EXECUÇÃO
LEILÃO ELETRÓNICO
PROPOSTAS DE AQUISIÇÃO
AUDIÇÃO DOS INTERESSADOS
NULIDADE DA VENDA
Sumário

I – A apresentação pela mandatária dos executados de propostas de aquisição do prédio penhorado, quer em nome de terceiros, quer em seu próprio nome, constituindo conduta violadora do disposto nos arts. 99.º, n.º 3, e 100.º, n.º 1, al. d), do Estatuto da Ordem dos Advogados, não origina a ineficácia nem a invalidade dos atos processuais praticados, pelo que inexistia fundamento legal para tais propostas não serem tomadas em consideração.
II – Assim, a decisão da agente de execução de aceitar a proposta, de valor inferior, de aquisição apresentada pelo exequente foi tomada ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art. 825.º do CPCiv., com base no pressuposto, errado, de se tratar da “proposta de valor imediatamente inferior”, para além de não ter ouvido, como imposto por lei, os interessados antes de determinar que a venda ao primeiro proponente ficasse sem efeito, por falta de depósito do preço, e que fosse aceite a proposta de valor imediatamente inferior.
III – Tal determina que se dê sem efeito a venda, para cumprimento das formalidades legais omitidas.

Texto Integral


Processo n.º 6054/12.0TBLRA

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

No âmbito da execução para pagamento de quantia certa instaurada pelo Banco 1... S.A. contra, entre outros, AA, BB e CC, a agente de execução decidiu vender através de leilão electrónico os bens penhorados, entre eles o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...78 e na matriz predial rústica sob o artigo ...22, da União de freguesias ... e AA.

O leilão electrónico da venda do imóvel terminou no dia 2-06-2021.

A proposta com o valor mais alto para aquisição do imóvel foi a de 71 407,00 (setenta e um mil e quatrocentos e sete euros), apresentada pela Ex.ma mandatária dos executados em representação de DD.

Dado que este proponente não depositou o preço no prazo legal, a agente de execução notificou, através da plataforma e-leilões, o segundo melhor proponente.

A plataforma e-leilões identificou como segundo melhor proponente o Banco exequente, com uma proposta de aquisição no valor de 65 300,00 euros.

A agente de execução decidiu aceitar o preço oferecido pelo exequente por o valor dele ser superior ao estabelecido para a venda do imóvel.

Mais decidiu, ao abrigo do n.º 1 do artigo 815.º do CPC, dispensar o exequente do depósito do preço, na parte que excedesse o valor das custas devidas a juízo e as despesas e honorários devidos ao agente de execução.

Os executados reclamaram contra a decisão da agente de execução com os seguintes fundamentos:
· Não correspondia à verdade que o segundo melhor proponente tenha sido o exequente;
· Antes da tomada da decisão devia a agente de execução ter procedido à notificação do segundo melhor preferente, facto que não se veio a verificar;
· Não foi concedido prazo às partes para se pronunciarem quanto à decisão do agente de execução;
· Mesmo que assim se não entendesse, a decisão da agente de execução só podia ser validamente tomada após o decurso do prazo a conceder expressamente, por esta, aos executados no sentido de se pronunciarem sobre os termos da proposta de adjudicação;
· Deveria a agente de execução rectificar o procedimento adoptado no âmbito da venda tramitada nos autos e, caso tal não se verificasse, a presente venda não poderia deixar de ser considerada nula e de nenhum efeito.

O exequente respondeu à impugnação, sustentando que não existia qualquer nulidade no procedimento de venda. Para o efeito alegou:
· Que ele, exequente, havia sido identificado pela plataforma e-leilões como segundo melhor proponente;
· Que se a plataforma da OSAE identificou o exequente como o segundo melhor proponente, desconhecia o que levava a os executados a alegar que não correspondia à verdade que o segundo melhor proponente fosse o exequente;
· Que a melhor proposta, cujo preço não foi depositado, foi apresentada pela mandatária dos executados que persistia em obstaculizar os autos com expedientes dilatórios e litigar manifestamente de má fé, nos termos do artigo 542.º do CPC.

