NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO COMPROVATIVO
RECONHECIMENTO DE DÍVIDA
INVERSÃO DO ÓNUS PROBATÓRIO
Sumário

I – Para que ocorra a interrupção do prazo que estiver em curso, por força de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, formulado na pendência do processo, é necessário que: aquele pedido inclua a nomeação de patrono; seja junto aos autos, enquanto o prazo estiver em curso, pelo requerente, documento comprovativo da apresentação desse pedido.
II – O art.º 458.º, n.º 1, do CCiv. não constitui um desvio à obrigação de concretização da causa do crédito e, por isso, a promessa de prestação ou reconhecimento de dívida que aí se menciona não constitui uma fonte autónoma da obrigação.
III – Porém, aquela norma atribui ao alegante um benefício probatório, invertendo o ónus da prova da existência da relação fundamental, razão pela qual a declaração unilateral de reconhecimento de dívida faz presumir que a dívida existe, que há uma causa, dispensando quem se se arroga a posição de credor de provar a causa da dívida.

Texto Integral


Processo n.º4137/21.4T8CBR
(Juízo Central Cível de Coimbra – Juiz 1)


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório
Os Autores AA e BB vieram mover a presente acção sob a forma comum contra a Ré CC, nos termos e com os fundamentos expressos na petição inicial, pedindo o seguinte:
-Condenação da Ré a pagar aos Autores a quantia de €75.500,00 que os Autores lhe confiaram ao longo dos anos e da qual se confessou devedora em declaração confessória com valor probatório pleno, nos termos supra alegados, acrescida dos juros vencidos desde 3/03/2018 até à presente data, (30/09/2021) à taxa de 4% ao ano, no montante de 10.814,08€, e ainda os juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento, como é de lei, e
-Condenação da Ré a pagar aos Autores a quantia que estes tiverem que despender para pagamento dos honorários da mandatária, cuja conta se apresentará no final deste processo, uma vez que ainda não é possível calcular tais montantes, conforme se confessou devedora na declaração confessória.
Devidamente citada, a Ré CC não apresentou contestação.
Seguidamente, proferiu-se o despacho, com Refª Citius nº 87419212, de 22/01/2022, por mor do qual se decidiu aí julgar confessados os factos articulados na petição inicial. 
Finalmente, na sequência da notificação das partes para exercerem a faculdade prevista no nº2, do art.567º, do CPC, só os autores vieram, por via do requerimento sob Refª Citius nº 7012638, de 27/01/2022, oferecer as alegações, por escrito, sobre o aspecto jurídico da causa.
Julgada a causa, no Juízo Central Cível de Coimbra, foi proferida a seguinte decisão final:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e consequentemente, decido:
-Condenar a Ré CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de €75.500,00, acrescida dos juros vencidos, desde 3/03/2018 até 30/09/2021, à taxa de 4% ao ano, no montante de €10.814,08, e ainda os juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento, e
-Condenar a Ré CC a pagar aos Autores a quantia que estes tiverem que despender para pagamento dos honorários da mandatária, que se defere para liquidação ulterior de sentença.
-Fixa-se o valor indicado pelos autores na petição inicial à presente causa – cf. art. 297º, nºs 1 e 2, do CPC.
- Custas a suportar pela ré – cf. art. 527º, do CPC – sem prejuízo de se dever atender ao benefício de apoio judiciário, concedido na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e outros encargos processuais.
Registe e notifique”.
CC, Ré melhor identificada nos autos, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
a.) allegatio
1 – O presente recurso centra-se na douta decisão proferida pelo Tribunal a quo com Referência nº 88019097, baseando-se em duas questões.
2º- No tocante à primeira questão: permitimo-nos renovar a questão debelada no âmbito do Requerimento com Ref. 7031137, que se renova, dando-se o mesmo brevitatis causae por fielmente e inetgralmente reproduzido para e com os necessários e advindos efeitos legais, mas querendo repôr: “CC, melhor identificada nos autos em epígrafe referenciados, vem – mui respeitosamente, esclarecer que requereu, em prazo, a concessão de Apoio Jurídico e estava na convicção que tal incluía a nomeação de defensor a fim de contestar a presente acção, quando foi informada pela I.P.S.S., I.P. que teria de incluir o pedido de nomeação e assim prontamente o fez, Cfr. DOC. 1, 2 e 3, tendo ora sido nomeado o presente defensor.
Ora, pelo exposto, e atendendo a que a R. acredita ter provas, mormente documentais, que demonstram plenamente a falsidade do alegado, requer-se respeitosamente, que os factos não sejam considerados confessados, e que seja concedido prazo para a R. contestar a presente demanda.”
3º - Digamos que não está ao alcance do conhecimento do homem médio, cidadão comum ou uma pessoa "digamos" normal, querendo dizer sem conhecimentos técnico-jurídicos, saber que tem de solicitar na Segurança Social a nomeação de patrono e que este - até porque a citação diz ser obrigatório - não lhe é oficiosamente nomeado, caso não constitua por sua iniciativa, sendo que quando a R. teve essa informação ou tomada de consciência prontamente solicitou a nomeação de Advogado, em 5 de Janeiro de 2022.
4º – Vejamos que se encontra provado o lapso ou falta de informação que gerou a presente situação, que deve ser atendido e relevado, principalmente quando tem, como teve, as consequências processuais confessórias.
Mas há outra - fundamental - questão;
5.º - Por outra banda e mesmo no entendimento de não ter oferecido contestação e impendendo este ónus sobre si - afirmou ter provas, mormente documentais que demonstra, claramente que os factos legados alegados na petição inicial são falsos, pelo que constitui uma nulidade, que se deixa expressamente expressa, a omissão de diligências essenciais e imprescindíveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa, pois o presente Tribunal poderia - rectius, deveria - no seu dever ex oficio ter, pelo menos, solicitado esses documentos e incompreensivelmente, não o fez.
