DIREITO DE EXCLUSÃO DE SÓCIO
PRAZO PARA EXERCÍCIO DO DIREITO
APLICAÇÃO ANALÓGICA
CONHECIMENTO DOS FACTOS
Sumário

I – A constituição de um direito de exclusão de sócio envolve sempre a superveniência de um facto, relativo ao sócio (ao seu comportamento ou à situação em que se encontra), que vem tornar inexigível à sociedade que o continue a suportar no seu seio.
II – Para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio a que se reporta o art. 242.º do CSCom., por meio de deliberação societária, determinante da propositura da ação judicial correspondente, é de aplicar, por analogia, o prazo de 90 dias a que se referem os arts. 241.º, n.º 2, e 234.º, n.º 2, do CSCom..
III – Tendo em conta que as sociedades, enquanto pessoas coletivas, só podem agir (e conhecer e querer) por meio dos titulares dos seus órgãos, quando a lei determina o prazo para o exercício de qualquer direito por aquelas faz reportar o início da sua contagem ao tempo do conhecimento dos factos em causa pelos respetivos sócios ou gerentes.

Texto Integral


Processo n° 2999/21.4T8CBR-A.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1° Adjunto: Paulo Correia

2° Adjunto: Helena Melo

 

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

C..., Lda. intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, pedindo:

que se decrete a exclusão da sócia ré e que esta seja condenada no pagamento de uma indemnização por danos sofridos, a ser fixada com recurso à equidade, em montante não inferior ao valor a que terá direito a receber pela sua quota, e que deverá perder a favor da autora ou, quando assim se não entenda, em montante a liquidar ulteriormente.

A Ré apresenta contestação, invocando, entre outras, a exceção de prescrição/caducidade da presente ação por se encontrar decorrido o prazo de 90 dias para a autora deliberar e exercer o direito de excluir judicialmente a Ré, nos termos do art. 240º do CSC.

A autora vem responder a tal exceção, no sentido da sua improcedência, alegando que a sociedade não se encontra obrigada a obedecer a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio, para além do prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309º do CC.

 Pelo Juiz a quo foi proferido Despacho Saneador, a julgar improcedentes as demais exceções invocadas pela ré,

“julgando parcialmente procedente a exceção de prescrição suscitada, absolvendo, a ré do pedido de exclusão como sócia”

e determinando o prosseguimento da ação para conhecimento do segundo pedido indemnizatório formulado.


*

Não se conformando com o decidido quanto à improcedência de tal exceção, a Autora dela interpõe recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

I – O presente recurso cinge-se à parte do douto Despacho Saneador em que se julga parcialmente procedente a exceção de prescrição suscitada e, consequentemente, se absolve a Ré do pedido de exclusão como sócia da sociedade Autora;

II – A causa de pedir nos presentes autos assenta no comportamento desleal da Ré, traduzido no favorecimento da atividade concorrencial por outra sociedade, com objeto idêntico ao da Autora, de que é sócio e gerente o filho da Ré;

III – No Código das Sociedades Comerciais, o direito de exclusão de sócio está previsto em duas vertentes distintas, uma de fonte contratual e outra de fonte legal.

IV - O direito exercido pela Autora por via desta ação, de exclusão judicial de sócio, trata-se de um direito potestativo extintivo, do qual é titular a própria sociedade; que é conferido pela cláusula geral enunciada no artigo 242.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais;

V – Foi entendimento erróneo do Tribunal a quo que “o prazo de prescrição para o exercício do direito de exclusão é de 90 dias, ocorrendo a prescrição do direito se não houver deliberação dos sócios no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto que serve de fundamento à exclusão e se após a deliberação a ação não for intentada no prazo de 90 dias”;

VI – Considerou para tanto que, não estabelecendo o artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais qualquer prazo para o exercício do direito de exclusão judicial de sócio, será de aplicar o prazo de prescrição de 90 dias que vale para o caso da exclusão por deliberação prevista no n.º 2 do artigo 241.º do mesmo Código, que considera análogo;

VII – Sucede que, a exclusão judicial do sócio por via da cláusula geral do n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais trata-se de uma situação absolutamente distinta da exclusão por mera deliberação social com fundamento em factos fixados no contrato: em que basta a simples verificação factual de um evento objetivamente previsto no pacto social para do mesmo se possa retirar a respetiva consequência jurídica;

VIII – Subjacente ao direito à exclusão judicial está uma questão bem mais complexa, que envolve a formação de um juízo fundamentado de desvalor, à luz do princípio da lealdade e do bom funcionamento da sociedade, da conduta imputada ao sócio; bem como a avaliação da prejudicialidade dos factos em face do interesse da sociedade;

IX – Desse juízo tem de resultar uma gravidade e prejudicialidade que torne inexigível a manutenção do sócio na relação de participação na sociedade;

X – O que faz repercutir na sociedade, para fazer valer o seu direito, o ónus de alegação e da prova dos factos imputados ao sócio, em todos os aspetos e vertentes que sejam revelantes à boa decisão da causa, por forma a que dos mesmos o Tribunal possa extrair as consequências que, em termos abstratos, a lei prevê o seu autor;

XI – Não basta, assim, uma simples deliberação declarativa do direito, contrariamente ao que sucede com o direito à exclusão de sócio de fonte contratual.

