ACIDENTE DE TRABALHO
AGRAVAMENTO DA RESPONSABILIDADE
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - ‘Não basta provar (para responsabilizar pelo acidente a entidade patronal, nos termos sobreditos) que a empregadora não cumpriu determinadas normas de segurança, necessário se torna, ainda, que se prove o nexo de causalidade entre aquela inobservância e o acidente’.
II - ‘O ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade da entidade patronal cabe a quem dela tirar proveito, no caso, ao beneficiário do direito à reparação por acidente de trabalho e à seguradora, competindo-lhes alegar e provar não só a inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho, mas também a existência de nexo de causalidade entre essa alegada inobservância e o acidente.’
III - Não permitindo a matéria de facto apurada concluir que o acidente foi despoletado pela conduta omissiva da Entidade empregadora ou que se estivesse já feito o levantamento dos riscos e/ou tivesse sido dada formação ao Sinistrado o acidente se teria sido evitado, não se mostra possível concluir, sem mais que o sucedido decorreu da forma de acondicionamento da palete ou do Sinistrado estar num local onde não deveria estar.
(sumário extraído, em parte, do texto da sentença recorrida e do Acórdão do STJ de 12.9.2007, referenciado no mesmo)

Texto Integral

Processo nº 1507/18.9T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Valongo – Juiz 2

Recorrente: “F... - Companhia de Seguros, S.A.”
Recorrido: AA
A..., UNIPESSOAL, LDA
4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1 º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório (com base, em parte, no relatório da sentença recorrida):
AA, viúva do falecido sinistrado, e (filhos do falecido sinistrado e chamados a intervir na ação em litisconsórcio necessário relativamente ao primeiro número do pedido, última parte – indemnização pelos danos próprios da vítima), BB e CC, e DD,
e como rés
1. A..., UNIPESSOAL, LDA.,
2. F... - Companhia de Seguros, S.A.,
Não tendo havido conciliação, aquando da tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória do processo, a 1.ª autora, e quanto à última parte do primeiro número do pedido, também os demais autores, e em suma, pedem sejam as rés condenadas:
1) A 1ª Ré condenada a pagar à Autora, a título de danos não patrimoniais emergentes de responsabilidade civil por facto culposo a quantia global de €50.000,00, correspondendo €10.000,00 pelos danos próprios da Autora e a quantia de €40.000,00 pelo danos próprios da vítima falecida.
2) A 1ª Ré condenada a pagar à Autora, a título de agravamento da responsabilidade por violação (e/ou culposa) das regras de segurança por parte da 1ª Ré ou do seu representante:
a) Pensão anual e vitalícia, atualizada anualmente no valor de €9.540,02, correspondente ao valor da retribuição anual do sinistrado, calculada nos termos do artigo 18, nºs 1, 4, al. a) da Lei 98/2009 de 04 de setembro;
b) a quantia de €5.661,48, relativa a subsídio por morte, calculado de acordo com o disposto no artigo 65º, nº 1 e 2, al. a) da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
c) a quantia de €1.546,75 relativa a despesas que realizou e pagou com o funeral do sinistrado, de acordo com o disposto no artigo 66º, nº 2 da Lei 98/2009, de 04 de setembro;
d) a quantia de €15,00, a titulo de despesas de deslocação obrigatória a este
Caso assim não se entenda, a não existir responsabilidade agravada da ora 1ª Ré,
3) A 1ª Ré e a 2ª Ré, solidariamente, condenadas a pagar à Autora, por responsabilidade legal na reparação do acidente de trabalho:
a) Pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no valor de €2.862,01, devida a partir de 28/07/218, calculada com base na retribuição ilíquida auferida pelo sinistrado à data do acidente e a percentagem de 30% legalmente atribuída à viúva (cônjuge), de acordo com o disposto nos artigos 59º, nº 1 al. a), artº 71º e nº 1 do artigo 75º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
b) a quantia de €5.661,48, relativa a subsídio por morte, calculado de acordo com o disposto no artigo 65º, nº 1 e 2, al. a) da Lei 98/2009, de 04 de Setembro;
c) a quantia de €1.546,75 relativa a despesas que realizou e pagou com o funeral do sinistrado, de acordo com o disposto no artigo 66º, nº 2 da Lei 98/2009, de 04 de setembro;
d) a quantia de €15,00, a titulo de despesas de deslocação obrigatória a este Tribunal.
4) Quantias (todas) acrescidas de juros vencidos e vincendos, contados desde o dia seguinte à morte, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegam:
EE, nos autos já melhor identificado, sofreu um acidente de trabalho em 27/07/2018, nas circunstâncias que descrevem, quando ao serviço – mediante contrato de trabalho, e auferindo a retribuição ilíquida de €581,00 X 14 meses/ano acrescida de subsídio de alimentação no valor de €5,81 X 22 dias X 11 meses/ano - da aqui 1.ª ré, em consequência do qual veio a falecer nesse mesmo dia.
Sucede que a ré empregadora, à data do acidente, tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a companhia de seguros ora 2.ª ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice que identificam, cobrindo a mencionada retribuição.
Todavia, o acidente só ocorreu porque não foram respeitadas, pela 1.ª ré, “as normas de segurança e saúde no planeamento de execução da obra”, “as normas de segurança e saúde na utilização de equipamentos de trabalho”, e as normas “da promoção da segurança e saúde no trabalho”, conforme, dizem, decorre da aplicação das normas legais que identificam as circunstâncias que rodearam o acidente nos termos por si narrado.
A primeira autora é viúva do sinistrado e os restantes autores seus filhos.
Acresce que com a morte do sinistrado a primeira autora, viúva, sofreu, e continua a sofrer, um enorme desgosto, e o próprio sinistrado, no período que mediou entre o acidente e o seu decesso sofreu de indizíveis desespero, angústia e dores físicas.

A 1.ª ré, empregadora, apresentou contestação para, em resumo, e para além de impugnar parte da matéria de facto alegada pelos autores, pugnar pela responsabilização exclusiva da ré seguradora pois, em síntese, a empregadora não teve, pelas razões que aduz, designadamente quanto à contextualização do acidente, culpa na sua ocorrência, tratando-se de um acontecimento fortuito.

A 2.ª ré, seguradora, contestou também para, em resumo, aceitando, grosso modo, a invocada relação laboral – mas impugnando, nomeadamente, a data de início da relação laboral e a retribuição alegadas pelos autores -, e a ocorrência do acidente e sua caracterização como acidente de trabalho, propugnar também que o acidente ocorreu em consequência da violação por parte da entidade empregadora de diversos dispositivos legais respeitantes à segurança no trabalho (que elenca), devendo a 1.ª ré ser condenada nos termos previstos no art. 18.º da Lei 98/2009, de 04/9, assim como aceita a existência de um contrato de seguro titulado pela apólice invocada pelos autores e pela 1.ª ré mas argumentando que o mesmo não cobra o acidente em causa nos autos porquanto alega, e em suma, que sendo o mesmo na modalidade de folhas de férias acontece que, à data do acidente, o malogrado EE já trabalhava para a 1.ª ré há mais de 12 anos tendo sido incluído pela primeira vez nas folhas de férias na folha relativa a Julho de 2018 (mês do acidente), folha essa remetida à seguradora em 13/8/2018.
Houve respostas dos autores a ambas as contestações, e da seguradora à contestação da sua co-ré, nas quais, e em essência, reafirmam as posições já plasmadas nos respetivos articulados (PI e contestação).

