CRIME DE INCÊNDIO
PENA
BOMBEIROS
Sumário

Na determinação da medida da pena   deve ter-se em conta a forma de actuação, o grau de ilicitude e o grau de culpa dos arguidos, bem como a sua postura quanto aos factos;
Se há data dos factos o arguido tinha 21 anos e idade, não lhe eram conhecidos antecedentes criminais, tal como não são conhecidos comportamentos censuráveis posteriores;
Se já decorreram quatro anos desde a prática dos factos, admitindo-se também que o tempo de privação da liberdade, embora servindo propósitos meramente cautelares, tenha paralelamente permitido ao arguido tomar consciência da necessidade de definitivamente adoptar comportamentos conformes ao direito;
Julga-se possível efectuar o juízo de prognose favorável suposto no artigo 50.º do Código Penal, suspendendo a execução da pena imposta ao arguido ora recorrente pelo período de 4 anos e acompanhando a mesma suspensão da execução da pena de regime de prova, nos termos previstos no artigo 53.º, assente em plano de reinserção social. 

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

1. Por acórdão de 5 de Abril de 2022[1],[2] foi o arguido AV_____ condenado pela prática em co-autoria de:
- Um crime de incêndio na forma tentada previsto e punido pelos artigos 274.º n.º 1, 22.º e 23.º do Código Penal (Proc. n.º 364/18.5GAALQ, factos 17 a 23 da acusação) na pena de 1 ano de prisão;
- Um crime de incêndio na forma consumada previsto e punido pelo artigo 274.º n.º 1 do Código Penal (Proc. n.º 375/18.06AALQ), na pena de 2 (dois) anos de prisão;
O mesmo foi condenado, em autoria material, pela prática de um crime de incêndio na forma previsto e punido pelo artigo 274.º n.º 1 do Código Penal (Proc. n.º 364/18.56AALQ na parte a que se reportam os artigos 33 a 38 da acusação), na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico foi o arguido AV_____ condenado na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão.
2. Inconformado, veio o mesmo interpor recurso com as seguintes conclusões3 da motivação: 
“1. Se atentarmos no acórdão recorrido, por comparação com aquele que foi declarado nulo, por inobservância do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, verificamos que o apontado vício de falta de fundamentação, com exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção no que tange à factualidade referida no acórdão do Tribunal da Relação, não foi suprido.
2. Repetidamente, o tribunal a quo, vem-se limitando a fazer um copy paste da anterior fundamentação.
3. Adiantamo-nos desde já, dizendo, que se mantém a nulidade anteriormente invocada, uma vez que a mesma não foi de modo algum suprida.
4. Por outro lado, adiantamo-nos, que a decisão é também ela nula, porquanto, apesar de ter extirpado a nulidade de apreciação por falta de fundamentação bastante na decisão de declarar o automóvel perdido a favor do estado.
Falta de Fundamentação/Fundamentação insuficiente e Omissão de Pronúncia:
5. Afirma o recorrente, e disso tem profunda convicção, que, a decisão recorrida, lida e relida a fundamentação de facto e consequente motivação da fundamentação, resulta evidente que a fundamentação não cumpre a exigência somente uma, de onde se firmam os factos assentes e em que provas se funda essa convicção.
6. Não ficou cabalmente esclarecido o arguido aqui recorrente, porque motivo o tribunal a quo fundamentou a sua decisão no sentido de que se encontravam reunidos os pressupostos para suspender a pena de prisão do arguido F____  e, quanto a si, expende um conjunto de afirmações não coerentes, para dizer que não suspenda a pena.
7. Sendo que o arguido prestou declarações confessórias em sede de primeiro interrogatório judicial e posteriormente em sede de inquérito onde tudo esclareceu e se se remeteu ao silencio sobre os factos em julgamento, tal conduta não o podia desfavorecer, como o Tribunal a quo decidiu desfavoreceu.
8. É pois nula a decisão também por violação dos art.ºs 374.º, n.º 3, al. b) e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.
9. É também nula a decisão por manifesta falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
10. Nulidades que se deixam arguidas e se querem ver declaradas. Como é de Lei, tendo sido violados, nesta parte, os artigos 127.º, 374.º, n.º 2, do CPP. Sendo Nula a decisão nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alíneas “a” e “c” e n.º 2, do CPP, devendo consequentemente serem extirpados os factos dados como provados nos pontos e 17 a 21 por manifesta falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, já que os outros pelos quais o arguido foi condenado (factos 10 a 17 e 22 a 27, dados como provados), apesar de tal não constar da fundamentação, o que é certo, é que o arguido efetivamente os confessou em sede de primeiro interrogatório judicial, e por esse motivo, passível do seu depoimento ser livremente valorado pelo tribunal, salvo douta e melhor opinião.
Nulidade por violação do Princípio de Presunção de Inocência
11. É ainda nula a decisão por violação grosseira, do princípio in dúbio pró reo, e não somente por falta de fundamentação.
12. Sendo aliás inconstitucional o entendimento, rectius, interpretação dado pela decisão recorrida ao artigo 127.º do CPP, segundo a qual, a livre apreciação de prova permite afirmar um facto como provado, sem que prova material ou pessoal diretamente apreciada e clara e fundadamente esclarecida tenham existido.
13. A interpretação do artigo 127.º, do CPP, feita pela decisão aqui posta em crise, não respeitou este princípio legal, de acordo com o disposto na Constituição da República, sendo por isso inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 2 da CRP. Inconstitucionalidade que desde já se arguiu, prevenindo a possibilidade de recurso ao
Tribunal Constitucional, caso assim se não venha a entender, o que se refere, sem conceder e por dever de patrocínio.
14. Além das Nulidades invocadas, o arguido foi condenado com fundamento em errónea apreciação da prova. E por isso mesmo a prova deverá ser objeto de reapreciação, sendo certo que entende o recorrente que não precisará o Tribunal, ad quem, de recorrer ao princípio da imediação, posto que, as parcas provas existentes apontam em sentido diametralmente oposto ao que chegou o Tribunal a quo e levará a decisão diferente relativamente ao arguido aqui recorrente.
15. Os pontos de facto que foram erradamente valorados, são os factos 17 a 21 (não confessados pelo arguido aqui recorrente em primeiro interrogatório judicial). Devendo ainda ser corrigida a contradição entre o ponto 10 dos factos assentes e o ponto 1 dos factos não assentes.
16. Isto porque o arguido não confessou tais factos em sede de primeiro interrogatório, e a única testemunha inquirida sobre estes factos (JM___) não aponta na direção do arguido aqui requerente como sendo o autor dos mesmos.
17. Neste caso, a testemunha JM___, referiu que apenas viu duas pessoas que não soube identificar a entrar apressadamente numa viatura VW Golf de cor escura. Porém na sua fundamentação o tribunal a quo, não explicita como liga estas declarações aos factos dados como provados, nem tão pouco refere a que factos diz respeito estas declarações, e bem assim qual o juízo de prognose que foi efetuado para destas declarações concluir que foi o arguido aqui recorrente o autor dos factos 17 a 21, existindo por isso clara falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente para a decisão.
18. Deve ainda ser aditado à matéria assente um ponto 36, com seguinte facto: “O arguido AV_____ é descrito pelas pessoas que o conhecem, como um bom rapaz, educado, bom trabalhador, imaturo e influenciável”, posto que ponto deve ser acrescentado, porque resulta da própria motivação da decisão e facto. Ou seja, o Tribunal a quo, diz que isto resulta das declarações das testemunhas de defesa, na página 15 do acórdão, mas depois não coloca o facto na matéria assente
19. O princípio da livre apreciação da prova (art.º 127.º do CPP) encontra limite na prova concreta que somente pode ser apreciada segundo as regras da experiência e valorada numa direção e não em direções díspares e tem de ter como limite a dúvida razoável que sempre se deve ter na ausência de suporte probatório claro.
20. Existiu, por isso, flagrante contradição e, como supra se disse e a nosso ver, violação do princípio “in dubio pro reo”.
21. No caso sub judice, o acórdão recorrido, ao formar como formou o livre convencimento do juiz, traduziu-se como uma autêntica limitação ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, não pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (art.º 61.º, n.º1, alínea c) conjugado com o art.º 343.º, n.º 1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dubio pro reo.
22. Pelo que, também por isso a sentença que ora se recorre deve ser declarada nula, como aliás se disse acima e aqui se reitera, que são inconstitucionais tais normas quando interpretadas no seguinte sentido.
23. “Ao formar o livre convencimento, o juiz, não se encontra limitado ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (art.º 61.º, n.º1, alínea c) conjugado com o art.º 343.º, n.º 1, ambos do CPP), ferindo o princípio do in dúbio pro reu.”
24. Tal interpretação viola ainda o art.º 6.º da Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais com as modificações introduzidas pelo Protocolo n.º 11 acompanhada do Protocolo adicional e dos Protocolos nos 4, 6, 7 e 13, e os artigos 32.º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, ambos da C.R.P.
25. Inconstitucionalidade que já igualmente se arguiu e se reitera. 
Da Matéria de facto Provada:
26. Por completa ausência de prova, devem ser retirados os factos que foram dados como provados 17 a 21, devem ser dados como não provados, na medida em que, do que resulta do depoimento da única testemunha - JT  -, inquirida, e que se encontra gravado no sistema áudio do tribunal, e efetivamente resumido na fundamentação do tribunal a quo, este apenas viu passar no local uma viatura de marca VW Golf, de cor escura, com dois indivíduos no interior, não sabendo identificar a matrícula do carro ou os seus ocupantes, pelo que, na ausência de qualquer outra prova direta ou mesmo indireta, para se conjugar com esta, têm estes factos que ser dados como não provados.
27. Foram violadas entre outras, as normas do artigo 127.º e artigo 374.º, n.º 2; 345.º e 357.º, do Código de Processo Penal, sendo Nulo o acórdão, nos termos do artigo 379.º do CPP.
28. Ao não atender ao princípio in dubio pro reo, o Tribunal “a quo” violou os artigos 18.º; 25.º, n.º 1; 26.º; 32.º, n.º 8; 34.º, n.º 3; e o artigo 204.º da Constituição da República.
29. Considerando o que se disse sobre os pontos de facto que se sindicaram acima, como é evidente, sendo corrigida a decisão no sentido propugnado pelo recorrente, obviamente, este terá de ser absolvido relativamente aos factos 17 a 21 da matéria de facto dada como assente em que foi condenado pelo crime de incêndio e deve ainda ser aditado à matéria assente o ponto 36.
DA MEDIDA DA PENA
30. Em face do que se disse, e na sequência das nulidades supra arguidas e bem assim da modificação da matéria de facto dada como assente, entende-se que o arguido deve ser absolvido relativamente aos factos 17 a 21 da matéria de facto dada como assente.