O exequente, notificado da junção da certidão integral do encerramento do leilão electrónico, veio alegar em síntese:
· Que resultava de tal certidão a má fé da litigância dos executados (por lapso escreveu executado), com clara responsabilidade da sua mandatária;
· Que a mandatária dos executados foi ao leilão electrónico com o evidente propósito de o perturbar;
· Que ela mais não tem feito do que tentar impedir a venda de forma ilegítima e contrária à sua própria deontologia profissional.

Requereu se desse conhecimento da actuação da mandatária dos executados à Ordem dos Advogados para efeitos disciplinares que entendesse convenientes e a condenação da mandatária dos executados em severa multa, a título pessoal, a apurar segundo o prudente arbítrio do tribunal.

A mandatária dos executados respondeu ao requerimento, opondo-se à sua condenação em multa a título pessoal. Para o efeito alegou, em síntese, que não tinha ido ao leilão electrónico com o propósito de o perturbar, que era verdade que havia licitado no leilão, em representação de terceiros, mas que tal não estava legalmente proibido ou restringido, e que considerava que não havia infringido os artigos do Estatuto da Ordem dos Advogados invocados pelo exequente.

Após pedidos de esclarecimento à agente de execução e a realização de diligências tendentes a identificar os interessados que apresentaram propostas de aquisição do imóvel, a Meritíssima juíza do tribunal a quo decidiu:
a) Julgar improcedente a reclamação contra o acto da agente de execução por a primeira, a segunda e a terceira propostas apresentadas em leilão electrónico terem sido apresentadas em violação dos artigos 90.º, 99.º, 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados e com o fito de protelar a acção de justiça nos termos do artigo 542.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do C.P.C.;
b) Dar conhecimento, nos termos do artigo 545º do C.P.C., do teor da decisão à Ordem dos Advogados para os fins ali previstos, bem como, para eventual procedimento disciplinar.
c) Condenar cada um dos executados AA, BB e CC, como litigantes de má-fé, em multa de três UC (cfr. art. 27.º do Regulamento das Custas Judiciais) e em indemnização a favor da exequente a fixar posteriormente nos termos previstos no art.º 543.º, n.º 3, do CPC;
d) Aplicar aos executados uma multa no valor de 2 UC, nos termos do artigo 723º, n.º 2 do C.P.C. uma vez que a pretensão deles era manifestamente injustificada.

