ACIDENTE DE VIAÇÃO
MORTE DO LESADO
NEXO DE CAUSALIDADE
CIRCUNSTÂNCIAS EXCECIONAIS
QUEBRA NO PROCESSO CAUSAL
Sumário

I – Em termos de nexo de causalidade, o dano é provável sempre que a sua ocorrência, segundo a ordem das coisas e a experiência da vida, se apresente como normal e típica – adequada.
II – O facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto.
III – Se, após acidente de viação, a morte do lesado resultou da medicação que lhe foi prescrita, não para tratamento das lesões decorrentes do acidente, mas para obstar a reação ocorrida a medicamentos destinados ao tratamento de complicações intestinais – óbito causado por uma bactéria que surgiu no intestino na sequência da toma de antibiótico, provocando complicações de saúde que o lesado não aguentou, fruto das comorbilidades de que já padecia –, é de afastar o nexo de causalidade entre o acidente e a morte.

Texto Integral


SR
Tribunal da Relação de Coimbra
Secção Cível
Rua da Sofia - Palácio da Justiça - 3004-501 Coimbra
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Processo n.º4571/18.7T8CBR
(Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz 2)



Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório
AA, casada, residente em Rua ...- ..., contribuinte fiscal ... (falecida na pendência da causa, sendo herdeiros habilitados o cônjuge BB, residente na Rua ..., ..., ... e o seu filho CC, residente na Rua ..., ...) veio nos termos dos artigos 72.º n.º 1 alínea h) do CPP e 495.º e 496.º do CC, deduzir acção de indemnização cível, contra DD, solteiro, maior, residente em Rua ..., ... ( entretanto já absolvido da instância, cf. despacho de 10-12-2018, refª 78885155), e Companhia de Seguros Tranquilidade, com sede na Avenida ..., ..., ... ..., pretendendo obter pagamento de compensação a si, seus irmãos e seus sobrinhos, (d)o montante de € 46.170,00 (quarenta e seis mil e cento e setenta euros), igualmente dividido” a título de morte e despesas] e “a título indemnizatório [a si] seus irmãos e seus sobrinhos, por danos não patrimoniais/ morais, do montante de € 10.000, 00 (dez mil euros), igualmente dividido, na medida em que o seu pai sofreu em 10 de Novembro de 2013 pelas 13h40m, atropelamento, quando caminhava junto ao arruamento de ... / Largo ..., de veiculo conduzido pelo 1º réu, tendo-o deixado imobilizado e com ferimentos no rosto, advindo desse atropelamento e por força do embate do veículo fratura dos ossos do nariz, do septo nasal e da parede do seio frontal, levando a urgente internamento no Serviço de Cirurgia M...; lesões tão gravosas que levaram ao tratamento através de antibióticos, levando posteriormente ao surgimento de um quadro clínico diarreico infecioso; o estado de saúde agravou-se, no período da doença de 110 dias, acabando pelo mesmo falecer em 28/02/2014, comprovando-se nexo de causalidade entre o atropelamento e o óbito cf, relatório medico que é doc. 2; tal acidente levou à incapacidade de trabalhar por parte do pai da autora, gerou elevado número de despesas no período em que o mesmo se encontrava em tratamentos e igualmente incapacitado- achou-se 110 dias incapacitado; por esse facto, foram os seus familiares diretos identificados como ofendidos no processo de inquérito 150/14...., suportando as despesas atinentes ao tratamento da vítima EE; constituiu-se assistente nesses autos de inquérito, em virtude de ser a cabeça de casal; a referida seguradora apresentou proposta final indemnizatória num montante de € 1.954,62 (mil novecentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos) irreal, insuficiente para suprir as despesas da autora e seus irmãos e muito menos compensar a dor, angústia e sofrimento da perda; recorrendo a autora para enunciação de valores- singelamente à portaria 679/2009 de 25 de junho anexo II, sendo compensações devidas em caso de morte e a título de danos morais aos herdeiros, considera, cf. Grupo I do Anexo II- deve ser liquidado a cada filho maior de 25 anos, o montante de € 10.260,00 (dez mil e duzentos e sessenta euros) e por cada neto € 5.130,00 (cinco mil cento e trinta euros); no “direito à vida”, é atribuído a cada herdeiro, dividida em partes iguais, uma compensação num montante até € 30.780,00 (trinta mil e setecentos e oitenta mil euros)- para comprovar o direito à compensação, junta 7 documentos cf. Docs. 03 a 08; quanto a danos não patrimoniais, entende que a autora e ofendidos têm direito, bem como, os seus descendentes a um montante compensatório numa poderá ser inferior a € 46.170,00 (quarenta e seis mil e cento e setenta euros), acrescido de uma indemnização, num montante nunca inferior a € 10.000,00 (dez mil euros) por cada filho e neto), advinda dos custos suportados pelos mesmos e a título compensatório da mágoa, sofrimento e angústia que igualmente sofreram pela perda de seu pai e avô.