31. E atento também o que vai exposto na motivação, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o regime especial para jovens e atenuar especialmente a pena, tendo violado o artigo 4.º do Dec. Lei 401/82, que aprovou o Regime Penal Especial para Jovens. Pelo que a decisão recorrida violou este preceito legal e, além deste, o artigo 71.º e 72.º do Código Penal, além do disposto no artigo 29.º da CRP.
32. Porque o arguido é primário, está socialmente inserido, depois de cumprir quase vinte meses em prisão preventiva voltou a trabalhar e está muito longe de delinquir, havendo claramente em seu benefício um juízo de prognose favorável, que impõe a aplicação do citado regime especial para jovens.
33. E bem assim, efetivamente condenado relativamente aos factos 10 a 16 da matéria de facto dada como assente, por um crime de incêndio na forma tentada, p. e p. pelo art.º 274.º n.º 1, 22.º e 23.º do C.P., com a pena especialmente atenuada, na pena parcelar de 3 a seis meses de prisão, o que se requer.
34. E ainda condenado também pelos factos 29 a 33 da matéria de facto dada como assente, por um crime de incêndio, p. e p. pelo art.º 274.º n.º 1 do C.P., com a pena especialmente atenuada, na pena parcelar de um ano ou um ano e dois meses de prisão.
35. Devendo ser absolvido do crime de fogo posto, quanto aos factos dos pontos 10 a 17 que não devem ser dados por assentes quanto ao arguido.
36. Na realização do cúmulo jurídico das duas penas em que o arguido deverá efetivamente ser condenado, tendo em conta os limites mínimo e máximos, julga-se adequado para fazer face às necessidades de prevenção especial e geral positiva, a pena única entre um ano e quatro meses ou um ano e seis meses, a qual deverá ser suspensa na sua execução, eventualmente com regime de prova atenta a idade do arguido, sendo certo que o. Arguido já cumpriu vinte meses em prisão preventiva.
37. Ora, relativamente á pena aplicada que já se disse ser exagerada e se pugna pela sua redução substancial, se lermos atentamente a fundamentação do tribunal a quo, relativamente à não suspensão da pena e aplicação do regime de prova, ao arguido, verifica-se uma flagrante violação do principio da igualdade quanto a ambos os arguidos, pois que toda a fundamentação, diz respeito a ambos os arguidos, mas depois afasta-se quanto ao arguido ora recorrente, que aparece como que castigado, sem se saber porque, falando-se na postura em audiência, quando o arguido não prestou declarações em audiência.
38. Mais se dizendo que o arguido não confessou nem mostrou arrependimento, quando confessou logo no inicio quando foi detido e depois em inquérito. E toda a conduta do arguido anterior aos factos e posterior, desde que está em liberdade é condizente a fazer recair sobre ele u juízo de prognose favorável de que se vai reger na vida pelos ditames do direito.
39. Do dispositivo, o que se retira é que ambas as penas aplicadas aos dois arguidos, devem ser suspensas e não só de um, porque, na fundamentação, os comportamentos são dados por semelhantes.
40. Quer isto dizer, que o tribunal a quo fundamentou a decisão no sentido de suspender a pena, decidiu dessa forma e a final, não suspendeu a pena ao arguido, como que o castigando sem se saber bem o porquê, quando até deu por provado que é um rapaz calo, ponderado e respeitador e tem trabalho, está inserido, social e familiarmente e não tem antecedentes criminais.
41. É por isso nula a decisão, porquanto o dispositivo não é compatível com a fundamentação expendida pelo tribunal a quo.
42. A determinação da medida concreta das penas aplicadas ao arguido ora recorrente e da respectiva pena aplicada, não se encontra devidamente fundamentada pela sentença recorrida nos critérios definidos nos artigos 40.º e 71.º do CP, assim bem como dos art.ºs 72.º, n.º 2, al. c) e 73.º também do CP.
43. Foram assim violados os art.ºs 40.º, 71.º, 72.º e 73.º do CP.
44. Foram violados as disposições legais já citadas supra e para as quais se remete, nomeadamente as normas do artigo 125.º, 127.º e artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal; os artigos 345.º do mesmo CPP; os artigos 48.º; 50.º; 71.º e 72.º, 274.º todos do Código Penal, sendo Nulo o acórdão, nos termos do artigo 379.º do CPP.
45. Ao não atender ao princípio in dubio pro reo, o Tribunal “a quo” violou os artigos
18.º; 25.º, n.º 1; 26.º; 32.º, n.º 8; 34.º, n.º 3; e o artigo 204.º da Constituição da República.
Do destino a dar aos bens apreendidos
46. Dispõe o art.º 374.º, n.º 3, al. c), do CPP, que a sentença termina pelo dispositivo que contém a indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime.
47. Ao extirpar a nulidade do anteriormente decidido, quanto ao automóvel, o Tribunal a quo, decidiu-se pela perda a favor do estado, do veículo apreendido ao arguido nos autos, com a mera referencia de que é um meio perigoso podendo voltar a ser utilizado pelo arguido.
48. Considera o recorrente que a decisão violou o artigo 109.º do CP e o artigo 62.º da CRP, dado que o veículo em causa não era usado na prática de crimes, mas como meio de transporte do arguido e familiares, sendo um veículo utilitário.
49. Como ensina a doutrina e a jurisprudência é a natureza intrínseca do bem em causa, por ser especialmente apto a praticas criminosas ou a poder ser especialmente para elas utilizado, atenta a sua especifica e co-natural utilidade, é que é determinante para a declaração de perdimento, por se mostrar especialmente vocacionado para a prática criminosa, e deva por isso considerar-se, nesta acepção, objecto perigoso.
50. Nada disso ficou demonstrado, muito menos minimamente fundamentado, porque motivo especial é decretada a perda do veículo, sendo esta decisão ilegal, devendo, obviamente, também nesta sede ser revogada a decisão e ser decretada a entrega do veículo ao arguido.
             
 3. O Ministério Público respondeu ao recurso e apresentou as seguintes conclusões:
 “ (…)
2 - O Ministério Público concorda com a decisão recorrida, não merecendo qualquer reparo, pois, o Tribunal a quo procedeu a uma adequada valoração da prova e, em consequência, procedeu a uma correcta decisão condenatória e a uma correcta determinação da medida concreta da pena.
3 - O acórdão proferido pelo Tribunal a quo tem de ser apreciado como um todo e, no que respeita à motivação da decisão de facto, constata-se que começa por explanar a prova produzida nos autos e em sede de audiência de discussão e julgamento (declarações confessórias prestadas pelos arguidos em sede de 1º interrogatório judicial e prova testemunhal) e, na decorrência, quanto aos factos provados elenca, depois, as concretas provas que os sustentam.
4 - Assim, afigura-se-nos que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo não padece de qualquer vício por falta, ou insuficiência, de fundamentação, ou erro na valoração da prova, não existindo qualquer nulidade, nem violação do preceituado nos artigos 374.º e 379º, ambos do CPP, ou de qualquer outra norma do CPP.
5 - Na verdade, o Tribunal a quo fez uma descrição dos meios provatórios que fundamentaram a factualidade dada como provada, não a descrevendo junto de cada facto provado, é certo, porém, identifica esses concretos meios de prova junto de cada facto provado.
6 - E, sendo o teor do acórdão um todo é perceptível para todos os intervenientes processuais a relação entre os meios de prova ali descritos e os especificados nos factos a que se referem. Tanto assim é que, o Recorrente os conseguiu percepcionar, conforme se alcança do conteúdo da sua motivação de recurso.
7 - Igualmente não ocorreu qualquer violação do disposto no artigo 127º do CPP ou do artigo 32º, n. 2º da Constituição da República Portuguesa; nem ocorreu a violação do Princípio de Presunção de inocência, e não se verifica, in casu, a violação do princípio in dubio pro reo.
8 - Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal a quo baseou a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que fez dos meios de prova trazidos ao processo, uma vez que, para decidir da matéria de facto, ponderou todas as provas de que dispunha e avaliou-as à luz das regras da experiência comum, de acordo com juízos de normalidade, com a lógica das coisas e com a experiência da vida.
9 - O acórdão recorrido, na motivação de facto, segue um processo lógico e racional na apreciação da prova, surgindo a decisão como uma conclusão lógica e conforme às regras da experiência comum, razão pela qual, os factos apurados na sentença em apreciação não merecem qualquer censura.
10 - O acórdão recorrido também não violou o Princípio in dubio pro reo, pois que a prova produzida é suficiente, para não permitir qualquer dúvida quanto ao cometimento, pelo Recorrente, da factualidade dada como provada.
11 - No caso vertente, tal dúvida não se colocou ao Tribunal relativamente aos factos que teve como provados e que fundamentou, valorando as provas em determinado sentido e considerando provada certa versão fáctica, em conformidade com o Princípio de livre apreciação da prova que resulta do artigo 127.º do CPP.
12 - Os factos dados como provados integram os crimes pelos quais o arguido foi condenado, constando da matéria provada todos os elementos típicos do mesmo.
13 - Nesta conformidade, entendemos que a convicção do Tribunal a quo é inatacável, porquanto a mesma está de acordo com a prova produzida, com as regras de experiência e da lógica, não padecendo de quaisquer vícios.
14 - No que tange à concreta pena aplicada pelo Tribunal “a quo", entendemos a mesma como adequada e proporcional ao caso concreto, tendo em conta a fundamentação vertida no douto acórdão recorrido a este propósito.
15 - O Tribunal a quo ponderou, nos termos do disposto nas alíneas do n.º 2, do artigo 71.º, do Código Penal, todas as circunstâncias relevantes para o efeito da culpa ou de prevenção e aplicou uma pena justa, adequada e proporcional, ao caso concreto.
16 - Aliás, nunca poderia ser aplicada ao arguido uma pena diversa, em virtude da culpa elevada (era-lhe exigível que tivesse actuado de forma diversa, não tendo sido invocado qualquer motivo que minore o juízo de censura que sobre si impende) e do grau de ilicitude dos factos.
17 - Deste modo, não se lobriga qualquer incorrecção na determinação da medida concreta da pena aplicada, pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao aplicar ao arguido a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
18 - Quanto ao veículo de marca VW modelo Golf de matrícula  ..-..-.. atenta a matéria de facto dada como provada constata-se que foi utilizado e serviu para a pratica dos crimes pelos quais o Recorrente veio a ser condenado, existindo assim fundamento legal para ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos do artigo 109º, n. 1º do Código Penal.”

4. O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste tribunal emitiu parecer no sentido da parcial procedência do recurso, apresentando dúvidas quanto à declaração de perda do veículo, decorrente da não identificação do mesmo através da respectiva matrícula em sede de matéria de facto provada.