Os executados não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse do despacho recorrido e se substituísse o mesmo por decisão que determinasse a nulidade da venda e os absolvesse das condenações.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:
1. O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu a arguição de nulidade e, consequentemente, a anulação do leilão suscitada pelos ora recorrentes.
2. Os recorrentes não se conformam com o despacho recorrido, por entenderem que tribunal a quo efectuou uma incorrecta aplicação da lei, violando o disposto no artigo 837º do Código Proc. Civil.
3. Nos presentes autos foram os ora recorrentes notificados da decisão proferida no sentido da aceitação do preço oferecido pelo exequente, ora recorrido.
4. Sucede, porém, que, salvo o devido respeito que é muito e melhor opinião, consideram os ora recorrentes que a douta decisão ora em apreço andou mal ao considerar como isento de vício o fato de a Ilustre agente de execução ter inserido a informação de que o primeiro proponente não havia procedido ao depósito do preço e o facto de a plataforma e-leilões ter dirigido a notificação ao exequente tendo desconsiderado as propostas apresentadas, alegadamente, pelo mesmo proponente.
5. Na verdade, verificou-se uma preterição das regras do leilão, previstas no artigo 837º do Código do Processo Civil.
6. Duas das propostas não foram apresentadas pelo mesmo proponente, mas sim por proponentes diferentes. Trataram-se de actos praticados no âmbito de uma representação legal consubstanciada em mandato expressamente conferido para o efeito.
7. Conforme resulta da certidão do leilão electrónico, não corresponde à verdade que o segundo melhor proponente tenha sido o exequente, ora recorrido.
8. Porquanto, antes da tomada da decisão de adjudicação, deveria a agente de execução ter procedido à notificação do segundo melhor proponente, facto que não se verificou.
9. Acresce que não foi concedido prazo as partes para se pronunciarem quanto à douta decisão da agente de execução.
10. Mesmo que assim não se entendesse, e sem conceder, consideram os ora recorrentes que a decisão da agente de execução só poderia ser validamente tomada após o decurso do prazo a conceder expressamente, por esta, aos Executados, ora recorrentes, no sentido de se pronunciarem sobre os termos da proposta de adjudicação
11. Contrariamente ao alegado do despacho ora em apreço a Mandatária dos Executados, ora recorrentes, não foi ao leilão electrónico com o evidente propósito de o perturbar.
12. É verdade que a mandatária dos executados, ora recorrentes, licitou no leilão, designadamente, em representação de terceiros, v.g., dos Exmos. Senhores DD e EE.
13. Conforme referido anteriormente, os proponentes em causa não foram efectivamente notificados para efectuar qualquer depósito.
14. Só na eventualidade de a aludida notificação ter sido efectuada e caso o preço não tivesse sido depositado poderia a agente ter adjudicado o bem penhorado ao exequente,
15. Porquanto, considera a ora subscritora, mandatária dos executados, ora recorrentes, que não infringiu os artigos do Estatuto da Ordem dos Advogados plasmados no despacho sub judice.
16. Com efeito, o que se verifica nos presentes autos, salvo o devido respeito, que é muito, e melhor opinião, é que preterição das regras estabelecidas para o leilão, essa sim foi a falha processual verificada e da qual não restam quaisquer duvidas.
17. Não podem os Executados, ora recorrentes, ser acusados de sustentarem pretensão manifestamente injustificada e, bem assim, ser a sua mandatária acusada de proceder de forma dolosa ao apresentar propostas de aquisição em representação de terceiros.
18. Consequentemente, entendem os ora recorrentes que não se verifica qualquer motivo para que seja dado conhecimento à Ordem dos Advogados, para efeitos disciplinares, sem prejuízo de na presente, e não obstante a decisão em apreço não ter transitado em julgado, essa comunicação já se ter verificado, ao arrepio do respeito pelas regras do contraditório e da igualdade das partes. Concomitantemente, entendem os ora recorrentes que o pedido de condenação em multa a título pessoal carece de todo e qualquer fundamento.

O Banco respondeu, sustentando a manutenção da decisão recorrida. Para o efeito alegou:

(…).


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

Saber se a decisão recorrida é de revogar e de substituir por decisão que determine a nulidade da venda ao exequente e que absolva os executados das condenações como litigantes de má e no pagamento de multa, com fundamento no n.º 2 do artigo 723.º do CPC.


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Para a decisão do recurso relevam os antecedentes processuais da decisão recorrida e ainda os seguintes factos provados pela certidão de encerramento do leilão electrónico e pela informação prestada, em 13-12-2021, pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução:
1. Foram apresentadas 5 propostas para aquisição do prédio penhorado:
a) Uma proposta de aquisição pelo preço de 71 407,00 euros, apresentada pela mandatária dos executados em representação de DD.
b) Uma proposta de aquisição do prédio pelo preço de 70 700 euros, apresentada pela mandatária doas executados em representação de EE.
c) Uma proposta de aquisição do prédio pelo preço de 70 000 euros, apresentada em nome da mandatária dos executados.
d) Uma proposta de aquisição do prédio pelo preço de 65 300 euros, apresentado pelo mandatário do exequente em nome do exequente;
e) Uma proposta de aquisição do prédio pelo preço de 36 235,28 euros por FF em representação de R..., Limitada.
2. A agente de execução inseriu na plataforma e-leilões a informação de que o proponente que apresentara o preço mais alto não havia procedido ao depósito do preço e accionou a notificação do segundo melhor proponente.
3. A plataforma e-leilões remeteu a comunicação ao exequente, sem considerar todas aquelas que tinham sido submetidos em segundo e terceiro lugar, considerando-as apresentadas pelo melhor proponente.

