PRESCRIÇÃO
PRAZOS
RENÚNCIA PARCIAL
ASSÉDIO MORAL
Sumário

-Por força do instituto da prescrição extinguem-se os direitos que não sejam indisponíveis ou isentos de prescrição que, por inércia dos respectivos titulares, não sejam exercidos dentro do prazo fixado por lei.
- O “alargamento” a que alude o artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril  reporta-se ao período de suspensão correspondente, ou seja, aos prazos que hajam sido suspensos por força da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02. e que corresponde ao período de 22.01.2021 a 05.4.2021, num total de 74 dias.
- É admissível a renúncia parcial à prescrição relativa a créditos cindíveis dos demais créditos peticionados.
(Pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
AAA,  médica, a prestar serviço no … veio, no dia 25.08.2021, intentar acção declarativa com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BBB, entidade pública empresarial, pessoa coletiva n…, com sede no … na qual pede que  a acção seja julgada procedente e a Ré seja condenada a:
a) Pagar à Autora a título de indemnização legalmente devida pela rescisão do contrato de trabalho pela Autora com justa causa, a fixar pelo Tribunal mas em montante não inferior a 80 090,88 €, acrescido dos juros legais contados desde a data da rescisão até efetivo e integral pagamento;
b) Pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos morais causados pela prática continuada de assédio pela Ré mesmo para além da cessação da relação laboral, a fixar pelo Tribunal mas de valor, simbólico, não inferior a 25 000 €;
c) Pagar à Autora a título de dívida por remuneração não paga, o correspondente ao trabalho suplementar realizado e não pago, a liquidar em execução de sentença (mas nunca inferior a 8136,52 € referente aos dois últimos anos de trabalho prestado à Ré), acrescido dos juros legais contados desde as datas em que as remunerações eram devidas até efetivo e integral pagamento;
d) Pagar à Autora a título de restituição de descontos indevidamente efetuados sobre verbas não sujeitas a tributação para a CGA, no valor de 3468,41 €, acrescido de juros legais contados desde a data em foram efetuados tais descontos até o seu efetivo e integral pagamento;
e) Pagar à Autora a quantia a liquidar em execução de sentença, referente aos montantes recebidos pela Ré das entidades promotoras de investigação clínica, destinados à Autora e abusivamente retidos por aquela, a apurar após fornecimento de informação relevante pela Ré, acrescido dos juros legais contados desde a data em que as referidas verbas foram recebidas pela Ré até efetivo e integral pagamento;
f) Entregar à Autora declaração formal que esta possa usar como entender, onde reconhece a prática de assédio laboral sobre a Autora e se retrata de tais práticas, obrigando-se a abster-se, por si e pelos seus agentes, de lhes dar continuidade;
g) Tomar as medidas internas, designadamente, organizativas e disciplinares, que punam e corrijam as práticas de assédio laboral reconhecidas na presente ação e outras, e previna a sua repetição futura.
Mais requereu a citação urgente da Ré.
Invocou para tanto, em resumo, que: entre 2003 e 2020 exerceu funções no BBB; a 11 de Novembro de 2019, a Autora dirigiu ao Conselho de Administração da Ré uma carta onde rescindia unilateralmente o contrato de trabalho alegando expressamente justa causa por ser vítima de assédio no local de trabalho, com efeitos à data de colocação em lugar no Centro Hospitalar de origem ou em outra instituição de saúde, como veio a acontecer a 20 de abril de 2020; a Ré não respondeu a esta carta e a sua atitude perante a mesma foi reagir disciplinarmente ressuscitando um processo de inquérito já prescrito e cuja matéria denunciada constituía uma atitude de perseguição à Autora e instaurando-lhe outro que não visava mais do que abrir caminho para o seu despedimento, vindo o processo disciplinar a ser arquivado por inutilidade superveniente da lide uma vez que a Autora cessou a mobilidade no Réu; não satisfeita com a saída da Autora, o Réu pretendendo levar a perseguição à Autora mais longe, apresentou no DIAP uma denúncia contra a Autora por homicídio negligente que corre termos; o conteúdo dos processos de inquérito prévio … e …, nota de culpa incluída, bem como a denúncia-crime apresentada pela Ré estão repletos de falsidades e de afirmações difamatórias e intimidatórias, tendo a Autora apresentado denúncia contra a Ré na PGR, remetida ao DIAP de Sintra; a Ré, através de vários dos seus agentes, como o director clínico e depois presidente do CA, a directora do serviço onde a Autora se encontrava colocada e alguns dos seus subordinados, sob coacção desta ou não, movia contra a Autora as mais variadas formas de aviltamento e de desconforto laboral, como o isolamento, não colaboração, sonegação de informação, indeferimento ou atraso inexplicável de solicitações terapêuticas efetuadas pela Autora com prejuízo manifesto dos doentes,  não disponibilização de formação à Autora, tendo esta de a fazer por sua iniciativa e expensas, não pagamento de trabalho suplementar, difamação perante doentes e seus familiares, não cumprimento das obrigações emergentes de contrato tripartido (…-Promotor- Investigadora) em ensaios em que a Autora é investigadora, a não distribuição das verbas recebidas dos promotores destinadas aos profissionais participantes nesses ensaios,  atribuição à Autora de funções e tarefas profissionalmente humilhantes para a sua categoria, ficando, na prática, como coadjutora e sob a orientação de internos da especialidade, culminando com o esvaziamento de funções clínicas próprias da sua categoria e estatuto científico, motivo próximo da sua denúncia e rescisão do contrato de trabalho por justa causa, tudo em persistente e duradoura conduta ao longo de cerca de dois anos, agravada quando da posição da Autora contra a perseguição disciplinar a dois colegas do serviço, até à saída da Autora do Hospital; os factos descritos levaram a danos consideráveis na sua reputação profissional, internamente e, embora continue a ser bem considerada nos planos internacionais em que actua sendo, designadamente convidada para superintender como investigadora principal em ensaios clínicos, a pendência de um processo-crime por negligência médica, processos disciplinares com idêntica justificação, e a má-língua difundida no “meio” socioprofissional, não permite excluir, aí também, alguma erosão ao seu bom nome profissional, se não imediata, certamente a prazo, a pendência de um inquérito pelo alegado crime de homicídio por negligência profissional, impedem a Autora de concorrer a lugares internacionais ou em instituições estrangeiras, a situação criada à Autora durante a sua permanência no BBB era geradora de angústia e mal-estar crescentes de modo a levá-la a desistir e querer romper com tal ambiente, rescindindo o seu vínculo laboral com a Ré, sendo que a pendência do processo-crime e toda a influência que a Ré insiste em exercer contra a vida profissional da Autora têm exacerbado o stress e angústia desta, sendo frequentes as manifestações depressivas, cefaleias e tonturas, insónias, desregulação da função digestiva, aumento da irritabilidade e consequente degradação da qualidade dos seus relacionamentos sociais e familiares.
A 26.08.2021 foi proferido despacho de indeferimento do pedido de citação urgente por absoluta falta de fundamento legal para o efeito.
Teve lugar a audiência de partes não tendo sido obtida a sua conciliação, mas tendo a Ré reconhecido ser devedora dos montantes respeitantes a ensaios clínicos efectivados pela equipa da Autora e estar a aguardar esclarecimentos da mesma a fim de proceder à respectiva liquidação.
O Réu contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a ineptidão da petição inicial e a excepção peremptória da prescrição.
Por impugnação alegou, em suma, ser falso ter havido qualquer prática assediante do Réu ou de qualquer dos seus profissionais contra a Autora, sendo que levado ao conhecimento do conselho de administração a morte de uma doente seguida no BBB, com indícios fortes de conduta ilícita e culposa, seguiu-se a devida reacção disciplinar e posterior denúncia criminal, não ser verdade que a Autora tivesse realizado o peticionado trabalho suplementar, nem que lhe tenham sido indevidamente retidos 11% a título de contribuição indevida para a Caixa Geral de Aposentações. Mais admitiu existirem verbas a pagar à equipa de investigação nos estudos indicados na conta corrente nos quais a Autora intervém como investigadora principal, mas que tal assim é porquanto a Autora ainda não informou quais os valores a distribuir pela dita equipa permitindo, assim, ao Réu efectuar os devidos pagamentos em falta, pelo que não existindo incumprimento não são devidos juros, que a Autora não deduziu um único facto que possa fundamentar a rescisão do contrato com justa causa, que não existiu o alegado esvaziamento de funções clínicas e que, relativamente aos invocados danos não patrimoniais, a Autora limita-se a deduzir juízos conclusivos.