2. Além do mais já prejudicado ou suprido, a ré seguradora contesta:
a. referindo desconhecer em que qualidade demanda a autora os réus: se (e apenas) por si ou como cabeça de casal da herança do malogrado EE ou representante legal de terceiros menores ou incapazes, até porque são peticionados montantes indemnizatórios com base numa portaria que prevê que devam ser divididos pelos herdeiros (vg. a perda do direito à vida – “aos herdeiros, em partes iguais”, conforme anexo II – C da portaria 679/2009 de 25 de junho) - assim, requer seja notificada para esse esclarecimento;
b. sublinha que não teve intervenção no processo crime desconhecendo o que aí foi decidido, mas aceitou que foi provocado exclusivamente devido à conduta imperita e desatenta do 1º réu que conduzia o veículo seguro na ré em estado de embriaguez; aceita que do acidente resultou fractura dos ossos próprios do nariz do referido EE, que foi medicamente assistido e tratado (a expensas da ré), mas refuta a existência de nexo de causalidade entre as lesões sofridas na sequência do acidente e o resultado morte ( isto porque a bactéria clostridium difficile está presente na flora intestinal de grande percentagem da população, não causando qualquer problema, em situações de saúde normais; no entanto, pode originar complicações de saúde, como ocorreu no caso dos autos, pelo efeito que alguns antibióticos têm no próprio intestino);
c. sem prejuízo da responsabilidade da ré pelas dores e incómodos sentidos pelo EE durante o período de internamento hospitalar na sequência do acidente (3 dias);
d. impugna todos os documentos juntos com a pi, que não sejam da sua autoria, por desconhecimento (sendo que pelo menos o doc.7 é relativo a uma consulta de cardiologia que tem que ver uma série de problemas de saúde anteriores a tal evento e outros relativos a tratamentos ministrados na sequência das complicações intestinais, também não relacionáveis com o sinistro);
e. desconhece quantos filhos e/ou netos sobrevieram ao EE, não sendo feita a liquidação do pedido, sendo repetição do pedido feito no artigo 24º da mesma peça processual; no que diz respeito ao valor reclamado a título de perda do direito à vida, requer que a autora esclareça quantos filhos (e/ou netos órfãos do descendente directo do falecido) tinha o EE à data do sinistro, já que tal quantia deve ser dividido pelos mesmos.
Conclui pela improcedência parcial da acção, por em parte não provada, com a consequente absolvição parcial da ré do pedido- e assim pelo julgamento do pedido em função da prova a produzir em audiência de julgamento, com as necessárias consequências legais.
3. Por se entender verificada preterição do litisconsórcio necessário activo, a saber ilegitimidade activa da autora, na medida em que desacompanhada dos demais herdeiros do lesado falecido, sendo que veio por si e sem invocar poderes de administração ou representação de menores ou incapazes intentar a presente acção de cariz indemnizatório, fundada em responsabilidade civil emergente de acidente de viação, peticionando indemnização também a favor dos demais- assim, os despachos refªs 78368795, 78571338, 78885155 (ultima parte), 79121840- e nesse suprimento, foi admitida a intervenção, como associados da autora:
a. FF, casado, residente na Rua ..., ... ...;
b. GG, casado, residente na Estrada ..., ... F- ..., ...,
E ainda os netos, filhos do filho pré-falecido EE:
c. HH, solteiro, residente em Rua ..., ..., ..., ... ...;
d. II, casado, residente em Rua ..., ..., ... ...;
e. JJ, solteiro, residente em Rua ..., ..., ..., ... ....
4. Tais intervenientes associados da autora originária nada declararam nos autos, na sequencia da respectiva citação.
5. Designada audiência previa, nela acordaram as partes em suspender a instância, tendo prescindido do agendamento de nova diligência presencial, não se opondo a que as finalidades de marcação de audiência prévia não cumpridas se processassem por escrito; assim, foi prolatado despacho saneador, com fixação do valor da causa, enunciação do objecto do litígio e bem assim organização dos temas de prova e julgado inexistirem quaisquer nulidades, outras excepções ou questões prévias que obstassem à apreciação de meritis; procedeu-se de seguida a admissão dos requerimentos probatórios e a programação da audiência final, sendo oficiosamente determinado, para apuramento da questão do nexo de causalidade em sede médico legal, após ouvidas as partes quanto ao objecto, pedir parecer médico legal.
6. Na decorrência da morte da autora, foram os terceiros intervenientes principais associados da advertidos expressamente de que, caso não suscitassem a correspectiva habilitação processual de herdeiros da autora falecida ( nem qualquer dos réus o fizesse), em 6 meses, a instância - suspensa - ficaria deserta, extinguindo-se sem mais.
7. O parecer medico legal junto aos autos foi sujeito a pedido de esclarecimentos, prestados nos autos em 19 de Julho de 2021.