Proferiu-se despacho saneador, declarando-se a instância válida e regular, tendo-se então procedido à seleção da matéria de facto assente e organizado os temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Em 05.05.2021 foi proferida sentença, em cujo dispositivo consta:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a ação e condeno a ré seguradora a pagar à autora AA:
- o capital de remição correspondente a uma pensão no valor anual de €2.862,01 (dois mil oitocentos e sessenta e dois euros e um cêntimo), devida desde 28.7.2018;
- a quantia de €5.661,48 (cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos) respeitante ao subsídio por morte;
- a quantia de €1.546,75 (mil quinhentos e quarenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos) relativa ao subsídio para reembolso de despesas com funeral;
- a quantia de €15,00 (quinze euros) referente ao reembolso de despesas com deslocações;
Quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, sobre o capital de remição e o subsídio por morte a calcular desde o dia seguinte ao da morte do sinistrado (28.7.2018), e sobre o subsídio de despesas de funeral e sobre a quantia referente às despesas com transportes desde a data da tentativa de conciliação (12.3.2019), sempre até efectivo e integral pagamento.
Absolvo a 1.ª ré do pedido.
Custas pela 2.ª ré.
Valor: €47.981,11.”

Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição.

Inconformada a Ré Companhia de Seguros interpôs recurso, cujas alegações terminaram com as seguintes conclusões:
“1 – Ocorreu manifesto erro na decisão da matéria de facto, devendo passar a dar-se como PROVADOS factos que foram dados como NÃO PROVADOS, a saber, os alegados na contestação da Apelante nos Arts. 7º, 8º, 16º, 17º e 26º da contestação da ora Apelante.
2 - Começando pelo Art. 7º da contestação, deve passar a dar-se como provado que “O sinistrado trabalhava ininterruptamente para a R. Patronal desde 2005, a tempo inteiro, praticando o horário de trabalho das 08,30 às 17,30” e não apenas o que foi restritivamente dado como provado no ponto 27 do elenco dos factos provados da sentença.
3 – Já sugestivo de tal realidade, o facto de o Mmo. Juiz a quo, como que se colocando num non liquet, dizer que “também não ficamos inteiramente convencidos da tese da ré empregadora e de que o sinistrado só trabalhou para a 1ª ré nos períodos referidos no documento de fls,«. 243 (períodos de permanência)” – sic!
4 – Ao valorar apenas o depoimento do legal representante da R. Empregadora, do seu tio e também funcionário FF e do seu ex-funcionário e amigo GG o Mmo. Juiz a quo errou na valoração e apreciação da prova produzida.
5 - Desvalorizou em absoluto não só o depoimento de todos os AA. como ainda da testemunha HH e, pior ainda, desvalorizou em absoluto toda a prova documental carreada para os autos, designadamente, a declaração escrita entregue pela A. AA, viúva do sinistrado, que constitui o doc. 1 da contestação da recorrente e em que a mesma expressamente diz o seguinte:
“Declaro também que o meu falecido marido EE trabalhava para esta empresa desde 2005 a tempo inteiro, até à data do acidente. Trabalhou sempre sem interrupções no horário 8:30 as 17;30, recebendo o ordenado em dinheiro sempre no final do mês sem recibos vencimento e sem contrato.” – sic
6 – Deste documento, datado de 27/07/2018 e que ninguém impugnou resulta óbvio que, ao contrário do que entendeu o Mmo. Juiz a quo, não foi apenas quando prestaram depoimento, em audiência de julgamento, que os AA. sustentaram a tese que apurou igualmente a Apelante e que fez constar do Art. 7º da sua contestação.
7 - Foram igualmente desvalorizadas – e mal - as folhas de remuneração que a Apelante juntou aos autos e que cobrem todo o relacionamento que teve com a R. Empregadora desde Julho de 2016 a Julho de 2018 – cfr. requerimentos de 28 e 29 de Janeiro de 2021, a fls dos autos – e das quais resulta que o sinistrado jamais constou das folhas de remuneração que a R. empregadora remeteu à Apelante, surgindo pela 1ª vez, na folha entregue em Agosto de 2018, ou seja, depois de ocorrido o acidente – quando até o Tribunal, pela consideração dos períodos de permanência juntos aos autos pela Seg Social dá como provado que o sinistrado pelo menos em Abril de 2017 trabalhou para a R. Empregadora.
8 – A verdade é que a análise de tais documentos demonstra a falsidade dos depoimentos do legal representante da R. Empregadora, do aludido FF e ainda da testemunha GG.
9 – Tais folhas de remuneração demonstram que pessoas como as filhas do legal representante da R. Empregadora – II e JJ, respetivamente, que já trabalhavam na mesma há cerca de 4 anos antes do acidente, só em Janeiro de 2017 e Junho de 2018, respetivamente, sejam declaradas ao seguro.
10 – O mesmo sucedendo com o pintor KK, que a testemunha GG disse trabalhar na R. Empregadora pelo menos dois anos antes do acidente, e que também só na folha de Julho de 2018 surja pela primeira vez.
11 - O mesmo valendo para a mulher do legal representante da R. Patronal, LL que surge pela 1ª vez na folha de Abril de 2018 mas que também há anos trabalhava para tal entidade.
12 – Assistindo-se nestes autos ao espantoso facto de, do mês de Junho de 2018 para o mês de Julho de 2018 existe, entre as folhas de remunerações de ambos os meses, uma variação desmedida: passa-se de 12 para 20 trabalhadores!!
13 - Ou seja, no mês do acidente, a R. Empregadora quase duplica (apenas nas folhas de remuneração, note-se) o seu quadro de pessoal.
14 – A correta valoração de meios de prova como as folhas de remuneração juntas aos autos em 28 e 29 de Janeiro de 2021, concatenadas com os depoimentos das testemunhas GG e MM arrasa a tese a que aderiu o Mmo Juiz a quo, no sentido de não haver indícios suficientes de que a R. Patronal tenha dolosamente omitido o sinistrado e outros trabalhadores à ora Apelante (naturalmente, com o intuito de pagar menor prémio).
15 – Os excertos assinalados no corpo destas alegações do depoimento da testemunha GG atestam bem tal realidade.
16 – Mais – da prova produzida resultou que a R. Empregadora mantinha há anos vários trabalhadores que, tal como o sinistrado, só na folha do mês do acidente (Julho de 2018) ou nos meses imediatamente anteriores foram incluídos nas folhas de remuneração, como é o caso de JJ e da II, filhas do legal representante da R. Empregadora, que embora trabalhem na mesma desde há cerca de 4 anos antes do acidente só nas folhas de Junho de 2018 e Janeiro de 2017 são pela 1ª vez incluídas.
17 – Ou o caso da empregada de limpeza, D. NN, que surge pela 1ª vez na folha do mês do acidente, Julho de 2018, mas trabalhava igualmente há anos na patronal.
18 – Ou ainda a mulher do legal representante da empregadora, LL, incluída apenas em Abril de 2018 mas que também há anos trabalhava para a R. Patronal.
19 – Nesse sentido, verdadeiramente essencial o depoimento do técnico oficial de contas da R. Empregadora, MM, no excerto que vai dos minutos 20:00 a 37:50, nos quais, inquirido acerca das datas de admissão de diversos trabalhadores na segurança social, consultando as folhas da segurança social de que vinha munido, demonstra o comportamento fraudulento da R. Empregadora, que tinha a prática reiterada e permanente de omitir trabalhadores à R. Seguradora.
20 – Atestando tal excerto do seu depoimento o seguinte:
- a trabalhadora LL, mulher do legal representante da R. R. Empregadora, consta como sua trabalhadora na Seg. Social desde 2016 mas só surge nas folhas de remuneração da R. Seguradora em Abril de 2018.