Finaliza pedindo que a excepção da ineptidão da petição inicial seja julgada procedente e, em consequência, seja declarado nulo o processado, absolvendo-se o Réu da instância, seja julgada procedente a excepção peremptória da prescrição com a absolvição do Réu do pedido e que, não procedendo as excepções, seja a acção julgada improcedente com a consequente absolvição do Réu dos pedidos.
A Autora respondeu à contestação defendendo, em suma, que a Ré entendeu bem o teor da petição inicial, pelo que não se verifica a ineptidão da petição inicial e que, quanto à prescrição, os períodos de suspensão previstos na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, artigos 7.º, n.º 3 e 10.º; e na Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, artigos 2.º (que adita o artigo 6.º-B à Lei n.º 1-A/2020) e 4.º, o primeiro de 86 dias e o segundo de 74 dias, que somam o total de 160 dias se devem ter por adicionados ao prazo prescricional previsto no artigo 337.º do CT. Mais invocou que a Ré confessou e reconheceu expressamente créditos da Autora, o que significa que renunciou à prescrição dos créditos reclamados por esta e que o prazo de prescrição dos créditos peticionados a título de indemnização por assédio prescrevem no prazo de 3 anos.
Finaliza pugnando pela improcedência das excepções.
Realizou-se a audiência prévia e não tendo sido obtida a conciliação das partes foi-lhes concedida a possibilidade de se pronunciarem sobre a excepção peremptória da prescrição, o que fizeram.
Fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial e apreciou a excepção peremptória da prescrição de créditos nos seguintes termos:
“DA PRESCRIÇÃO
A ré invocou a prescrição dos créditos reclamados pela autora.
A autora respondeu, pugnando pela improcedência da excepção.
Decidindo:
Com pertinência para a apreciação da suscitada excepção, tendo presente a posição assumida pelas partes e os elementos documentais carreados para os autos, releva a seguinte factualidade:
1. A autora interpôs a presente acção no dia 25 de Agosto de 2021, às 22h22m12s, tendo requerido, no formulário electrónico e no final da petição inicial, a citação urgente da ré.
2. Os autos foram conclusos no dia 26-08-2021 ao Sr. Juiz de Turno, que proferiu o seguinte despacho:
«I - Citação Urgente - Indeferimento
Embora o pedido de citação urgente conste do formulário, e embora na parte final da petição inicial esteja consignado «… requer-se, i. A citação urgente da R.», certo é neste mesmo articulado não está invocado um único fundamento para sustentar tal pedido (e também não se vislumbra qual seja tal fundamento).
Face ao exposto, por absoluta falta de fundamento legal, indefere-se o presente pedido de citação prévia.
Notifique-se e, após férias judiciais, abra-se conclusão ao Sr. Juiz Titular».
3. Os autos foram novamente conclusos em 07-09-2021, tendo sido agendada a audiência de partes e determinada a citação da ré.
4. A ré foi citada para a audiência de partes no dia 08 de Setembro de 2021.
5. Na presente acção a autora peticiona a condenação da ré a:
 «a) Pagar à A. a título de indemnização legalmente devida pela rescisão do contrato de trabalho pela A. com justa causa, a fixar pelo Tribunal mas em montante não inferior a 80 090,88 €, acrescido dos juros legais contados desde a data da rescisão até efetivo e integral pagamento;
b) Pagar à A., a título de indemnização pelos danos morais causados pela prática continuada de assédio pela R. mesmo para além da cessação da relação laboral, a fixar pelo Tribunal mas de valor, simbólico, não inferior a 25 000 €;
c) Pagar à A. a título de dívida por remuneração não paga, o correspondente ao trabalho suplementar realizado e não pago, a liquidar em execução de sentença (mas nunca inferior a 8136,52 € referente aos dois últimos anos de trabalho prestado à R.), acrescido dos juros legais contados desde as datas em que as remunerações eram devidas até efetivo e integral pagamento;
d) Pagar à A. a título de restituição de descontos indevidamente efetuados sobre verbas não sujeitas a tributação para a CGA, no valor de 3468,41 €, acrescido de juros legais contados desde a data em foram efetuados tais descontos até o seu efetivo e integral pagamento.
e) Pagar à A. a quantia a liquidar em execução de sentença, referente aos montantes recebidos pela R. das entidades promotoras de investigação clínica, destinados à A. e abusivamente retidos por aquela, a apurar após fornecimento de informação relevante pela R., acrescido dos juros legais contados desde a data em que as referidas verbas foram recebidas pela R. até efetivo e integral pagamento;
f) Entregar à A. declaração formal que esta possa usar como entender, onde reconhece a prática de assédio laboral sobre a A. e se retrata de tais práticas, obrigando-se a abster-se, por si e pelos seus agentes, de lhes dar continuidade;
g) Tomar as medidas internas, designadamente, organizativas e disciplinares, que punam e corrijam as práticas de assédio laboral reconhecidas na presente ação e outras, e previna a sua repetição futura».
6. A autora alega que o seu contrato de trabalho com a ré cessou no dia 19 de Abril de 2020, o que a ré aceita.
7. No artigo 134.º da sua contestação a ré alega o seguinte:
«Relativamente ao artigo 113 da p.i., é verdade que existem verbas por pagar à equipa de investigação nos estudos identificados na contacorrente, que se junta como Doc. 10 e se dá aqui como reproduzido, nos quais a Autora intervém como investigadora principal».
8. No artigo 135.º da sua contestação a ré alega o seguinte:
«Porém, assim é, porquanto a Autora (ainda) não informou quais os valores a distribuir pela dita equipa e que assim permitisse ao Réu efetuar os devidos pagamentos em falta».
*
De acordo com o disposto no artigo 337.º, n.º 1, do CT «O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho».
A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível ou que a lei não declare isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante certo tempo (cfr. artigo 298.º n.º 1 do CC).
No que tange aos créditos laborais, a lei prevê um prazo relativamente curto, que encontra a sua justificação essencialmente em razões de segurança e certeza das relações laborais, mas que é simultaneamente contrapartida da circunstância de os créditos laborais não prescreverem durante a manutenção da relação laboral.
No caso vertente, a autora alega que a relação laboral cessou no dia 19-04-2020, o que a ré não contesta.
Assim, por força do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do CT, o prazo de prescrição iniciar-se-ia em 20-04-2020, e terminaria às 24 horas do dia 20 de Abril de 2021 (artigo 279.º, alínea c) do CC, aplicável ex vi do artigo 296.º do mesmo diploma).
Dizemos iniciar-se-ia e terminaria porquanto a Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 [que veio adoptar medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19] estabeleceu no seu artigo 7.º, na sua redacção original, um regime excepcional para os prazos e diligências processuais (cfr. n.º 1), regime esse que cessaria em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional (cfr. n.º 2), dispondo-se no seu n.º 3 que «A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos», sendo que por força do disposto no n.º 4 tal norma prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
Tal norma, que entrou em vigor em 09-03-2020 (cfr. artigos 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03 e 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 06/04 [norma interpretativa]), esteve em vigor até 02-06-2020 (cfr. artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29/05), donde decorre que todos os prazos de prescrição e caducidade em curso estiveram suspensos entre 09-03-2020 e 02-06-2020, retomando-se a respectiva contagem a partir de 03-06-2020.
A este propósito, salvo o devido respeito e melhor apreciação, afigura-se-nos que não pode merecer acolhimento a tese da autora segundo a qual ao prazo de um ano de prescrição se somaria todo o período de suspensão da situação excepcional (86 dias) apesar de tal prazo não se encontrar em curso aquando da entrada em vigor do mencionado regime excepcional.