XII – A subsunção dos factos concretos, da vida real, praticados pelo sócio, à cláusula geral prevista no n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais, impõe um mais profundo e detalhado exercício de exegese, que é manifestamente incompatível com o “curto prazo de prescrição” aplicável à simplificada exclusão do sócio por força do contrato, alcançável pela mera verificação de um facto objetivo e tipificado;

XIII – Sendo que, só após a formulação desse juízo, e da respetiva decisão do Tribunal que aprecie e julgue a conduta do sócio, é que os factos que lhe são imputados pela sociedade adquirem a eficácia constitutiva do direito à exclusão do sócio;

XIV – No caso concreto dos autos, o prazo de 90 dias não é justificado, nem razoável; sendo necessário um prazo mais longo, não só para que a sociedade adquira o pleno conhecimento de todos os elementos constitutivos do direito que lhe compete, mas também para que se prepare convenientemente para o fazer valer na instância judicial;

XV - Aliás, como se pode ler no douto Ac. TRE de 27.10.1991: “(…) a natureza e gravidade de que se deve revestir o procedimento de um sócio para que, segundo o n.º 1 do art. 242.º do Código das Sociedades Comerciais possa ser excluído judicialmente da sociedade, justifica, inteiramente, que não se tenha estabelecido prazo para a propositura da respectiva acção” – in Colectânea de Jurisprudência, 1991, 4.º, pág. 316 e ss.

XVI – Nenhum dos demais casos invocados no douto Despacho recorrido é análogo ao exercício do direito á exclusão judicial do sócio por via da cláusula geral do n.º 1 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais, respeitando a situações e finalidades diferentes – sendo para além do mais manifesta a objetividade dos factos, todos eles típicos, que em cada uma daquelas situações determina o efeito jurídico visado pela norma e que torna admissível a fixação de um curto prazo de prescrição de 90 dias;

XVII – E nenhum deles carece de intervenção judicial para a produção de efeitos;

XVIII – A circunstância de o prazo de 90 dias ser comum para a definição de diversos direitos de titulares de quotas ou da gerência no Código das Sociedades Comerciais não o torna, de modo algum, um prazo supletivo, muito menos o aplicável, nem por analogia, ao exercício do direito à exclusão judicial de sócio, para o qual a lei não prevê prazo especial;

XIX – Foi intencionalmente que no Código das Sociedades Comerciais não se fixou nenhum prazo para a propositura da ação destinada à exclusão judicial de sócio; nem se compreenderia que, tendo-se no n.º 3 do artigo 242.º (relativamente à amortização da quota do sócio excluído por decisão judicial), ou no n.º 3 do artigo 240.º (relativamente à intenção de exoneração de sócio), estabelecido prazos, não tenha o legislador procedido do mesmo modo relativamente à deliberação da propositura da acção de exclusão judicial de sócio; e que não fixado tal prazo, nem sequer por remissão para outra disposição legal, tal como fez expressamente quanto ao prazo para a deliberação sobre a exclusão de sócio por força do contrato no n.º 2 do artigo 141.º do Código das Sociedades Comerciais.

XX – Não há qualquer lacuna ou omissão: não estabelecendo o artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais qualquer prazo para o exercício do direito, deverá ter-se em conta o prazo ordinário de prescrição, não estando a sociedade obrigada a obedecer a qualquer prazo especial;

XXI – Neste sentido já se pronunciou a mais alta instância judicial nacional – cfr- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2003, Proc. 5499/02, consultável em www.dgsi.pt.

XXII – Mesmo que assim se não entenda, ao estarmos perante um caso eventualmente omisso, este não deve ser resolvido a partir de uma qualquer similitude de carácter lógico-formal, sendo antes necessário que a razão substancial justificativa da solução contida na norma proceda em relação ao caso omisso, mesmo que entre as situações se verifiquem diferenças de forma ou de conteúdo – neste sentido, cfr. A. VARELA, RLJ, ano 115, pág. 348.

XXIII – O prazo para o exercício do direito em causa nos presentes autos, desde logo pela sua natureza, gravidade e complexidade, terá as mesmas razões justificativas que admitem o prazo de prescrição de 5 anos para o exercício do direito judicial à indemnização, nos termos do disposto no artigo 174.º n.º 1 alínea b) do Código das Sociedades Comerciais; não fazendo qualquer sentido para o prazo para o exercício do direito à exclusão judicial do sócio, que assenta na mesma matriz axiológica, seja porventura diferente daquele; sendo esta a interpretação e eventual integração que se impõem, desde logo, face ao Ordenamento Jurídico Societário considerado à luz da unidade do sistema jurídico;

XXIV – Por outro lado, importa reter que o direito exercido pela Autora por via desta ação, de exclusão judicial de sócio, pertente à sociedade; não aos sócios, nem aos gerentes;