Julgada a causa no Juízo Central Cível de Coimbra, foi proferida a seguinte decisão final:
“Julgando parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção,
A) fixo a quantia indemnizatória global líquida a pagar pela ré no valor global de € 42 030 (quarenta e dois mil e trinta euros), sendo € 30780 (trinta mil setecentos e oitenta euros) de dano morte e o valor de danos morais global de € 11250 (onze mil duzentos e cinquenta euros, sendo € 2500 para cada filho e € 1250 para cada neto): donde, caberá
1- aos herdeiros habilitados da autora:
a) a compensação de € 7695 (sete mil, seiscentos e noventa e cinco euros) como parte a que tem direito da indemnização global atribuída a título de direito à vida do de cuius;
b) a compensação da quantia de € 2500 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais próprios, pelo falecimento do de cuius;
2- ao filho FF:
a) a compensação de € 7695 (sete mil, seiscentos e noventa e cinco euros) como parte a que tem direito da indemnização global atribuída a título de direito à vida do de cuius;
b) a compensação da quantia de € 2500 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais próprios, pelo falecimento do de cuius;
3- ao filho GG
a) a compensação de € 7695 (sete mil, seiscentos e noventa e cinco euros) como parte a que tem direito da indemnização global atribuída a título de direito à vida do de cuius;
b) a compensação da quantia de € 2500 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais próprios pelo falecimento do de cuius;
4 – ao neto HH, filho do filho pré-falecido EE:
a) compensação de 2565 € (dois mil, quinhentos e sessenta e cinco euros) como parte a que tem direito da indemnização global atribuída a título de direito à vida do de cuius
b) a compensação da quantia de €1250 euros (mil duzentos e cinquenta euros ) a título de danos não patrimoniais próprios pelo falecimento do de cuius;
5 – ao neto II, filho do filho pré-falecido EE:
a) compensação de 2565 € (dois mil, quinhentos e sessenta e cinco euros) como parte a que tem direito da indemnização global atribuída a título de direito à vida do de cuius;
b) a compensação da quantia de € 1250 (mil duzentos e cinquenta) a título de danos não patrimoniais próprios, pelo falecimento do de cuius;
6 – ao neto JJ, filho do filho pré-falecido EE:
a) compensação de 2565 € (dois mil, quinhentos e sessenta e cinco euros) como parte a que tem direito da indemnização global atribuída a título de direito à vida do de cuius;
b) a compensação da quantia de 1250 € (mil duzentos e cinquenta) a título de danos não patrimoniais próprios, pelo falecimento do de cuius;
(todos já actualizados à presente data).
B) Condeno a ré seguradora no seu pagamento e bem assim nos juros de mora vincendos, à taxa legal de juros civis até efectivo e integral pagamento, sobre as quantias referidas;
C) Condeno autora (seus herdeiros habilitados e intervenientes) nas custas
D) Registe e notifique.

GENERALI SEGUROS, S.A., Ré nos autos à margem referenciados, nos autos de acção à margem referenciados, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
A) Na Sentença recorrida foi feita uma pouco precisa e criteriosa apreciação da prova produzida, assim como uma incorreta interpretação do artigo 563º do Código Civil.
B) Fruto das lesões sofridas, o EE foi internado durante 2 dois no Hospital..., tendo-lhe sido administrado e prescrita a toma de um antibiótico.
C) Não foi submetido a qualquer tratamento invasivo ou cirurgia.
D) A morte do EE não foi causa das lesões sofridas.
E) Com a toma do antibiótico, terá surgido uma bactéria no intestino do EE, que lhe provocou episódios de diarreia e outras complicações.
F) Face à idade avançada do EE, às comorbilidades de que já padecia e à (elevada) medicação habitual que tomava, o EE veio a sucumbir dessas complicações de saúde.
G) Ora, a morte, causada por uma bactéria que surgiu no intestino na sequência da toma do antibiótico, que causou complicações de saúde que o EE não aguentou, fruto das comorbilidades de que já padecia, não constitui um resultado típico, normal, espetável ou imprevisto.
H) Antes, surge como um resultado totalmente inesperado, anormal, anómalo e excecional, para o que foram determinantes as circunstâncias supra descritas, elas inesperadas, anómalas, anormais, excecionais e extraordinárias.
I) Dessa forma, tem forçosamente de se concluir não ter existido qualquer nexo de causalidade entre as lesões sofridas na sequência do embate e a morte.
J)Devendo, como tal, ser a Sentença recorrida revogada, substituindo-se por outra que condene a Ré no pagamento de uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridas na sequência do atropelamento, queda e fratura dos ossos do nariz, septo nasal e parede do seio frontal.
K) Fixando-se, assim, em € 2.000,00, o valor a pagar pela Ré aos herdeiros do EE.
Assim se fazendo, JUSTIÇA.

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções da apelante, cumpre apreciar a seguinte questão:
Até quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar?
Vejamos.
Nos termos do artigo 563.º do Código Civil, a “obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão”.
A doutrina e a jurisprudência concordam no sentido de que esta norma consagra a teoria jurídica da causalidade adequada - afastando a ideia de que qualquer condição é causa do dano - sendo que não pode considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, restringindo-se àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse resultado - a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
De facto, não se afigura conveniente que o agente responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta não era adequada. Baseando-se a sua responsabilidade, o razoável é que o agente responda pelos danos que a sua conduta podia, segundo a natureza geral e as regras ordinárias da experiência, causar, pois só esses danos podia ele prever, ainda que com grande esforço, como consequência da sua conduta - por mais previdente que o homem seja, não é natural ou, pelo menos, obrigatório, que preveja consequências extraordinárias da sua conduta.
Ou seja, a teoria da causalidade adequada selecciona, pois, de entre as várias condições que produzem o resultado danoso, aquelas que justificam juridicamente a sua atribuição a determinadas pessoas, segundo um critério objectivo e abstracto de normalidade ou probabilidade para produzir o dano, de harmonia com as regras da experiência.
Dentro desta concepção há uma formulação dita positiva - mais restrita- , no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo e não por força de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas - a menos que fossem conhecidas do agente-, e uma fórmula negativa - mais ampla - para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se produziu devido a circunstâncias anómalas ou excepcionais - não conhecidas do agente.