Segundo o entendimento pugnado pela autora, o referido período de 86 dias somar-se-ia na totalidade ao prazo de um ano de prescrição ainda que, por absurdo, o contrato apenas tivesse cessado no dia 02-06-2020. Não se nos afigura que seja essa a solução que decorre da lei, ainda que a expressão menos feliz e redundante do legislador no sentido de tais prazos serem “alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional” possa induzir em erro. Crê-se, salvo melhor opinião que tal entendimento é de afastar (tal como, de resto, é de afastar o entendimento oposto, sustentado por alguma doutrina, de acordo com o qual a citada suspensão de prazos apenas se aplicaria aos prazos de prescrição que se encontrassem nos últimos três meses do prazo, subsumindo o presente regime excepcional ao artigo 321.º, n.º 1, do Código Civil). De resto, o uso da expressão “vigorar” (ao invés de, por exemplo, “tiver vigorado”) remete justamente para uma ideia de efeitos para o futuro, afastando a aplicação retroativa de tal suspensão a prazos que nem sequer se haviam iniciado quando começou a vigorar a referida situação excepcional.
Em suma: os prazos de prescrição ou caducidade que, no dia 09-03-2020, se encontravam em curso, ficaram suspensos até 02-06-2020, retomando no dia 03-06-2020 a sua contagem; os prazos que se iniciariam durante o período que decorreu entre 09-03-2020 e 02-06-2020, não começaram sequer a correr, apenas iniciando a sua contagem no dia 03-06-2020.
Assim, uma vez que, no caso vertente, o prazo de prescrição não se havia ainda iniciado em 09-03-2020 [apenas se iniciaria no dia seguinte ao do termo do contrato, ou seja, no dia 20-04-2020], a sua contagem ficou suspensa, ou seja, não se iniciou, por força do citado artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1- A/2020, iniciando-se a contagem do referido prazo de um ano de prescrição apenas em 03-06-2020 (data em que cessou a suspensão dos prazos).
Consequentemente, tal prazo de um ano de prescrição terminaria em 03-06-2021.
Dizemos mais uma vez terminaria porquanto a Lei n.º 4-B/2021, de 01/02 viria a aditar à Lei n.º 1-A/2020 o artigo 6.º-B, cujo n.º 3 determinou nova suspensão de todos os prazos de prescrição e caducidade, determinando o n.º 4 que «O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão».
Tal norma, que produziu efeitos a partir de 22-01-2021 (cfr. artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 4- B/2021, de 01/02), esteve em vigor até 05-04-2021 (cfr. artigos 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05/04), donde decorre que todos os prazos de prescrição e caducidade em curso estiveram suspensos entre 22-01-2021 e 05-04-2021 (ou seja, durante 74 dias), retomando-se a respectiva contagem a partir de 06-04-2021.
Assim sendo, o prazo de prescrição em apreço – que, conforme se referiu, inicialmente terminaria no dia 03-06-2021 – viria a completar-se às 24 horas do dia 16-08-2021.
*
O prazo de prescrição, enquanto não decorrer na totalidade, é susceptível de ser interrompido. A interrupção pode ocorrer por promoção do titular do direito (artigo 323.º do CC), por compromisso arbitral (artigo 324.º do CC) ou pelo reconhecimento do direito (artigo 325.º do CC).
Vejamos.
A interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito ocorre designadamente pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (artigo 323.º, n.º 1, do CC).
Ora conforme decorre dos autos, a ré foi citada em 08 de Setembro de 2021, depois portanto de decorrido o prazo de prescrição, que se completou em 16 de Agosto de 2021.
Nessa medida, a prescrição não se interrompeu por via da citação.
Por outro lado, não é aplicável ao caso vertente o disposto no artigo 323.º, n.º 2 do CC [nos termos do qual «Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias»].
Com efeito, para que o autor possa beneficiar do efeito interruptivo previsto no artigo 323.º, n.º 2, do CC, é necessária a verificação cumulativa de três requisitos: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.
No caso vertente falece desde logo o primeiro dos requisitos, porquanto a prescrição ocorreu antes da propositura da presente acção, pelo que não opera tal mecanismo de interrupção.
Como se referiu, a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido (cfr. artigo 325.º do CC).
Alega a autora que a ré reconheceu, pelo menos, uma parte do pedido, o que interrompeu a prescrição.
Efectivamente, verifica-se que no artigo 134.º da sua contestação a ré alega: «Relativamente ao artigo 113 da p.i., é verdade que existem verbas por pagar à equipa de investigação nos estudos identificados na contacorrente, que se junta como Doc. 10 e se dá aqui como reproduzido, nos quais a Autora intervém como investigadora principal», afirmando expressamente no artigo 135.º da mesma peça que «…assim é, porquanto a Autora (ainda) não informou quais os valores a distribuir pela dita equipa e que assim permitisse ao Réu efetuar os devidos pagamentos em falta».
Todavia, tal peça processual foi apesentada em 18-10-2021, depois de decorrido o prazo de prescrição e, como tal, quando se mostravam já extintos, por prescrição, os créditos da autora, donde decorre que tal reconhecimento não tem a virtualidade de interromper o prazo de prescrição, visto que o mesmo já se mostrava esgotado.
Questão diversa é a da valoração de tal declaração da ré como uma renúncia da prescrição, nos termos e para os efeitos do artigo 302.º do CC, na parte respeitante às verbas por pagar à equipa de investigação nos estudos identificados na contacorrente junta aos autos como Doc. 10, nos quais a Autora intervém como investigadora principal, a apreciar infra.
*
Conclui-se, assim, que se completou o prazo de prescrição previsto no artigo 337.º, n.º 1, do CT (prazo de um ano, alargado pelos dois períodos de suspensão decorrentes do regime excepcional (Covid19, nos termos supra explanados), pelo que se extinguiram os créditos invocados pela autora na presente acção [sem prejuízo, note-se, do que infra se explanará a propósito da renúncia da prescrição quanto aos ensais clínicos].
Cumpre referir, a este propósito, que após 2003 é entendimento praticamente pacífico que a expressão “…crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação…” que consta do n.º 1 do artigo 337.º do CT tem um sentido amplo, nela se incluindo todos e quaisquer créditos emergentes da relação laboral, o que abrange igualmente as pretensões indemnizatórias (patrimoniais ou não patrimoniais) que alguma das partes fundamente na existência da relação laboral, incluindo assim «…créditos por danos não patrimoniais resultantes da verificação de “mobbing” no decurso do contrato de trabalho”» (cfr. acórdão de 21-03-2012 do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA [processo n.º 1015/10.6TTALM.L1-4; disponível em www.dgsi.pt]).
Assim sendo, e com ressalva dos créditos respeitantes aos ensaios clínicos (cfr. infra), não resta senão julgar procedente a arguida excepção.
Pelo exposto, julga-se procedente a excepção de prescrição invocada pelo réu BBB. e, em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, ABSOLVE-SE o réu dos pedidos contra si deduzidos pela autora AAA, excepto no que respeita ao pedido formulado sob a alínea e) da petição inicial.
Custas, nesta parte, pela autora – artigo 527.º, n.os 1 e 2, do CPC.”
Registe e notifique.”
Mais decidiu o Tribunal a quo:
“DA RENÚNCIA [PARCIAL] DA PRESCRIÇÃO/CONFISSÃO DO PEDIDO
A autora peticiona, para além do mais, a condenação da ré a «Pagar à A. a quantia a liquidar em execução de sentença, referente aos montantes recebidos pela R. das entidades promotoras de investigação clínica, destinados à A. e abusivamente retidos por aquela, a apurar após fornecimento de informação relevante pela R., acrescido dos juros legais contados desde a data em que as referidas verbas foram recebidas pela R. até efetivo e integral pagamento».