XXV – As sociedades formam e manifestam a sua vontade social através dos respetivos órgãos sociais – sendo que, tendo em conta o disposto no artigo 246.º n.º 1 alínea g) do Código das Sociedades Comerciais, é nítido que a ação de exclusão judicial de sócio tem de ser proposta pela sociedade, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios;

XXVI – Os sócios das sociedades por quotas deliberam, por norma, em assembleia geral convocada - cfr. artigo 247.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais; nas palavras de PINTO FURTADO, a assembleia geral é o “órgão supremo da sociedade”;

XXVII – Aliás, uma vez que não produz efeitos extintivos, a deliberação prevista no n.º 2 do artigo 242.º do Código das Sociedades Comerciais não será, assim, uma mera formalidade, sendo antes o meio de formação e de exteriorização da vontade da sociedade;

XXVIII – Qualquer que seja o prazo aplicável ao exercício do direito à exclusão judicial do sócio, a sua contagem só se inicia com o efetivo conhecimento, pela sociedade – na pessoa de todos os seus sócios – dos elementos constitutivos do direito que lhe compete; sendo que não podemos confundir a competência da gerência, de gestão e representação da sociedade, com a competência dos sócios nas matérias que lhe são legalmente reservadas;

XXIX – Sucede que, dos factos dados como assentes com interesse para a Decisão recorrida, bem como dos Docs n.ºs 3, 4 e 7 juntos com a petição inicial, não resulta que a sociedade Recorrente – leia-se, na pessoa de todos os seus sócios – tenha conhecimento dos factos praticados pela Ré desde 30 de novembro de 2020, data em que a Ré foi inquirida no âmbito de um processo disciplinar e prestou depoimento sobre os factos e comportamentos que fundamentam o pedido de exclusão;

XXX – Como resulta dos identificados documentos, tais declarações foram feitas perante Advogado, nomeado pela gerência como Instrutor do processo disciplinar; e, portanto, sem poderes para representar ou vincular a sociedade e com um mandato limitado à instrução do processo disciplinar em causa; não estando sequer presente a gerente da sociedade;

XXXI – Não podendo extrair-se de qualquer documento junto aos autos, nem do acordo das partes, o conhecimento pela sociedade ora Recorrente – leia-se, na pessoa de todos os seus sócios – de tais factos nessa data; imponto, assim, quer os factos dados como assentes, quer a prova documental junta aos autos, decisão diversa da recorrida quanto a este ponto;

XXXII - A presente ação só podia ser regular e legitimamente proposta pela sociedade Autora após a data da deliberação tomada pelos sócios reunidos em Assembleia Geral, data em que a respetiva gerente deu conhecimento ao órgão social com competência para a deliberação em causa dos factos adquiridos no exercício das suas funções;

XXXIII – Assim, o início do prazo para o exercício do direito de exclusão da Ré como sócia da ora Recorrente deve contar-se a partir da data da deliberação social, sendo esta a data em que se pode atribuir o conhecimento dos factos a todos os sócios da Autora;

XXXIV – Sendo este, aliás, o entendimento aplicável à contagem do prazo para o exercício direito da sociedade em obter a destituição do gerente por justa causa em virtude do exercício pelo gerente de atividade concorrente com a da sociedade, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 254.º do Código das Sociedades Comerciais – que se reporta ao momento em que todos os sócios tenham conhecimento desse facto;

XXXV – Como a deliberação foi tomada em 02 de Junho de 2021 e a presente ação deu entrada em juízo em 02 de Julho de 2021, não prescreveu o direito da sociedade Autora;

XXXVI – O douto Despacho ora recorrido violou, entre outras, as disposições dos artigos 242.º n.ºs 1 e 2; 241.º e 243.ª, 246.º n.º 1 alínea g); 186.º n.º 2, 225.º n.º 2, 226.º n.º 1, 234.º n.º 2, 240.º n.º 3 e 254.º n.º 6; 174.º n.º 1 alínea b); 54.º e 247.º n.º 1, todos do Código das Sociedades Comerciais; e, bem assim, os artigos 9.º, 10.º, 11.º e 309.º do Código Civil;

XXXVII – Por estes motivos, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Despacho Saneador na parte ora impugnada e substituindo-se o mesmo por outro que julgue totalmente improcedente a exceção de prescrição suscitada e, consequentemente, ordenando o prosseguimento dos autos para julgamento e decisão sobre o pedido de exclusão judicial da Ré como sócia da sociedade Autora.


*

A Ré apresentou contra-alegações do sentido da manutenção do decidido, que resume pela seguinte forma:

(…).


*

Dispensados que foram os vistos legais ao abrigo do disposto no artigo 657º, nº4 do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.  

*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Código de Processo Civil –, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
1. Se o direito de exclusão de sócio por justa causa previsto no artigo 242º do CSC se encontra sujeito ao prazo de 90 dias previsto nos artigos 241º, nº1, e 234º, nº2, do CSC, por analogia.
2. Em caso afirmativo, se no caso tal prazo não se mostra ultrapassado.
**

A. Matéria de facto

O tribunal teve como relevantes os seguintes factos, para a apreciação da invocada exceção da prescrição/caducidade do direito da autora a requerer a exclusão da Ré como sócia da sociedade autora:

1. A sociedade autora tem por objeto social a atividade de agenciação e trading, importação e exportação.

2. E exerce a atividade económica principal de Comércio a retalho de vestuário para adultos, em estabelecimentos especializados e a secundária de comércio por grosso de têxteis.