- o trabalhador EE, o malogrado sinistrado, foi incluído na Seg. Social em Abril de 2017 mas não consta nas folhas de remuneração remetidas â Seguradora, em que só surge na folha de Julho de 2018, mês do acidente;
- a trabalhadora JJ, filha do A., foi incluída na Seg. Social desde janeiro de 2016, mas só é incluída na folha de Junho de 2018 da Seguradora;
- a trabalhadora NN, empregada de limpeza, consta na Seg. Social desde Fevereiro de 2017 mas só é declarada à Seguradora em Julho de 2018, mês do acidente.
21 – Igualmente merecedor de censura que se aceite as explicações da testemunha FF, que o Mmo. Juiz a quo acreditou sem reservas estar a trabalhar, pasme-se, as 21,00 horas de uma sexta-feira, quando ocorre o acidente, e que jamais constou em qualquer folha de remunerações, mas que o fizesse apenas por amizade e relações de família, mas que hoje já seja empregado da R. Patronal.
22 - Mas há mais meios de prova que impõem que se dê como provado o alegado em 7º da contestação da Apelante, ou seja, que o malogrado sinistrado trabalhava ininterruptamente e em exclusivo para a R. empregadora desde 2005, como sejam os excertos do depoimento da A. AA assinalados no corpo das alegações.
23 – Ou ainda as declarações do A. CC, que referiu nos excertos assinalados no corpo destas alegações que o seu falecido Pai não só trabalhou em exclusivo para a R. Empregadora desde 2005 como o fez continuamente, sem ter estado algum momento desempregado, saindo de manhã e só regressando a casa ao fim do dia, e com o qual, aliás, trabalhou 3 meses, sendo igualmente pago em numerário ao final do mês, sem recibo, sem contrato e sem descontos para a segurança social.
24 – Factualidade esta comprovada ainda pelo depoimento especialmente credível do filho mais velho, o A. BB nos excertos invocados no corpo destas alegações recursivas e ainda da sua companheira, HH, professora, a viver em união de facto com o A. BB, a qual, como se extrai dos excertos de seu depoimento invocados no corpo destas alegações, disse claramente que “Pelo que sei, porque eu comecei a namorar com o BB em 2016, e tive contacto com a família após alguns meses, mas desde que eu estava naquela família o meu sogro sempre trabalhou lá!
25 – Mais ainda: a tese a que aderiu o Tribunal é contrária às regras da experiência comum, da normalidade das coisas, sendo ainda contrária ao vertido no Art. 143º CT no que à limitação da contratação a termo se refere.
26 - Assim, compaginando os depoimentos que se vem invocar e reproduzir parcialmente entre si, concatenando os mesmos com as informações da segurança social juntas a fls. dos autos, com o doc. 1 da contestação da Apelante, com as folhas de remuneração juntas a fls dos autos, temos que, ao contrário do considerado pelo Mmo Juiz a quo, estes meios de prova nos merecem toda a credibilidade, até pela singela razão de serem muito mais verosímeis que a versão que nos é servida pela R. Empregadora.
27 – E demonstram a deslealdade e forma fraudulenta como atuava a R. Empregadora, determinando se dê como provado o Art. 7º da contestação no excerto supra referido.
28 – A errada valoração da prova produzida surpreende-se ainda no facto de, na sequência da informação prestada pela Seg. Social a fls. dos autos, se ter dado como provado que, pelo menos de 04/04/2017 a 20/04/2017 o malogrado sinistrado trabalhou para a R. Empregadora – cfr. ponto 27 in fine do elenco de factos provados.
29 - Todavia, sem que se extraísse qualquer ilação do facto de que a entidade empregadora remeteu à Apelante a folha relativa a Abril de 2017, na qual o infeliz sinistrado também não consta (como o KK, a LL, a JJ, a NN, etc).
30 – Assim, dos depoimentos que se vem invocar e reproduzir parcialmente, individualmente analisados e combinados entre si, concatenando os mesmos com as informações da segurança social juntas a fls. dos autos, com o doc. 1 da contestação da Apelante e com a prova e demonstração cabal de que nem sequer no único mês em que incluía o sinistrado na segurança social a R. empregadora o declarou à Apelante, nas folhas de remuneração juntas aos autos, temos que, ao contrário do considerado pelo Mmo Juiz a quo, estes meios de prova impõem que deve passar a dar-se como provado o alegado na 1ª parte do Art. 7º da contestação da Apelante, ou seja, que o sinistrado EE trabalhava ininterruptamente para a R. Patronal desde 2005, a tempo inteiro, praticando o horário de trabalho das 08,30 às 17,30.
31 - Deve também passar a dar-se como PROVADO o alegado em 8º da contestação da Apelante, ou seja, que “Isto mesmo (leia-se, que o sinistrado EE trabalhava ininterruptamente para a R. Patronal desde 2005, a tempo inteiro, praticando o horário de trabalho das 08,30 às 17,30) foi declarado, verbalmente e por escrito ao Eng. OO, com domicílio na ... ..., pessoa a quem a R. incumbiu a averiguação do acidente dos autos – cfr. doc. 1.”
32 - É o que resulta do doc 1 da contestação, que ninguém impugnou, e que demonstra que a A. AA muito antes de intentados estes autos, alegava já que o seu falecido marido era trabalhador da R. Empregadora desde 2005.
33 - Passando à análise dos pontos 16º e 17º da contestação da Apelante, a matéria que dos mesmos releva e que se entende dever passar a dar-se como PROVADA é a seguinte: O sinistrado, ao longo destes anos – de 2005 a 2018 – sempre auferiu a retribuição necessária para a vida do casal, sendo essa a sua única fonte de rendimentos nos meses que antecederam o acidente, rendimentos este auferidos exclusivamente na aqui R. Patronal, única entidade para quem trabalhava desde há anos e a tempo inteiro.
34 - Os meios de prova que determinam que se passe a dar como provada esta factualidade são os depoimentos nos excertos assinalados no corpo destas alegações, quer da A. AA, quer do A. CC, do A. BB, da Testemunha HH.
35 – O último ponto da matéria de facto cuja alteração se requer, é que se dê como provado o alegado em 26º da contestação, a saber: Não foi o sinistrado alertado para os riscos de tal tarefa nem lhe foram ensinadas as técnicas para evitar ou minorar tais riscos.
36 – Basta para dar tal facto como provado usar uma presunção judicial, que se impunha, atento o que se deu como provado no rol dos factos provados da sentença:
4 - O malogrado EE não recebeu da 1.ª ré formação profissional para a movimentação ou armazenamento manual ou mecânico de cargas.
38 - À data do acidente de trabalho “in casu”, a 1ª Ré não possuía um plano de avaliação de riscos do seu armazém.
52 - Não foi dada qualquer formação ao sinistrado no âmbito do transporte e manuseamento de cargas.
53 - Não foram criadas quaisquer fichas de segurança em que se identificassem os riscos das tarefas de descarga e de armazenamento das paletes de tela.
37 – de facto, se não teve o sinistrado qualquer formação para movimentação, transporte e armazenamento de cargas, se não havia um plano de avaliação de riscos do armazém em que se deu o acidente e se nem sequer foram criadas as fichas de segurança em que se identificassem os riscos das tarefas de descarga e armazenamento das paletes de tela, tem que se concluir, imperativamente, que sinistrado alertado para os riscos de tal tarefa nem lhe foram ensinadas as técnicas para evitar ou minorar tais riscos.
38 - Ao não decidir assim, interpretou erradamente e com isso violou o Mmo. Juiz a quo o art. 349º CCiv..