Admitiu ainda que a pena de prisão imposta ao arguido possa ser suspensa na sua execução referindo o seguinte a este propósito:
“Sobre a suspensão e a medida da pena, não temos dúvidas em dizer que, se fosse hoje, nenhum dos arguidos seria bafejado com a suspensão das penas, de tal modo a comunidade sente a perigosidade deste irresponsável e danoso comportamento, não podendo a justiça alhear-se irremediavelmente do sentir da comunidade.
Os factos reportam-se a 2017 e dos muitos aspectos que ressaltam do caso concreto, dois, de sinal contrário, concitam a atenção do julgador: por um lado o arguido era bombeiro (tal como o seu comparsa) e por outro, revelou-se absolutamente incompetente no atear dos fogos (tal como o coarguido). A escassa área ardida é prova disso mesmo, ainda que num caso isso se deva a intervenção de terceiros. Igualmente a ida, a horas suspeitas, a uma estação de combustível, para comprar combustível para os incêndios a atear, dão nota de uma execução naif e de fraco engenho criminoso dos arguidos.
Fatalmente nos ocorrem à mente os incêndios dos últimos anos, com milhares de hectares ardidos, vidas perdidas e bens destruídos, o que nos convoca in casu para um incontornável juízo de proporção.
Para a economia do processo, porém, torna-se-nos especioso suspender a pena a um dos arguidos e não a suspender a outro. Repare-se, se um não revelou arrependimento (o arguido F____), o outro (o recorrente) não demonstrou capacidade de autocensura. Se um era bombeiro, outro bombeiro era....
Acresce que o recorrente à data dos factos tinha 20 anos e era primário.
O relatório social descreve a sua envolvente familiar como sendo um factor positivo e afirma-se que o arguido tem capacidade para avaliar as situações em que se envolve, além de que já cumpriu 20 meses de prisão preventiva. Entrementes, decorreram 5 anos sobre a data dos factos.
Neste quadro, crê o signatário que a justiça seria melhor servida se a pena do arguido AV_____ vier a ser suspensa, sujeita, naturalmente, a robusto regime de prova.
A equidade de julgados parece pedir esta solução, possível e enquadrável no elenco dos factos provados. É uma interpretação jurídica a enquadrar no art.º 50.º do CP, que nos parece justa.
- Falávamos da inevitável comparação entre os incêndios ateados pelo(s) arguido(s) e aqueles que nos últimos anos devoraram vidas, matas, aldeias e tutti quanti a imprensa incansavelmente nos informa. Tudo isto para dizer que a pena de 3 anos e 4 meses imposta ao recorrente nos parece desproporcionada e até exagerada. A ilicitude material decorrente dos crimes cometidos é inexpressiva, expressa na modesta área ardida.”

5. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência cumpre decidir.
 
II. Âmbito do recurso 

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, nas quais, de forma sintética e por referência à motivação do recorrente, são expostas as razões da discordância face à decisão recorrida (artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar de questões de conhecimento oficioso, como sejam, se existentes, os vícios do previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal e de eventuais nulidades insanáveis. 
No caso, e face às conclusões apresentadas pelo arguido recorrente são as seguintes as questões a decidir:
- Nulidade do acórdão por falta de fundamentação e de exame crítico da prova; 
- Da contradição entre a matéria de facto provada e não provada;
- Da impugnação da matéria de facto e violação do princípio in dubio pro reo;
- Da nulidade do acórdão por falta de fundamentação da decisão de não aplicação do regime especial para jovens;
- Da medida da pena e da suspensão da sua execução;
- Da verificação dos pressupostos da perda do veículo automóvel a favor do estado.
III. Fundamentação
Vejamos os segmentos do acórdão recorrido referentes à matéria de facto provada (e não provada) e respectiva fundamentação.
O Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
“(…)
1. Os arguidos prestam serviço de bombeiros na corporação dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, o arguido AV_____ enquanto bombeiro profissional desde 15.05.2017, sendo que já era bombeiro voluntário desde 2014, e o arguido F____, enquanto bombeiro voluntário desde há cerca de 6 anos.
2. Os arguidos atearam fogos florestais com o intuito de incrementar a acção aos fogos por parte dos Bombeiros Voluntários de Alenquer.
3. Em alguns desses incêndios, o arguido AV_____ agiu sozinho, sendo que, em outros, os arguidos agiram juntos em comunhão de esforços e intenções.
4. Na execução desse propósito, os arguidos deslocavam-se para os locais de ateamento dos fogos sempre em veículos propriedade do arguido AV_____.
5. Nos locais de ateamento dos fogos, os arguidos, munidos de meios de ignição como isqueiros e acelerantes de combustão a exemplo de gás ou gasolina, em regra, enquanto um deles permanecia ao volante do veículo, o outro, dirigia-se para o alvo a incendiar, ateando-lhe fogo.
6. Os locais escolhidos para a deflagração dos fogos, eram locais com alguma dificuldade de acesso, normalmente estradas de terra batida em locais ermos, com reduzida circulação de veículos ou pessoas, com acesso fácil a terrenos de vegetação rasteira, mato e canaviais, facilmente inflamáveis e ricos em material combustível.
7. Em data que não fui possível concretamente apurar, mas certamente em finais de Julho de 2017, cerca das 23:00 horas, o arguido F____ dirigiu-se em veículo automóvel para uma zona junto às localidades de Cheganças e Camarnal, a cerca de 500 metros da fábrica denominada "Linde" (coordenadas 39.075452;-8.989964).
8. Ali chegado, enquanto o arguido F____  se mantinha na viatura, outro indivíduo que o acompanhava dirigiu-se para a berma de estrada ali existente, e com recurso a um isqueiro, ateou fogo a umas canas, dando origem a um foco de incêndio.
A temperatura situava-se nos 17 graus, sem existência de vento, pelo que o fogo não terá assumido proporções, ardendo cerca de 5m2 de canavial, e extinguindo-se de seguida por si só.
9. Desse foco de incêndio não resultou a necessidade de intervenção dos bombeiros.
364/18.0GAALQ
10. Na madrugada do dia 16 de Junho de 2018, entre a meia-noite e a uma hora, os arguidos saíram do quartel dos Bombeiros de Alenquer e, com o intuito predeterminado de darem origem a um incêndio florestal, dirigiram-se no veículo VW Golf pela Estrada dos Cabeços, em direcção a uma localidade conhecida como Porto da Luz.
11. Nesse percurso, os arguidos pararam em local à beira de uma estrada interior (coordenadas 39.051600;-9.047293), onde, depois de apagarem as luzes do veículo, ficando no seu interior o arguido F____  , o arguido AV_____, munido de um isqueiro, saiu e dirigiu-se a uma zona de silvas e mato rasteiro para ali atear fogo.
12. Não tendo logrado esse propósito apenas com o isqueiro, os arguidos dirigiram-se então à bomba de gasolina denominada "Prio", sita em Alenquer.
13. Aí chegados cerca das 2 horas, os arguidos adquiriram 1,9l litros de gasolina que acondicionaram numa garrafa de plástico de 1,5 litros.
14. De seguida, já na posse do referido combustível, os arguidos regressaram ao mesmo local em Porto da Luz, onde, novamente, em hora não apurada, mas cerca das 02:40 horas, dada a hora de alarme, após apagarem as luzes do veículo, deslocaram-se para o terreno no interior da berma da estrada onde espalharam gasolina numa zona de silvas e mato rasteiro.
15. Ato seguido, os arguidos, quando se preparavam para incendiar o combustível, foram surpreendidos por um veículo que apareceu entretanto.
16. Para não serem surpreendidos pelas pessoas que se aproximavam, os arguidos abandonaram o local, sem que tenham conseguido gerar um foco de incêndio.
375/1.5G A Al .O
17. De seguida, os arguidos deslocaram-se novamente à bomba de gasolina "Prio", onde cerca das 3 horas, adquiriram 2,69 litros de gasolina que acondicionaram num garrafão de plástico de 5 litros.
18. A partir daí, os arguidos fizeram inversão de marcha junto à bomba de gasolina, tomando a direcção da via denominada Estrada da Várzea, onde ali chegados, entraram por um desvio de alcatrão sem saída que vai dar às traseiras de uma oficina de automóveis conhecida por "Auto-Diesel" (coordenadas 39.0486 72; -8.992176).
19. Aí, em hora não apurada, mas cerca das 3:33 horas, dada a hora de alarme, enquanto o arguido F____  se mantinha no veículo, o arguido AV_____ , munido de um isqueiro e do mencionado combustível, entrou por uma zona de canavial e ateou fogo a canas e mato rasteiro, gerando um foco de incêndio.
20. Como consequência directa e necessária da sua conduta, arderam cerca de um 20 m2 de terreno inculto, constituído por vegetação rasteira.
21. Para debelar o incêndio, foi necessária a intervenção dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, deslocando-se 1 viatura e 5 elementos da referida corporação.
364/18.06 A ALQ
22. Logo de seguida, no mesmo dia, mas cerca das 18:30 horas, dada a hora do alarme da testemunha MD, o arguido AV_____, ao volante do VW Golf, dirigiu-se para a zona conhecida como Estrada da Verdaleira, junto à Quinta da Verdaleira, em Alenquer (coordenadas 39.030140; -9.01293b).
23. Aí chegado, o arguido entrou apeado por um caminho de terra batida, onde, a cerca de 30 metros de um entroncamento ali existente, munido de um isqueiro e de uma lata de spray desodorizante, ateou fogo a mato, vegetação rasteira, e lixo, gerando um foco de incêndio que progrediu lentamente da berma para o interior do terreno.
24. O local referido é ermo e circundado por uma vasta área de mato, confinante com uma área agrícola onde se encontrava plantado um pomar de alperces.
25. Como consequência directa e necessária da sua conduta, arderam 75 m2 de terreno inculto, constituído por vegetação rasteira e mato.
26. Aquando do início do incêndio, passava no local o cidadão, que apercebendo-se do ocorrido, combateu de imediato a ignição do fogo, sendo que, caso tal não tivesse ocorrido, o incêndio ter-se-ia facilmente propagado e consumido os terrenos circundantes constituídos de mato e vegetação.
27. Só a pronta intervenção desta testemunha evitou que as chamas não tomassem maiores proporções, evitando assim que as consequências fossem mais gravosas.
28. Nas situações a que se reportam os factos descritos nos Proc. 375/18.4GAALQ, 194/18.9GBCTX, se não fosse a rápida e eficaz intervenção dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, que aí acorreram rapidamente e combateram o fogo, o incêndio ter-se ia facilmente propagado e consumido, quer os terrenos circundantes, quer habitações que ali existem.
29. No caso do incêndio na Estrada Verdaleira o mesmo só não tomou maiores proporções por ter sido de imediato combatido pela testemunha, caso em que, se não o fizesse, ter-se-ia facilmente propagado e consumido os terrenos circundantes constituídos de mato e vegetação.