3. Encontra-se matriculada desde 07.12.1992, tendo inicialmente como sócios e gerentes BB e as suas filhas CC e DD.

4. No dia 1.6.03.2020 faleceu o sócio BB deixando como únicas e universais herdeiras as suas duas filhas.

5. Por contrato datado de 30.06.202L, as identificadas herdeiras acordaram na partilha das quotas pertencentes ao seu falecido pai, representativas de 96,650/o do capital social da Autora, a saber, uma quota social no valor nominal de € 79.951,92, e uma quota no valor nominal de € 698,32, tendo as mesmas sido adjudicadas a favor de DD.

6. A ré é titular de uma quota no valor nominal de € 698,31., representativa de 0,83o/" do capital social da autora.

7. Esta quota foi transmitida pelo Sr. BB, por meio de contrato escrito celebrado em 15.12.2015, a título gratuito.

8. A sociedade T...,Lda. foi constituída em 7.08.2020 e matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., com os seguintes sócios: a) EE, (…), com uma quota no valor nominal de € 2.500,00; b) FF, solteira, maior (…), com uma quota no valor nominal de € 2.500,00.

9. E tem por objeto o comércio por grosso e a retalho de vestuário, acessórios, calçado e têxteis, agenciação, trading, importação e exportação.

10. A autora instaurou um procedimento disciplinar contra a ex-trabalhadora GG.

11. Em 30.12.2020 a ré e o seu filho EE depuseram sobre a matéria factual indicada na resposta à nota de culpa de GG.

12. A ré declarou na sua inquirição ter estado presente no dia em que a sócia-gerente da sociedade autora confrontou no espaço da receção, a ex-sócia GG sobre o acesso que esta fizera à conta de correio eletrónico ...@gmail.com.

13. Tendo assistido à confissão desta última quanto ao acesso que fez através do computador afeto ao seu posto de trabalho, admitindo que esta ficava nas instalações da empresa durante a hora de almoço.

14. A ré declarou que teve conhecimento da partilha de uma tabela de preços da marca ... pela ex-sócia GG através da referida conta de correio eletrónico "...@gmail.com" e que esta também teria enviado um email à T...,Lda.

15. E que o motivo pelo qual esta acedeu à referida conta da empresa concorrente T..., Lda. foi mera curiosidade/ uma vez que a empresa pertence ao seu filho EE e à filha da trabalhadora arguida FF.

16. Declarou igualmente, no âmbito do seu depoimento ter tido conhecimento da data de constituição da empresa T...,Lda., acrescentando que dera o seu apoio para a criação da mesma ao seu filho EE, e que não informou a sócia-gerente da sociedade autora da sua intervenção na abertura da T...,Lda., nem que tinha o dever de a informar.

17. Declarou ter conhecimento de que, em julho 2020, foi recebida nas instalações da autora um e-mail provindo da HH com a informação de que o contrato entre ambas as sociedades tinha terminado.

18. E mais confirmou que integrou um grupo de sócias proponentes para a aquisição da C..., Lda como também sabia que o principal ativo da C..., Lda era o contrato com a HH como sua representante comercial.

19. A ré declarou nos citados autos disciplinares que a intenção das referidas sócias proponentes seria a de continuar com o contrato de representação com a HH caso tivessem ficado com a empresa C...,Lda.

20. E que que forneceu ao seu filho EE os contactos dos vendedores da autora a fim de o mesmo dialogar com os mesmos a respeito de assuntos comerciais

21. Em assembleia geral extraordinária realizada a2 de junho de2021, pelas 18 horas, os sócios da ré deliberaram:

a) exclusão da sócia AA, ao abrigo do preceituado nos artigos 214.e, n.e 6, 241.e, 242.a e 246.a, n.a 1., alínea c) do Código das Sociedades Comerciais, mediante a instauração de ação judicial no tribunal competente (Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca ...);

b) constituir, ao abrigo do preceituado no artigo 242.e, n.e 2, do Código da Sociedades Comerciais, mandato forense a favor do Advogado que subscreveu a petição inicial, conferindo-lhe poderes forenses gerais e ainda os especiais para confessar, transigir e desistir no âmbito da propositura do referido processo judicial de exclusão da Ré.


*

1. Se a deliberação da exclusão de sócio se encontra sujeita ao prazo de 90 dias a que aludem os artigos 241º, n.2 e 234º, n.2 CSC.