39 - Aqui chegados, com a factualidade que se entende dever ser dada como provada, em especial, a parte inicial do art. 7º da contestação da Apelante, em que se diz que o sinistrado trabalhava ininterruptamente para a R. Patronal desde 2005, a tempo inteiro, praticando o horário de trabalho das 08,30 às 17,30, considerando ainda o vertido nos Arts. 16 e 17º do mesmo articulado, que devem ser dados como provados quanto ao facto de o sinistrado, ao longo destes anos – de 2005 a 2018 – sempre auferiu a retribuição necessária para a vida do casal, sendo essa a sua única fonte de rendimentos nos meses que antecederam o acidente, rendimentos este auferidos exclusivamente na aqui R. Patronal, única entidade para quem trabalhava desde há anos e a tempo inteiro, torna-se claro que não pode manter-se a douta decisão em crise.
40 – Tal realidade demonstra o comportamento fraudulento da R. Empregadora na execução do contrato de seguro, sendo que, num contrato a prémio variável como é o caso dos autos, a lisura e boa-fé das partes, em especial do tomador do seguro é absolutamente vital, pois que a seguradora não tem qualquer possibilidade de verificar a veracidade das folhas de remuneração que lhe são remetidas.
41 – Razão pela qual o infeliz sinistrado não se encontra abrangido pelas garantias conferidas pela apólice contratada, pois que embora trabalhe há anos para a R. Patronal só após o acidente foi inserido na folha de remunerações que, no mês seguinte, lhe foi remetida.
42 - Tendo, por isso, inteira aplicabilidade ao caso dos autos os ensinamentos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-02-2015, votado por unanimidade, e que, na senda, de resto, do Ac. Uniformizador de Jurisprudência de 21/11/2001, decidiu o seguinte: 1 - No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, ou na comunicação equivalente relativa a trabalhadores sem subordinação jurídica mas com dependência económica, não afeta a validade do contrato, determinando a não cobertura do trabalhador sinistrado;
2 - Esta orientação é extensível aos casos em que o nome do sinistrado só após o acidente foi incluído nas folhas de retribuições enviadas à seguradora, sendo omitido em anteriores folhas de retribuições relativas a períodos de tempo em que se encontrava já ao serviço do empregador.
3 - Provando-se que o adquirente de serviços, durante cerca de cinco meses, omitiu o nome do sinistrado nas folhas de retribuições, cujo nome apenas surge incluído na primeira folha de retribuições recebida pela seguradora após o acidente, verifica-se uma situação de não cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre o aquele adquirente e a seguradora, o que determina a não assunção de responsabilidade pela seguradora.
43 - Deve, por isso, absolver-se a Apelante, o que se requer seja declarado.
44 – Sem prescindir, e mesmo com a matéria de facto apurada, deve ser outra a decisão e crise, conhecendo-se e declarando a responsabilidade da R. empregadora pelo acidente dos autos, por resultar da violação, por sua parte, de regras de segurança no trabalho.
45 – E, antes mesmo de tal apreciação, pelas razões que constam no recurso de Apelação apenso a estes autos, com subida imediata e em separado, em que se põe em causa a decisão do Mmo Juiz a quo de indeferir o requerido, no sentido de a testemunha MM juntar os autos as folhas de remunerações que eram remetidas por si, em nome e representação da R. Empregadora, para a segurança social, as quais consultava à medida que ia depondo na audiência de julgamento e de que resulta que existia enorme discrepância entre o que era declarado à Segurança Social e aquilo que era declarado à R. Seguradora, a quem eram omitidos inúmeros trabalhadores, questão que determinará a anulação do julgamento e sua repetição, com prévia junção aos autos de tais documentos, por serem imprescindíveis para a descoberta da verdade.
46 – Sendo ainda certo que, como alegado, apuraram-se factos que imputam a responsabilidade pela eclosão do acidente à violação, por banda da R. Empregadora, de diversos normativos legais destinados a garantir a segurança no trabalho, o que torna aplicável ao caso sub judice, como invocado, o regime estatuído nos Arts. 18º e 79º º nº 3 da Lei 98/2009.
47 – Cabendo aos beneficiários legais o direito a receber as prestações agravadas a que se refere o nº 4 do art. 18º da lei 98/2009, assim como a indemnização por todos os danos, patrimoniais e morais que, para si, resultam do acidente dos autos e assistindo à Apelante nos termos do nº 3 do Art. 79º de tal diploma, direito de regresso contra a R. Empregadora pelo que despender com o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa.
48 – O decidido pelo Mmo. Juiz a quo no sentido de que “precludiu o direito de quer os autores quer a 2.ª ré invocarem a culpa da empregadora no eclodir do acidente” é absolutamente nulo e, para além disso, erróneo em alto grau.
49 – Trata-se de uma DECISÃO SURPRESA, de resto, absolutamente contraditória com o que decidiu o mesmo Mmo Juiz, designadamente, ao delimitar o objeto da ação e os temas da prova, de que fez constar expressamente no Objecto do Processo: Saber se… o que contende com o conhecimento da questão da culpa da ré empregadora no eclodir do acidente/violação das condições de segurança…. E, nos Temas de prova: …. Factualidade relativa ao próprio acidente e na medida em que persiste controvertida; Factos respeitantes à invocada violação das condições de segurança por parte da ré empregadora; Factualidade reportada às alegadas consequências do acidente, designadamente aos danos não patrimoniais. Matéria de facto que contende com a cobertura do sinistrado pelo contrato de seguro …..
50 – Ocorre assinalável contradição do Mmo. Juiz a quo, violadora do caso julgado por se encontrar mais que transitado em julgado o douto despacho saneador em que o Mmo Juiz a quo delimita o objeto do processo e os temas da prova nos quais inclui, ostensiva e claramente, a questão da culpa da entidade patronal pela eclosão do acidente decorrente da violação, por sua banda, de várias normas destinadas a garantir a segurança no trabalho.
51 - É, por isso, uma decisão nula – cfr. Arts. 615º nº 1 d), 619º e 620 CPCiv.
52 – Sendo ainda nula por ser uma decisão surpresa, em que não foi respeitado o princípio do contraditório, - omitiu-se uma formalidade de cumprimento obrigatório, a saber, o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar “decisões-surpresa”, o que configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º/1 d) CPC.
53 – Para além disso, é uma decisão desacertada - o representante da R. Seguradora não aceitou nenhum facto – nem a ocorrência do acidente, nem as suas circunstâncias e dinâmica, nem a retribuição, nada.
54 - Limitou-se a dizer que nada assumia porque o seguro não era válido e eficaz, não abrangendo o sinistrado, que só após o acidente é declarado à seguradora.
55 – Perante isto, não se percebe o que possa ter ficado precludido – tudo estava em aberto, até porque o facto invocava mataca a necessidade de apreciação de qualquer outra questão.
56 – Mas, ainda que se tivesse aceite determinada posição jurídica, tal não vedava que depois se discutisse a mesma, como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/1995, publicado no BMJ, nº 444, Ano 1995, pág. 314 ou, v.g., o Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 28-03-2011(in, www.dgsi.pt), de cujo sumário se retira o seguinte:
I - Na fase conciliatória do processo emergente de acidente de trabalho, o acordo ou desacordo dos interessados que deve constar do auto de tentativa de conciliação é o que incide sobre factos e não sobre juízos de valor, conclusões ou qualificações jurídicas.
II - Assim, nada obsta a que, na fase contenciosa do processo, se discuta a caracterização do acidente, se, no auto de tentativa de conciliação, constar apenas a referência de que as recorrentes aceitaram o acidente como de trabalho, bem como o nexo causal entre o acidente, as lesões e a morte do sinistrado.