30. Os arguidos, por si, no caso do arguido AV_____, ou agindo em comunhão de esforços e intenções, quiseram atear os fogos referidos, sabendo que com a sua conduta provocariam incêndios em locais de fácil propagação, como o são os de mato e vegetação, só o não logrando em um dos casos por a isso terem sido surpreendidos.
31. Sabiam igualmente que da sua conduta, poderia vir a resultar, perigo para habitações e propriedades circundantes, bem como perigo para a vida ou integridade de pessoas que aí habitavam ou, como os bombeiros, interviessem no combate aos fogos, e ainda assim, não se abstiveram dessa conduta.
32. Agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
33. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
34. Consta do Relatório social do arguido F____:
(…)
35. Consta do Relatório Social do arguido AV_____:
"Natural de Alenquer, AV_____ é o 2o de 3 irmãos (1 consanguíneo), tendo realizado o seu processo de crescimento e de socialização, até aos cerca de 12/13 anos de idade, integrado no seu agregado familiar de origem, descrito como estruturado e com dinâmica funcional e afetiva baseada em valores socialmente normativos e de condição socioeconómica equilibrada, pai operário fabril e mãe enfermeira. A mãe veio a reconstituir família com o padrasto do arguido, Segurança de profissão, quando este tinha cerca de 13 anos e com quem referiu ter estabelecido uma relação gratificante. Manteve o contacto com o progenitor.
O arguido sofreu um atraso do desenvolvimento a nível oftalmológico, nascendo invisual, tendo sido submetido a tratamento, recuperando a visão com cerca de 1 ano.
Integrou a escola em idade normal vindo a concluir, na Escola Agrícola, o curso profissionalizante na área de tratador e desbastador de cavalos, com equivalência ao 9.º ano de escolaridade e iniciou também um curso de cinegética com equivalência ao 12.º ano, que não veio a concluir, vindo a abandonar a escola com cerca de 18 anos.
Começou a trabalhar com 18 anos como operário numa fábrica de calçado, exercendo já nesta altura a actividade de bombeiro voluntário, nos Bombeiros Voluntários de Alenquer, vindo posteriormente a trabalhar como assalariado com contrato de trabalho. Operou nos incêndios em Pedrogão Grande e na Madeira.
No período que antecedeu a sua reclusão, o arguido integrava o agregado familiar de origem, constituído pela mãe e padrasto, o qual se apresentava estruturado, com dinâmica funcional e coesão afectiva. O arguido é descrito pelos seus familiares como um jovem ponderado, cumpridor das regras e participante na tomada de decisões familiares. Trabalhava como bombeiro, nos Bombeiros Voluntários de Alenquer, com contrato desde maio de 2017, renovado após um ano, onde era considerado como uma pessoa responsável, empenhada e com espírito de missão. O seu envolvimento no presente processo implicou a instauração de um processo disciplinar nos bombeiros. (...)
Actualmente beneficia dos apoios investidos da mãe e padrasto, assim como de outros familiares, apresentando como projectos futuros de vida, quando liberto da presente situação jurídico-penal, vir a reintegrar o agregado familiar de origem que apresenta estruturado e com condição socioeconómica equilibrada. Em termos de integração laboral terá possibilidade de trabalhar numa serralharia de um familiar.
Ao nível pessoal, o arguido revela deter, aparentemente, capacidades para avaliar as situações sociais em que se envolve e capacidade para alterar aspectos mais negativos que eventualmente surjam na sua vida, embora revelando alguma imaturidade e permeabilidade a influências.
35. Os arguidos são pessoas estimadas e consideradas entre os seus pares, sendo contudo o arguido AV_____  descrito como pessoa imaturo.
 
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para decisão da causa não resultaram provados os seguintes:
1. O arguido AV_____  tenha participado na actuação descrita nos pontos 7 a 9 da matéria de facto provado.
367/18.46AALQ
2. Ainda no mesmo dia, o arguido AV_____, ao volante do VW Golf, deslocou-se para a zona conhecida como Casais de Bruxo, junto ao depósito de água, em Alenquer, onde (coordenadas 39.042769;-9022844), em hora não apurada, mas cerca das 18:00 horas, dada a hora de alarme, munido de um isqueiro e de uma lata de spray desodorizante, ateou fogo a mato rasteiro, gerando um foco de incêndio.
3. Como consequência directa e necessária da sua conduta, arderam 150 m2 de terreno inculto, constituído por vegetação rasteira e maio.
4. Para combater o incêndio, foi necessária a intervenção dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, deslocando-se 2 viaturas e 7 elementos da referida corporação.
5. Só a pronta intervenção dos bombeiros evitou que as chamas não tomassem maiores proporções, evitando assim que as consequências fossem mais gravosas.
485/17.66A ALQ
6. No dia 7 de Setembro de 2017, em hora não apurada, mas cerca das 14.34 horas, dada a hora de alarme, e quando existia uma temperatura de 31,5º, o arguido AV_____, em viatura automóvel dirigiu-se para um local junto à Estrada do Camarnal, em Alenquer, imobilizando o mesmo à entrada de uma estrada de alcatrão aí existente.
7. Seguidamente, o arguido entrou num caminho de terra batida, onde (coordenadas 39.067404; -8.984986) junto a duas habitações e a uma empresa de reciclagem denominada "Recolte", munido de meios de ignição de características não apuradas, ateou fogo a um monte de detritos e mato ali existente, gerando um incêndio de grandes dimensões.
8. Para combater o incêndio, para além da intervenção de várias corporações de bombeiros, foi necessária a utilização de três meios aéreos da protecção civil.
9. Como consequência directa e necessária da sua conduta, arderam 20 hectares de terreno composto essencialmente por mato e eucaliptos.
10. Como consequência ainda da conduta ao arguido AV_____, um bombeiro e um civil ficaram feridos.
11. A conduta do arguido AV_____ colocou ainda em perigo as habitações acima mencionadas e a fábrica de resíduos.
366/18.4&AALQ
12. Ainda nesse dia, os arguidos, ao passarem junto ao Cemitério de Paredes (coordenadas 39.033466;-8,998003), em hora não apurada, mas cerca das 2:40 horas, dada a hora de alarme, aí, enquanto o arguido F____  permanecia na viatura, o arguido AV_____  , munido de um isqueiro, ateou fogo na berma da estrada a mato rasteiro e lixo, gerando um foco de incêndio.
13. Como consequência directa e necessária da sua conduta, arderam 100 m2 de terreno inculto, constituído por vegetação rasteira, mato e árvores.
14. Para combater o incêndio foi necessária a intervenção dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, deslocando-se 1 viatura e 5 elementos da referida corporação.
194/18.9GBCTX
15. No dia 17 de Junho de 2018, o arguido AV_____  deslocou-se mais uma vez no veículo VW Golf em direcção da zona conhecida como Estrada Casais da Marmeleira, no Carregado.
16. Aí chegados, o arguido imobilizou o veículo junto a uma fábrica de sumos desactivada denominada "IKA" onde (39.022354;-8.986256), em hora não apurada, mas cerca das 0:40 horas, dada a hora do alarme, enquanto o arguido F____  permanecia na viatura, o arguido AV_____, munido de um isqueiro, entrou por uma zona de mato e canavial, ateando-lhe fogo.
17. Como consequência directa e necessária da sua conduta, ardeu cerca de 0,5 hectare de mato e canavial.
18. Para combater o incêndio, foi necessária a intervenção dos Bombeiros Voluntários de Alenquer, deslocando-se 4 viaturas e 12 elementos da referida corporação.
19. Só a pronta intervenção dos bombeiros evitou que as chamas não tomassem maiores proporções, evitando assim que as consequências fossem mais gravosas.

2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal, quanto aos factos considerados provados, teve por base a apreciação crítica e ponderada de toda a prova documental e testemunhal, com especial relevo para as declarações confessórias prestadas pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório, que legalmente podem ser valoradas, já que em audiência de discussão e julgamento os arguidos remeteram-se ao silêncio.
O arguido AV____, nas declarações prestadas em primeiro interrogatório de arguido detido, confessou ter ateado o fogo, que deu origem aos seguintes incêndios:
- Incêndio ocorrido num local situada na Estrada que liga Cabaços a Porto da Luz, ocorrido pelas 2.40 horas do dia 16 de Junho de 2018. Encontrava-se acompanhado pelo F____  
- Incêndio ocorrido no mesmo dia num canavial de uma estrada que se localiza nas traseiras da oficina "Auto-Diesel".
O arguido declarou que no dia 16 de Junho, após o F____  ter deixado o seu veículo em casa, deslocaram-se no veículo do AV_____ , até um Posto de Combustível para comprar gasolina, que foi paga com cartão multibanco.
Após o F____  disse para irem em direcção aos Cabeços Ali chegados, por volta das 02.30 horas, o F____  saiu do veículo e espalhou cerca de 1,5l de gasolina, porém como não estava a conseguir atear o fogo solicitou-lhe ajuda. No entretanto surgiu um veículo, pelo que de imediato se ausentaram do local.
Deslocaram-se novamente ao Posto de Combustível e adquiriam mais gasolina para irem atear outro foco de incêndio. Contudo, disse ao F____  que não queria atear mais fogos e que queria voltar para casa.
Durante o caminho para casa o F____  disse-lhe para no dia seguinte ir atear fogo na Quinta da Verdaleira.
No dia seguinte, deslocou-se sozinho até à Quinta da Verdaleira e numa zona de mato rasteiro e lixo, munido de um spray desodorizante, que espalhou sobre as folhas e ateou fogo. Neste momento foi surpreendido por um homem que estava a fazer jogging e de imediato se introduziu no veículo e abandonou o local, sem sequer se ter apercebido da dimensão do fogo que ateara.
Mais referiu que habitualmente usavam o veículo VW Golf de cor escura e matrícula ..-..-.., veículo que possui desde 01.06.2017.
O arguido F____  declarou que é amigo do arguido AV_____  há 4 ou 5 anos, quando o AV_____  entrou para os Bombeiros. Está nos Bombeiros há cerca de 6 anos.
Num sábado à noite o AV_____ ligou-lhe a convidá-lo para irem dar uma volta. Foi buscá-lo de carro a casa e andaram a conduzir pela zona de Alenquer. Numa estrada junto a Cheganças, o AV_____  parou o veículo, saiu e foi até junto de uma vedação que só tinhas canas e ateou fogo, que de imediato fez labaredas. A cerca de 500 m estava localizada uma fábrica. Afirmou ainda que o fogo se consumiu por si, pois quando deram a volta ao carro já estava apagado. Esclareceu, que no local existia só mato e uma ceara, tudo o resto era terra lavrada.