A doutrina e a jurisprudência mais representativas têm optado por esta última formulação no que respeita a factos ilícitos e culposos – sobre esta problemática, ver, Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil (1955), pág. 20, nota 21; Inocêncio Galvão Teles – Direito das Obrigações, 3.ª edição (1980) pág. 364; Antunes Varela, Das Obrigações ena Geral, vol. I (1991), pág. 885 e seg.; A. Costa, Direito das Obrigações (1991), pág. 632; na jurisprudência, por todos, acórdão do S.T.J. de 20-01-2010 (Álvaro Rodrigues) no processo n.º 670/04.0TCGMR.S1, in www.dgsi.pt.
Na lição de Pires de Lima e Antunes Varela - Código Civil Anotado, Tomo I, nota 3 ao art.º 563.º - “o nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia da causalidade indirecta que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste.
O Acórdão do STJ de 26-11-2009 - www.dgsi.pt - entendeu que “o art. 563.º do CC consagrou a doutrina da causalidade adequada, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como acusa adequada quando, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo” e “[t]al doutrina também não pressupõe exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado e admite a causalidade indirecta de tal sorte que basta que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano”. A fórmula usada no artigo 563º do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito.
Nas palavras do Acórdão desta Relação de Coimbra, de 9.10.2012, pesquisável em www.dgsi.pt, “Há nexo de causalidade, para efeitos do disposto no artigo 563.º do Código Civil, entre uma acção e um evento, quando a acção do agente coloca, no processo causal que desembocou no evento, uma condição sem a qual esse processo causal não se teria formado, desde que a condição posta pelo agente, segundo a regra id quod plerumque accidit, contribua, juntamente com as outras condições existentes, para a produção desse resultado, salvo se a condição introduzida pelo agente for, na prática, inadequada para o resultado verificado, que só se produziu devido a outra ou outras condições anómalas ou excepcionais não conhecidas e, por isso, não controláveis pelo agente.
O Juízo Central Cível de Coimbra fixou, assim, a matéria de facto:
A- Matéria de facto provada:
Da matéria já previamente assente por acordo ou documentalmente provada:
A- No dia 10/11/2013, pelas 13:40horas, em ..., no arruamento de Bandorreira de Cima-Largo ... ocorreu atropelamento, em que foi interveniente como peão o pai da autora, EE, que ali caminhava e o veículo automóvel de matrícula ..-OB-.., na altura conduzido por DD;
B- Em sentença prolatada nos autos criminais de proc. nº 150/14.... Processo Comum (Tribunal Singular) de 10-12-2018, do Juízo de Competência Genérica ... prontamente transitada, resultou a seguinte factualidade provada:
“[Da Acusação Pública]
2.1.1. No dia 10 de Novembro de 2013, pelas 13h40, o arguido conduzindo o veículo automóvel de matrícula ..-OB-.., parou aquele veículo na Rua ..., ..., ..., ..., no sentido de marcha Largo .../..., com a lateral esquerda a cerca de 1,30m da parede da primeira casa que ladeia aquela rua, depois do referido Largo;
2.1.2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, EE caminhava a pé no mesmo arruamento, do lado direito da rua, considerando o sentido de marcha .../Largo ..., mais concretamente entre a lateral esquerda do veículo do arguido e a parede da casa anteriormente referida;
2.1.3. Depois de o peão ter passado pelo veículo do arguido e quando já se encontrava na retaguarda daquele veículo, o arguido fez marcha atrás indo embater com a traseira lateral esquerda do veículo no corpo de EE, fazendo com que o mesmo caísse com a cara no chão;
2.1.4. Tal embate ocorreu em frente da primeira casa daquele arruamento, depois do Largo ..., considerando o sentido de marcha do arguido;
2.1.5. Depois do embate, o veículo do arguido ficou imobilizado na faixa de rodagem, no sentido de marcha Largo .../..., com a traseira virada para o Largo... e a lateral traseira esquerda a 1,30m da parede da primeira casa que ladeia aquela rua e a 7 metros do candeeiro público existente junto à parede da mesma casa;
2.1.6. O peão caiu naquela rua à retaguarda do veículo, batendo com a cara no chão;
2.1.7. No local, a faixa de rodagem é um arruamento, com piso betuminoso, flexível, com uma largura de 6,30 metros;
2.1.8. Considerando o sentido de marcha do arguido, Largo .../..., o arruamento não tem berma do lado direito, sendo que do lado esquerdo existia uma valeta com 0,40m de largura e cerca de 0,20m de profundidade;
2.1.9. Também considerando sentido de marcha do arguido, a rua apresenta-se como uma reta com uma ligeira inclinação ascende. No entanto, o arguido fez marcha atrás junto ao entroncamento em “Y” de visibilidade reduzida;
2.1.10. Trata-se de um troço dentro da localidade, pelo que o limite geral de velocidade é de 50k/h;
2.1.11. A rua era ladeada por edificações do seu lado esquerdo e por um muro no seu lado direito, considerando o sentido de marcha do arguido;
2.1.12. O pavimento encontrava-se em razoável estado de conservação, sendo que estava seco e limpo;
2.1.13. Não havia obstáculos na via e a visibilidade era boa, em pleno dia;
2.1.14. Estava bom tempo;
2.1.15. A rua onde circulava o veículo conduzido pelo arguido era constituída por duas vias de trânsito, uma em casa sentido de marcha e não possuía qualquer marca rodoviária;