A ré, na contestação, alega que «Relativamente ao artigo 113 da p.i., é verdade que existem verbas por pagar à equipa de investigação nos estudos identificados na conta corrente, que se junta como Doc. 10 e se dá aqui como reproduzido, nos quais a Autora intervém como investigadora principal», explicitando que «assim é, porquanto a Autora (ainda) não informou quais os valores a distribuir pela dita equipa e que assim permitisse ao Réu efetuar os devidos pagamentos em falta»
Posteriormente, em sede de audiência prévia, e conforme resulta da respectiva acta (cfr. fls. 698 e 699), a ré expressou que o montante que entende estar em dívida à autora relativamente aos ensaios clínicos ascende a € 12.881,27, sustentando a autora, por seu lado, que quanto aos ensaios clínicos o valor em dívida é consideravelmente superior, ascendendo a € 36.983,02.
Como supra se referiu, estando (também) os créditos relativos aos valores devidos à autora pelos estudos/ensaios clínicos em que a mesma figura como investigadora principal prescritos, a alegação da constante dos artigos 134.º e 135.º da contestação (no sentido de admitir tais créditos e se dispor a pagá-los, reconhecendo que são devidos e estão em falta) não pode ser valorada senão como uma renúncia (parcial) da prescrição, nos termos e para os efeitos do artigo 302.º do CC.
Por outro lado, tal declaração – vertida nos artigos 134.º e 135.º da contestação – equivale, para todos os efeitos, a uma confissão do pedido, que se afigura válida na medida em que versa sobre direitos disponíveis, estando o Ex.mo Mandatário do réu munido de procuração com poderes especiais para confessar o pedido (sendo certo ainda que a mesma foi reiterada em sede de audiência prévia, estando presente o legal representante da do réu).
Verifica-se, no entanto, que a autora não deduziu um pedido líquido, relegando o apuramento do respectivo valor para execução de sentença, sendo igualmente certo que mesmo após a audiência prévia as partes estão em desacordo quando ao montante concreto dos valores devidos à autora.
Destarte, julgando válida a confissão do pedido efectuada pela ré no que respeita aos valores devidos à autora relativos aos estudos/ensais clínicos identificados na “conta-corrente” junta com a contestação como Doc. 10, CONDENA-SE o réu a pagar à autora o montante que vier a apurar-se, em incidente de liquidação, ser devido à autora a esse propósito, até ao valor máximo de € 36.983,02, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da citação.
Custas nesta parte pela ré – artigo 537.º, n.º 1, do CPC.
Registe e notifique.”
Inconformada, a Autora recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
“A/ Do decurso do prazo prescricional
i. O prazo da prescrição prevista no artigo 377.º, n.º 1 do CT que tenha corrido entre março 2020 e abril de 2021 deve ser alargado de 160 dias por força do artigo 5.º da Lei n.º 13–B/2021, de 5 de abril;
ii. Assim sendo, os créditos emergentes de contrato de trabalho, sua interpretação e cessação, que tenha cessado em 19 de abril de 2020, prescreveriam em 27 de setembro de 2021;
iii. É o que ocorreria no caso sub iudice caso aquele prazo não tivesse sido interrompido com a propositura da presente ação a 25 de agosto de 2021, no 5.º dia posterior aquela data, isto é a 30 de agosto do mesmo ano;
iv. A questão controvertida tem apenas a ver com a interpretação do disposto no aludido artigo 5.º da Lei 13-A/2021, pois entende a ora recorrente que o efeito útil pretendido pelo legislador com aquela norma é o de atribuir aos prazos de prescrição e de caducidade, e apenas a estes, um efeito jurídico para além da mera dilação da possibilidade de prática de atos jurídicos sujeita a prazo, como acontece com as demais suspensões ordenadas no período da pandemia (incluindo daqueles), mas introduzir no prazo definido para efeitos de prescrição ou caducidade um alargamento, com efeitos imediatos e futuros, correspondente ao período integral em que vigoraram as suspensões;
v. Este alargamento fixou-se em 160 dias no caso sub iudice – 86 dias em 2020 e 74 dias em 2021 – em que vigoraram aquelas suspensões legais.
vi. Sob pena de votarmos à irrelevância uma norma legal expressa que o legislador quis manter e foi, aliás, aperfeiçoando até à redação que entendeu melhor corresponder à sua vontade legiferante.
vii. Assim, deve ser anulada a sentença ora recorrida na parte em que absolve a R. do pedido com fundamento na exceção da prescrição e devolvido o processo à primeira instância para julgamento da parte não conhecida pelo Tribunal a quo.
B/ Da renúncia da prescrição
i. O artigo 302.º do CC prevê a renúncia da prescrição;
ii. O Meritíssimo Juiz a quo considerou que quanto à matéria constante da alínea e) do pedido da A. ocorreu renúncia tácita à prescrição, porquanto a R. se predispõe a pagar as dívidas aí referidas, embora não concorde com o montante;
iii. Chamou-lhe, a sentença ora recorrida, renúncia parcial da prescrição. Ora entende a A. e ora recorrente não existir tal figura em Direito;
iv. Antes pelo contrário, a renúncia opera in totum relativamente à prescrição a que se refere;
v. Não há distinção material entre o pedido nessa específica alínea – e) – da petição e noutras como as alíneas c) e d), tratando-se todas elas (a sentença confirma-o) remuneração devida ou ilegalmente retida, apenas concretizada em diferentes alíneas, das quais acontece a R. estar parcialmente de acordo, enquanto nas restantes argumentar de facto e de direito quanto a ocorrência (não à prescrição) da dívida.
vi. Por outro lado, a R. demonstra, quer pela sua contestação, em que impugna especificadamente toda a matéria do pedido, quer nas sessões perante o Tribunal – vide atas – em que se predispôs e até pretendeu acertar um valor por acordo para pôr fim à ação, que a sua atitude é incompatível com a sua vontade de se socorrer da prescrição.
vii. Isto constitui renúncia tácita à prescrição relativamente a todo o pedido, nos termos do n.º 2 do artigo 302.º do CC,
viii. Pelo que, caso esse Venerando Tribunal não dê provimento ao alegado na conclusão anterior, deve ainda assim a sentença ser anulada na parte em que absolve a R. do pedido com fundamento na exceção de prescrição e baixar o processo à primeira instância para julgamento da parte não conhecida pelo Tribunal.
C/ Das matérias não diretamente emergentes do contrato de trabalho
i. O pedido não se funda integralmente na violação pela R. do contrato de trabalho;
ii. Efetivamente, se a matéria das alíneas c), d) e e) (e, tangencialmente, da a)), se pode inserir no âmbito da execução do contrato laboral, tratando-se, como se trata, de reivindicações de natureza monetária decorrentes do incumprimento de obrigações do empregador na relação laboral, e para as quais se pode discutir a prevalência da tese da prescrição,
iii. Já quanto à matéria plasmada nas alíneas a), b), f) e g), tal não se pode dizer;
iv. A causa de pedir destas alíneas não é a errada interpretação das normas legais e contratuais do contrato de trabalho, mas sim uma conduta ilícita – o assédio – por parte do empregador ou seus agentes contra a A.
v. Conduta que, aliás, se prolongou no tempo para cá da cessação do contrato.
vi. Ora a prescrição do direito à reparação nunca pode ocorrer antes de cessada a agressão que gera aquele direito.
vii. Por outro lado, a natureza do pedido e da causa de pedir melhor se enquadra no âmbito da responsabilidade civil com o seu correspondente prazo prescricional do que na emergência do contrato de trabalho.
viii. Encontra-se, assim, erradamente aplicado o artigo 377.º do CT às matérias constantes da petição fundadas no assédio, pelo que estas não prescreveram, nem o prazo começou a correr, pelo menos até que cesse a prática ilícita que dá causa ao pedido.
ix. Assim, caso as anteriores alegações não tenham obtido provimento, deve esse Venerável Tribunal anular a decisão recorrida na parte em absolve a A. do pedido plasmado nas alíneas a), b), f) e g) da petição inicial.
A Ré contra-alegou concluindo assim:
“Pelo exposto, é nosso entendimento que a douta sentença recorrida está devidamente fundamentada, não colhendo a argumentação ou conclusões da recorrente no recurso apresentado. E assim é, porquanto, em conclusão:
a. O prazo de prescrição de 1 (um) ano verificou-se a 16 de agosto de 2021;
b. No caso em concreto, a contagem do prazo teve início a 03.06.2020 e não a 20.04.2020.