Regressaram a casa cerca das 23.30/00.00 horas. Nesse dia disse ao AV_____  que não queria voltar a fazer aquilo.
Referiu ainda uma outra ocasião em que foi falar com o AV_____  para irem passear. O AV_____  foi buscá-lo a casa e dirigiram-se em direcção do Carregado, passaram junto de uma fábrica de sumos. Cerca de 100 m. antes da fábrica o AV_____  pediu-lhe para ir a conduzir o veículo, (encostou a viatura, o AV_____  saiu e entrou para o meio de umas canas. Foram ao Posto de Combustível Prio em Alenquer adquirir gasolina. O AV_____  foi buscar uma garrafa que estava vazia que encheu de gasolina e pagou com cartão multibanco.
A testemunha, declarou que em data que não soube concretizar mas no início do Verão, encontrava-se a fazer Jogging num trilho de terra batida em Vale da Cava e encontrou um homem que estava com um isqueiro e um spray a tentar atear fogo. Afirmou que no momento não estava muito calor mas estava vento. O indivíduo quando deu pela sua presença, fugiu em direcção a um veículo que se encontrava estacionado a cerca de 50 m e de imediato se colocou em fuga. Afirmou que o fogo chegou a ser ateado, mas como estava no início, a testemunha com um galho conseguiu apagar as labaredas.
Mais referiu que o homem que viu era jovem, forte e o veículo em que fugiu era um WW Golf de cor escura. Efectuou, posteriormente o reconhecimento do arguido.
O local onde o fogo foi ateado era a cerca de 100m de uma quinta ali existente. Chegou a ver a chama a sair do spray.
A testemunha JT, referiu que num dia que não soube concretamente precisar, quando estava regressar a casa, cerca das 3 da manhã, num descampado nos Casais da Marinela, Estrada do Crespo, que liga também à localidade de Porto da Luz, viu um carro parado no meio da estrada, porta aberta e luzes apagadas. Apercebeu-se de duas pessoas a entrarem apressadamente no veículo e a abandonarem o local. Recorda-se que era um veículo de marca WW Golf, e na altura viu a matrícula, que forneceu à polícia.
A testemunho, MJP, Inspectora da PJ, referiu que a GNR solicitou a presença da sua brigada para a investigação de vários incêndios.
Procedeu às diligências de investigação.
Elucidou o tribunal, quanto às características dos locais onde ocorreram incêndios e respectiva área ardida.
Esclareceu que no dia 17 de Junho cerca da meia-noite nos Casais da Marmeleira ocorreu um incêndio.
No dia 16 de Junho cerca das 18.30, na Bordaleira uma pessoa viu um indivíduo agachado a atear fogo. A área queimada foi de cerca de 80 m2, existia local um pomar, e vasta área de mato. Não havia casas nas proximidades.
No incêndio do dia 16 de Junho uma testemunha viu um veículo parado na estrada, mas não chegou a deflagrar incêndio. Era uma zona de mato e havia casas próximas.
Relativamente aos factos a que se reporta o NUlPC375/18.5GAALQ, deslocaram-se ao local onde tinha ocorrido um incêndio por indicação de um dos arguidos.
Relativamente aos factos a que se reportam o NUIPC367/18.4GAALQ, apenas descreveu as características do local onde tinha ocorrido um incêndio.
Relativamente aos factos referentes ao NUIPC194/18.9GBTX, referiu que deflagrou um incêndio no dia 17.06.2018 num local onde existiam casas próximas e também a fábrica de sumos IKA
No NUIPC366/18.46AALQ, deslocou-se o local após o incêndio junto da localidade de Cavarnal. Existiam casas próximas.
Identificaram o proprietário do veículo que foi avistado no local través da indicação de uma testemunha que viu dois indivíduos a atear o fogo e os viu fugir no veículo, tendo conseguido tirou matrícula.
Referiu que em todos os fogos que chegaram a ser ateados houve intervenção dos bombeiros.
A testemunha, FL, inspector da PJ, declarou que acompanhou os seus colegas na maior parte das deslocações aos locais onde ocorreram os incêndios. Procedeu à detenção do arguido F____.
A testemunho, JM___, guarda - nocturno, afirmou que estava a fazer ronda cerca das 3.00 ou 4.00 da manhã e detectou um foco de incêndio, telefonou à GNR e aos Bombeiros.
Referiu que o local do incêndio era a cerca de 50/60 m de um estabelecimento denominado AUTO-DIESEl. Esclareceu ainda que o vento soprava na direcção de uma quinta próxima.
Quando detectou o incêndio, estava já com chamas de cerca de 1,5 a 2 m de altura, pois as canas estavam secas na parte de baixo.
Quando estava no local viu passar uma viatura com dois indivíduos no interior, o veículo era cinzento escuro e pensa ser um WW Golf, ou tal vez um Polo. Tal facto chamou-lhe a atenção, porque não é um local de passagem, e ninguém ali se desloca, àquela hora da madrugada.
A testemunha, FV, foi Bombeiro entre 19.09.2016 até 15.10.2018. Declarou conhecer os arguidos durante um curso de desencarceramento. Quando fez parte do corpo de Bombeiros de Alenquer os arguidos eram já bombeiros naquela instituição.
Referiu que esteve a combater o incêndio que ocorreu junto à fábrica dos sumos IKA. Suspeitou que o AV_____ estivesse envolvido no ateamento dos fogos, porque por duas vezes, o AV_____  surgiu a pé no local dos fogos, sendo que uma das vezes foi no incêndio junto da fábrica IKA. Achou estranho, porque existe apenas um caminho para a referida fábrica, e não compreendeu como ele teria ali surgido.
As testemunhas de defesa inquiridas, depuseram sobretudo quanto as condições pessoais e de vida dos arguidos.
As testemunhas de defesa do arguido AV_____, descrevem-no como um bom rapaz, respeitador, educado, bom trabalhador, imaturo e influenciável
A testemunha, RB, comandante dos Bombeiros de Alenquer, referiu que no incêndio do Camarnal, houve pessoas e bens em perigo.
Quanto à área ardida louvou-se o tribunal, nos relatórios de ocorrência elaborados pelos Bombeiros Voluntários, relativamente aos incêndios em que houve a sua intervenção.
Nas restantes situações e quanto a esta matéria louvou-se nos depoimentos das testemunhas que presenciaram os factos.
As testemunhas de defesa arroladas pelo arguido AV_____, depuseram essencialmente sobre aspectos da personalidade dos arguidos, não tendo conhecimento directo dos factos.
A testemunha APR, mãe do arguido AV_____, afirmou que esteve com o filho no dia 7 de Setembro de 2017, até às 14.30/14.40 horas, motivo pelo qual não podia ter sido o seu filho a atear o fogo que ocorreu nesse dia junto à Estrada do Camarnal. Ora não obstante o teor das suas declarações e a proximidade da hora de alarme de tal incêndio, entendemos que não é possível conferir inteira credibilidade a tal depoimento, desde logo, porque não se afigura credível que haja possibilidade de o depoimento ser exacto quanto no que tange ao horário em que esteve junto do filho. Não se dúvida que nesse dia o F____  possa ter estado com mãe no período da manhã numa consulta de oftalmologia, o que não se crê, é que passado um ano sobre a ocorrência de um facto, pois o arguido apenas é detido um ano depois, e perante um facto banal, possa ser tão viva a hora exacta em que deixou de estar com o filho. Por outro lado, o percurso entre a casa do arguido e o local do fogo, é um trajecto que de veículo automóvel se percorre em poucos minutos, pelo que por si só não afasta a possibilidade de ter sido o arguido o autor de tal incêndio.
Aliás, e como seria de esperar, detectaram-se várias discrepâncias e até incompatibilidades entre alguns depoimentos das testemunhas de defesa, quanto ao tempo e local onde o arguido AV_____  se encontrava no dia em que ocorreu o incêndio junto da fábrica IKA, o que é perfeitamente aceitável e compreensível, uma vez que para se recordarem dos contactos que tiveram com o AV_____  nesse dia a memória das testemunhas teve que retroceder um ano atrás.
E como todos sabemos, por vezes não é fácil saber o que se fez na semana anterior, quanto mais fornecer indicações rigorosas e credíveis sobre a que horas e em que local estava uma determinada pessoa, num determinado dia, perante um acontecimento ocorrido um ano antes, em situações banais do dia a dia, sem que nenhum evento especial estivesse a suceder, de modo a que a particularidade do momento ficasse retida na memória com particular nitidez e rigor.
E assim, deparamo-nos com a mãe do arguido a afirmar que este saiu de casa pelas 14.30/14.40 horas, uma outra testemunha a afirmar que o arguido chegou ao quartel dos bombeiros pelas 15.30 e a testemunha PC afirme que esteve com o AV_____  até às 18 ou 19 horas.
Estamos pois em crer, que o depoimento que maior credilidade merece é o da testemunha FV, que estava no local do fogo e viu a chegada do arguido a pé. E como a testemunha já estava algo desconfiada do comportamento anterior do arguido, é credível eu tenha retido na memória esse facto com exactidão, pela associação do facto à sua anterior desconfiança.
Descreveu o filho como pessoa calma, e jovem não problemático.
A testemunha RFC, colega dos arguidos nos Bombeiros Voluntários de Alenquer, e amiga desde a infância do arguido AV_____. Descreveu o arguido AV_____  como uma pessoa imatura, infantil e influenciável.
No dia 16 de Junho de 2018, pensa que o AV_____  estava de serviço. Nunca ouviu o AV_____  a dizer que gostava de atear fogo, mas uma vez, pensa que no dia 16 ou 17 de Junho cerca das 23.00 o F____  disse que ia atear fogo para os bombeiros trabalharem. Não levou a sério tal afirmação e apesar de nessa noite ter havido um incêndio, não associou.
Afirmou que por vezes o AV_____  emprestava o carro.
Descreveu o arguido F____  como pessoa mais madura que o AV_____  e não é tão influenciável, mas é um brincalhão.
A testemunha DVR, padrasto de AV_____ , descreveu-o como um bom rapaz, brincalhão, algo imaturo, respeitador e educado e que sempre quis ser bombeiro. Nunca notou qualquer alteração de comportamento. O AV_____  era amigo do F____ . Descreveu o quotidiano do AV_____  no dia 16 de Junho de 2018, tendo afirmado que regressaram do Carregado cerca das 14.30/14.40, e que o AV_____  foi de imediato para o Bombeiros sem sequer ter entrado em casa.
A testemunha JOT, amigo e colega do AV_____  nos Bombeiros há 4 anos, afirmou que estava no quartel no dia 16. De Junho de 2018, e que o AV_____  chegou ali cerca das 15.30 horas, deslocaram- se ambos para o incêndio na ambulância para levarem os cabos da autobomba, ficaram a combater o incêndio até às 23,30 horas.
Descreveu-o como boa pessoa e pacata.