2.1.16. O veículo conduzido pelo arguido não apresentava quaisquer danos;
2.1.17. Da análise toxicológica feita ao sangue da vítima EE, o mesmo revelou uma taxa de alcoolemia de 0,64 g/l;
2.1.18. Por força do embate, EE sofreu fratura dos ossos próprios do nariz, do septo nasal e da parede do seio frontal, com necessidade de internamento no Serviço de Cirurgia M...;
2.1.19. Aquelas lesões implicaram a instituição de antibioterapia o que veio a desencadear quadro diarreico infecioso persistente;
2.1.20. Tal quadro clínico terá determinado um período de doença de 110 dias com afetação da capacidade de trabalho geral (110 dias);
2.1.21. EE faleceu em .../.../2014;
2.1.22. Ao fazer a marcha atrás do veículo da forma descrita, o arguido atuou violando os elementares deveres objetivos de cuidado a que bem sabia estar obrigado, sendo certo que tinha capacidade e podia prever os resultados descritos, nomeadamente as lesões causadas no corpo de EE;
2.1.23. Ao atuar daquela forma, fazendo marcha atrás num local onde aquela manobra não era permitida, pois bem sabia que se encontrava junto a um entroncamento com visibilidade reduzida, não ignorando que fazia aquela manobra numa rua estreita, ladeada de habitações, por um lado, e por um muro de outro, bem sabendo que aquela manobra desadequada às características da rua;
2.1.24. Agiu ainda o arguido com falta de consideração pelas normas legais que regem a circulação automóvel e, ao tripular o veículo do modo e nas condições descritas não agiu com a diligência e cautela que lhe era exigível e que estava ao seu alcance, omitindo as precauções exigidas pela condução automóvel;
2.1.25. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei;
C- A ré seguradora assumiu a responsabilidade pela eclosão, aceitando que o acidente foi provocado exclusivamente devido à conduta imperita e desatenta do condutor do veículo segurado, que conduzia o veículo em estado de embriaguez; e responsabiliza-se pelas dores e incómodos sentidos pelo EE durante o período de internamento hospitalar na sequência do acidente (3 dias), assim como dos restantes tratamentos com vista à recuperação das lesões sofridas no nariz.
D- O proprietário do veículo havia transferido para a ré a responsabilidade civil por danos causados na condução por aquele veículo, através de contrato de seguro válido e plenamente eficaz à data do sinistro o qual se achava titulado sob a apólice n.º ...70.
E- A ré seguradora apresentou uma proposta final indemnizatória no montante de € 1.954,62 (mil novecentos e cinquenta e quatro euros e sessenta e dois cêntimos).
F- A morte de um progenitor é pelas regras de experiência comum causa de dor, angústia e sofrimento, pela perda, aos filhos e netos.
G- No dia 10/11/2013, em consequência de tal atropelamento, EE foi internado de urgência no Serviço de M... do Hospital..., e até 13/11/2013, com fractura dos ossos próprios do nariz, fractura do septo nasal e da parede do seio frontal e múltiplas escoriações da face, tendo sido tratado com tamponamento anterior e posterior; teve alta a 13/11/2013, sendo medicado com Amoxicilina+Ácido clavulânico. ( antibioticoterapia);
H- Entretanto, deslocou-se, com queixas aos serviços de urgência: (dois dias depois da alta hospitalar) (dez dias depois) (20 dias depois)
I- Assim, desenvolveu diarreia, tendo motivado internamento em Medicina Interna, de 14/12/2013 a 18/12/2013, sendo diagnosticada colite pseudo membranosa, com pesquisa de toxina de Clostridium difficile positiva e foi medicado com metronidazol,
J- que reiniciou a 19.01.2014 por manter diarreia, além de vancomicina oral e fluidoterapia.
K- Voltou à urgência, em 30-01:
L- A 16.02.2014 apresentou um quadro de prostração, desidratação e diarreia e desenvolveu um quadro de sépsis, sendo que por envolvimento sistémico resultante da diarreia e por desenvolver um quadro de sépsis foram prescritos antibióticos, como norfloxacina, meropenem, e ciprafloxicina além de fluidoterapia e medidas gerais de suporte.- estando internado de 16/02/2014 a 28/02/2014, novamente em Medicina Interna, por desidratação, diarreia e prostração, atribuído a um quadro de sépsis, que veio a complicar-se com paragem cardiorrespiratória e morte a 28/02/2014.
M- Os seus antecedentes médicos traduziam-se em Hipertensão arterial, hiperplasia benigna da próstata, talassemia menor e (leve), insuficiência cardíaca congestiva. E a medicação habitual: diuréticos, vasodilatadores, bloqueadores, agonista para doença pulmonar obstrutiva crónica e cardiopatia isquémica- sem indicação de antibióticos.
N- A terapêutica ministrada ao EE, para tratamento das lesões sofridas na sequência do acidente dos autos foi a que é usualmente indicada- respeitou as boas práticas médicas e as legis artis e não foi prescrito qualquer medicamento que não fosse adequado para o quadro apresentado pelo doente.
O- As lesões sofridas pelo EE, na sequência do sinistro dos autos, não são e não foram – por si- adequadas a provocar-lhe a morte – sendo a causa da morte atribuída a sépsis, em consequência de uma colite pseudomembranosa.
P- A colite pseudomembranosa é uma inflamação do cólon que se produz quando, em determinadas circunstâncias, a bactéria chamada Clostridium difficile lesiona o órgão mediante a sua toxina e produz diarreia e aparição no interior do cólon de placas esbranquiçadas chamadas pseudomembranas e pode surgir em algumas pessoas que estão fazendo tratamento com alguns tipos de antibióticos.