Na contestação que deduziu à presente ação, a Ré invoca a prescrição do direito da autora, alegando que, embora o artigo 242º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) não estabeleça qualquer prazo para que a sociedade delibere a exclusão de sócio, haverá que aplicar por analogia o prazo de 90 dias a que aludem os arts. 241º e 234º, ns 3 e 2, do mesmo diploma, a partir do conhecimento dos factos por algum dos gerentes. Como tal, tendo em conta que a autora terá tido pleno conhecimento dos factos em 27.11.2021, deveria ter deliberado a propositura da ação de exclusão de sócio nos subsequentes 90 dias, apenas o tendo vindo a fazer em 02.06.2021;

A autora apresentou resposta, alegando que a sociedade não está obrigada a qualquer prazo especial para o exercício do seu direito de exclusão de sócio, tendo apenas que ter em conta o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no art. 309º do Código Civil, contado a partir da data da deliberação social.

A decisão recorrida veio a considerar que o direito de exclusão de sócio previsto no artigo 241º se encontra sujeito a um duplo prazo de prescrição de 90 dias, com base na seguinte fundamentação:

- o artigo 242º CSC não estabelece qualquer prazo para o exercício do direito potestativo de exclusão de sócio nas sociedades por quotas, ao contrário do que sucede nas sociedades em nome coletivo, de acordo com o artigo 186º, nº2, do CSC, no qual o exercício do direito de exclusão está sujeito a um prazo de prescrição de 90 dias a partir do momento em que os gerentes tiveram conhecimento do facto que permita a exclusão;

- o exercício de tal direito encontrar-se-ia necessariamente sujeito a um prazo de prescrição, por força do art. 298º, nº2 do CPC, pelo que, tem sido debatido na jurisprudência se o prazo aplicável é o geral de 20 anos estabelecido no artigo 309º CC, ou se o de 90 dias, estabelecido, nomeadamente, no art. 254º nº6, CSC, para o exercício do direito à destituição do gerente por violação de obrigação de não concorrência e consequente indemnização pelos prejuízos causados, ou no artigo 241º, nº2, CSC para a exclusão de sócio por deliberação social com fundamento em factos fixados no contrato respeitantes à pessoa do sócio;

- sustentando ser maioritária a segunda das soluções apontadas, justifica a opção do tribunal pela mesma, do seguinte modo:

Ora, segundo o disposto no art. 241º, n. 1, do Código das Sociedades Comerciais, no caso de ser admissível a exclusão de sócio por deliberação social com fundamento em factos (fixados no contrato) respeitantes à pessoa ou comportamento do sócio, a deliberação de exclusão tem que ser tomada no prazo de 90 dias a partir do conhecimento do facto: isso mesmo resulta da remissão do n.e 2 do art. 241,.e para o regime da amortização das quotas, que se efetuam, nos termos do art. 234.e do Código das Sociedades Comerciais, por deliberação dos sócios tomada no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto. E é também de 90 dias a contar do facto que lhe atribui tal faculdade o prazo para o sócio se exonerar/ conforme aft. 240.e, n.e 3.

Temos, pois, que para o caso (análogo) de exclusão por deliberação vale o prazo de prescrição de 90 dias sendo igualmente de 90 dias o prazo para exoneração do sócio existindo causa de exclusão. Perante estes curtos prazos de exclusão por deliberação e de exoneração, é de todo inaceitável que o prazo de prescrição para a exoneração judicial possa ser o longuíssimo prazo de prescrição ordinária de 20 anos, prazo este que, ademais, se mostra incompatível com as exigências de celeridade que caracterizam o direito comercial.

Por fim, há a referir que o prazo de 90 dias é erigido pelo Código das Sociedades Comerciais como prazo regra para a definição dos direitos dos titulares de quotas ou da gerência: veja-se nesse sentido os arts. 225º, nº 2, 226º, n.1, 234., nº2 ,240º, nº3, 254, nº 6, do referido diploma.

Pelo exposto, face à existência de preceito no Código regulador de caso análogo nesse sentido, entendemos que o prazo de prescrição para o exercício judicial do direito de exclusão é de 90 dias, ocorrendo a prescrição do direito se não houver deliberação dos sócios no prazo de 90 dias a contar do conhecimento do facto que serve de fundamento à exclusão e se após a deliberação a ação não for intentada no prazo de 90 dias.

A Apelante insurge-se contra o entendimento de se considerar aplicável à destituição judicial de sócio, por analogia, o prazo de 90 dias previsto no artigo 241º, nº3 (para a exclusão do sócio com fundamento em factos fundados no contrato respeitantes à pessoa do sócio), com a seguinte argumentação:

1. a exclusão judicial do sócio por via da cláusula geral do nº1 do artigo 242º do CSC, integra uma situação completamente distinta da exclusão por mera deliberação social com fundamentos em factos fixados no contrato, em que basta a simples verificação factual de um evento objetivamente previsto no pacto social para que do mesmo se possa retirar a respetiva consequência jurídica; já a subsunção dos factos concretos, da vida real, praticados pelo sócio, à clausula geral prevista nº nº1 do art. CSC, impõe um profundo e detalhado exercício de exegese , que é manifestamente incompatível com o “curto prazo de prescrição” aplicável à simplificada exclusão de sócio por força do contrato, alcançável pela mera verificação de um facto objetivo e tipificado;

2. nenhum dos demais casos invocados é análogo, nenhum deles carecendo que intervenção judicial para a produção de efeitos;

3. a circunstância de tal prazo de 90 dias ser comum para a definição de diversos direitos de titulares das quotas ou de gerência no CSC não o torna um prazo supletivo;

4. foi intencionalmente que no CSC não se fixou nenhum prazo para a propositura da ação destinada à exclusão de sócio, pelo que não existindo qualquer lacuna, há que aplicar o prazo ordinário de prescrição.