6.º - No tocante à segunda questão: toda a presente decisão assenta no documento de contrato de mútuo com confissão de dívida de 3 de outubro de 2017, sendo que o Tribunal não o podia ter considerado, pois o mesmo é simplesmente nulo, nos termos do art. 1143.º do Código Civil, alterando o sentido de toda a decisão.
7º - Reza o art. 1143.º sob a epígrafe (Forma), Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário
8º – Queremos dizer que sendo (a montante) nulo o contrato de mútuo por insuficiência de forma, toda a decisão será diferente, na sua fundamentação e naturalmente decisão.
9º - Pelo menos, o Tribunal a quo incorreu numa nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do art. 615º nº1 d) do C.P.C., por via da omissão de pronuncia e que se deixa expresamente invocada para e com os necessários e advindos efeitos legais, no sentido em que não se pronunciou sobre esta questão fundamental, ou seja, considerar a mútuo válido ou não, principalmente de acordo com a sua forma, sendo esta questão fundamental.
b.) conclusio
A - No tocante à primeira questão: permitimo-nos renovar a questão debelada no âmbito do Requerimento com Ref. 7031137, que se renova, dando-se o mesmo brevitatis causae por fielmente e integralmente reproduzido para e com os necessários e advindos efeitos legais, mas querendo repôr: “CC, melhor identificada nos autos em epígrafe referenciados, vem – mui respeitosamente, esclarecer que requereu, em prazo, a concessão de Apoio Jurídico e estava na convicção que tal incluía a nomeação de defensor a fim de contestar a presente acção, quando foi informada pela I.P.S.S., I.P. que teria de incluir o pedido de nomeação e assim prontamente o fez, Cfr. DOC. 1, 2 e 3, tendo ora sido nomeado o presente defensor. Ora, pelo exposto, e atendendo a que a R. acredita ter provas, mormente documentais, que demonstram plenamente a falsidade do alegado, requer-se respeitosamente, que os factos não sejam considerados confessados, e que seja concedido prazo para a R. contestar a presente demanda.”
B - Salvo melhor entendimento, não está ao alcance do conhecimento do homem médio, cidadão comum ou uma pessoa "digamos" normal, querendo dizer sem conhecimentos técnico-jurídicos, saber que tem de solicitar na Segurança Social a nomeação de patrono e que este - até porque a citação diz ser obrigatório - não lhe é oficiosamente nomeado, caso não constitua por sua iniciativa.
C - Por outra banda, a R. quando teve essa noção ou tomada de consciência pediu a nomeação de advogado em 5 de Janeiro de 2022, pelo que se encontra provada a pretensão da R. e que tal situação gerada deveu-se a uma lapso ou falta de informação que deve ser atendida, principalmente com as consequências que tem, como teve.
D - É que a R. - mesmo no entendimento de não ter oferecido contestação e impendendo este ónus sobre si - afirmou ter provas, mormente documentais que demonstra, claramente que os factos legados alegados na petição inicial são falsos, pelo que constitui uma nulidade, que se deixa expressamente expressa, a omissão de diligências essenciais e imprescindíveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa, pois o presente Tribunal poderia - rectius, deveria - no seu dever ex oficio ter, pelo menos, solicitado esses documentos e incompreensivelmente, não o fez.
E - No tocante à segunda questão: toda a presente decisão assenta no documento de contrato de mútuo com confissão de dívida de 3 de outubro de 2017, sendo que o Tribunal não o podia ter considerado, pois o mesmo é simplesmente nulo, nos termos do art. 1143º do nosso Código Civil, uma vez é obrigatória a forma de escritura pública.
F - Pelo menos, o Tribunal a quo incorreu numa nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do art. 615º nº1 d) do C.P.C., por via da omissão de pronuncia e que se deixa expressamente invocada para e com os necessários e advindos efeitos legais, no sentido em que não se pronunciou sobre esta questão fundamental, ou seja, considerar a mútuo válido ou não, principalmente de acordo com a sua forma, sendo esta questão fundamental.
NESTES TERMOS E MELHORES DIREITO, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso proceder – por provado, sendo concedido prazo à R. prazo para contestar, para e com os necessários e advindos efeitos legais.
Não sendo este o entendimento de V. Exa., deverá o presente Recurso proceder – por provado, sendo a R. absolvida do pedido, para e com os necessários e advindos efeitos legais.

AA, e mulher BB, Autores, apresentam a sua resposta às Alegações de Recurso, assim concluindo:
(…)

2. Do objecto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido - os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.

I.Da nulidade;
 A Ré/Apelante vem arguir o vício de nulidade, por omissão de pronúncia, previsto no art.º 615º, nº1, al. d), do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem -, porquanto o tribunal não se pronunciou sobre uma questão fundamental, a saber: considerar o mútuo válido ou não, principalmente de acordo com a sua forma.
Sem razão adiantamos nós.
Senão vejamos.
Como é sabido, só se verifica a nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º n.º 1 d), quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes, o que não significa que tenha de conhecer todos os argumentos utilizados pelas mesmas - as questões a resolver não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões invocados pelas partes.
Exige a lei que o juiz “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – n.º 2 do artigo 608.º do CPC.
Ao juiz está cominada a imposição legal de tomar conhecimento de todas as questões que tenham sido trazidas e debatidas pelas partes no processo – Sobre o tema, Alberto dos Reis, in “Código Processo Civil Anotado”, Vol. V, págs. 52-58 e 142-143; Jacinto, Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, 1972, pág. 247 e 228.
As questões controvertidas que tenham sido objecto de alegação por parte dos sujeitos processuais involucrados na acção - às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas -  e que estando contidas na causa de pedir e no pedido devem ser conhecidas pelo tribunal sob pena de não fazendo o tribunal se eximir à sua função de julgamento pleno e total - Jacinto, Rodrigues Bastos, in op. loc. cit., pág. 228.