Q- A morte não tem relação directa com as lesões traumáticas, mas foi em consequência do acidente e das lesões traumáticas do mesmo que foi medicado com antibiótico que veio a desencadear todo o processo infecioso que culminou na morte,- ou seja, se não tivesse sofrido este acidente não teria sido medicado com antibiótico, nem teria sofrido de quadro de colite pseudomembranosa, directamente relacionada com o uso de antibióticos, nem do quadro séptico posterior e nem teria sido sujeito a estes internamentos- todos estes processos, associados à elevada idade do doente e às comorbilidades de que sofria culminaram na morte por quadro séptico na sequencia da colite pseudomembranosa.
R- Do historial clínico do EE resulta que de cuius sofria de insuficiência cardíaca e de hipertensão arterial, estava polimedicado e tinha 83 anos,- todos estes dados são fatores de risco e podem contribuir para uma possível evolução menos favorável após um acidente com fraturas nasais e predispõem o doente a eventual mais gravidade e susceptibilidade a complicações da terapêutica prescrita ou em consequência do internamento, sobretudo complicações infeciosas ou desequilíbrios hidroeletrolíticos.
S- Na verdade, as lesões levaram ao tratamento através de antibióticos, levando posteriormente ao surgimento de um quadro clínico diarreico infecioso.
T- A vítima encontrou-se 110 dias totalmente imobilizado.
U- - Resulta do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros que a vitima nascera em 20 de Maio de 1930, tendo deixado a suceder-lhe:
B- Matéria de facto não provada
Não se provou:
1- Na decorrência do acidente, o pai da autora ficou incapaz de exercer trabalho que até aí realizava e tal criou um avultado número de despesas no período em que o mesmo se encontrava em tratamentos e igualmente incapacitado;
2- Foram os seus familiares diretos, nomeadamente a Autora na qualidade filha e os irmãos desta, identificados como ofendidos no processo de inquérito 150/14...., que suportaram todas as despesas atinentes ao tratamento;
3- O falecido era uma pessoa cheia de vida e o porto de abrigo da aqui Autora;
4- que na decorrência do acidente, a vitima suportou as despesas medicomedicamentosas vertidas nos docs. 03 a 08 da pi”.
Louvando-se em tais factos, a 1.ª instância viu e decidiu assim a questão:
“Ora, a morte de EE não tem relação directa com as lesões traumáticas- não é um dano directo- , mas foi em consequência do acidente e das lesões traumáticas do mesmo que foi medicado com antibiótico que veio a desencadear todo o processo infecioso que culminou na morte, ou seja, se não tivesse sofrido este acidente não teria sido medicado com antibiótico, nem teria sofrido de quadro de colite pseudomembranosa, directamente relacionada com o uso de antibióticos, nem do quadro séptico posterior e nem teria sido sujeito a estes internamentos- todos estes processos, associados à elevada idade do doente e às comorbilidades de que sofria culminaram na morte por quadro séptico na sequencia da colite pseudomembranosa (…).
A Apelante discorda, escrevendo:
“Ora, tendo resultado evidente, inegável e provado que as lesões que o EE sofreu na sequência do acidente dos autos não lhe provocaram a morte, é curioso o exercício de dedução e de ficção feita na Sentença para, mesmo assim, se imputar a morte à aqui Recorrente, estabelecendo-se um nexo de causalidade entre um ato danoso (do qual não resultaram lesões que poderiam provocar a morte) e a morte do lesado.
É que as lesões sofridas pelo EE na sequência do acidente não foram causa direta da morte nem eram atinentes a provocar a morte, apenas tendo determinado a toma de antibiótico, por parte do lesado. Foram-no, tão-somente, de forma indireta.
Por outro lado, e conforme resultou demonstrado:
- para além de as lesões, em si, não terem sido causa direta do evento morte, uma vez que não alcançaram a gravidade necessária para o efeito (note-se que a medicação ministrada ao EE foi antibiótica e não outra, para além de que não houve sujeição a cirurgias ou qualquer outro tratamento invasivo);
- factos houveram, totalmente incontroláveis pelo condutor do veículo seguro e que não podia prever, que foram determinantes para a morte do EE, que foram a idade avançada, a medicação diária que tomava e, ainda, as diversas comorbilidades de que padecia;
- para além disso, entrou ainda na equação o surgimento de uma bactéria, que foi responsável por causar as lesões no intestino do EE.
Face ao supra exposto, dúvidas inexistem que o resultado morte era, de todo, imprevisto e inesperado, já que, clinicamente, nem as lesões sofridas eram atinentes a produzir a morte, nem esse resultado advém da toma de um “simples” antibiótico…
Consequentemente, resta-nos fazer nossas as palavras do Acórdão do STJ de 01/07/2003, proferido no âmbito do processo 2383/2 (disponível em www.dgsi.pt) que abaixo se transcrevem:
“Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria”.
Do exposto, flui que a teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.
Segunda a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal, ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.
Na formulação negativa (mais ampla), o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Por mais criteriosa, deve reputar-se adoptada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, Obra citada, págs. 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho (Obra citada, pág. 61).
Consequentemente, o comando do art. 563 do CC. “deve interpretar-se no sentido em que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto e vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. IV, 4ª ed, pág. 579)”. (destacado nosso).
Assim, salta à vista que a morte do EE não foi resultado das lesões sofridas, mas sim de circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias e anómalas e totalmente imprevistas, que não poderiam ser imaginadas ou conhecidas pelo homem médio, nem seguindo-se o critério do “bom pai de família”.