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Descritos os factos, passemos à resolução das questões acima enunciadas.

A primeira é a de saber se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a impugnação deduzida pelos executados contra a decisão da agente de execução de aceitar a proposta de aquisição do imóvel penhorado, apresentada por parte do Banco exequente, é de revogar e de substituir por decisão que determine a nulidade da venda ao exequente. 

A decisão sob recurso justificou a improcedência da impugnação com base, em síntese, nas seguintes razões:
· As três primeiras propostas apresentadas no leilão electrónica foram apresentadas com violação dos artigos 90.º, 99.º e 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados;
· Tais propostas foram apresentadas com o fito de protelar a acção da justiça nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d) do CPC [por lapso a decisão recorrida referiu n.º 1, alínea d)].

Os recorrentes impugnam a decisão com uma dupla linha argumentativa:

A primeira linha é constituída pela seguinte alegação:
· Que a agente de execução tinha o dever de notificar o segundo melhor proponente;
· Que não foi concedido às partes prazo para se pronunciarem quanto à decisão do agente da execução;
· Que a decisão do agente de execução só podia ser tomada após decorrer o prazo para os executados se pronunciarem sobre os termos da proposta de adjudicação.

A segunda linha argumentativa é constituída pela alegação de que mandatária dos executados não foi ao leilão electrónico com o propósito de o perturbar e não infringiu os artigos do Estatuto da Ordem dos Advogados indicados na decisão recorrida.

O recurso é de julgar procedente, embora não pelas exactas razões alegadas pelos recorrentes.

Apreciemos, em primeiro lugar, a questão da apresentação das propostas com violação dos artigos 90.º, 99.º e 100.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

A conduta da mandatária dos executados que está em questão consistiu na apresentação, em nome de DD e de EE, de propostas de aquisição do prédio penhorado, e na apresentação de uma proposta em seu próprio nome.

Vista esta conduta à luz dos deveres que impendiam sobre a Ex.ma mandatária dos executados, enquanto advogada, entendemos que ela infringiu os seguintes deveres:
· O previsto no n.º 3 do artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, concretamente o dever de não representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes;
· O previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 100.º do mesmo Estatuto, concretamente o dever de não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas.

Vejamos.

O primeiro dever acima indicado foi infringido pela Ex.ma advogada dos executados porque, ao apresentar propostas de aquisição do imóvel, em representação de DD e de EE, ela passou a representar dois ou mais clientes no processo de execução, quando havia conflitos entre os interesses desses clientes, concretamente:
· Havia conflito entre os interesses dos executados e os de DD e de EE, pois enquanto aqueles tinham interesse em que a venda do imóvel se fizesse pelo maior preço, estes estavam interessados em comprar pelo menor preço possível;
· Havia conflito entre os interesses de DD e os de EE, visto que, ao passo que aquele tinha interesse em ser ele a adquirir o imóvel, este tinha interesse em ser ele o comprador por um preço mais baixo.

O segundo dever acima indicado foi infringido pela Ex.ma advogada, ao apresentar ela própria, em seu nome, uma proposta de aquisição do prédio.