O pedido de solução de uma determinada questão, de facto ou de direito, solicitada a um órgão jurisdicional contém, de ordinário, um núcleo de factos cuja verificação probatória pode, ou não, vir a ser subsumível a um suposto normativo que encerra uma afirmação preceptiva e da qual o ordenamento jurídico faz derivar uma consequência jurídica. É este núcleo referencial e típico que se constitui como questão a eleger pelo tribunal para solução do litígio que opõe dois ou mais sujeitos.
Ou seja, para que a questão possa ser avaliada, torna-se necessário que se confira uma identidade entre o que é pedido e o que é julgado, entre o que o tribunal elegeu e definiu, na interpretação que fez do conjunto de factos alinhados pelos sujeitos nas respectivas peças processuais, com o que a final veio a tomar conhecimento e a dar pronúncia. Na eleição das questões de direito o juiz não pode ir além do que está contido nos factos aportados pelos sujeitos, não estando, porém limitado pela enunciação que delas façam as parte.
Deve, pois, na decisão ocorrer uma congruência entre as questões que o sujeito trouxe a juízo para obter uma resolução jurisdicional e aquelas que efectivamente devem ser resolvidas pelo tribunal. Esta congruência ou necessidade de coincidência significativa entre o que é pedido e o que é solucionado traduz-se numa concordância de decisão jusprocessual que torna o veredicto assumido conforme às exigências que devem vertidas numa sentença.
Como se escreve no Acórdão do STJ de 19.1.2017, em www.dgsi.pt, “a realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves- mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República. A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe ao tribunal proceder a qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada”.
Assim o exige o princípio da concentração da defesa na contestação consagrado no artigo 573º, nº 1, do Código Processo Civil – 1 -Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado; 2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente. Esta norma, faz recair “sobre os ombros do réu” o ónus de, na contestação, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória, que são aquelas que importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor. - na contestação deve o réu: a) Individualizar a ação; b) Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação -, salvo os casos excepcionais a que alude o n.º 2 do mesmo artigo, ou seja, de excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de o fazer posteriormente – neste sentido, por ex., o Acórdão do STJ de 11-03-2021, pesquisável em www.dgsi.pt. /tem o ónus de apresentar em juízo todos os seus argumentos de defesa, na primeira oportunidade que lhe seja concedida para o efeito. Se o não fizer, já não o pode realizar mais tarde.
Como escreve o julgador do Juízo Central Cível de Coimbra, “liminarmente, cabe dizer não assistir razão à recorrente, desde logo, em nosso modesto entendimento, por que, atento o objecto, em discussão, na presente causa, o tribunal pronunciou - se sobre as todas as questões essenciais nos termos e com os fundamentos expressos na decisão recorrida que urgia conhecer “in casu”, a fim de decidir a final do mérito da causa, como aí se decidiu”.
De facto, a 1.ª instância decidiu, aplicando o seu direito aos factos, sem cometer ilegalidade alguma, nomeadamente a que a Apelante lhe vem assacar no seu recurso.
Avançando.
II. Do apoio judiciário e nomeação de patrono;
Neste particular, alega a Apelante/Ré:
“No tocante à primeira questão: permitimo-nos renovar a questão debelada no âmbito do Requerimento com Ref. 7031137, que se renova, dando-se o mesmo brevitatis causae por fielmente e integralmente reproduzido para e com os necessários e advindos efeitos legais, mas querendo repôr: “CC, melhor identificada nos autos em epígrafe referenciados, vem – mui respeitosamente, esclarecer que requereu, em prazo, a concessão de Apoio Jurídico e estava na convicção que tal incluía a nomeação de defensor a fim de contestar a presente acção, quando foi informada pela I.P.S.S., I.P. que teria de incluir o pedido de nomeação e assim prontamente o fez, Cfr. DOC. 1, 2 e 3, tendo ora sido nomeado o presente defensor. Ora, pelo exposto, e atendendo a que a R. acredita ter provas, mormente documentais, que demonstram plenamente a falsidade do alegado, requer-se respeitosamente, que os factos não sejam considerados confessados, e que seja concedido prazo para a R. contestar a presente demanda.”
B - Salvo melhor entendimento, não está ao alcance do conhecimento do homem médio, cidadão comum ou uma pessoa "digamos" normal, querendo dizer sem conhecimentos técnico-jurídicos, saber que tem de solicitar na Segurança Social a nomeação de patrono e que este - até porque a citação diz ser obrigatório - não lhe é oficiosamente nomeado, caso não constitua por sua iniciativa.
C - Por outra banda, a R. quando teve essa noção ou tomada de consciência pediu a nomeação de advogado em 5 de Janeiro de 2022, pelo que se encontra provada a pretensão da R. e que tal situação gerada deveu-se a uma lapso ou falta de informação que deve ser atendida, principalmente com as consequências que tem, como teve.
D - É que a R. - mesmo no entendimento de não ter oferecido contestação e impendendo este ónus sobre si - afirmou ter provas, mormente documentais que demonstra, claramente que os factos legados alegados na petição inicial são falsos, pelo que constitui uma nulidade, que se deixa expressamente expressa, a omissão de diligências essenciais e imprescindíveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa, pois o presente Tribunal poderia - rectius, deveria - no seu dever ex oficio ter, pelo menos, solicitado esses documentos e incompreensivelmente, não o fez”.
O prazo para contestar a acção comum é um prazo processual, sujeito à regra da continuidade dos prazos, prevista no artigo 138.º, sendo que, por se tratar de um prazo peremptório, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto - artigo 139.º, 1 e 3.
O prazo inicia-se com a respetiva citação e apenas se suspende ou interrompe nas circunstâncias previstas na lei.