Na verdade, o que foi determinante para a morte de EE foi o surgimento de uma bactéria no seu intestino, na sequência da toma de um antibiótico que, face às comorbilidades e à medicação habitual que o mesmo tomava, lhe provocou lesões no intestino que determinaram uma série de complicações de saúde.
O facto danoso está, assim, muito afastado, quer em termos de adequação a provocar a morte, como em termos de previsibilidade e normalidade, do fatal evento.
Como tal, e ao contrário do que ficou decidido na Sentença recorrida, temos de concluir que a morte do EE está fora da zona de risco do ato lesivo e das suas consequências”.
Vejamos, pois.
Para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano” - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2ª Edição, 1973, página 744 e 756 e Acórdão do STJ de 14.3.2019, pesquisável em www.dgsi.pt.
A ideia de probabilidade do dano vive, paredes-meias, com a de adequação, segundo o curso normal das coisas e a experiência da vida: o dano é provável sempre que a sua ocorrência, segundo a ordem das coisas e a experiência da vida se apresente como normal e típica - adequada.
Como escreve Menezes Leitão - Direito das Obrigações, vol. I, 2000, p. 305-306 -, “a introdução do advérbio “provavelmente” faz supor que não está em causa apenas a imprescindibilidade da condição para o desencadear do processo causal, exigindo-se ainda que essa condição, de acordo com um juízo de probabilidade, seja idónea a produzir um dano,…”
O problema do nexo de causalidade resolve-se, à luz da formulação negativa do art. 563º citado, através da resposta à questão da probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão - o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto -, que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que, admite, não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não, como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano – neste sentido, por ex. , os Acórdãos do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005, 13-03-2008 e 18.12.2013 ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294, 08A369 e 1749/06.0TBSTS.P1.S1, todos pesquisáveis em www.dgsi.pt.
Ou seja, o facto só deixa de ser causa adequada do dano quando se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais.
Ou seja, significa que a conduta ilícita do condutor veículo automóvel de matrícula ..-OB-.., segurado na Ré/Apelante, só deixa de ser considerada causa adequada da produção do dano morte, quando este comportamento se tenha revelado de todo indiferente para a produção do dano.
Ora, a causa da morte, embora o internamento tenha sido motivado pelo acidente, nada tem que ver com este. Não pode ser visto como causa dela, para efeitos da "teoria da causalidade adequada", pois a verdadeira causa da morte - sépsis - foi causada pela inflamação do cólon e esta foi causada pelo antibiótico.
Salvo o devido respeito por entendimento diferente, o processo que conduz á morte - antibiótico, inflamação do cólon, sépsis e morte - deve ser vista como um processo excepcional. De acordo a norma do artigo 563.º, interpretado à luz da teoria da causalidade adequada, mesmo na sua formulação mais ampla, estamos perante aquela situação em que se diz que o facto actuou como condição, mas não é causa porque o resultado morte só sobreveio em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais. Não é enquadrável nas consequências normais do acidente e das lesões sofridas, a morte por sepsis, originada por reacção à toma do antibiótico. Há uma quebra do nexo de causalidade.
O lesante (nem ninguém) não poderia prever tal quadro, sendo que o facto de o lesado, anteriormente, não apresentar tal quadro clínico não releva. Foi o resultado da medicação prescrita nessa altura, não para tratamento das lesões decorrentes do acidente, mas com o objectivo de tratar a reacção a medicamentos com vista ao tratamento das complicações intestinais. Afigura-se-nos, pois, que, pela tese da causalidade adequada, mesmo na sua formulação negativa – mais ampla -, não é possível imputar o dano morte ao atropelamento e lesões causais.
Por isso, teremos de concluir, como o faz a Apelante, “ que a morte, causada por uma bactéria que surgiu no intestino na sequência da toma do antibiótico, que causou complicações de saúde que o EE não aguentou, fruto das comorbilidades de que já padecia, não constitui um resultado típico, normal, espetável ou imprevisto. Antes, surge como um resultado totalmente inesperado, anormal, anómalo e excecional, para o que foram determinantes as circunstâncias supra descritas, elas inesperadas, anómalas, anormais, excecionais e extraordinárias. Dessa forma, tem forçosamente de se concluir não ter existido qualquer nexo de causalidade entre as lesões sofridas na sequência do embate e a morte (…) dúvidas inexistem que o resultado morte era, de todo, imprevisto e inesperado, já que, clinicamente, nem as lesões sofridas eram atinentes a produzir a morte, nem esse resultado advém da toma de um “simples” antibiótico”, revogando-se, neste particular, a decisão da 1.ª instância.
Avançando.
De acordo com o estipulado no art. 496º, do Código Civil:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
E no nº 4 deste mesmo preceito legal, refere-se que:
“O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Decorre, assim, do referido nº 1 que, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito.
Os danos não patrimoniais definem-se como “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” – cfr. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 6ª ed., 1º, pag. 571.
Também Menezes Leitão, define os danos não patrimoniais como “aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido” – cfr. Direito das Obrigações, vol. I, 14ª ed., Almedina, pag. 328.
Como é unanimemente entendido, quer na doutrina quer na jurisprudência, a gravidade que merece a tutela do direito é considerada um conceito relativamente indeterminado, que deve ser apurada caso a caso, de acordo com a prova produzida.
A gravidade deve, assim, medir-se “ por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc.” – cfr. Antunes Varela, ob. cit. pag. 600.