57 – Ou ainda no Acórdão do S.T.J de 17/04/2002 (in www.dgsi.pt) em que expressamente se diz: ”Nenhum preceito legal impede as partes de defenderem em qualquer ação posições diversas ou factos diversos dos que foram discutidos, invocados ou subscritos em qualquer fase conciliatória”
58 – Ou, no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 11-05-2017 em que, por unanimidade, se decidiu que:
3 – Nos termos do disposto no art. 112º do CPT, no auto de tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público na fase conciliatória do processo devem constar os factos sobre que tenha havido acordo ou divergência e não juízos de valor, conclusões ou conceitos jurídicos, e apenas os factos em que tenha havido acordo devem ser considerados assentes no despacho saneador, nos termos do art. 131º, nº 1, al. c) do CPT.
4 – A aceitação feita na tentativa de conciliação, pelo representante da seguradora, de “que o sinistrado se deslocava no trajeto normalmente utilizado por si na viagem entre os serviços médicos da seguradora e a sua residência”, porque não constitui facto, mas matéria conclusiva, não impede que na fase contenciosa se discuta se o acidente ocorreu no trajeto normalmente utilizado pelo sinistrado entre a clínica onde se deslocou para tratamento em consequência de anterior acidente de trabalho e a sua residência.
59 - Assim sendo, tem que se ter como perfeitamente admissível a invocação e imputação do acidente a culpa da entidade empregadora, decorrente da violação, por sua banda, das regras de segurança no trabalho invocadas.
60 – E a verdade é que mesmo sem alteração da matéria de facto, o elenco dos factos provados na sentença quanto à dinâmica do acidente impõe a imputação do mesmo a título culposo à R. Empregadora, por violação de regras de segurança.
61 – Tal resulta claro dos factos provados referidos na sentença sob os números 2, 4, 6, 7, 8, 11, 15, 17, 18, 20, 22, 23, 24, 25, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 53 e 54, em especial os assinalados a negrito no corpo destas alegações.
62 – Factualidade que impõe a decisão de que o acidente dos autos ocorreu apenas devido à absoluta ausência de condições de segurança.
63 - Ora, se a carga estivesse corretamente empilhada, o acidente dos autos jamais aconteceria.
64 - Ou, caso sucedesse, se estivessem bem definidas zonas de circulação, onde fosse possível passar ou permanecer, livre do risco de ser esmagado pela carga em queda, o sinistrado não seria esmagado, como foi, pelas paletes em queda e desagregação.
65 - Foi a entidade empregadora que manteve, às suas ordens, numa zona em que se empilhava paletes sem a resistência necessária para serem empilhadas, com um peso de cerca de 1000 kgs cada, o infeliz sinistrado.
66 - E fê-lo sem sequer o alertar para os riscos de ser esmagado, sem definir zonas onde pudesse circular ou permanecer abrigado do risco de queda da mercadoria.
67 - E, pasme-se, tudo isto, sem sequer se verificar a resistência das paletes e telas, cuidando de saber se podiam ser empilhadas.
68 - Sendo por demais evidente para um ser humano normalmente inteligente e cuidadoso que uma coisa é estar uma palete com rolos de tela asfáltica, que pesa 1000 kgs. e tem cerca de 1 metro de altura depositada no chão.
69 -Outra, totalmente distinta, é estarem tais paletes, às dezenas, como se vê das fotos de fls., empilhadas em pilhas verticais de 3 paletes cada, o que, faz com que atinjam a altura de 3,45 metros, ou seja, muito mais altas que um homem.
70 - Caso não se tivesse procedido ao empilhamento, o desagregar de uma palete, seja porque cedeu o filme plástico que a envolve seja porque cederam as suas cintas, seguramente jamais teria as consequências que teve.
71 - Tal facto não passaria de um evento normal, corriqueiro, sem quaisquer consequências – seriam rolos de 1 metro de altura a cair, o que muito dificilmente atingiria o A. e, caso o atingisse, o feriria nas pernas.
72 - Outra coisa, totalmente distinta, é o que sucedeu - estar uma palete que se desagrega empilhada numa pilha de 3, começando a sua altura aos 2,30 metros, ou seja, muito acima da cabeça de um ser humano normal (pelo menos meio metro acima) e acabando aos 3,45 de altura.
73 - O que, pela maior inércia na queda e maior altura faz com que o mesmo seja atingido não nos membros inferiores mas antes na cabeça e tórax, sofrendo as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e em ambos os membros inferiores que lhe causaram a morte,
74 - Se o sinistrado sofresse apenas lesões nos membros inferiores por – admita-se por absurdo – não se conseguir desviar de um rolo de um metro de altura (mais 15 cms da palete) que está a cair ao seu lado, a probabilidade de morrer era virtualmente nula, mesmo que sofresse uma fractura exposta das pernas.
75 – Mais: se tivessem sido definidas as zonas de armazenamento e as zonas de passagens de peões, no caso, as zonas onde os trabalhadores poderiam circular livremente e sem correr riscos para o seu físico e saúde – o que está provado não fora efectuado – a queda de rolos de tela seguramente jamais atingiria o A..
76 – Assim, precisamente ao contrário do decidido a verdade é que se não fossem as grosseiras violações das mais básicas regras de segurança que os factos que se vem de enunciar consubstanciam, o acidente dos autos jamais aconteceria.
77 -Estes comportamentos da R. Empregadora consubstanciam grosseiras violações dos arts. 15º da Lei 102/2009 de 10/09 alíneas a), b) c) g), bem como do seu nº 3, assim como do estatuído Artigo 3.º do DL 50/2005 de 25 de fevereiro.
78 - A atuação da R. Empregadora consubstanciou ainda uma violação da sua obrigação de enquanto entidade patronal, garantir em toda e qualquer circunstância a segurança e saúde dos seus trabalhadores – 281º Cód. Trab..
79 – Tudo com a agravante de o risco de acidente poder ter sido não só minorado como mesmo facilmente eliminado – não empilhando paletes que não têm a necessária resistência para o efeito e, muito especialmente, definindo zonas de circulação e de permanência afastadas da zona de armazenamento, de modo a que caso a carga tombasse ou derrocasse, como aconteceu, nem o sinistrado nem qualquer outra pessoa estivesse junto à mesma.
80 - É assim manifesto que o acidente dos autos resultou única e exclusivamente da falta de condições de segurança supra referidas o que torna aplicável ao caso o estatuído nos Arts. 18º e 79º da Lei 98/2009, pois as violações das regras de segurança supra-enunciadas, para além de consubstanciarem grosseiras violações das mais elementares regras de prudência ou de bom senso foram a causa única, necessária e suficiente do acidente de trabalho dos autos.
Termos em que a decisão em crise deve ser revogada e substituída por outra que, com base na alteração da matéria de facto proposta, absolva a Apelante, por declarar inoperante quanto ao sinistrado o seguro contratado ou, caso assim não se entenda, declare que os AA. têm direito a receber as prestações agravadas previstas na lei e que, assiste à Apelante direito de regresso, contra a R. empregadora, quanto às prestações normalmente calculadas que venha a efectuar – cfr. Art. 79º nº 3 Lei 98/2009 com o que se fará sã e serena JUSTIÇA.”

O Sinistrado contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
- “ SOBRE A INVOCADA “ERRADA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
1- Pretende a recorrente que seja dado como provado o que alegou no art. 7º da sua contestação, a saber, que o falecido trabalhou ininterruptamente para a recorrida desde o ano de 2005.
2- Alicerça esta sua tese, essencialmente, na prova testemunhal produzida em sede de julgamento.