A testemunha PC, amigo do arguido AV_____  há 8 anos, afirmou que no dia do incêndio próximo do fábrica de sumos 1KA, esteve com o arguido até cerca das 18/19.00 horas, contudo não esteve presente num jantar de amigos que ocorreu nesse dia.
As testemunhas de defesa arroladas pelo arguido F____, descreveram o arguido F____  como uma pessoa responsável, trabalhadora e correcta.
A testemunha RB, comandante dos Bombeiros de Alenquer, afirmou que o arguido F____ é bombeiro há 5 anos naquela corporação.
Referiu ainda que o incêndio que ocorreu no Camarnal estiveram pessoas e bens em perigo. Relativamente aos restantes não sabe.
(…)
Todas as testemunhas de acusação depuseram de modo isento, coerente e fidedigno, logrando obter a convicção do tribunal.
Quanto à área ardida louvou-se o tribunal, nos relatórios de ocorrência elaborados pelos Bombeiros Voluntários, relativamente aos incêndios em que houve a sua intervenção. Nas restantes situações e quanto a esta matéria louvou- se nos depoimentos das testemunhas que presenciaram os factos.
Atendeu-se ao teor dos autos de notícia de fls. 22-24 (364/18.0GAAI.Q), 268-269 (485/17.66AALQ), 428-429 (194/18.96BC7X), 464465 (366/18.66AALQ), 469-479 (367/18.4GAALQ), 476-477 (375/18.5GAALQ), relativamente às circunstâncias de tempo e de lugar.
Igualmente foram ponderados os elementos fotográficos juntos a fls. 1620,49-50,5455,58-59,62-63,66-70. Documentos de fls. 25 e 26, Relatórios de ocorrência dos BVA, de fls. 43-44, 47-48, Relatórios da ANPC, de fls. 177-179, Escalas ECIN, a fls. 502 513, 515-523, Autos de apreensão, a fls. 89-90, Documento factura de abastecimento de combustível, a fls. 147, Fotogramas, de fls. 149-157, Cópia de cartões bancários, de fls. 167 e Escalas de serviço nos BV A, a fls. 322-323.
Atendeu-se também ao teor dos CRC dos arguidos e ao teor dos Relatórios sociais juntos aos autos.
No que concerne aos fados pessoais relativos aos arguidos, valeu-se o tribunal nas declarações complementarmente prestadas pelos arguidos e dos depoimentos das testemunhas de defesa inquiridas.
Assim, a matéria de facto provada resultou da apreciação crítica e conjugada da prova documental junta aos autos, declarações dos arguidos e depoimentos das testemunhas, a saber:
Facto 1 - declarações dos arguidos, depoimentos das testemunhas VTB, RB, JOT e FV;
Facto 2, 3 e 4 - Declarações dos arguidos.
Facto 5 - Declarações dos arguidos, depoimento da testemunha MD  e documentos de fls. 147, 149 a 157 e 167 dos autos; Facto 6 - Declarações do arguido F____ .
Facto, 10 a 16 - Declarações dos arguidos F____  e AV_____ , depoimento da testemunha JT e documentos de fls. 147 dos autos;
Facto 17 a 21 - Declarações dos arguidos F____  e AV_____ e depoimento da testemunha JM___ , Relatório de ocorrência dos BVA, de fls. 43-44, 4748
Factos 22 a 27 - Declarações do arguido AV_____, depoimento da testemunha MD.
Facto 28 - Fernando Vicente, JM___, MJP;
Facto 29 - Depoimento da testemunha MD;
Factos 30 a 31 - com base em regras de experiência e de presunções naturais dado que os arguidos são pessoas dotadas de discernimento e inteligência.
Resulta da analise da matéria de facto provada a conclusão inequívoca de que os arguidos praticaram os factos que constam da matéria de facto provada, não só através das suas declarações, como da circunstância de em algumas situações terem sido surpreendidos por testemunhas que procederam ao reconhecimento dos arguidos, e identificaram o veículo utilizado através da matrícula sendo aliás esta identificação que permitiu alcançar a identificação, e confirmar a descrição que foi feita por várias testemunhos quanto ao modelo e do veículo que avistaram em diversos locais e situações que presenciaram os arguidos a atear fogo.
Assim, dúvidas não restam quanto à participação dos arguidos no cometimento dos factos dados como provados.
A convicção do Tribunal relativamente aos factos não provados, resultou da insuficiência de produção de prova segura, firme e legal quanto à participação dos arguidos nos factos em questão.”  Apreciação.
Como referido, suscitou o arguido a nulidade do acórdão por falta de fundamentação da matéria de facto, por contradição entre a matéria de facto provada e a não provada e por omissão de pronúncia.
O n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa consagrou a exigência de fundamentação, na forma prevista na lei, das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente. Exigência essa transposta para o n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal que, concretizando a imposição constitucional, estabelece que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser sempre especificados os motivos de facto e de direito da decisão.” No que respeita às sentenças/acórdãos penais, o artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, comina com nulidade a
inobservância das exigências do artigo 374.º do mesmo código, exigindo-se, entre o mais, “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
 Entende-se, no entanto, que a exigência de fundamentação é cumprida quando é possível ao destinatário perceber as razões de facto e de direito da decisão. Não existe um modelo que importe seguir, nem é, por regra, necessária concretização detalhada do que cada interveniente referiu e do que resulta de cada um dos elementos de prova de que o julgador se socorreu. Importa que, no seu conjunto, se perceba - como é o caso -, a decisão de absolvição ou de condenação em toda a sua amplitude e que seja possível questioná-la em sede de recurso, como é também o caso.
Dos segmentos do acórdão transcritos supra constam suficientemente claras as razões pelas quais o tribunal a quo deu como provados alguns dos factos constantes da acusação[3]. De resto, o que resulta da economia da motivação do recurso e respectivas conclusões é que o arguido compreendeu a decisão da matéria de facto, apenas não a aceitando por considerar que parte dos factos provados não têm suficiente suporte probatório. Tanto assim que, em concreto, e no que respeita à alegada falta de fundamentação - e mais adiante em sede de recurso da matéria de facto -, o que invocou foi sempre que o tribunal a quo não explicitou como concluiu ter sido o arguido “o autor dos factos 17 a 21” uma vez que estes não foram confessados por si e, a seu ver, não se extraem com clareza dos depoimentos das testemunhas da acusação. Ou seja, embora invocando nulidade decorrente da falta de fundamentação, o que o arguido verdadeiramente fez foi impugnar a decisão relativa à matéria de facto, fazendo-o, ainda, através de alegada incompatibilidade ou contradição entre a matéria de facto provada e a não provada, por referência à que consta do ponto 105.
Também a alegada omissão de pronúncia se reconduz no caso à impugnação da matéria de facto uma vez que o defendido é que, face aos depoimentos das testemunhas de defesa, deveriam ter sido dados como provados factos relativos a traços de personalidade do arguido[4].
Assim, é de julgar improcedente a suscitada nulidade do acórdão por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia.  
Quanto à impugnação da matéria de facto e quanto à violação do princípio in dubio pro reo que o recorrente faz decorrer da alegada falta de suporte probatório para parte dos factos dados como provados.
A matéria de facto pode ser sindicada por invocação de existência dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou através da impugnação da matéria de facto, prevista no artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição de vícios decisórios que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum. No segundo caso, estamos perante a alegação de erros de julgamento, por errónea ou deficiente decisão da matéria de facto, não se encontrando a apreciação do tribunal ad quem limitada ao texto da decisão, alargando-se à análise da prova produzida em audiência, embora com os limites definidos pelas conclusões da motivação do recurso e observância, pelo recorrente, do disposto nos n.º s 2, 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. Ou seja, embora abrangente, a reapreciação a efectuar pelo tribunal de recurso, não pretendendo, nem podendo ser um novo julgamento, está condicionada ao cumprimento de específicas exigências de motivação e de formulação de conclusões.
Ora, no recurso apresentado, seja em sede de motivação ou de conclusões, não constam as especificações exigidas pelo no n.º 4 do citado artigo 412.º do Código Penal que estabelece que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”, caso em que “o procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa.” 
Pelo contrário, defende o recorrente que, estando gravada a prova, deve proceder-se a “integral renovação desta prova!”
Quanto aos elementos constantes dos autos, o mesmo “remete para a prova documental constante dos autos que se pretende ver toda reanalisada.”
Ou seja, pretende o arguido um novo julgamento da matéria de facto, com reapreciação da totalidade da prova produzida e analisada em audiência o que manifestamente não é função dos tribunais de recurso.
De todo o modo, após audição da prova gravada e da análise dos elementos juntos aos autos, nenhuma dúvida se nos oferece quanto a terem sido os arguidos os autores dos factos constantes dos pontos 17. a 21. da matéria de facto provada, factos esses praticados na mesma noite e imediatamente após os admitidos pelo arguido AV_____ - apenas com a inequívoca compra de  gasolina de permeio -, tendo a testemunha JM___ visto passar no local, cerca das 03H00, um  veículo que lhe pareceu ser um Golf ou Polo, com dois indivíduos[5]. Face às circunstâncias de tempo e de lugar e de identidade do modo de actuação conclui-se como conclui o tribunal a quo.
Mantem-se, assim, inalterada a matéria de facto relativa à prática dos crimes pelos quais o arguido foi condenado. 
Quanto à pretensão de que fossem levados à factualidade provada factos relativos a características pessoais do arguido afirmadas pelas testemunhas de defesa.   O que se impõe ao tribunal é que aprecie livremente toda a prova, na qual se incluem os depoimentos das testemunhas de defesa relativos às condições económicas, sociais e pessoais dos arguidos e não proceder à reprodução acrítica do teor dos mesmos depoimentos. De todo o modo, e no que respeita a esta matéria, consta do ponto 35. o que o tribunal a quo extraiu da prova produzida e, em concreto dos depoimentos prestados, que “Os arguidos são pessoas estimadas e consideradas entre os seus pares, sendo contudo o arguido AV_____  descrito como pessoa imatura.”. A par disso e também em sede de matéria de facto provada, foi reproduzido o teor do relatório social[6], mostrando-se amplamente descrita a personalidade e as condições pessoais, familiares, sociais e económicas do arguido
Quanto ao princípio in dubio pro reo que o arguido invocou ter sido violado este apenas é convocado nos casos em que o tribunal de julgamento se depare com uma situação de dúvida razoável e intransponível sobre a realidade dos factos. No caso, o tribunal a quo não teve dúvidas quanto à actuação do arguido, nem se afigura que, nas circunstâncias, as devesse ter tido, não se configurando, por isso, qualquer situação de violação do alegado princípio constitucional, manifestação do princípio da presunção de inocência previsto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, não se vislumbrando, do mesmo modo, que da livre apreciação da prova efectuada pelo tribunal a quo resulte a violação de quaisquer outros normativos constitucionais, mormente dos citados pelo recorrente, “os artigos 18.º; 25.º, n.º 1; 26.º; 32.º, n.º 8; 34.º, n.º 3; e o artigo 204.º da Constituição da República”. 