A quantificação dos danos não patrimoniais deve o julgador procurar encontrar o valor que repute justo no quadro da equidade e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, não deixando de trazer à colação e analisar decisões jurisprudenciais mais ou menos semelhantes, no fito de procurar que a indemnização atribuída esteja em sintonia com o cumprimento de um regime jurisprudencial de segurança e igualdade na realização da justiça equitativa – neste preciso sentido, por ex. o Acórdão do STJ de 21.4.2022, pesquisável em www.dgsi.pt.
Mostram os autos que:
2.1.3. Depois de o peão ter passado pelo veículo do arguido e quando já se encontrava na retaguarda daquele veículo, o arguido fez marcha atrás indo embater com a traseira lateral esquerda do veículo no corpo de EE, fazendo com que o mesmo caísse com a cara no chão;
2.1.6. O peão caiu naquela rua à retaguarda do veículo, batendo com a cara no chão;
2.1.7. No local, a faixa de rodagem é um arruamento, com piso betuminoso, flexível, com uma largura de 6,30 metros;
2.1.18. Por força do embate, EE sofreu fratura dos ossos próprios do nariz, do septo nasal e da parede do seio frontal, com necessidade de internamento no Serviço de Cirurgia M...;
2.1.19. Aquelas lesões implicaram a instituição de antibioterapia o que veio a desencadear quadro diarreico infecioso persistente;
2.1.20. Tal quadro clínico terá determinado um período de doença de 110 dias com afetação da capacidade de trabalho geral (110 dias);
G- No dia 10/11/2013, em consequência de tal atropelamento, EE foi internado de urgência no Serviço de M... do Hospital..., e até 13/11/2013, com fractura dos ossos próprios do nariz, fractura do septo nasal e da parede do seio frontal e múltiplas escoriações da face, tendo sido tratado com tamponamento anterior e posterior; teve alta a 13/11/2013, sendo medicado com Amoxicilina+Ácido clavulânico. ( antibioticoterapia);
H- Entretanto, deslocou-se, com queixas aos serviços de urgência: (dois dias depois da alta hospitalar) (dez dias depois) (20 dias depois)
I- Assim, desenvolveu diarreia, tendo motivado internamento em Medicina Interna, de 14/12/2013 a 18/12/2013, sendo diagnosticada colite pseudo membranosa, com pesquisa de toxina de Clostridium difficile positiva e foi medicado com metronidazol,
J- que reiniciou a 19.01.2014 por manter diarreia, além de vancomicina oral e fluidoterapia.
K- Voltou à urgência, em 30-01:
L- A 16.02.2014 apresentou um quadro de prostração, desidratação e diarreia e desenvolveu um quadro de sépsis, sendo que por envolvimento sistémico resultante da diarreia e por desenvolver um quadro de sépsis foram prescritos antibióticos, como norfloxacina, meropenem, e ciprafloxicina além de fluidoterapia e medidas gerais de suporte.- estando internado de 16/02/2014 a 28/02/2014, novamente em Medicina Interna, por desidratação, diarreia e prostração, atribuído a um quadro de sépsis, que veio a complicar-se com paragem cardiorrespiratória e morte a 28/02/2014”.
Os autores pedem o pagamento de compensação no montante de € 46.170,00 (quarenta e seis mil e cento e setenta euros), igualmente dividido” a título de morte e despesas] e “a título indemnizatório [a si] seus irmãos e seus sobrinhos, por danos não patrimoniais/ morais, do montante de € 10.000, 00 (dez mil euros), igualmente dividido, na medida em que o seu pai/tio sofreu em 10 de Novembro de 2013 pelas 13h40m, atropelamento, quando caminhava junto ao arruamento de ... / Largo ..., de veiculo conduzido pelo 1º réu, tendo-o deixado imobilizado e com ferimentos no rosto, advindo desse atropelamento e por força do embate do veículo fratura dos ossos do nariz, do septo nasal e da parede do seio frontal, levando a urgente internamento no Serviço de Cirurgia M...; lesões tão gravosas que levaram ao tratamento através de antibióticos, levando posteriormente ao surgimento de um quadro clínico diarreico infecioso; o estado de saúde agravou-se, no período da doença de 110 dias, acabando pelo mesmo falecer em 28/02/2014,
Dúvidas não temos, quanto à ressarcibilidade do dano directo e imediato, referente aos dias de internamento/ sofrimento infligido pelas lesões à vitima, montante este que, embora não autonomizado - ignorando-se que danos foram considerados na proposta indemnizatória no montante de € 1.954,62 -, estão englobados na parcela referente aos danos morais, no montante peticionado- de €10.000,00.
Por isso, considerando os factos supra descritos, sobretudo o período de doença e tratamentos, julgamos adequado fixar tais os danos – danos próprios do lesado - no montante global de € 5.000 (cinco mil euros), a pagar pela Ré aos herdeiros do falecido EE (na proporção, para cada um dos herdeiros, fixada pela 1.ª instância).

Sumário:
(…)

3.Decisão
Na procedência parcial do recurso, revogamos a decisão proferida pelo Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz 2, na parte em que condena a Ré ao pagamento de valores indemnizatórios pelo dano morte, fixando-se em € 5000 (cinco mil euros) o valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido EE, a pagar pela Ré aos Autores.
Custas na proporção do decaimento.

Coimbra, 12 de Julho de 2022
(José Avelino Gonçalves - Relator)
( Arlindo Oliveira- 1.º adjunto)
(Emidio Francisco Santos – 2.º adjunto)