A lei do apoio judiciário – Lei 34/2004 de 29/07, na redação da Lei 47/2007 de 28/08–prevê no seu artigo 24.º, nº 4, a interrupção do prazo que estiver em curso, quando o pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono é formulado na pendência do processo.
Determina o citado preceito que:
“(…)
4. Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
5. O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono”.
A razão de ser do preceito visa garantir a tramitação processual da acção judicial a prazo certos e definidos e ainda, a garantia de acesso ao direito, por parte daquele que se encontrando numa situação de insuficiência económica carece de nomeação de patrono para promover a sua defesa na acção  - artigos 20.º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
Como se observa no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/2004:
“[A] norma em causa dispõe sobre os efeitos da apresentação do requerimento com que é promovido perante a competente autoridade administrativa o procedimento administrativo de concessão do apoio judiciário e da junção aos autos do documento comprovativo desse requerimento, determinando que “o prazo que estiver em curso interrompe-se” com a junção aos autos deste documento.
A ratio do preceito é evidente. Os prazos processuais são interregnos de tempo que são conferidos aos interessados para o estudo das posições a tomar no processo na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, maxime, para virem ao processo expor os factos e as razões de direito de que estes decorrem. Uma tal decisão poderá envolver a utilização de conhecimento técnicos especializados da área do direito, sendo que a capacidade para a sua prática apenas é reconhecida às pessoas que estão legalmente habilitadas a exercer o patrocínio judiciário, em regra, os advogados.
Ora, estando pendente de apreciação o pedido de concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários de patrono que há de tomar aquela posição do interessado, apreciação essa levada a cabo, no domínio da Lei n.º 30 -E/2000, pelas autoridades administrativas da Segurança Social (no sistema anterior essa tarefa era levada a cabo pelo próprio tribunal), se o prazo em curso não se interrompesse com a apresentação do pedido de apoio à autoridade administrativa competente e a prova dessa apresentação perante a autoridade judiciária perante quem corre a ação, correr-se-ia o risco de o interessado não poder defender de forma efetiva e eficaz os seus direitos e interesses legalmente protegidos, quer porque o prazo entretanto se poderia ter esgotado, quer porque disporia sempre de um prazo inferior ao estabelecido na lei para prática do ato ao qual o prazo está funcionalizado.
A não acontecer essa interrupção, o interessado ficaria sempre em uma posição juridicamente desigual quanto à possibilidade do uso dos meios processuais a praticar dentro do prazo em relação aos demais interessados que não carecessem economicamente de socorrer-se do apoio judiciário por poderem contratar um patrono para defender as suas posições na ação. O princípio da igualdade de armas, corolário no processo do princípio fundamental da igualdade dos cidadãos, sairia irremediavelmente afetado”.
Mas, para isso, a lei faz depender a interrupção do prazo da verificação de um conjunto de pressupostos, a saber: o pedido de apoio judiciário formulado tem de incluir o pedido de nomeação de patrono; a junção aos autos pelo requerente do documento comprovativo da apresentação desse pedido; e, a comprovação enquanto o prazo estiver a correr, pois não é susceptível de interrupção um prazo que já decorreu integralmente.
Mais, como determina a norma do artigo 6.º do Código Civil, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nelas estabelecidas”.
Como escrevem os Apelados:
“Dito isto, e porque ainda que  ”de que ignorância sadia “ se tratasse, o que não é o caso, a ignorância da Lei a ninguém aproveita, e muito menos a “ ignorância” negligentemente grosseira, como também seria o caso.
Efetivamente a Ré foi citada para a presente Ação em 6/10/2021, em terceira pessoa. Quer na nota de citação quer na notificação a que se reporta o artigo 233º do C.P.Civil, foi a Ré expressamente advertida do prazo em que deveria apresentar defesa, da obrigatoriedade de constituir mandatário, e dos efeitos cominatórios da não apresentação de Contestação.- a Ré não é iletrada , tem formação académica superior pelo que objetivamente compreendeu o teor da citação e da notificação que lhe foram feitas.
A Ré sempre soube que beneficiava do prazo de 35 dias- 30 mais 5 de dilação- para apresentar a sua contestação, prazo sobejamente longo para, qualquer pessoa, fazer valer os seus direitos, incluindo o de requerer o benefício de proteção jurídica com nomeação de patrono.
O prazo de que a Ré dispunha (prazo perentório acrescido do dilatório) terminou em 10 de Novembro de 2021 (quarta feira); mas só no dia 5 de Novembro (sexta- feira anterior) é que a Ré solicitou a proteção jurídica na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não podendo ignorar que este pedido não tinha a virtualidade de suspender o prazo que estava a correr para apresentar Contestação, se assim o pretendesse.
O deferimento do Apoio Judiciário na modalidade por ela requerida em 5/11/2021, foi notificado à Ré em 18 de Novembro de 2021. Ora pelo menos nesta data a Ré soube que “não havia pedido a nomeação de advogado”.
Mas só em 5 de Janeiro de 2022, 48 dias depois de saber que não pedira nomeação de advogado é que a Ré foi apresentar o pedido de nomeação de advogado, alegando que só então foi alertada pela S. Social!!!!
Nada impede a Ré de, a qualquer altura do processo, pedir a nomeação de advogado, a substituição de advogado, a constituição de advogado, a revogação de mandato… enfim ….! Não pode é pretender valer-se dessas “ habilidades processuais” para desvirtuar a seu favor as regras processuais, sem sofrer as consequências que da lei derivam.
Como os AA. já adiantaram no seu requerimento anterior, a junção do pedido de apoio judiciário efetuada em 5 de Janeiro de 2022, não foi inocente e logo os AA. previram a atividade processual ( ilegal e contrária à boa-fé processual) que a Ré está a desenvolver, premeditadamente, com vista a entorpecer o andamento do processo, evitar a decisão que há-de ser proferida e o seu transito em Julgado.