Quer se entenda, tratar-se de um prazo de prescrição[1], como foi entendido pela sentença recorrida e pelas partes, quer se entenda ser um prazo de caducidade[2] – questão que não se encontra aqui em discussão e que não tem relevo para a decisão em apreço –, não podemos dar razão à Apelante.

Encontra-se aqui em discussão o direito de “Exclusão judicial de sócio” previsto no artigo 242º do Código das Sociedades Comerciais (CSC):

1. Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes.

2. A proposição da ação de exclusão há de ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes para o efeito.

3. Dentro dos 30 dias posteriores ao transito em julgado da sentença de exclusão deve a sociedade amortizar a quota o sócio, adquiri-la ou fazê-la adquirir, sob pena de a exclusão ficar sem efeito.

No artigo 242º, em vez de proceder à tipificação de determinadas condutas suscetíveis de conduzir à exclusão de sócio, o legislador optou pelo recurso a uma cláusula geral, que envolve a verificação simultânea de dois requisitos:

a) um comportamento do sócio, passível, por si só, de um juízo de desvalor, quer por violar princípios de lealdade, quer por gravemente perturbador do funcionamento da sociedade;

b) que esse comportamento do sócio tenha causado ou possa vir a causar à sociedade prejuízos relevantes.

O direito de exclusão de sócio apresenta-se como um direito potestativo extintivo do qual é titular a sociedade, previsto para disciplinar um conflito de interesses entre a sociedade e o sócio, cujo reconhecimento exprime a prevalência do interesse da sociedade na saída do sócio da sociedade sobre o interesse do sócio de nela permanecer ou de não sair dela sem ou contra a sua vontade.

E, segundo o disposto no artigo 241º do CSC, um sócio pode ser excluído da sociedade:

i) nos casos e termos previstos na presente lei;

ii) bem como nos casos respeitantes à pessoa ou ao seu comportamento fixados no contrato.

O direito de exclusão pode, assim, ter origem na lei ou no contrato de sociedade.

Dentro dos fundamentos legais de exclusão, encontramos, como o mais significativo a previsão do artigo 242º, por conter uma clausula geral de exclusão, e ainda, outras causas legais, como a falta de cumprimento pontual de entrada de dinheiro, cujo vencimento tenha sido diferido (arts. 204º e 203), ou a utilização de informações societárias de modo a prejudicar injustamente a sociedade (art. 214º, nº6).

Ora, ao contrário do que acontece com o direito de exclusão “por força do contrato”, para o qual se prevê a obrigatoriedade de a deliberação ser tomada no prazo de 90 dias (nº2 do art. 241º, ao remeter para o regime da amortização de quotas), a lei não estabelece qualquer prazo para o exercício do direito de exclusão de sócio, através da deliberação dos sócios e consequente propositura de ação judicial prevista no nº1 do artigo 242º do CSC.

Sustenta a Apelante não nos encontrarmos aqui perante uma situação de omissão, a suprir pelo recurso à analogia, tendo sido intencionalmente que no CSC não se fixou qualquer prazo para a propositura da ação, sendo de aplicar o prazo ordinário de 20 anos.

Antes de mais, haverá que assentar em que, no caso em apreço, o direito de exclusão, com fundamento no nº1 do artigo 242º CSC, foi considerado prescrito por a deliberação de exclusão ter sido tomada depois de decorridos mais de 90 dias a contar do conhecimento dos factos em que se baseia, e não, por qualquer atraso na propositura da respetiva ação judicial relativamente à data da deliberação.

Ora, da análise das normas que definem o direito de exclusão do sócio, II afirma ser possível extrair um denominador comum às hipóteses que determinam a constituição de um direito de exclusão: “em todas elas se dá a superveniência de um facto, relativo à pessoa do sócio (ao seu comportamento ou à situação em que se encontra) que vem tornar inexigível à sociedade que o continue a suportar no seu seio[3]”.

Se é exigível um juízo de valor (objetivo e subjetivo) sobre a conduta do sócio de intensidade suficiente para justificar que, à sociedade, se torne inexigível suportar a sua presença[4], dada a quebra da relação de confiança que tal comportamento acarreta, seria absolutamente contraditório e incompatível com tal juízo de valor que, no momento seguinte, fosse facultado à sociedade prolatar no tempo o exercício do direito de exclusão do sócio com base nesses mesmos factos, permitindo que tal sócio permaneça indefinidamente na sociedade.