Como referido supra, o recorrente invocou também contradição entre a matéria de facto provada e a não provada que, a existir, constituiria o vício previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o qual, como os demais previstos no mesmo dispositivo têm de resultar do texto da decisão recorrida[7] e são de conhecimento oficioso.
Em concreto, invocou o recorrente contradição entre o ponto 10 dos factos assentes e o ponto 1 dos factos não provados. Afigura-se-nos que neste particular, atentou o recorrente ao teor do acórdão anteriormente proferido e anulado em sede de recurso.  No ponto 1 da matéria de facto não provada do acórdão ora recorrido, consta já apenas não ter sido provado que o arguido AV_____  tenha participado na actuação descrita nos pontos 7 a 9 da matéria de facto provada (e não 7 a 10), nenhuma contradição existindo entre estes e os factos provados nos pontos 10 e ss. (pontos 10 a 16 referentes ao incêndio de 16 de Junho de 2018 na Estrada dos Cabeços/Porto da Luz, aliás admitidos pelo arguido). 
Não se verifica a contradição invocada, porém, da leitura do texto do acórdão recorrido ressalta desconformidade entre a matéria de facto provada e a correspondente matéria de direito, embora não reflectida em sede de dispositivo[8],11.  
Vejamos. 
Em sede de enquadramento jurídico-penal consta do acórdão recorrido que os arguidos “cometeram em co-autoria 3 crimes de incêndio sendo um deles na forma tentada (factos a que se reportam os nºs 10 a 16 da matéria de facto provada do Proc. 364/18.0GAALQ).”, quando da factualidade provada resulta que os arguidos praticaram, em co-autoria, dois crimes de incêndio, um consumado (factos 17 a 21 da matéria de facto provada correspondentes aos artigos 33 a 38 da acusação), outro na forma tentada (factos 10 a 16 da matéria de facto provada correspondentes aos artigos 17 a 23 da acusação). 
No acórdão ora em recurso consta que os factos provados e descritos de 7 a 9 foram praticados pelo arguido F____ em co-autoria sim, mas com indivíduo cuja identidade não vem referida[9].   
Quanto ao recorrente, a par dos dois referidos crimes de incêndio praticados em co-autoria com o arguido F____  , resulta da matéria de facto provada e da matéria de direito que, em autoria singular, o arguido AV_____ praticou um outro crime de incêndio, pelo qual  foi condenado (pontos 22 a 27 da matéria de facto provada[10]).  
- Quanto à pretendida aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro.
A este respeito consta do acórdão recorrido o seguinte.
“O factor idade não comporta uma aplicação automática e imediata do regime especial para jovens consagrado no mencionado diploma, exigindo-se ainda que dos factos concretamente provados resulte um determinado circunstancialismo que legitime a formulação de um juízo de prognose favorável, no sentido da atenuação facilitar a reinserção social do agente.
Conforme salienta a doutrina e a jurisprudência quanto a esta matéria, impõe-se que a atenuação especial facilite a reinserção social, não devendo tal juízo de prognose radicar em mero subjectivismo mas ao invés em elementos factuais concretamente provados que conduzam à conclusão que a moldura penal abstracta comum não cumpre, por excessiva, os fins da socialização.
Salienta a este respeito o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 13-07-2011, http://www.dqsi.pt/, «A conjugação e a ponderação dos fins das penas, e do tratamento diferenciado conforme os fins prevalecentes no dolo e nos crimes negligentes, retira espaço de aplicabilidade ao regime penal dos jovens comandado por exclusivas finalidades de prevenção especial. Por isso, a aplicação do regime especial encontrará dificuldades insuperáveis nos casos em que não haja assunção da prática dos factos, sem possibilidade de o julgador substanciar o convencimento quanto ao comprometimento determinado do agente em assumir e interiorizar os valores e a dimensão ética das exigências impostas... Não se provando os fados demonstrativos da interiorização do desvalor da conduta, não é possível formular um juízo sobre as vantagens para a reinserção social (...)».
Não obstante o teor do relatório social junto aos autos relativo ao arguido AV_____ , o certo é que o mesmo não demonstrou arrependimento, nem censura social ou ética relativamente aos comportamentos delituosos por si empreendidos, Com tal conduta revelou de modo inequívoco a total ausência de capacidade de autocensura, de interiorização consistente do desvalor da sua conduta. O comportamento evidenciado em julgamento revela uma personalidade imatura, influenciável, com fraco sentido de responsabilidade e ausência de sentido crítico.
Por conseguinte, as circunstancias mencionadas, constituindo défices ao nível das competências pessoais e sociais, não possibilitam a formulação de um juízo de prognose favorável que permita concluir pela vantagem da atenuação especial prevista no diploma em apreço para o processo de reinserção social do arguido, ficando assim afastada a aplicação aos arguidos do regime consagrado no Dec. Lei nº 401/82, de 23-09.”
Neste particular, nenhuma censura merece o acórdão recorrido. Com efeito, nos termos do artigo 4.º do diploma citado, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz proceder a atenuação especial desta, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do arguido.
No caso, aquando da prática dos factos o arguido tinha 20 anos e 10 meses de idade encontram-se, por isso, no limiar de aplicação do regime referido e, como consta do acórdão, nada indica que da atenuação especial da pena resultem vantagens em termos de reinserção social.
Finalmente, defendeu o arguido que as penas parcelares e a pena única que lhe foram aplicadas são excessivas e que sempre a última deveria ter sido suspensa na sua execução. 
Foram impostas ao arguido as seguintes penas:
- Pela prática, em co-autoria, de um crime de incêndio, na forma tentada, uma pena de 1 ano de prisão (Proc. nº 364/18.56AALQ, factos 17 a 23 da acusação);
- Pela prática, em co-autoria, de um crime de incêndio na forma consumada, uma pena de 2 anos de prisão (Proc. nº 375/18.06AALQ);
- Pela prática de um outro crime de incêndio, uma pena de 1 ano e 8 meses de prisão (Proc. nº 364/18.56AALQ, factos 33 a 38 da acusação).
Basta atentar na moldura abstracta do crime de incêndio (pena de prisão de 1 a 8 anos) e na moldura aplicável em caso de tentativa (pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses), para perceber que as penas parcelares impostas foram fixadas próximo do limite mínimo da moldura abstracta - nas situações em que o crime foi consumado -, e significativamente abaixo do meio da pena - no caso do crime de incêndio tentado.
Em sede de determinação da medida da pena constam do acórdão recorrido as seguintes considerações:
“Quanto à determinação da medida concreta da pena, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 71º do Código Penal, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, quer geral positiva ou de reintegração, relacionadas com a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e com a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida, quer de prevenção especial de sociabilização.
Com relevância quer para a culpa quer para a prevenção, surgem as circunstâncias enunciadas no n.º 2 do art.º 71.º do Código Penal que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo; as condições pessoais do agente e a sua situação económica e, a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
Estas circunstâncias serão, ainda, valoradas de acordo com a teoria da margem da liberdade, segundo a qual os limites mínimo e máximo da sanção são ajustados à culpa, conjugada com os fins de prevenção geral e especial das penas.
(…)
A gravidade dos crimes praticados pelos arguidos encontra-se bem espelhada, nas molduras penais abstractas, previstas e a que já se fez referência.
Em todo o caso, cumpre dizer, que não obstante na maioria das situações as consequências desvantajosas das condutas dos arguidos não forma muito expressivas como se retira das áreas ardidas, todavia, não podemos deixar de referir e de valorar, que os arguidos, no que concerne aos meios de execução empregues, tudo fizeram para que os incêndios por si ateados, pudessem assumir grandes proporções, utilizando em muitos casos meios de ignição carburantes. Por outro lado, não podemos também esquecer que um foco de incêndio depois de aleado, pode resultar num incêndio de proporções catastróficas, como é do conhecimento público. Quantas vezes, uma pequena queimada, ou um simples churrasco, provocam incêndios que devastam centenas largas de hectares, destoem casas, fábricas e causam a norte de pessoas e animais.
Efectivamente depois de ateado o fogo, são várias as circunstâncias que se tornam impossíveis de controlar, designadamente a morfologia do local, e sobretudo as condições atmosféricas e climatéricas. Como é sabido, basta que subitamente se levante vento, para que um pequeno incêndio se torne incontrolável, Quantas vezes, já vimos nos noticiários, incêndios que se encontram circunscritos, e por alterações súbitas das condições meteorológicas, como por exemplo por efeito do vento, ou das condições de humidade atmosférica, desviam-se noutras direcções, avivam-se com intensidade tornam-se novamente incontrolados. E tudo isto é do conhecimento público e sobretudo é necessariamente do conhecimento dos arguidos já que são bombeiros.
Por outro lado as exigências de prevenção geral são elevadíssimas, todos temos presentes como nos últimos anos têm ocorrido verdadeiras catástrofes, com dezenas de vidas humanas perdidas e milhões de Euros de prejuízo económicos resultantes dos incêndios.
O tribunal e a justiça não podem ficar indiferentes a esta realidade, em que pela acção dos incêndios e dos incendiários, centenas de pessoas, de um momento para o ouro perdem
tudo o que têm de seu, os seus bens, as economias, as suas recordações mais íntimas de família e de amigos, que não mais são possíveis de recuperar. Em suma todo o trabalho e memória de uma vida, desaparece para sempre e muitas vezes numa idade em que as vítimas já não têm qualquer possibilidade de recuperar emocionalmente ou de reconstruir patrimonialmente. Por isso, entendemos que a punição dos incendiários, mais que nunca, exige ser rigorosa, severa e exemplar. Não é possível, a sociedade não aceita que possa haver tolerância ou complacência para pessoas, que de modo racionalmente inexplicável são capazes de tais actos de indiferença pelo sofrimento alheio, de desrespeito pelas vidas humanas e bens patrimoniais alheios.
Os arguidos assumiram em audiência de discussão e julgamento, uma atitude perante os factos que lhe são imputados, de total distanciamento, não manifestando qualquer sinal de autocrítica, ou arrependimento.
E certo que os arguidos não têm antecedentes criminais, pese embora, em relação à idade dos arguidos, tal facto não tenha assim tanto relevo, já que corresponde ao que é exigível e é de esperar, em geral, dos cidadãos.
Por outro lado, e relativamente aos arguidos afigura-se como altamente perturbador o facto de serem bombeiros, circunstância que em nosso entender, agrava a censura penal dos actos dos arguidos já que os deveria sensibilizar para o não cometimento de factos como os que se julgam, tanto mais que é sabido por todos os acidentes ocorridos nos últimos anos, que têm vitimado bombeiros durante o combate aos incêndios.