É o que manifestamente está a fazer, tanto mais que, ao contrario dos AA. , não tem quaisquer “ encargos com esta atividade processual” porque é o “Estado”, ou seja os contribuintes que, vivendo muito aquém das condições em que a Ré vive, mas pagando os impostos que a Ré não paga,- que ”suportam” esta postura processual da Ré.
Em suma, desabafo para se concluir que o Requerimento agora apresentado pela Ré é manifestamente infundado, dilatório, importuno e descabido, pelo que terá necessariamente que ser indeferido, como é de lei.
Tanto mais que, ainda que em hipótese, que apenas se aborda, se houvesse verificado uma situação de Justo Impedimento da Ré para a prática atempada da Contestação, teria o mesmo que ser alegado, nos termos e nos momentos previstos nos artigos 139º e 140º do C.P.Civil, o que também não se verificou.
Termos em que, concluindo em tudo como nos articulados por si apresentados, requerem os AA. o prosseguimento dos Autos até final, como é de lei e de Justiça”.
Improcede, pois, a alegação da Apelante.
III.Da revelia da Ré;
Escreve a 1.ª instância:
“Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 567º, nº 1, do CPC, decido:
Julgar confessados os factos constantes dos arts. 1º a 38º, 43º e 46º, da petição inicial.
Notifique os Autores para, no prazo de 10 dias, exercerem a faculdade prevista no art. 567º, nº2, 1ª parte, do CPC.
Fica consignado que, quanto ao exercício pela Ré da faculdade prevista no art. 567º, nº2, 2ª parte, do CPC, que se julga, desde já, interrompido o prazo para a Ré exercer tal faculdade, ao abrigo do disposto no art. 24º, nº4, da Lei de Apoio Judiciário, e cujo prazo interrompido se iniciará, conforme os casos previstos nas als. a) e b), nº5, do art.º 24º da Lei do Apoio Judiciário”.
Alega a Ré/Apelante:
“É que a R. - mesmo no entendimento de não ter oferecido contestação e impendendo este ónus sobre si - afirmou ter provas, mormente documentais que demonstra, claramente que os factos legados alegados na petição inicial são falsos, pelo que constitui uma nulidade, que se deixa expressamente expressa, a omissão de diligências essenciais e imprescindíveis para a descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa, pois o presente Tribunal poderia - rectius, deveria - no seu dever ex oficio ter, pelo menos, solicitado esses documentos e incompreensivelmente, não o fez”.
Ora, nos termos do artigo 423.º, “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes; 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”, sendo que, “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ( Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância - artigo 651.º n.º 1.
Ora, neste particular, como alegam os Autores/Apelados, “de facto, a Ré, já pelo punho do seu patrono nomeado, alega ter provas” mormente documentais que demonstra, claramente que os factos alegados na petição inicial são falsos… “ mas em momento algum junta essas provas! A ser verdade, sempre a Ré, já pelo punho do seu patrono nomeado que certamente a terá esclarecido, poderia ter junto aos Autos os documentos que alegadamente já tinha, há muito, em seu poder, uma vez que, independentemente de ter ou não contestado, a sua apresentação tardia é sempre admitida nos termos do disposto no artigo 423º do C. P Civil; Mas a Ré também não usou desta faculdade!”.
Por isso, considerando, ainda, que as alegações/conclusões previstas na norma do artigo º 639.º não têm a virtualidade de impugnar os factos avançados pela Apelada/Autora na sua petição inicial - para isso serve o articulado contestação, no qual deve o Réu, nomeadamente, expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor/não o fazendo, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor – artigo 567.º n.º 1 - , esta, só de si se pode queixar, ao não apresentar contestação ao pedido formulado pelos Autores - como se escreveu no Acórdão do STJ de 12.01.2006 - conselheiro Oliveira Barros - in www.dgsi.pt, “aceite, embora, que o Direito é “uma ciência de rigor” (Heidegger), permanece exacto o ditado segundo o qual – summum jus, summa injuria – “boas são as leis, melhor o uso que delas se faz”.
A 1.ª instância fixou, assim, a matéria de facto:
1 - O A. marido é tio paterno e padrinho de batismo da Ré, CC (art. 1º da petição inicial).
2 - A Ré, desde há muitos anos que se dedica à actividade de mediação imobiliária, nomeadamente prestando serviços em várias sociedades comerciais, algumas dela que criou e onde é ou foi sócia, sócia gerente ou (desde algum tempo a esta parte) apenas gerente - cf. docs. nºs 4 a 9 juntos com a petição inicial – (art. 2º da petição inicial).
3 - Em 2007, os Autores emigraram para a ..., onde já haviam estado anos antes, e foi então que a Ré, dada a relação de parentesco e amizade existente entre ambos, “ofereceu-se” para ficar a “gerir “os negócios dos AA. em Portugal (art. 3º da petição inicial).
4 - Os Autores aceitaram uma vez que a Ré era sua sobrinha e afilhada, era uma pessoa que à data se apresentava acima de qualquer suspeita, mostrou disponibilidade e até empenho em ajudar os Autores (art. 4º da petição inicial).
5 – E, por isso, os Autores aceitaram esta “oferta”, depositaram na Ré toda a confiança, e em contrapartida até disponibilizaram à Ré para esta residir, a casa de habitação que possuem na ..., onde também residia a mãe do Autor marido e avó da Ré (art. 5º da petição inicial).
6 - Desde então os Autores entregaram nas mãos da Ré a gestão do seu património, tendo-lhe entregue um cartão multibanco de uma conta à ordem que tinham na C.G.D. de ..., para a Ré poder fazer pagamentos das despesas relativas aos imóveis dos Autores, nomeadamente IMI, despesas de condomínio, Luz, água, impostos etc. (art. 6º da petição inicial).