Na verdade, apesar de, segundo a letra da alínea d) do n.º 1 do artigo 100.º do EOA, o dever que o advogado tem para com o cliente é o de não celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objecto das questões confiadas e de, no caso, a Ex.ma advogada dos executados não ter celebrado nenhum contrato, a verdade é que cabe no espírito do preceito o dever de o advogado não apresentar propostas de celebração, em proveito próprio, de contratos sobre o objecto das questões confiadas. Ora, a apresentação, no âmbito de uma venda em leilão electrónico, por parte do advogado dos executados, de uma proposta de aquisição de um imóvel penhorado a esses mesmos executados, deve equiparar-se à apresentação de uma proposta de celebração, em proveito próprio, de contrato sobre o objecto de uma questão que lhe está confiada.

Segue-se do exposto que, ao apresentar, na venda em leilão electrónico, propostas, em nome de DD e de EE, de aquisição do imóvel em nome e ao apresentar ela própria, em seu nome, uma proposta de aquisição do imóvel, a Exm.a advogada violou clara e grosseiramente o dever previsto no n.º 3 do artigo 99.º e o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 100.º, ambos do EOA.

Sucede que os actos praticados pelo advogado com violação de tais deveres não são nulos ou ineficazes. São válidos. Logo, a circunstância de a primeira, a segunda e a terceira propostas terem sido apresentadas pela advogada dos executados, com violação de alguns dos seus deveres de advogada, não constituía fundamento legal para tais propostas não serem tomadas em consideração.

Apreciemos, agora, a questão da apresentação das propostas com o fito de protelar a acção da justiça nos termos do artigo 542.º, n.º 1 e n.º 2 alínea d) do CPC.

Segundo a decisão recorrida as 3 primeiras propostas foram apresentadas com o fito deliberado de, de forma consecutiva, ir omitindo o depósito do preço, para assim almejar que ficasse deserto o leilão, desencadeando-se nova venda, com os inerentes custos para o processo e protelamento e que os executados tinham conhecimento deste propósito.  

Sobre esta questão cabe dizer que as circunstâncias do processo revelam várias condutas da Ex.ma advogada dos executados, dos executados e dos proponentes que não são normais.  Assim:
· Não é normal que a advogada dos executados apresente propostas em nome de terceiros que têm interesses conflituantes com os dos executados e que ela própria apresente uma proposta em seu nome para aquisição do imóvel;
· Não é normal que um proponente não deposite o preço depois de a sua proposta ser aceite;
· Não é normal que os executados venham arguir a nulidade da venda feita ao exequente sob a alegação de que não era dele a melhor proposta, sem identificarem quem era a melhor proposta, embora revelando saber que tinha havido outra proposta melhor do que a do exequente;
· Não é normal que a mandatária dos executados, notificada para esclarecer quantas propostas submeteu ao leilão electrónico em causa, não tenha respondido.

Esta pluralidade de circunstâncias legítima a suspeita de que houve uma combinação entre a Ex.ma advogada dos executados, os executados e os proponentes no sentido de apresentarem propostas diferentes e de não depositarem o preço, no caso de tais propostas serem aceites, com o propósito de protelarem a venda.

Porém, uma coisa é a suspeita legítima e outra, diferente, é a convicção segura de que a Ex.ma advogada dos executados em combinação com os executados e os proponentes quiseram protelar a venda. E em relação a esta convicção segura, o entendimento deste tribunal é a de que a conduta da Ex.ma advogada, e a dos executados propoentes, representados pela Ex.ma advogada, e as demais circunstâncias do processo não a permitem formar. Para tanto, seria necessário que a segunda e a terceira propostas tivessem sido sucessivamente aceites pela agente de execução e que nenhum dos proponentes depositasse o preço. Aí, sim, poderia formar-se a convicção segura de que, na realidade, os proponentes não queriam adquirir o imóvel, mas tão só protelar a venda.

Não se podendo formar uma convicção segura sobre a intenção dos propoentes de protelarem a venda do bem penhorado, não pode esta circunstância ser oposta aos executados para julgar improcedente a impugnação deduzida por eles contra a decisão da agente de execução de aceitar a proposta do exequente.

Segue-se do exposto que a decisão recorrida incorreu em erro, quando julgou improcedente a impugnação contra a decisão da agente de execução com as razões acima indicadas.

