.
[5] CONCEIÇÃO AGUIAR, SOBRE A ADMISSIBILIDADE DE ASSINATURA DE CONTAS EM REPRESENTAÇÃO DE ADMINISTRADOR, Cadernos MVM, nº21, 1 a 8.
[6] José Carlos Soares Machado, em A Recusa de Assinatura do Relatório Anual, R.O.A. Ano 54, Dezembro 1994, pág. 935 e segs.
[7] em Direito Comercial, 2003, pág. 616.Nos mesmos termos Ana Maria Rodrigues e Rui Pereira Dias, anotação ao art. 65, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, I, 2º edição, Almedina, p. 835.
[8] Ob cit., pág. 940.
[9] Aplicável por via do art. 2º, do CSC: “Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adoptado”.
[10] Ac do STJ de 14.5.2019, nº 421/14.1TYVNG.P2.S1 (Olinda Garcia) e Ac do TRP de 13.12.2016, processo n.º 421/14.1TYVNG.P1.