Suspendeu-se a contagem do prazo em 22.01.2021 e retomou-se em 06.04.2021. A recorrente foi legalmente beneficiada com o acréscimo de 74 dias respeitantes ao período de suspensão de 22.01.2021 (inclusive) até 05.04.2021 (inclusive), em que a contagem permaneceu suspensa, pelo que o término do prazo 1 (um) ano verificou-se a 16.08.2021;
c. Quanto à questão da renúncia parcial da prescrição, o autor, ora recorrido, também acompanha na íntegra a douta sentença recorrida, uma vez que a declaração – vertida nos artigos 134.º e 135.º da contestação -, bem como a posição manifestada pelo recorrido na audiência prévia – equivale, para todos os efeitos, a uma confissão de que há valores a pagar à recorrente em sede de investigação clínica, porém, não são devidos os valores peticionados pela recorrente, outrossim os que se vierem a apurar e decidir como devidos em sede de execução de sentença.
E essa confissão se afigura efetivamente válida na medida em que versa sobre direitos disponíveis, donde, com o devido respeito por entendimento contrário, não é de colher a argumentação da recorrente.
d. Por outro lado, ao invés do que a recorrente deduziu no seu artigo 73º, não é verdade que o recorrido tivesse dito na sua contestação que “o trabalho suplementar não foi pago porque não autorizado previamente”. Na verdade, o que disse foi “não é verdade que a Autora tivesse realizado o peticionado trabalho suplementar e que assim tivesse gerado na esfera jurídica do Réu qualquer obrigação de pagamento”.
e. Termos em que o recurso em apreço não deve obter qualquer provimento. O mesmo vale por dizer que deverá a douta sentença recorrida (Tribunal a quo) manter-se na sua plenitude, assim se fazendo Justiça!”
O recurso foi admitido.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a prescrição apenas ocorreria a 27 de Setembro de 2021, pelo que a sentença deve ser revogada na parte em que decidiu pela procedência da excepção da prescrição, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Não houve resposta ao parecer.
Colhidos que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
É pacífico que o âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º nº 4 e 639.º do CPC, ex vi n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, no presente recurso, importa apreciar as seguintes questões:
1ª- Se os créditos da Autora não prescreveram:
-créditos laborais
-créditos decorrentes do alegado assédio moral.
2.ª -Se a Ré renunciou à prescrição relativamente a todos os pedidos.
Fundamentação de facto
Os factos com interesse para a decisão são os que constam do relatório para o qual se remete.
Fundamentação de direito
Vejamos, então, a primeira questão colocada no recurso e que se traduz em saber se os créditos da Autora não prescreveram.
Entendeu o Tribunal a quo que os créditos reclamados pela Autora prescreveram no dia 16 de Agosto de 2021.
Entende a Recorrente, em suma, que a prescrição ocorreria a 27 de Setembro de 2021 e que tendo a Ré sido citada no dia 8 de Setembro de 2021 aquela não operou.
Estriba-se a Recorrente, essencialmente, nos seguintes fundamentos:
- O prazo de prescrição previsto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho (CT) que tenha corrido entre Março de  2020 e Abril de 2021 deve ser alargado de 160 dias por força do artigo 5.º da Lei n.º 13–B/2021, de 5 de abril;
- No que concerne aos pedidos formulados nas alíneas a), b), f) e g),  a respectiva causa de pedir é uma conduta ilícita – o assédio – por parte do empregador ou seus agentes contra a Autora, prática que se prolongou no tempo para lá da cessação do contrato de trabalho e cujo prazo de prescrição é de três anos que ainda não se iniciou.
Por sua banda, a Recorrida acompanha a decisão recorrida no sentido de que a prescrição ocorreu no dia 16 de Agosto de 2021.
Apreciando:
Quanto aos créditos laborais:
A presente acção foi proposta no dia 25 de Agosto de 2021 e, apesar de ter sido requerida a citação urgente da Ré, este pedido foi indeferido, vindo esta a ser citada para a audiência de partes no dia 8 de Setembro de 2021.
O contrato de trabalho cessou no dia 19 de Abril de 2020.
Nos termos do n.º 1 do artigo 298.º do Código Civil (CC), “ Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício, durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.”
Assim, por força do instituto da prescrição extinguem-se os direitos que não sejam indisponíveis ou isentos de prescrição que, por inércia dos respectivos titulares, não sejam exercidos dentro do prazo fixado por lei.
Por outras palavras, visa-se com o instituto da prescrição sancionar a inacção descuidada do titular do direito.
Como elucida o Acórdão do STJ de 22.09.2016, in www.dgsi.pt “I - A prescrição, cujo nome (praescriptio) e raízes mergulham no húmus fecundo do direito romano, assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor.
II – O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)».
III - Ainda que olhada, sob o ponto de vista da moral e do direito natural, com certo desfavor (os antigos qualificaram-na como impium remedium ou impium praesidium), a prescrição continua a ser reclamada pela boa organização das sociedades civilizadas, apresentando-se, entre nós, como uma excepção não privativa dos direitos de crédito (art.º 298º do Cód. Civil) e, por isso mesmo, inserida na sua parte geral, no capítulo relativo ao tempo e à sua repercussão sobre as relações jurídicas (art.ºs 296º a 327º do Cód. Civil).
IV - À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art.º 298º, n.º 1, do Cód. Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (art.º 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
(…).”
E como também se escreve no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.10.2016, in www.dgsi.pt, “I – A prescrição é uma causa extintiva de um direito decorrente da inércia do seu titular durante um determinado período de tempo e existe para garantir a segurança jurídica.”
Este instituto tem assento no direito laboral, no artigo 337.º do CT.
Nos termos do n.º 1 da referida norma, “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Assim, tendo a cessação do contrato de trabalho ocorrido no dia 19 de Abril de 2020, à luz daquela norma e como refere a decisão recorrida, o prazo de prescrição iniciar-se-ia no dia 20.04.2020 e a prescrição dos créditos laborais ter-se-ia por verificada às 24 horas do dia 20 de Abril de 2021.
Sucede, porém, que o prazo não se iniciou no dia 20.04.2020 nem findou às 24horas do dia 20 de Abril de 2021.
Senão vejamos:
No dia 19 de Março de 2021 foi publicada a Lei n.º 1-A/2020 que procedeu à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março (Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19) e aprovou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 (art.1.º da referida Lei).
De acordo com o artigo 2.º da mesma Lei “O conteúdo do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, é parte integrante da presente lei, produzindo efeitos desde a data de produção de efeitos do referido decreto-lei”.
E quanto à prescrição e caducidade referia o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.”
E de acordo com o n.º 4 do mesmo artigo “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
Por fim, dispõe o artigo 10.º da citada Lei que “A presente lei produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.
De acordo com o seu artigo 37.º, o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, produziu efeitos no dia da sua aprovação (12 de Março), com excepção do disposto nos artigos 14.º a 16.º, que produziu efeitos desde 9 de Março de 2020, e do disposto no capítulo VIII que produziu efeitos a 3 de Março de 2020.
Posteriormente, a Lei n.º 4-A/2020, de 06 de Abril alterou os artigos 7.º e 8.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, mantendo-se, no entanto, a anterior redacção do n.º 3 do artigo 7.º
Nos termos do artigo 5.º desta Lei (Norma interpretativa) “O artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.”
E de acordo com o artigo 6.º da mesma Lei:
“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a presente lei produz efeitos à data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.
2 - O artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação introduzida pela presente lei, produz os seus efeitos a 9 de março de 2020, com exceção das normas aplicáveis aos processos urgentes e do disposto no seu n.º 12, que só produzem efeitos na data da entrada em vigor da presente lei.”
Posteriormente, as Leis n.º 4-B/2020, de 6 de Abril e n.º 14/2020, de 9 de Maio, que também alteraram a Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, não introduziram alterações nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º.
Contudo, a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade que vigorava desde 9 de Março de 2020 veio a cessar com a Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, cujo artigo 8.º revogou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e que entrou em vigor no dia 3 de Junho de 2020.