7 – Para lá da casa de habitação, sita na ..., onde a Ré residiu, os Autores são proprietários de um apartamento sito na Vila ..., onde a Ré residiu largos meses, e posteriormente, por si dada de arrendamento, no ano de 2009 (art. 7º da petição inicial).
8 - A Ré arrendou o apartamento dos Autores pela renda anual de €3.600,00 (art. 8º da petição inicial).
9 - Entre os anos de 2009 e 2016, a Ré recebeu as rendas do apartamento, as quais deveria ter depositado na conta dos AA, mas que a Ré fez suas, no valor de “cerca” de €21.500,0, como é confessado pela própria, em vários emails, que enviou aos autores, e em documentos por ela elaborados e assinados juntos como docs. nºs 13, 14 e 28, com a petição inicial (art. 9º da petição inicial).
10 - Na gestão de todos os negócios dos Autores, a Ré incumbiu - se de pagar, anualmente, o imposto de circulação do veículo automóvel, com a matricula ..-..-SC, que aqueles tinham, em Portugal, e que era utilizado por esta, para o que os autores lhe entregaram dinheiro, sem que a mesma, alguma vez, houvesse pago o predito imposto (art. 10º da petição inicial).
11 - E por força disso, a Autora, titular inscrita da viatura, foi alvo de inúmeros processos de execução fiscal, dos quais só teve conhecimento em 2017, uma vez que era a Ré quem recebia a correspondência dos Autores, conforme decorre do teor dos docs. nºs 1 e 2 juntos com a petição inicial - (art. 11º da petição inicial).
12- O IMI dos prédios que os Autores possuem em Portugal, nunca foi pago durante os cerca de 9 anos que a Ré esteve “a gerir “os seus bens e dinheiro, em Portugal, e por força disso, os Autores foram alvo de execuções fiscais. (art. 12º da petição inicial).
13 - Desses processos de execução os AA. só tiveram conhecimento, em Outubro de 2017, tendo sido, nessa altura que pagaram quantias de juros, multas e custas processuais, conforme decorre do teor do doc nº 3 junto com a petição inicial (art. 13º da petição inicial).
14 - Os Autores enviavam, cerca de €11.200,00 por ano, para a conta da CGD, SA destinado ao pagamento das despesas e para pagamento do empréstimo do apartamento sito em ... … (art. 14º da petição inicial).
15 - … cujo valor era gasto pela Ré em proveito próprio, tendo deixado o montante de €2000,00 por pagar, o que implicou que os Autores fossem contactados pela ... por estarem em incumprimento, o que muito os abalou e humilhou. (art. 15º da petição inicial).
16 – Desde, pelo menos, o ano de 2009 a Ré dedica-se á mediação imobiliária e até ao ano de 2018, com o controle de várias sociedades comerciais, na qualidade de gerente, designadamente: “S... Ld.ª”; V... Ldª; S&S... Ld.ª; Q...; CC..., Ld.ª; I... Ld.ª e P..., Lda., conforme decorre do teor dos docs. nºs 4 a 9 juntos com a petição inicial (arts. 16º e 17º da petição inicial).
17 - Por força dessa actividade que exercia e exerce, a Ré foi “sugerindo” e convencendo os AA. a entregarem-lhe dinheiro para investirem em imóveis, do seguinte modo: A Ré fazia contratos promessa em nome dos AA., pagava o sinal com o dinheiro dos Autores, e antes de fazer as escrituras, vendia os mesmos imóveis por preço superior, repartindo depois os lucros da s potenciais vendas. (art. 18º da petição inicial).
18 - Para esses efeitos, os Autores conferiram à Ré várias procurações que ela elaborava ou mandava elaborar e que os Autores assinavam sem questionar, seduzidos pelos investimentos e lucros “profetizados” pela “Ré”, em quem confiavam “ cegamente”, por a mesma lhes fazer declarações “de responsabilidade” de “prestação de contas”, com reconhecimento presencial de assinatura da Ré, que espelhavam “algum” do dinheiro que os Autores lhe entregavam em mão para os citados investimentos, conforme decorre do teor dos docs nºs 10, 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial, e “explicava”, por escrito, o destino que “dizia ter dado” ao dinheiro dos AA., na sequência das perguntas que os Autores, lhe iam fazendo sobre o dinheiro que tinham investido e o resultado desses investimentos, conforme decorre do teor dos docs. n.ºs 10 a 13 juntos com a petição inicial (arts. 19º a 21º da petição inicial).
19 - A dada altura, em finais de 2014, os Autores foram alertados por uma pessoa amiga para várias situações de “abuso de confiança” da Ré para com clientes das imobiliárias que Ré geria, para gastos excessivos e falta de pagamento de contas das empresas que a Ré geria e para a “ possibilidade “ de as suas contas, em Portugal, estarem a ser usadas em proveito próprio da Ré (arts. 22º e 24º da petição inicial).
20 - Os Autores nem queriam acreditar no que estavam a ouvir, e a partir daí, começaram a pressioná-la para lhe apresentar contas regularmente, sobre o dinheiro que recebia deles e sobre os alegados investimentos que a Ré fazia em nome deles…(art. 25º da petição inicial).
21- …e, entre conversas pessoais, telefonemas, e emails, os Autores pediam insistentemente à Ré que lhe pusesse o seu dinheiro à sua disposição, recebendo da Ré respostas evasivas, com justificações aparentemente “razoáveis”, mostrando-se até muito “ofendida e desconsiderada” pela desconfiança dos Autores, conforme decorre do teor dos docs. nºs 12 e 14 a 31 juntos com a petição inicial (art. 26º da petição inicial).