Importa, agora, responder à questão de saber se tal decisão é de substituir por decisão que determine a nulidade da venda ao exequente. 

A resposta a esta questão também é afirmativa.

A decisão da agente de execução de aceitar a proposta de aquisição apresentada pelo exequente foi tomada ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 825.º do CPC, com base no pressuposto de que tal proposta era a “proposta de valor imediatamente inferior”. Observe-se que este preceito, apesar de estar inserido nas disposições reguladoras da venda mediante propostas em carta fechada, é aplicável à venda em leilão electrónica – a modalidade da venda observada na venda do imóvel em questão nos auto – por remissão do artigo 25.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 45/2013, de 28/10, e alterada pelas Portarias números 233/2014, de 14/11, 349/2015, de 13710, 267/2018, de 20/09, e Portaria n.º 239/2020, de 12/10.

Sucede que a agente de execução laborou em erro, visto que a segunda melhor proposta havia sido apresentada pela Ex.ma mandatária dos executados em representação de EE (proposta no valor de 70 700,00 euros).  

É certo que o erro em que ela laborou não lhe é imputável. Tal erro é de imputar à plataforma informática e-leilões. Na verdade, a agente de execução accionou em tal plataforma a notificação do segundo melhor propoente, mas o sistema informático remeteu a notificação para o exequente, desconsiderando as outras propostas superiores às dele. E desconsiderou-as por considerar que elas foram submetidas pelo melhor proponente, o que não era exacto.  Trata-se, pois, de um erro que, à semelhança do que sucede com os erros praticados pela secretaria judicial, não pode prejudicar as partes (n.º 6 do artigo 157.º do CPC), neste caso os executados.

Além de ter laborado em erro quanto à proposta de valor imediatamente inferior, a agente de execução não ouviu, como lho impunha o n.º 1 do artigo 825.º do CPC, os interessados antes de determinar que a venda ao primeiro proponente ficasse sem efeito, por falta de depósito do preço, e que fosse aceite a proposta de valor imediatamente inferior.

Segue-se do exposto que a decisão da agente de execução de aceitar a proposta de aquisição do imóvel penhorado apresentada pelo Banco foi tomada sem observância de uma formalidade prescrita na lei (audição dos interessados) e com base em erro quanto à proposta de valor imediatamente inferior.

Em consequência a decisão que se impunha era a de julgar procedente a impugnação e, em consequência, dar sem efeito a venda ao exequente e ordenar à agente de execução que, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, ouvir o exequente e os executados, para, em seguida, decidir em conformidade com o que permite esse preceito.


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Vejamos, por último se é de revogar a decisão que condenou os executados como litigantes de má fé e no pagamento de uma multa no valor de 2UC nos termos do artigo 723.º, n.º 2, do CPC.

O recurso também procede nesta parte.

A condenação dos executados como litigantes de má fé não pode subsistir porque ela teve por por fundamento a dedução de pretensão cuja falta de fundamento não podiam ignorar, e este tribunal reconheceu que a pretensão deles tinha fundamento.

A condenação ao abrigo do n.º 2 do artigo 723.º do CPC também não pode subsistir porque ela tem lugar quando a pretensão for manifestamente injustificada e não está nesta situação a reclamação dos executados ora recorrentes contra a decisão da agente de execução.


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Decisão:

Julga-se procedente o recurso e, em consequência:
1. Revoga-se a decisão recorrida;
2. Substitui-se a decisão recorrida por decisão que, julgando procedente a impugnação da decisão da agente de execução, dá sem efeito a venda ao exequente e determina que a agente de execução, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 825.º do CPC, ouça os interessados na venda e profira nova determinação em conformidade com o que permite o n.º 1 de tal preceito.


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Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o exequente ter ficado vencido no recurso, condena-se o mesmo nas respectivas custas.

Coimbra, 12 de Julho de 2022