Este prazo curto de caducidade tem na sua origem o entendimento de que, se a sociedade consegue continuar a conviver com o sócio apesar do seu comportamento, é porque o mesmo não é sentido como suficientemente grave para pôr em causa a sua permanência na sociedade. Por outro lado, tais prazos têm, genericamente, como função, não deixar protelar situações de incerteza, que o decurso do tempo só faz agravar[5].

Tendo o legislador, para todos os demais casos de exoneração de sócio, seja no regime das sociedades em nome coletivo, seja no âmbito da sociedade por quotas, previsto um prazo de 90 para o exercício de tal direito a contar do conhecimento da prática do facto, para se afirmar que a ausência de previsão de igual prazo na hipótese do artigo 242º foi intencional, não se tratando de um lapso, uma omissão, a colmatar por recurso à analogia, teria de indicar qualquer especificidade desta causa de exoneração que justificasse a sua sujeição a um regime diferente, e que permitisse o seu exercício num logo prazo.

Tal intencionalidade teria de ser procurada nalguma especificidade, que aqui se não encontra.

Por outro lado, a tentativa de justificar a aplicação de um prazo mais longo do que o previsto para a exclusão baseada em causa prevista no contrato, na circunstância de que, as situações do artigo 242º, sendo mais complexas, pressuporiam uma maior reflexão, cai por terra, quando, para o direito de exclusão do sócio nas sociedades em nome coletivo, e independentemente do seu fundamento (nos casos previstos na lei, no contrato, ou quando lhe seja imputável violação grave das suas obrigações para com a sociedade ou em caso de destituição da gerência), o legislador previu que a exclusão deve ser deliberada nos 90 dias seguintes àquele em que algum dos gerentes tomou conhecimento do facto que permite a exclusão (artigo 186º, nº 2).

E, tal prazo de 90 dias encontra-se fixado, quer para o caso de o direito de exclusão se processar mediante simples deliberação, quer quando exija, para além disso, o concurso de uma sentença judicial.

Como tal, e no seguimento da opinião igualmente sustentada por II[6], surge-nos como correta a posição assumida na decisão recorrida de que, por aplicação analógica do artigo 241º e a sua remissão para o artigo 234º, nº2, a sociedade terá 90 dias, a contar do conhecimento pelos sócios do facto excludente, para adotar a deliberação que desencadeia o processo de exclusão.

2. Se o início do prazo para o exercício do direito de exclusão da Ré como sócia se deve contar a partida da data da deliberação social, por ser esta a data em se pode atribuir o conhecimento dos factos a todos os sócios da autora

Segundo a Apelante, sendo o direito à exclusão judicial de sócio um direito que pertence, não aos sócios ou aos gerentes, mas à sociedade, qualquer que seja o prazo aplicável, a sua contagem só se inicia com o efetivo conhecimento, pela sociedade – na pessoa de todos os seus sócios – dos elementos constitutivos do direito que lhe compete, pelo que, o início do prazo deve contar-se a partir da data da deliberação social, sendo esta a data em que se pode atribuir o conhecimento dos factos a todos os sócios da autora, invocando a seu favor o disposto no artigo 254º, nº6, do CSC.

Na decisão recorrida entendeu-se que, os factos dos quais a autora faz decorrer os direitos de exclusão terão sido praticados entre agosto e novembro de 2020 e que a autora tem conhecimento deles, pelo menos desde 30 de novembro de 2020, data em que a ré ao ser inquirida no âmbito de um processo disciplinar “tendo nessa data prestado depoimento sobre os factos e comportamentos que fundamentam o pedido de exclusão, a saber, o seu envolvimento e apoio a atividade concorrencial, nomeadamente através da divulgação de informações comerciais da autora.”

Segundo a Apelante, dos documentos juntos aos autos não se pode extrair o conhecimento de tais factos, nessa data, de todos os seus sócios – tais declarações foram feitas perante advogado, nomeado pela gerência como instrutor do processo disciplinar e sem poderes para representar a sociedade; é certo que a sócia DD é gerente da sociedade, mas não esteve presente na inquirição de testemunhas realizada no processo disciplinar, sendo que a sócia gerente e a ré (cuja soma de participações representam 97,48 % do capital social), não são as únicas sócias da autora.

Daí concluiu que o conhecimento dos factos só pode ser imputado à autora na data da deliberação social, data em que a referida gerente deu ao órgão social com competência para a deliberação dos factos adquiridos no exercício das suas funções.

A Ré contra-alega, afirmando que na assembleia geral que deliberou a sua exclusão de sócia só esteve presente aquela sócia DD, titular de cinco quotas representativas de 98,33 % do capital social da recorrente.

Mais uma vez, não podemos dar razão à apelante.

Quer se reconheça que o conhecimento relevante para o efeito é o dos sócios ou o da gerência[7] – quer o nº2 do art. 186º, quer o nº2 do art. 234º, bastam-se com o conhecimento de “algum dos gerentes”, e o nº6 do artigo 254º, que exige o conhecimento de todos os sócios, apenas se reporta ao exercício de atividade concorrente por parte do gerente –, à data em que a sócia Ré prestou as declarações que deram a conhecer os factos que servem de fundamento à deliberação de destituição, a sociedade autora tinha como gerente a tal sócia DD.