22- Em Outubro de 2017, após insistência dos Autores, a Ré resolveu apresentar o destino do dinheiro que os Autores lhe entregaram ao longo dos anos, e demais que recebeu de rendas, que levantou das contas dos AA, que ela própria fez, à sua maneira, nos termos seguintes:
- Rendas do apartamento que esteve alugado: €21.500,00;
-Restante valor que faltava do depósito de 20/02/2017 (€5000 + €2000);
-Aplicação, desde o início, na íntegra no valor + €36.000,00 - valor de €14.000 -aplicação dita conta € 10.000,00(art. 27º da petição inicial).
23 – Por serem de família e não quererem conflitos de qualquer espécie no seio da família, e para evitar levar estes factos ao conhecimento do pai e avó da Ré, (irmão e mãe do Autor marido), os Autores aceitaram como certas estas contas apresentadas pela Ré, declarando-se esta devedora aos Autores da quantia global de €75.500,00(art. 28º da petição inicial).
24 - Feita esta “prestação e acerto de contas” pela Ré aos Autores, e aceitando a sua exatidão, a Ré disse aos Autores que “não tinha dinheiro disponível” para lhes devolver no imediato a quantia que reconheceu estar a dever-lhes, e prometeu que faria a devolução daquela quantia, no prazo máximo de um ano, a contar daquela data, promessa que os Autores aceitaram e na qual confiaram, por a Ré se oferecer para fazer um documento de confissão de divida que seria titulo executivo para que os Autores pudessem executar, em caso de incumprimento por parte da Ré. (art. 29º da petição inicial).
25 –Na sequência do aludido em 24) dos Factos Provados, a Ré assinou o documento denominado CONFISSÃO DE DIVIDA, de forma presencial, no dia 3 de Outubro de 2017, na presença de DD, solicitadora com a cédula profissional nº ...29, com domicílio profissional na rua ..., ... em ..., a qual fez o reconhecimento presencial da assinatura da Ré, junto como doc. nº 32 com a petição inicial, onde consta o seguinte:
DECLARA O SEGUNDO OUTORGNTE” (aqui Ré):
“Que se considera devedora aos PRIMEIROS OUTORGANTES” (aqui Autores) “da quantia de 75. 500,00€ (setenta e cinco mil e quinhentos euros), que dele recebereu a título de empréstimo, reconhecendo que a dívida é certa, líquida e imediatamente exigível na data do seu vencimento sem necessidade de qualquer interpelação e obrigando-se a reembolsá-la integralmente no prazo máximo de cinco meses contados da presente data; ultrapassada esta data, acresce a taxa de juro de mora, que se fixa em 4%;---
Tem prazo de pagamento de 12 meses a contar da assinatura da presente confissão.
Que qualquer outro documemento assinado a prestar contas e a confessar responsabilidade deixa de ter validade com esta confisão de divida.----
Que mais se confessa devedor aos PRIMEIROS OUTORGANTES de todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado, que estes tenham de realizar para garantia e cobrança do seu crédito;
Que ficam por conta dos SEGUNDO OUTORGANTE todas as despesas, encargos, impostos e taxas, que resultem da celebração e execução deste contrato.----
DISSE O PRIMEIRO OUTORGANTE:
Que aceita a confissão de dívida nos termos exarados e dá por cancelados todos os outros documentos, bem como confissões de divida e prestações de conta” (arts. 30º a 34º e 43º da petição inicial).
26 - Até à presente data, e apesar dos apelos dos Autores. a Ré não devolveu um único cêntimo (art. 36º da petição inicial).
27 - A Ré e Solicitadora, bem sabem e sabiam, ao contrário dos Autores, que para valer como Titulo Executivo, o documento particular de confissão ou reconhecimento de divida carecia/carece de ser submetido a autenticação notarial ou por profissional com competência (art. 37º da petição inicial).
28 - Mas a Ré ludibriou os Autores, reconhecendo a sua assinatura presencialmente, sem o submeter a TERMO DE AUTENTICAÇÃO (art. 38º da petição inicial).
29 - Os Autores terão que pagar os honorários da sua mandatária, num valor não apurado (art. 46º da petição inicial).

IV. Do Direito
A questão a responder é a de saber se a Ré deve aos Autores os valores peticionados, por força da sua declaração confessória de dívida constante do doc. nº 32 junto com a petição inicial.
Como escreve a 1.ª instância, “o art. 458.º, n.º 1, do C.Civ., incluído no Capítulo das “Fontes das Obrigações” e na Secção dos “Negócios Unilaterais”, prevê uma situação atípica perante esta regra geral da causalidade, ao admitir que “Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.”
Tem a sua razão explicativa no “facilitar a mobilidade da vida económica” - usando a expressão utilizada por Vaz Serra in “Negócios Abstractos (Considerações Gerais – Promessa ou reconhecimento de dívida e outros actos” in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 83, Fevereiro de 1959, pág. 5 - e como propósito conferir ao credor uma segurança acrescida relativamente ao negócio causal (…) concluímos que a promessa de cumprimento e/ou reconhecimento de dívida é um negócio jurídico atípico, a meio caminho entre os negócios causais e os negócios abstractos, em que a causa de pedir é simplesmente a promessa da prestação e/ou o reconhecimento da dívida, como declaração unilateral do devedor, devidamente formalizada. Assim sendo, entendemos que, não sendo elemento da causa de pedir, é desnecessária e supérflua a alegação na petição inicial da relação causal que esteve na sua origem. Isto é, o credor está desonerado quer de alegar a causa ou título justificativo da promessa de prestação ou de reconhecimento de dívida, quer de a provar – cf. neste sentido, Acórdão do STJ, de 08/03/05, Relator Lopes Pinto, disponível in www.dgsi.pt. onde se lê: “No negócio unilateral contemplado no art.º 458.º CC, não declarada a causa, presume-se que a obrigação a tem cabendo ao devedor a prova de que inexiste a relação fundamental.” No mesmo sentido, Acórdão da Relação do Porto de 17/05/01, Relator Mário Fernandes, Processo n.º 0130473, disponível in www.dgsi.pt. onde se lê: “A declaração que encerra o reconhecimento de uma dívida é bastante para formular o pedido de condenação do autor da declaração, cabendo a este demonstrar que a dívida não existe, resulta de eventual negócio ilícito ou que é falsa a factualidade ou negócio gerador da obrigação resultante daquela declaração.”