Aliás tal facto, impõe ao tribunal firmeza na determinação da medida concreta da pena a aplicar, prementes e intensas que são as exigências de prevenção geral e até no caso, concreto de ambos os arguidos as exigências de prevenção especial.
No que concerne ao grau de culpa dos arguidos, refira-se que a intensidade dolosa, na modalidade de dolo directo terá sentido agravante, na medida em que se trata do tipo de dolo mais intenso das modalidades enunciadas no art.º 14.º do Código Penal.
Com carácter agravante, as exigências de prevenção geral, que são fortes, como já referido.
Não podemos deixar de ponderar, negativamente o facto de os arguidos a persistência da conduta dos arguidos, tendo em algumas situações ateado vários fogos na mesma noite. Por outro lado é também de ponderar negativamente a circunstância de os arguidos terem no maioria das situações ateado o fogo durante o período nocturno, em que normalmente as pessoas estão a descansar, o que torna mais difícil a detecção do incêndio.
Por outro lado, com carácter atenuante, a ausência de antecedentes criminais, associada ao facto de os arguidos estarem socialmente integrados e a condição sócio-cultural, de cada um deles.
(…)”
Da leitura do segmento da decisão recorrida acabado de transcrever e do que antes consta em sede de matéria de facto provada, conclui-se que foram observados os critérios
legais de determinação das penas e que a pena imposta por cada um dos crimes tem suficiente suporte factual. 
Como bem explicitado no acórdão recorrido são significativamente elevadas as exigências de prevenção geral, bem como as exigências de prevenção especial. E, sendo o arguido bombeiro é-lhe particularmente censurável a conduta empreendida. 
Quanto à determinação da pena única foi esta fixada em 3 anos e 4 meses de acordo com os critérios definidos no artigo 77.º do Código Penal considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido. 
Defendeu o arguido que sempre a pena de prisão imposta deveria ser suspensa na sua execução, tal como o foi quanto ao arguido F____. 
Vejamos o que este propósito consta do acórdão recorrido. 
“(…)
 Relativamente ao arguido AV_____, e considerando não só os traços de personalidade evidenciados, designadamente ser uma pessoa imatura e influenciável, a que acresce a circunstância de ter sido sua a iniciativa que o mesmo assumiu na actividade criminosa em apreço, e designadamente ter sido sempre a sua viatura utilizada para as deslocações para a prática dos crimes. Disponibilizando assim, um meio essencial à prática dos crimes.
(…)
A respeito das necessidades de prevenção geral no caso dos crimes de incêndio de acordo com o entendimento jurisprudencial dominante impõem-se com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, de tal actividade.
De igual modo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-09-2013, http://www.dqsi.pt/ «(... a chamada prevenção geral positiva tem um importante papel de pacificação saciai, porque os sentimentos de repulsa ou revolta dos cidadãos serão catalisado pela justiça penal, assim se evitando manifestações emotivas à margem do sistema.».
E citado no mesmo aresto, em nota de rodapé «Para além desta função de pacificação social, a prevenção geral positiva pode ter uma função pedagógica, enquanto reforço da autocensura individual, por quantos têm que refrear os seus impulsos para infringir e se satisfazem por não terem cedido ao crime, subtraindo-se a qualquer pena. Apontar-se-á ainda um efeito de confiança no sistema, não tanto porque as pessoas verificam que o direito penal é para se cumprir (todo o direito, por definição, é para se cumprir), mas porque daí advém um maior sentimento de segurança. Ou seja, de protecção dos bens jurídicos.».
Transpondo tais considerações para o caso em apreço, em nosso entender a aplicação ao arguido do instituto da suspensão da execução da pena, não satisfaz no concreto as exigências mínimas e irremediáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Com efeito, e não obstante as circunstâncias já mencionadas em sede de determinação da medida concreta da pena, o modo de cometimento do crime, quer pela reiteração e energia criminosa empregue, a postura em julgamento de total distanciamento e ausência de sentido crítico, a que acresce os efeitos devastadores das consequências deste tipo de crime e a forte reacção social aos mesmos, tornam em nosso entender inaceitável a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido AV_____ , sob pena da aplicação deste instituto dar um sinal contrário à sociedade, susceptível de ser interpretado pela comunidade como um sinal de impunidade, retirando toda a confiança no sistema penal.
Por último, importa ainda salientar que, carecem ainda de consolidação as competências sociais e pessoais do mesmo, tal como plasmado no relatório social.”
Como referido no parecer do Ministério Público, a acentuada censurabilidade dos factos, a perigosidade a eles associada e o sentimento da comunidade relativamente ao que tem sido o flagelo dos incêndios no nosso país, com consequências a todos os níveis devastadoras, apontam claramente no sentido de aos dois arguidos serem impostas penas de prisão efectivas. O Tribunal a quo aplicou a ambos os arguidos, pela prática do mesmo número de crimes, a mesma pena única de 3 anos e 4 meses de prisão, suspendendo-a quanto ao arguido F____. Em termos de matéria de provada, além da identidade do modo de actuação dos arguidos, são no essencial idênticas as circunstâncias pessoais de cada um deles. Ou seja, não existem factos que, com relevância, permitam afirmar serem mais prementes as exigências de prevenção no caso do ora recorrente, ou que permitam efectuar distintos juízos de prognose quanto ao comportamento futuro de cada um deles. É certo que o definitivamente decidido quanto ao co-arguido F____  [11] não condiciona a decisão no que respeita ao ora recorrente. No entanto, não podemos deixar de dar razão aos argumentos aduzidos pelo recorrente e aos quais o Ministério Público se mostrou sensível: sendo em geral idêntica a forma de actuação, o grau de ilicitude e o grau de culpa dos arguidos, bem como idêntica a sua postura quanto aos factos, apenas parcialmente admitidos em sede de interrogatório judicial, não se vê como, no mesmo processo, possa a execução da pena ser suspensa quanto a um dos arguidos e efectiva quanto ao outro. Na data dos factos, o arguido/recorrente ainda não tinha 21 anos de idade e não lhe eram conhecidos antecedentes criminais, tal como não são conhecidos comportamentos censuráveis posteriores. Decorreram quatro anos desde a prática dos factos, admitindo-se também que o tempo de privação da liberdade, embora servindo propósitos meramente cautelares, tenha paralelamente permitido ao arguido tomar consciência da necessidade de definitivamente adoptar comportamentos conformes ao direito. Assim, julga-se possível efectuar o juízo de prognose favorável suposto no artigo 50.º do Código Penal, suspendendo a execução da pena imposta ao arguido ora recorrente pelo período de 4 anos, acompanhada de regime de prova, nos termos previstos no artigo 53.º, assente em plano de reinserção social. 
E, tal como referido no acórdão quanto ao arguido F____, entende-se adequado e necessário subordinar a referida suspensão à entrega aos Bombeiros de Alenquer da quantia de €2000, no decurso do prazo da referida suspensão, nos termos do artigo 51º do Código Penal. 
Finalmente, invocou o arguido inexistir fundamento para a decisão de perdimento a favor do Estado do veículo matrícula ..-..-... 
Estabelece o artigo 109.º do Código Penal que:
“1 -  São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.
2 - O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
3 - Se os instrumentos referidos no n.º 1 não puderem ser apropriados em espécie, a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se a lei não fixar destino especial aos instrumentos perdidos nos termos dos números anteriores, pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.”
É certo que a viatura em causa foi utilizada para facilitar a prática dos crimes pelos quais o arguido foi condenado. No entanto, não decorre da matéria de facto provada que a declaração de perda seja indispensável a afastar qualquer risco de utilização da mesma na prática de futuros crimes. 
Por outro lado, do certificado de matrícula junto aos autos consta existir reserva de propriedade a favor Banco Santander Consumer Portugal, Lda..
Assim, entende-se de revogar a decisão de perdimento da viatura a favor do Estado. 

V. Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AV_____ suspendendo a execução da pena única de 3 anos e 4 meses de prisão que lhe foi imposta pelo período de 4 anos, com regime de prova e sujeita a plano individual de readaptação a elaborar pelos serviços de reinserção social, bem como sob condição de, no prazo da suspensão, proceder à entrega da quantia de 2.000 Euros aos Bombeiros de Alenquer.
Mais revogam a declaração de perda a favor do Estado da viatura matrícula ..-..-...
No mais, mantêm o acórdão recorrido. 
Sem custas.
Notifique.
(Acórdão elaborado pela relatora em suporte informático e revisto pelos signatários – artigo 94º, n.º 2 do Código de Processo Penal). 

Lisboa, 26 de Outubro de 2022.  
Rosa Vasconcelos
Francisco Henriques
Maria da Conceição Miranda
 
_______________________________________________________
[1] Proferido na sequência do acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Janeiro de 2022, que determinou fosse proferida nova decisão pelo Tribunal a quo suprindo-se vício de falta de fundamentação. 
[2] No mesmo acórdão foi igualmente condenado o arguido F___. 
3 Procedeu-se à correcção da numeração das conclusões.  
[3] Na ausência de recurso do Ministério Público não cabe a este tribunal pronunciar-se quanto àqueles factos que o tribunal a quo entendeu como não provados e que se subsumiriam à prática dos demais crimes de incêndio pelos quais o arguido acabou por ser absolvido. 5 E que refere ter sido simultaneamente dada como provada e não provada. 
[4] Estas descreveram o arguido como “um bom rapaz, educado, bom trabalhador, imaturo e
[5] Quando é certo que a viatura do arguido era da referida marca e modelo e de cor escura.
[6] Sendo certo que o relatório social constitui mero elemento de prova que auxilia a formação da convicção do tribunal quanto a aspectos da vida e da personalidade do arguido, aspectos que, esses sim, devem ser vertidos em sede de matéria de facto provada. 
[7]Trata-se de vícios cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.” (Acórdão do STJ de 12 de Junho de 2008). 
[8] Desconformidade essa resultante da alteração da matéria de facto na sequência da anulação dos acórdãos anteriormente proferidos, sem completa e correspondente alteração da matéria de direito.   11 No ponto 28 da matéria de facto provada referente à necessidade de intervenção dos bombeiros para extinguir os incêndios faz-se, entre o mais, menção à situação a que se reporta o processo 194718.9GBCTX. A circunstância de ter sido dada como não provada a intervenção dos arguidos nos factos em causa, não invalida que tenham sido evitadas consequências gravosas com a intervenção dos Bombeiros. 
[9] No acórdão de 31 de Outubro de 2019 esse indivíduo era o ora recorrente.  
[10] Matéria de facto confessada em interrogatório judicial e aceite em sede de recurso.
[11] Face à não interposição de recurso pelo Ministério Público.