 Sucede, porém, que, posteriormente, a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março o artigo 6.º-B que determinou nos números 3 e 4 o seguinte:
“3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão. “
E o n.º 1 do artigo 6.º-B estatuía: “1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
Por seu turno, o artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro determinou que o disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, produzia efeitos a 22 de Janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e actos processuais entretanto realizados e praticados.
A Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril (Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), que entrou em vigor no dia 6 de Abril de 2021 (art.7.º), no seu artigo 6.º procedeu, à revogação dos artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.
E o artigo 5.º da Lei n.º13-B/2021, de 5 de Abril estatuía que “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão. “
Regressando ao caso.
Não havendo dúvidas que a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade contemplados nos mencionados diplomas legais aplica-se ao prazo de prescrição previsto no artigo 337.º n.º 1 do CT (cfr. neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.03.2021, in www.dgsi.pt), em jeito de conclusão podemos afirmar que, por força das citadas Leis, o prazo de prescrição dos créditos laborais suspendeu-se de 9 de Março de 2020 a 2 de Junho de 2020, retomando a sua contagem no dia 03.06.2020 e de 22 de Janeiro de 2021 a 5 de Abril de 2021,
Ora, no caso, verifica-se que no dia 9 de Março de 2020, o prazo de prescrição dos créditos reclamados pela Autora ainda não se tinha iniciado. E no dia 20 de Abril de 2020, porquanto já tinha sido determinada a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição, o prazo de prescrição dos créditos da Autora nem se iniciou, o que só veio a suceder, conforme bem refere o despacho saneador, no dia 03.06.2020. E tendo-se iniciado no dia 03.06.2020,  também acompanhamos o entendimento do Tribunal a quo de que prescrição ter-se-ia por verificada no dia 03.06.2021.
Mas tal não sucedeu porque entre 22 de Janeiro e 5 de Abril de 2021, os prazos de prescrição e de caducidade voltaram a estar suspensos, suspensão que, assim, se prolongou por 74 dias.
Mas entende a Recorrente que não beneficia apenas de 74 dias de suspensão mas de 160 dias, aí se incluindo os dias de suspensão ocorridos de 9 de Março a 2 de Junho de 2020.
Entendemos que não lhe assiste razão.
Na verdade, o artigo 5.º da Lei n.º13-B/2021, de 5 de Abril (“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão) deve ser interpretado no sentido de que os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força daquela Lei são alargados pelo período correspondente à respectiva suspensão. No caso, uma vez que a suspensão do prazo de prescrição previsto no artigo 337.º n.º 1 do CT apenas se verificou de 22 de Janeiro a 5 de Abril, de 2021, obviamente que a Recorrente apenas podia beneficiar de 74 dias por serem os correspondentes ao período da sua suspensão.
Como refere o despacho saneador é certo que a expressão “ são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão” poderá induzir em erro. Contudo, entendemos que a norma em causa não suporta a tese defendida pela Autora pela simples razão de que o prazo de prescrição dos créditos por ela reclamados apenas se iniciou no dia 03.06.2020.
E porque o prazo a que alude o artigo 337.º do CT se iniciou apenas no dia 03.06.2020, a Recorrente não pode beneficiar do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, na medida em que tal prazo não estava na situação de suspenso; o prazo ainda não se tinha iniciado, o que só sucedeu a 03.06.2020, e leva a uma realidade bem diversa.
Na verdade, o “alargamento” a que alude o artigo 5.º da Lei n.º13-B/2021, de 5 de Abril  reporta-se ao período de suspensão correspondente, ou seja, aos prazos que hajam sido suspensos por força da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02. e que corresponde ao período de 22.01.2021 a 05.4.2021, num total de 74 dias.
Assim,  não merece reparo a decisão do Tribunal a quo ao concluir que o prazo de prescrição que inicialmente terminaria no dia 03-06-2021, viria a completar-se às 24 horas do dia 16-08-2021.
Quanto aos créditos decorrentes do alegado assédio moral:
Argumenta ainda a Recorrente que, de qualquer modo no que respeita aos pedidos formulados nas alíneas a), b), f) e g), a respectiva causa de pedir é uma conduta ilícita – o assédio – por parte do empregador ou seus agentes contra a Autora que se prolongou no tempo para lá da cessação do contrato de trabalho e cujo prazo de prescrição é de três anos e ainda não se iniciou.
Relembrando os pedidos formulados pela Autora nas alíneas a), b), f) e g):
a) Pagar à Autora a título de indemnização legalmente devida pela rescisão do contrato de trabalho pela Autora com justa causa, a fixar pelo Tribunal mas em montante não inferior a 80 090,88 €, acrescido dos juros legais contados desde a data da rescisão até efetivo e integral pagamento;
b) Pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos morais causados pela prática continuada de assédio pela Ré mesmo para além da cessação da relação laboral, a fixar pelo Tribunal mas de valor, simbólico, não inferior a 25 000 €;
f) Entregar à Autora declaração formal que esta possa usar como entender, onde reconhece a prática de assédio laboral sobre a Autora e se retrata de tais práticas, obrigando-se a abster-se, por si e pelos seus agentes, de lhes dar continuidade;
g) Tomar as medidas internas, designadamente, organizativas e disciplinares, que punam e corrijam as práticas de assédio laboral reconhecidas na presente ação e outras, e previna a sua repetição futura.
O pedido formulado sob a al.a) reporta-se, sem dúvida, a um crédito emergente da cessação do contrato de trabalho, cessação que, no caso, ocorreu mediante a alegação de justa causa de resolução do contrato de trabalho. Não vemos, pois, que o prazo de prescrição quanto a este crédito não esteja abrangido pelo artigo 337.º do CT.
Os pedidos reclamados nas alíneas b), f) e g) respeitam, por um lado, ao pagamento pela Ré de uma indemnização pela alegada prática de assédio moral relativamente à Autora e, por outro lado, à condenação da Ré a adoptar determinados comportamentos com conexão directa ao dito assédio moral.
Fundamentaram tais pedidos a alegação pela Autora de um conjunto de actos alegadamente praticados pela Ré através de vários dos seus agentes, como o director clínico, a directora do serviço onde a Autora se encontrava colocada e alguns dos seus subordinados, dos quais destacou formas de aviltamento e de desconforto laboral, como o isolamento, não colaboração, sonegação de informação, indeferimento como um atraso inexplicável de solicitações terapêuticas efetuadas pela Autora com prejuízo manifesto dos doentes, difamação perante doentes e seus familiares, não cumprimento das obrigações emergentes de contrato tripartido (BBB-Promotor- Investigadora) em ensaios em que a Autora é investigadora, a não distribuição das verbas recebidas dos promotores destinadas aos profissionais participantes nesses ensaios, atribuição à Autora de funções e tarefas profissionalmente humilhantes para a sua categoria, ficando, na prática, como coadjutora e sob a orientação de internos da especialidade, culminando com o esvaziamento de funções clínicas próprias da sua categoria e estatuto científico, o que se prolongou ao longo de cerca de dois anos e agravou quando da posição da Autora contra a perseguição disciplinar a dois colegas do serviço e até à saída da Autora do Hospital.
E, de acordo com a Recorrente, na senda dessa perseguição e já depois de cessada a relação laboral, a Ré participou criminalmente contra a Autora, com base em factos falsos e difamatórios o que a levou a apresentar uma denúncia na PGR contra a Ré.
Ora, o artigo 337.º n.º 1 do CT não enuncia uma lista dos créditos que abrange. A norma em causa utiliza um fórmula ampla que engloba todos os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.
Conforme escreve a Professora Doutora Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 3.ª Edição Revista e Actualizada ao Código do Trabalho de 2009, Almedina, pág. 1037, “o conceito de créditos laborais para este efeito é um conceito amplo, que inclui os créditos remuneratórios em sentido estrito e ainda os créditos que resultem da celebração e da execução do contrato de trabalho, da sua violação e cessação (art.337.º n.º 1).”