A partir dessa data, e independentemente de não ter estado presente, terá estado um advogado para tal por si mandatado, e como tal, presume-se ter a mesma tido conhecimento de tais factos nessa data.

Ou seja, desde a data em que a aqui ré prestou declarações, pelo menos, a sócia/ gerente DD e a sócia aqui ré, reconhecidas pela Apelante como representativas de 97,48% do capital social, tiveram conhecimento dos factos em causa.

E, na Assembleia Geral Extraordinária de 02.06.2021, na qual foi deliberada a exclusão da ré de sócia da autora, apenas aquela sócia/gerente, DD, então titular de 98,33 % se encontrava presente.

Desconhecemos quem seria o titular dos restantes 2,52% – a Apelante não o identifica e nem sequer alega que o mesmo não tenha tido conhecimento de tais factos antes da assembleia extraordinária onde teve lugar a deliberação em causa, e porquê, e a não lhe ter sido dado conhecimento dos mesmos, porque motivo a sócia gerente o manteve na ignorância.

De qualquer modo, a sócia/gerente DD desde, pelo menos, novembro de 2020, que tinha conhecimento de tais factos, encontrando-se, desde então, em condições de convocar uma assembleia extraordinária para discussão e deliberação de exclusão da sócia aqui ré, tal como veio a fazer em junho de 2021. 

Por outro lado, chama-se a atenção para o facto de que a autora/Apelante não alega que o sócio titular dos restantes 2,56 € não tenha tido antes conhecimento dos factos em que assenta a deliberação de exclusão da sócia ré. O que a autora sustenta é que, sendo a sociedade a titular deste direito à destituição e sendo a sociedade distinta da pessoa dos seus sócios, o prazo da prescrição só podia contar-se a partir da deliberação social, data a partir da qual a sociedade tomou conhecimento dos factos.

Tal entendimento é insustentável: se a ação de exclusão de sócio se encontra dependente de deliberação dos sócios, o prazo para o exercício de tal direito nunca poderia começar a contar da data do momento em que ele é exercido.

Se o direito de exclusão do sócio é um direito potestativo extintivo do que é titular a própria sociedade, o ato da deliberação corresponde ao meio através do qual se expressa a vontade da sociedade. Enquanto órgão de formação da vontade ou deliberativo-interno, aos sócios (o conjunto ou a coletividade dos sócios) de sociedade por quotas, é atribuída competência exclusiva para deliberar sobre certos assuntos, entre os quais a exclusão de sócios (artigo 246º, CSC).

Como sustenta Raúl Ventura, os sócios globalmente considerados, funcionando por meio de deliberação tomada por qualquer das formas admitidas por lei, constituem um órgão da sociedade[8].

Como a sociedade enquanto pessoa coletiva só pode agir (bem como conhecer e querer) por meio dos titulares dos seus órgãos, quando a lei determina o prazo para o exercício de qualquer direito por parte da sociedade faz reportar o início da sua contagem ao conhecimento dos factos em causa por parte dos seus sócios ou gerentes (artigos 234º, nº2, 241º, nº2, e 254º, nº6, art.186º, nº2, CSC, entre outros).

A Apelação é de improceder.


*

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, confirmar a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.

                                                                 Coimbra, 12 de julho de 2022

                                                                              

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

(…).


[1] Assumindo como sendo prazos de prescrição, embora sem debaterem especificamente a questão, Acórdão do TRE de 18-10-2012, relatado por António Manuel Ribeiro Cardoso, TRC de 03-05-2016, relatado por Fonte Ramos, in www.dgsi.pt., e Acórdão do STJ de 11-11-1997, in CJ-STJ, Ano V, T3, p. 126.
[2] É este o entendimento de Raúl Ventura, “Sociedades Por Quotas”, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 716, de António Soares, “O Novo regime da amortização de quotas”, Lisboa 1988, p. 89, e Carolina Cunha, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. III, 2ª ed., Almedina, p.523.
[3] Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. II, Coord., Jorge Coutinho de Abreu, Almedina, nota 2 ao artigo 241º, p. 580.
[4] Carolina Cunha, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. II, p. 109.
[5] Cfr., Raúl Ventura, “Sociedades por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 716, a propósito de 90 dias para a tomada de deliberação a que se reporta o nº2 do artigo 234º CSC.
[6] “Código das Sociedades em Comentário”, Nº3, p.595.
[7] No acórdão do TRE de 18-10-2012, teve-se por relevante o conhecimento dos factos pelos sócios, opinião igualmente partilhada por A. Pereira de Almeida, “Sociedades Comerciais”, 2ª ed., Coimbra, p. 59, enquanto Carolina Cunha se reporta ao conhecimento dos mesmos por algum gerente, nos termos do art. 234º, nº2, CSC – “A Exclusão de Sócios (Em particular nas Sociedades por Quotas”, “Problemas do Direito das Sociedades, IDET, Almedina, p. 225, nota 56, e “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, p. 595.
[8] Sociedade por Quotas, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, Vol. II, Almedina, Outubro-1999, p. 163.