3- Ao dar como provada a matéria constante do nº 27 dos factos provados e constantes da fundamentação da, aliás, douta sentença proferida, o tribunal “a quo” limitou-se a fazer uma acertada apreciação e valoração da prova produzida, mormente da testemunhal.
4- A motivação da sentença é neste aspeto clara e sintomática e vai de encontro ao que, doutamente, o Mto Juiz “a quo” sufragou em sede de valoração da razão de ciência e das declarações/depoimentos que foram prestados.
SOBRE O SEGUNDO PONTO DA INVOCADA “ERRADA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO”, atinente ao art. 8º da contestação
5- “Mutatis mutandis” o que acima se deixou escrito tem plena aplicação ao que a recorrida tem para dizer sobre a pretensão da recorrente em ver dada como provada a matéria constante do art. 8º da contestação.
6- As declarações da Autora e dos familiares desta que depuseram não merecem aceitação, posto que não correspondem à verdade no que de essencial e importante é para a decisão da causa.
7- E não mereceram a mínima credibilidade ao Mmº Juiz “a quo”.
AINDA SOBRE A INVOCADA “ERRADA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO” no que tange ao alegado no art. 26º da contestação da apelante
8- Sobre esta matéria, o Mmº Juiz “a quo” na motivação, explica e sustenta de forma cabal e objetiva a apreciação que da mesma fez, nomeadamente no parágrafo que se inicia com “Em particular, e no que tange à matéria de facto…”.
9- O Mmº Juiz “a quo”, contrariamente ao alegado pela recorrente, aplicou bem o direito aos factos dados como provados e não provados.
10- Fê-lo quanto à caracterização do acidente e à alegada culpa da recorrida por alegadamente não ter observado as regras de segurança e saúde no trabalho.
11- Bem andou o Mmº Juiz quando, desde logo resolve a questão, alicerçando-se no facto de na fase contenciosa já não poder ser alegada a culpa da recorrida na produção do sinistro, por o não terem invocado e suscitado na fase da tentativa de conciliação.
12- Concorda a recorrida com o Mmo Juiz “a quo” quando afirma que tal direito se precludiu devido à posição assumida pelas partes na fase conciliatória.
13- E quando também afirma e remete para numerosa jurisprudência e os artigos 111º e 112º do CPT, que delimitam as questões que podem ou não ser objeto de discussão na fase contenciosa.
14- Não ocorre a nulidade invocada pela recorrente.
15- O Mmo Juiz “a quo”, independentemente da assertividade legal e jurisprudencial que referiu na sentença recorrida afirmou o seguinte: “Mesmo que assim não se entenda, afigura-se-nos que o acidente não é de atribuir a uma atuação culposa da empregadora, ora 1ª ré, como pretendido pelos Autores e pela ré seguradora.”.
16- Partindo desta afirmação e lapidar conclusão, o Mmº Juiz “a quo” cita diplomas legais e acórdãos para sustentar a sua justa e sábia decisão.
17- O Mmº Juiz “a quo” concluiu e ficou convencido que o acidente dos autos se teria dado mesmo que a recorrida tivesse observado todas as regras de segurança e saúde no trabalho, pelo que não podia o mesmo deixar de concluir pela sua absolvição.
18- É que, seria e é sempre exigível para que a recorrida fosse condenada, que a esta fosse imputada culpa e que se provar o nexo de causalidade entre o acidente e a violação das regras de segurança e saúde no trabalho.
19- O trabalhador sinistrado estava abrangido pelas garantias do contrato de seguro.
20- Não se verifica errada apreciação da matéria de facto, não ocorre nulidade da sentença, nem foi violada a lei.
21- A douta sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos decisórios.
Termos em que e nos mais aplicáveis que Vossas. Excelências doutamente suprirão, negando-se provimento à apelação e confirmando-se a sentença recorrida, cumprir-se-á a lei, em homenagem à JUSTIÇA.”
*

Em 25.10.2021, a atual Mm.ª Juiz a quo proferiu despacho sobre a apontada nulidade da decisão recorrida.

Admitido o recurso, como apelação com efeito suspensivo, os autos foram remetidos a esta Relação.
O Ex.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso de apelação deduzido.

Foram cumpridos os vistos, nos termos do disposto no artigo 657º, nº 2, do Código de Processo Civil.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do Código de Processo Civil e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber se:
- impugnação da matéria de facto;
- cobertura, ou não, do acidente de trabalho pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho que à data do sinistro estava em vigor entre as rés;
- nulidade da sentença;
- saber se o acidente ocorreu devido a atuação culposa da entidade empregadora que não observou as regras de segurança e saúde no trabalho que se impunham.

2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (em realce a matéria de facto aditada na sequência do decidido infra em sede de impugnação da matéria de facto):
1 – A autora AA é viúva do malogrado sinistrado EE, NIF ..., nascido a .../.../1965.
2 - No dia 27/07/2018, pelas 21.00 horas, o sinistrado EE, trabalhador da 1ª Ré, prestava o seu trabalho, em regime de trabalho suplementar, sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª Ré, nas instalações desta, sitas na Travessa ..., ..., freguesia ....
3 - A 1ª Ré dedica-se de forma habitual e com fim lucrativo, dentro do seu escopo social, à atividade principal de construção de edifícios (CAE 41200 – R3), realizando todo o tipo de reabilitação e restauro em edifícios residenciais e não residenciais.
4 - O malogrado EE não recebeu da 1.ª ré formação profissional para a movimentação ou armazenamento manual ou mecânico de cargas.
5 - A 1.ª Ré, empregadora, transferiu a sua responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de trabalho para a 2.ª Ré, F..., mediante celebração do contrato de seguro, na modalidade de folhas de férias/a prémio variável, titulado pela apólice nº AT ....
6 - No dia 27/07/2018, o malogrado EE encontrava-se a prestar o seu trabalho, em ..., acompanhado pelo senhor PP, que é sócio e gerente da 1ª Ré e, também, do senhor FF, que é tio, por afinidade, deste PP,
7 - No desempenho da sua profissão de servente da construção civil,
8 - Sob as ordens, orientação e fiscalização da sua entidade patronal, a 1ª Ré, A..., UNIPESSOAL, LDA.,
9 - Mediante retribuição.
10 - A sua entidade patronal, a 1ª Ré, estava a realizar uma obra na cobertura do Parque Nascente Shopping, centro comercial situado na freguesia ..., em ..., obra que havia sido adjudicada à 1ª Ré.
11 - Foi no local da sede social da 1ª Ré, no dia 27/07/2018, pelas 21.00 horas, que o malogrado EE foi vítima de um acidente, que o atingiu mortalmente.
12 - A tarefa de transporte das paletes foi realizada numa carrinha pertencente à 1ª Ré, que era conduzida pelo Sr. FF.
13 - Que, transportou 03 (três) paletes em cada viagem realizada.
14 - À chegada ao armazém, foi o Sr. PP quem descarregou e armazenou cada uma das paletes com auxílio de maquinaria, utilizando um porta paletes elétrico.
15 - Sucedeu que, por volta das 21.00 horas, quando haviam já sido efetuados múltiplos transportes das ditas paletes, o senhor FF, que conduzia a carrinha, chegou ao armazém carregando mais 03 paletes, na carrinha.
16 - À semelhança do que tinha feito até aquele momento, o Sr. FF estacionou a carrinha de marcha atrás, entrando com a traseira da carrinha dentro do armazém, colocando esta junto a uma estante metálica de aço.
17 - No referido armazém da 1ª Ré, já se encontravam empilhadas várias paletes de cargas anteriores.