Entendemos que os pedidos a que aludem as als.b), f) e g) emergem da violação do contrato de trabalho, em especial, da obrigação de o empregador proceder de boa fé no cumprimento dos seus deveres (art.126.º n.º 1 do CT), da obrigação de respeitar e tratar o trabalhador com urbanidade e probidade (art.127.º n.º al.a do CT) e da obrigação de não praticar qualquer discriminação directa ou indirecta (art.25.º n.º 1 do CT).
É certo que o artigo 28.º do CT determina  que“ A prática de ato discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.”
Sucede que a prática do acto discriminatório que confere ao trabalhador o direito a ser indemnizado decorre da violação do contrato de trabalho durante a sua execução.
Como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.01.2020, in www.dgsi.pt “Com efeito, do citado art. 337º, nº 1, do CT/2009, tal como dos seus antecessores, decorre inequivocamente que têm eles por objecto não apenas os créditos estritamente remuneratórios, mas também os decorrentes da violação do contrato de trabalho, nos quais se incluem, pois, os decorrentes da obrigação de indemnização fundada na violação das normas convencionais (contrato individual de trabalho ou instrumento de regulamentação colectiva) ou legais que regulam o contrato de trabalho, reportem-se elas a obrigações principais ou acessórias deste decorrentes, neles se incluindo, pois e também, o crédito indemnizatório a que se referem os arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009, decorrente, no caso e segundo a Recorrente, de alegados atos consubstanciadores de assédio moral, sendo ainda de realçar que a factualidade em causa que constitui a causa de pedir invocada se reporta, alegada e essencialmente, ao incumprimento contratual pela Ré do normativo que disciplina o contrato de trabalho, mormente o relativo à alteração do horário de trabalho, à inexistência de mapa de férias, ao exercício de tarefas não compreendidas nas funções/categoria profissional, ao controlo do desempenho por videovigilância e a outros atos de controlo exercido pela Ré ao desempenho da actividade da A. e concreto modo em como o terá sido. Ou seja, assenta o alegado direito indemnizatório em atos praticados na execução do contrato de trabalho que a Recorrente entende serem violadores das normas que o regem e consubstanciadores de assédio moral, assim constituindo crédito, para os efeitos em questão, decorrente da violação do contrato de trabalho abrangido pelo art. 337º, nº 1, do CT/2009. Cfr., neste sentido, Acórdão da RL de 21.03.2012, Proc. 1015/10.6TTALM.L1-4, www.dgsi.pt., que entendeu que o crédito indemnizatório por danos não patrimoniais resultantes da situação de mobbing no decurso do contrato de trabalho são créditos laborais para efeitos da aplicação do prazo prescrional do art. 337º, nº 1, do CT/2009.
E, no mesmo sentido, cfr. também Diana Torneiro Gomes, in A responsabilidade Civil do Empregador Perante o Trabalhador Moralmente Assediado, DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM DIREITO PRIVADO Universidade Católica Portuguesa[2], págs. 16/17, em que refere o seguinte:
“(…) há que salientar que, quanto ao prazo de prescrição, ainda que estejamos no âmbito da responsabilidade contratual, não podemos aplicar o regime geral previsto no art. 309º CC (20 anos) porquanto o legislador previu expressamente um prazo de prescrição distinto para os créditos laborais (art. 337º CT), os que emergem do contrato de trabalho e da sua violação. Assim, estabelece o CT um ano de prazo prescricional (extintivo) a iniciar a sua contagem na data da ruptura da relação de dependência entre o empregador e o trabalhador (independentemente da forma de extinção do vínculo). Como o prazo prescricional inicia a sua contagem apenas após a cessação da relação laboral e como o trabalhador assediado, do nosso ponto de vista, não fica beneficiado se resolver o contrato (com justa causa), este prazo, ainda que diminuto, não colocará em causa o ressarcimento do trabalhador pelos danos sofridos com o assédio moral.”
A prescrição é um instituto por virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercício de um direito quando este não seja exercido durante o prazo fixado na lei e encontra o seu fundamento na protecção de interesses vários: a recusa de protecção de um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular no exercício do direito, a consolidação de situações de facto, a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica, a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, a necessidade de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos, a necessidade de promover o exercício oportuno dos direitos (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296º a 333º do Código Civil, Coimbra Editora, pág. 21/22).
O regime especial da prescrição no direito laboral, que se caracteriza pela inexistência de um prazo de prescrição na pendência do contrato de trabalho, mas, por outro lado, contrabalançado com um prazo prescricional mais curto findo o contrato, tem a sua razão justificativa na necessidade de protecção do trabalhador, parte mais desprotegida na relação jurídico-laboral face à subordinação jurídica e económica em que se encontra perante o empregador, mas, finda essa debilidade (com a cessação do contrato), na necessidade da paz social e da segurança jurídica e económica, que impõem que os direitos sejam rapidamente exercidos.
O entendimento da Recorrente contrariaria o regime especial previsto no direito laboral, bem como seu desiderato legal, permitindo a manutenção de uma situação de insegurança e incerteza jurídicas que o legislador, manifestamente, não pretendeu que se mantivesse no âmbito das relações jurídico-laborais após a cessação das mesmas, pelo que a ratio legis, citério interpretativo invocado pela Recorrente, não apoia a sua tese.
Acresce dizer que os arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009 sucederam ao art. 26º do CT/2003, diploma este que veio, pela primeira vez, reconhecer de forma expressa a figura do assédio, estipulando-se no art. 26º do então CT/2003, o que foi mantido, mas agora, nos arts. 28º e 29º, nº 3, do CT/2009, também de forma inequívoca e de modo a dissipar quaisquer eventuais dúvidas, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no que toca aos danos provenientes da discriminação e assédio ainda que ocorridos no âmbito da execução da relação jurídico-contratual existente entre o empregador e o trabalhador (ou provenientes de discriminação no que toca a candidato a emprego).
Por outro lado, também não procede o argumento de que o art. 337º do CT/2009, “não contende com o regime geral de prescrição, não implicando a derrogação de outros institutos da civilística em geral”, sendo que o regime constante do Cód. Civil, de natureza geral, não afasta o regime especial substantivo constante do Código do Trabalho, pois que a lei especial não poderá ser afastada pela lei geral (art. 7º, nº 3, do Cód. Civil). O Código do Trabalho, que é lei especial, é que afasta o regime geral do Cód. Civil.”
Em consequência, aos créditos reclamados a título de indemnização por assédio moral  e com eles conexionados, é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 337.º n.º 1do CT e não o prazo a que alude o artigo 498.º n.º 1 do CC, valendo, pois, nesta sede a conclusão que se retirou supra quanto aos demais créditos laborais.
Acresce que, como bem decidiu o despacho saneador recorrido, não se verificou qualquer causa interruptiva do prazo de prescrição pois a acção deu entrada no dia 25.08.2021, quando já tinha decorrido o prazo de prescrição previsto no artigo 337.º n.º 1 do CT; não se interrompe o que já findou.
Por fim, no que concerne aos factos alegadamente praticados pela Ré contra a Autora depois de cessada a relação laboral, entendemos que a presente acção não é o meio próprio para proceder à sua apreciação, pelo que não releva para o caso a circunstância de, quanto a eles, o prazo de prescrição ter, ou não ter, se iniciado.
Em conclusão, não merece reparo a decisão do Tribunal  a quo ao considerar que os créditos reclamados pela Recorrente prescreveram.
*
Analisemos, por fim, se a Ré renunciou à prescrição relativamente a todos os pedidos.
A este propósito invoca a Recorrente, em resumo,  que  não existe em Direito a figura da renúncia parcial da prescrição, que estão manifestamente observados os demais pressupostos da renúncia tácita da prescrição e que a renúncia opera in totum relativamente à prescrição a que respeita, que no caso da prescrição do artigo 337.º do CT, a renúncia implica a ineficácia da prescrição (e o reinício de novo prazo de um ano) de prescrição de «crédito emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação», que ao renunciar à prescrição a Ré admite discutir todos os créditos emergentes do contrato de trabalho cuja data de cessação originou a prescrição renunciada, que admitida, como o foi na sentença recorrida, a renúncia da prescrição por parte da Ré de forma inequívoca quanto a uma particular pretensão da petição inicial, tem aquela de ser entendida abrangendo todos os efeitos decorrentes do prazo prescricional sobre a cessação do contrato de trabalho em causa incluindo créditos emergentes do mesmo contrato porventura não evocados na presente ação e que os actos praticados pela Ré na contestação, bem como nas sessões de conciliação e audiência prévia, permitem deduzir a vontade tácita da Ré de discutir todas as pretensões da Autora.