 Ora, se é certo, que todas as obrigações devem ter uma causa concreta, com excepção dos títulos de crédito e, mesmo nestes, só fora das relações imediatas – art.º 17 da LULL – o art.º 458 nº 1 do Código Civil não constitui um desvio à obrigação de concretização da causa do crédito e, por isso, a promessa de prestação ou reconhecimento de dívida que aí se menciona não constitui uma fonte autónoma da obrigação – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela C.Civil Anotado 2ª edição  vol. I pág. 385.
No entanto, a citada norma atribui ao alegante um benefício probatório, invertendo o ónus da prova da existência da relação fundamental, justificada pelo equilíbrio que deve existir entre a responsabilidade que comporta a afirmação do que se declara devedor e a exigência regra de ser o credor a ter de provar a existência obrigação.
Por isso a declaração unilateral de reconhecimento de dívida, nos termos do disposto no art.º 458 nº 1 do Código Civil, faz presumir que a dívida existe, que há uma causa e inverte o ónus da prova dispensando o que se se arroga a posição de credor de provar a causa da dívida. – Neste sentido, por ex. o acórdão do STJ de 8.4.2021, pesquisável em www.dgsi.pt.
Assim, correcto está o decidido pela 1.ª instância, que, com a devida vénia, aqui reproduzimos:
“Feito, assim, o devido enquadramento jurídico no qual nos iremos mover, e revertendo ao caso dos autos, e tal como decorre dos factos provados – cf. pontos 25 a 29 – os autores e a ré outorgaram o documento particular intitulado “CONFISSÃO DE DÍVIDA”, em 03 de Outubro de 2017, em que ficou a constar que a Ré se considera devedora aos aqui Autores da quantia de €75. 500,00, obrigando-se a reembolsá-la integralmente no prazo máximo de cinco meses contados da data da assinatura do predito documento, e ultrapassada esta data, acresceria a taxa de juro de mora de 4%, e bem assim, a Ré se considera, ainda, devedora aos Autores dos honorários de advogado que estes tenham de realizar para garantia e cobrança do seu crédito.
Mais se provou que, até à presente data, e apesar dos apelos dos Autores, a Ré não devolveu um único cêntimo, e que os Autores terão que pagar os honorários à sua mandatária com a cobrança de tal dívida, num valor que não se logrou apurar.
A declaração confessória da Ré traduz, sem margem para dúvidas, o reconhecimento por esta de uma dívida para com os Autores, e bem assim, a assunção por esta da obrigação de liquidar a dívida no prazo de cinco meses, após o que, em caso de falta de liquidação de tal dívida, acrescerão juros moratórios convencionados de 4% sobre a dívida até integral e efectivo pagamento, e bem assim, a assunção por esta da obrigação de liquidar aos autores os honorários que terão de suportar com o mandatário relativo à cobrança de tal dívida.
Trata-se, assim, “in casu” de uma dívida subordinada à estatuição do art. 458.º do C. Civ., e portanto, não tendo a Ré contestado a acção, a mesma não afastou a presunção consagrada neste normativo.
Por ser, assim, e evidenciando os factos provados, em causa, que, no prazo de cinco meses decorridos sobre a data da assinatura do predito documento, a Ré não pagou aos autores qualquer importância, por conta da dívida no valor de €75.500,00, então, por aplicação do disposto nos arts. 397º, 406º e 798º, do C.Civ., impor-se-á “in casu” condená-la a pagar a dívida em tal montante, e bem assim, condená-la, ainda, a pagar aos autores, os juros moratórios, à taxa convencionada de 4% ao ano, sobre a dívida em tal montante, que se venceram, desde a data da sua constituição em mora (ou seja, 03/03/2018) até à data da entrada em juízo da acção (ou seja, 30/09/2021), no montante de €10.814,08, e ainda, a partir daí, os juros moratório segundo a taxa convencionada, até integral e efectivo pagamento, por força do disposto nos arts. 804º, 805º, nº1 e 2, al. a) e 806º, nº2, do C. Civ., assim como se imporá, ainda, condená-la a pagar aos autores os honorários que terão de suportar com o seu mandatário relativos à cobrança de tal dívida, por força do disposto nos arts. 397º, 406º e 798º, do C.Civ., e cujo valor não se logrou apurar, e por que não há elementos no processo que permitem julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados o “quantum” indemnizatório devido, a este título, pela ré aos autores, nos termos previstos no art. 566º, nº3, do C.Civ., impor-se-á “in casu” relegar para liquidação ulterior de sentença o “quantum” indemnizatório a pagar pela ré aos autores, titulo de honorários, que estes terão de suportar com o seu mandatário para cobrança da dívida, em causa, em conformidade com o disposto nos arts. 565º, do C.Civ. e 609º, nº2, do CPC.
Forçosamente se conclui, assim, em face do exposto, portanto, que os autores obtêm vencimento total na presente acção”.
Improcedem, pois, as conclusões da Ré/ Recorrente, mantendo-se o decidido pelo Juízo Central Cível de Coimbra.

Sumário:
(…)

3.Decisão
Assim, na improcedência do recurso, mantemos o decidido pelo Juízo Central Cível de Coimbra - Juiz 1.
As custas ficam a cargo da Apelante – sem prejuízo do apoio judiciário.
Coimbra, 12 de Julho de 2022.

(José Avelino Gonçalves - Relator)
(Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)
(Emidio Francisco Santos – 2.º adjunto)