18 - Cada uma das mencionadas paletes pesa aproximadamente 1000 Kg e têm de altura aproximadamente 1 metro, a acrescer 15 cm da palete.
19 - O Sr. FF abriu o taipal da carrinha do lado esquerdo, ou seja, o do lado do condutor e o sócio gerente da 1ª Ré, o Sr. PP iniciou os trabalhos de descarga e armazenamento das ditas paletes.
20 - Quando o Sr. PP, que já havia descarregado uma das três paletes que se encontravam na carrinha, dirigia-se no porta paletes para descarregar a segunda palete, gritou para o sinistrado EE fugir.
21 - O sinistrado foi socorrido no local pelo I.N.E.M. e transportado numa ambulância (VMER – viatura médica de emergência e reanimação) para o centro Hospitalar de São João, no Porto.
22 - O malogrado EE encontrava-se a trabalhar na sede social da 1ª Ré, local onde esta armazena os materiais e equipamentos que usa na suas obras.
23 - Auxiliando o sócio-gerente da 1ª Ré, na armazenagem no interior do armazém as paletes com telas asfálticas.
24 - No interior do dito armazém encontravam-se paletes com os rolos de tela armazenadas, em sobreposição, em altura.
25 - Nem todas as paletes estavam filmadas da mesma forma, dado que umas tinham um involucro (o original) branco a rodear o conjunto dos rolos que formavam as paletes, enquanto outras tinham apenas um filme transparente (não o original).
26 - O malogrado sinistrado EE foi a sepultar no cemitério do Prado do Repouso, no Porto, tendo a Autora viúva pago pelo funeral a quantia de € 1.546,75.
(das respostas à matéria de facto controvertida)
27 – O EE trabalhava para a 1.ª ré desde, pelo menos, 16/07/2018, com a categoria de servente, sendo que anteriormente a 16/7/2018 e a partir de 21/02/2005 o EE prestou trabalho para a 1.ª ré e ainda que, pelo menos, de forma intermitente e distribuído por 16 contratos de trabalho, e tendo trabalhado para a 1.ª ré nomeadamente no período de 04/4/2017 a 20/4/2017.
28 – Mediante a retribuição mensal – à data do sinistro - ilíquida de € 581,00 X14 meses/ano, acrescida do subsídio de alimentação de € 5,81 X 22 dias/mês X 11 meses/ano.
29 - Para a execução da dita obra – referida em 10 -, a 1ª Ré encomendou uma quantidade de 8.000 m2 de APP do tipo Moply N Plus FV 3KG e Moply N Plus FP 4KG, que consiste numa membrana de impermeabilização, vulgarmente designada por “tela asfáltica”.
30 - Neste mesmo dia (27/07/2018), a encomenda da dita tela foi entregue no local da obra, no dito Parque Nascente, acondicionada em paletes, e, como se destinava à cobertura do edifício as paletes teriam que ser elevadas para a cobertura por grua.
31 - Iniciados os trabalhos de elevação, a 1ª Ré concluiu que o braço extensível da grua que lá se encontrava não tinha o comprimento necessário para colocar as telas na cobertura, pelo que teve de diligenciar pela obtenção de uma outra grua, que chegou algumas horas depois.
32 - Iniciados os trabalhos de elevação, ao final da tarde o manobrador da grua deu por findo o seu dia de trabalho, dado o adiantado da hora.
33 – Parte das paletes com os rolos de tela encontravam-se ainda no local onde haviam sido descarregadas do camião que as transportou, no Parque Nascente Shopping.
34 - Porque no local não haveria segurança para prevenir e evitar o roubo das paletes e, também, a administração do Parque Nascente Shopping não permitia que elas permanecessem naquele local, o sócio gerente da 1ª Ré decidiu que as paletes com as telas deveriam ser transportadas para a sua sede social, local onde possui o seu armazém, sito na Travessa ..., ..., freguesia ... ...), concelho ..., que era o único local que tinha disponível para o efeito.
35 – Na ocasião referida em 20 foi quando numa das paletes (a de cima) que já se encontrava empilhada – numa pilha, vertical, de três paletes - em sobreposição de outras duas, rebentou pelo menos o invólucro (filme) que prendia/envolvia os rolos (não se tendo apurado se as cintas que, por dentro desse invólucro, prendiam os rolos, rebentaram ou apenas cederam) -, caindo os rolos de tela dessa palete sobre o corpo do sinistrado EE.
36 - Como consequência direta e necessária da queda dos rolos de tela em cima do seu corpo, o malogrado EE sofreu graves e diversas lesões traumáticas crânio- meningo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e em ambos os membros inferiores.
37 - As quais lhe acarretaram necessária e diretamente a sua morte.
38 - À data do acidente de trabalho “in casu”, a 1ª Ré não possuía um plano de avaliação de riscos do seu armazém.
39 - No referido armazém não se encontravam definidas as zonas de armazenamento.
40 – E, não se encontravam definidas as zonas de passagens de peões, no caso, as zonas onde os trabalhadores poderiam circular livremente e sem correr riscos para o seu físico e saúde.
41 – Outras paletes cederam, após o acidente referido, caindo os rolos de tela ao chão.
42 - À data do acidente a autora viúva não tinha trabalho regular.
43 - A Autora viúva, além de se ver privada dos créditos de trabalho do sinistrado, sofreu profunda dor, mágoa e enorme desgosto com a sua morte.
44 – O sinistrado apercebeu-se da iminência da sua morte.
45 – Na altura referida em 20 e 35 – quando o sócio - gerente da 1.ª ré procedia à descarga e armazenagem das paletes – o falecido EE nenhum trabalho ou ato de execução de carga, descarga, manuseamento e colocação das telas no armazém praticou, antes se limitou a ver, junto à parte de trás do taipal da carrinha, o sócio - gerente da 1.ª ré a descarregar as telas com o porta paletes.
46 – Em anteriores ocasiões, a 1.ª ré manobrou, acomodou e armazenou as telas que sempre vieram em idênticas condições de transporte e embalagem.
47 - Nunca tendo sucedido o que no fatídico dia aconteceu, nunca antes os rolos das telas haviam caído por via da rotura/rasgo da tela/filme que as envolvia e segurava.
48 - Desde que a 1.ª ré trabalha com este tipo de material, nunca os seus fornecedores/vendedores e/ou os funcionários destes informaram a ré, na pessoa do seu sócio e/ou dos seus trabalhadores da forma como não se deve ou não pode manobrar, transportar e armazenar o mesmo, nem alertaram, avisaram, sequer referiram em momento algum à 1.ª ré que o transporte, manuseamento e armazenamento das telas tinha que obedecer a um qualquer critério, a qualquer cuidado, normas ou procedimentos, sendo que da etiqueta que acompanha as telas que foram fornecidas pela já identificada empresa “S..., S.A.”, para além de outros dizeres dela constantes, não constam da mesma quaisquer referências, informações sobre a forma de manusear as telas, sobre como fazer o seu transporte, o seu acondicionamento, carga, possibilidade ou não de colocação das mesmas sobrepostas em altura, não consta informação sobre o peso que pode ou não ser colocado em cima de cada uma das paletes de telas, nem consta a resistência dos filmes que envolvem as telas.
49 - O contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., referido em 5, teve o seu início em 02/7/2016.
50 - O trabalhador EE surge pela primeira vez na folha de férias relativa a Julho de 2018, remetida à 2.ª ré, seguradora, em 13/08/2018.
51 - A aqui 1.ª ré, patronal, apenas procedeu à inscrição do sinistrado na segurança social no dia 27/07/2018, após a ocorrência do acidente, fazendo-o com efeitos retroativos, reportados ao dia 16/07/2018.