Apreciando:
Estatui o artigo 302.º do CC sob a epígrafe (Renúncia da prescrição):
“1. A renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional.
2. A renúncia pode ser tácita e não necessita de ser aceita pelo beneficiário.
3. Só tem legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado.”
Como elucida o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.07.2010, in www.dgsi.pt, “São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais de prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera (artigo 300º). Por outro lado, “a renúncia à prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional” (artigo 302/2).
A renúncia, que opera sem necessidade de aceitação do beneficiário, consiste na manifestação unilateral de vontade da pessoa a quem aproveita a prescrição que desiste da sua invocação. E tal manifestação de vontade, de natureza receptícia, não obedece a forma especial (v. Ac. do STJ, de 01/10/98, em ITIJ/net, proc, 97B912), podendo ser expressa ou tácita, mas, neste caso, deverá assentar em factos concludentes que, interpretados nos termos do artigo 236º/1, revelem inequivocamente que o beneficiário da prescrição a ela renuncia.
Como decorre do artigo 302º/1, a renúncia só é válida quando ocorre após o decurso do prazo prescricional, não sendo admissível a renúncia prévia à prescrição. Só depois de decorrido esse prazo, poderá o beneficiário da prescrição a ela renunciar, desistir do direito de a invocar e limita-se ao prazo decorrido, não obstando ao decurso de novo prazo de prescrição ulteriormente (v. Ac. STJ, de 05/05/94, em ITIJ/net, proc. 083149 - assento).
Só pode renunciar quem pode invocar a prescrição (artigo 302º/3) e para ser eficaz necessário é que a declaração de renúncia seja conhecida da pessoa a quem aproveita e a ela dirigida.”
No caso presente mostra-se decorrido o prazo prescricional e a Ré tem legitimidade para renunciar à prescrição.
Mas poderá a Ré renunciar parcialmente à prescrição?
Na acta da audiência de partes que se realizou no dia 06.10.2021 consta o seguinte:
“Aberta a audiência, foi tentada a conciliação das partes, a qual, por ora, não se mostrou possível, uma vez que a ré apenas reconhece ser devedora dos montantes respeitantes a ensaios clínicos efectivados pela equipa da autora aguardando todavia esclarecimentos da mesma a fim de proceder à respectiva liquidação, contestando quanto ao mais as pretensões da autora pelas razões que exporá em sede de contestação.”
Nos artigos 134.º a 140.º da contestação a Ré invocou:
134. Relativamente ao artigo 113 da p.i., é verdade que existem verbas por pagar à equipa de investigação nos estudos identificados na contacorrente, que se junta como Doc. 10 e se dá aqui como reproduzido, nos quais a Autora intervém como investigadora principal.
135. Porém, assim é, porquanto a Autora (ainda) não informou quais os valores a distribuir pela dita equipa e que assim permitisse ao Réu efetuar os devidos pagamentos em falta.
136. Com efeito, nos anteditos contratos financeiros, que se juntam como Doc. 11 a Doc.18 e se dão aqui como reproduzidos, não é indicada a percentagem que cabe a cada um dos elementos da equipa de investigação, pelo que, como a Autora bem sabe, cabe à mesma prestar a antedita informação aos serviços de gestão financeira do Réu (o que ainda não se verificou).
137. De acordo com o determinado nos contratos financeiros em apreço, a título de exemplo, veja-se o Doc. 11, nº 12 “DISTRIBUIÇÃO E CALENDARIZAÇÃO DO PAGAMENTO”, pág. 6 (12) “65% para o Investigador Principal e Equipa de Investigação, cabendo ao Investigador Principal definir como será feita a distribuição desta verba”. (nosso sublinhado).
138. Acresce que o Réu remeteu em 28/05/2021, por email, a informação solicitada pelo Ilustre Mandatário da Autora (cópia de contratos financeiros e contacorrente), com vista ao fecho de contas em sede dos ensaios clínicos, conforme Doc. 21, que se junta em anexo e se dá aqui como reproduzido. Porém, não se logrou encontrar resposta por parte da Autora ou seguimento a este último email.
139. Não obstante, o Réu, assumindo que por lapso material de que se penitencia já poderia ter feito insistência (s), irá insistir com a Autora no sentido de obter a dita informação em falta (que cabe à Autora prestar).
140. Termos em que, não existindo qualquer incumprimento da parte do Réu, não são devidos quaisquer juros de mora.
No mais que se prende com os créditos reclamados, a Ré impugnou os factos alegados pela Autora.
Por fim, da acta da audiência prévia que se realizou no dia 04.02.2022,  consta:
“(…)aberta a audiência, tendo as partes transmitido que apesar das negociações havidas não foi possível a obtenção de acordo uma vez que o montante que a Ré estaria disposta a pagar à Autora numa óptica de resolução amigável do litígio e sem conceder quanto à razão desta (nomeadamente uma compensação de €20.000,00, acrescida do montante que a Ré entende estar em dívida à Autora relativamente aos ensaios clínicos e que ascende a €12.881,27) fica bastante aquém do valor mínimo que a Autora estaria disposta a aceitar para pôr termo à acção uma vez que a mesma, pelas razões que constam da petição inicial, não abdica do valor por si peticionado a título de indemnização pela resolução do contrato com o fundamento em assédio, para além de que entende que quanto aos ensaios clínicos o valor em dívida é consideravelmente superior mais concretamente o que consta do seu requerimento de 24/01/22 (€36.983,02).
Tendo as partes sido instadas a uma aproximação com vista ao eventual acordo, atendendo às questões que estão suscitadas nos autos, pela Ré foi referido existir alguma flexibilidade para melhorar a proposta de compensação e rever os cálculos do valor dos ensaios clínicos, mas em valores que nunca atingiriam o peticionado pela Autora atrás referido.”
Ora, da contestação e da audiência de partes resulta, com clareza, que a Ré apenas reconheceu dever à Autora créditos relativos aos ensaios clínicos, não no valor que a Autora aponta mas em valor que entende ser inferior e que deverá ser apurado.
E, apesar de na audiência prévia a Ré ter demonstrado haver da sua parte alguma flexibilidade para alcançar um acordo quanto à compensação pela cessação do contrato de trabalho e para rever os cálculos do valor dos ensaios clínicos, considerando as regras da declaração negocial previstas no artigo 236.º do CC, não descortinamos que a sua actuação integre uma renúncia à prescrição no que respeita à dita compensação pela cessação do contrato de trabalho, na medida em que a Ré não declarou aceitar os fundamentos desse pedido, admitindo apenas a possibilidade de as partes chegarem a um acordo.
Assim, resta concluir, como fez o Tribunal a quo, que a Ré renunciou à prescrição apenas e tão só quanto aos créditos devidos pelos ensaios clínicos, o que configura uma renúncia parcial à prescrição.
E entendemos ser possível a renúncia parcial à prescrição pela seguinte ordem de razões: em primeiro lugar, o artigo 302.º do CC não distingue se a renúncia opera in totum ou parcialmente, pelo que “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”; em segundo lugar, a renúncia cingiu-se a um crédito individual e concreto, o relativo aos ensaios clínicos nos quais participou a Autora e que é cindível dos demais créditos; e em terceiro e último lugar, no  caso vale o brocardo “quem pode o mais, pode o menos”.
Com efeito, verificada que estava a prescrição relativamente aos créditos da Autora e podendo a Ré dispor do benefício que a prescrição tinha criado, nada impedia que renunciasse à prescrição relativamente a um ou a um bloco de créditos cuja prescrição invocara.
Por conseguinte, nada há a censurar à decisão recorrida, pelo que improcede o recurso

Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam o despacho saneador recorrido.
Custas do recurso pela Recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Novembro de 2022
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Duro Mateus Cardoso