52 - Não foi dada qualquer formação ao sinistrado no âmbito do transporte e manuseamento de cargas.
52º - A – Ao Sinistrado não lhe foram ensinadas técnicas para evitar ou minorar os riscos.
53 - Não foram criadas quaisquer fichas de segurança em que se identificassem os riscos das tarefas de descarga e de armazenamento das paletes de tela.
54 – Não foi verificada a resistência das paletes e telas.
55 - O sócio gerente da R., que operava o porta-paletes, não tinha qualquer formação para o operar nem para efetuar operações de descarga e armazenamento de mercadorias.
56 – A autora AA deslocou-se a este Tribunal para estar presente na tentativa de conciliação, na fase conciliatória do processo, e na audiência final.
Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente não se provou, da PI, que a autora vivia com o sinistrado nos termos alegados em 1.º, nem o alegado em 43.º, 44.º, 46.º, 96.º, nem se provou da contestação da 1.ª ré a matéria dos artigos 3.º, 4.º e 5.º, e da contestação da seguradora a matéria dos artigos 7.º, 27.º, 28.º, parte final.

Foi esta a motivação de facto do Tribunal a quo:
“A nossa convicção baseou-se na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida.
Assinala-se em primeiro lugar que o legal representante da ré empregadora confessou, no decurso do seu depoimento e conforme exarado em ata, a matéria que consta dos números 38, 39, 40, 52, 54 e 55 do elenco dos factos provados.
No que tange à factualidade referente ao relacionamento laboral que se verificou entre o trabalhador sinistrado e a 1.ª ré que consideramos provada, levada aos números 27 e 28 da lista dos factos provados, a nossa convicção baseou-se na análise conjugada das declarações de parte dos autores e dos depoimentos que a propósito foram produzidos, consignando-se que as declarações de parte nos mereceram bastantes reservas, desde logo porque sustentando os autores, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação plausível (mesmo que a segurança social tenha prestado uma informação desconforme aos autores, não se afigura curial, razoável, expectável, que – caso fosse verdadeira a tese que agora em declarações de parte propugnam, de ter trabalhado o falecido marido e pai para a 1.ª ré, ininterruptamente, desde 2005 -, viessem dizer na ação, como vieram, que o sinistrado trabalhava para a 1.ª ré desde 16.7.2018), uma tese contrária à que alegaram nos autos – cf. art. 3.º da PI -, vieram os autores que prestaram declarações (viúva e filhos do sinistrado BB e CC), assim como a testemunha HH, que vive em união de facto com o autor BB, dizer, em suma, que o sinistrado trabalhou para a 1.ª ré, de modo ininterrupto, desde 2005, o que foi perentoriamente contrariado pelo legal representante da empregadora, no âmbito do depoimento que prestou, assim como pelas testemunhas FF, que trabalha para a ré empregadora há cerca de um ano, mas que anteriormente, em razão de ser tio por afinidade do sócio gerente da empregadora, já auxiliava na atividade da 1.ª ré de vez em quando, e GG, que trabalhou, como encarregado, para a 1.ª ré durante cerca de cinco anos, tendo saído em 2019 – consignando-se desde já que na altura do acidente encontrava-se junto ao Parque Nascente a fim de carregar as paletes no camião que fazia o transporte das mesmas desse local para o armazém da 1.ª ré em ... onde ficariam armazenadas, e onde ocorreu o acidente, e que em razão das suas funções na ré demonstrou ter cabal conhecimento do tipo de material em causa (telas) e dos constrangimentos que ocorreram nesse dia e que ditaram a necessidade da remoção das paletes para serem guardas noutro local que não no Parque Nascente ou suas imediações como, aliás, do que se tinha passado aquando de anteriores fornecimentos do mesmo tipo de material à 1.ª ré -, testemunhas que, em consonância com o que a propósito disse o legal representante da 1.ª ré, referiram que o sinistrado só pontualmente, embora em diversas ocasiões, trabalhou para a 1.ª ré, utilizando expressões como “quando era preciso era chamado”, “lembro-me de ele trabalhar um mês, sair, trabalhar mais um ou dois meses”, “apertava, vinha trabalhar, aliava, saía”, à data do acidente “tinha começado a trabalhar há pouco tempo”, sendo que o depoimento da última das referidas testemunhas nos pareceu mais espontâneo e desprendido, por isso mais convincente.
Como quer que seja, se não ficamos, como efectivamente não ficamos, minimamente convencidos que o sinistrado já trabalhava para a 1.ª ré, de forma ininterrupta, desde 2005, ou desde qualquer outra concreta data anterior a 16.7.2018, também não ficamos inteiramente convencidos da tese da ré empregadora, e de que o sinistrado só trabalhou para a 1.ª ré nos períodos referidos no documento de fls 243 (“períodos permanência”).
Aliás, nenhum dos documentos juntos aos autos é, neste particular, um adjuvante de prova robusto, idóneo a convencer da veracidade de uma ou outra tese, assinalando-se desde logo que as informações do género das prestadas pela segurança social – v.g. a de fls 240 - radicam em regra nas comunicações que lhe são feitas pelas entidades empregadoras, e bem pode suceder que – no caso – as comunicações feitas pela 1.ª ré à segurança social não espelhem a realidade (sem embargo de daí se poder retirar que o sinistrado trabalhou para a 1.ª ré pelo menos nos períodos aí referidos e, de relevante – porque já no decurso do período em que estava em vigor o contrato de seguro versado nos autos -, entre 04/4 e 20/4 de 2017), como se assinala, por outro lado, que a inscrição do trabalhador sinistrado na segurança social como trabalhador da 1.ª ré no período compreendido entre Janeiro de 2018 e Junho de 2018 foi feita não com base em comunicação ou declarações de remunerações enviadas pela 1.ª ré, mas sim oficiosamente, em resultado de averiguação efetuada pela ACT (e em razão de, em qualquer caso, ser extemporânea a comunicação da admissão do trabalhador à segurança social) – cf. doc. de fls 265 (informação prestada pela segurança social aos autos em 20.7.2020).
Diga-se finalmente que embora tenha ficado para nós claro que a autora AA não tinha então trabalho regular, já não ficou que de todo em todo não exercesse qualquer atividade profissional, ou beneficiasse, ela como o seu agregado familiar, de rendimentos de outra natureza, como dos rendimentos dos filhos do casal, ora também autores, como aliás referiu o autor BB nas suas declarações, sendo que o autor CC disse nas declarações que prestou que a mãe chegou a receber subsídio de reinserção social.
Em concreto quanto ao valor da retribuição, tivemos em consideração que é o valor que consta do recibo de vencimento (a fls 80) quer o comunicado pela ACT à segurança social (cf. fls 262 v.) e na folha de férias que a empregadora enviou à seguradora (cf. fls 302), como foi o mencionado nas declarações de parte da viúva, sendo que a testemunha QQ, que trabalhou para a ré seguradora como gestor de sinistros, referiu que a viúva do sinistrado disse ao averiguador do sinistro que o falecido marido ao serviço da 1.ª ré ganhava cerca de 30 euros por dia, “sem recibo e sem contrato”, mas não foi isto o que a mesma mencionou nas suas declarações em sede de audiência de julgamento.
Em particular, e no que tange à matéria de facto que consideramos provada e reportada quer às circunstâncias que o rodearam quer ao próprio acontecer do acidente –números 29 a 34, 41, 45 a 48 e 53 - tivemos fundamentalmente em consideração, para a convicção que formamos, as declarações de parte do legal representante da ré, e os depoimentos das testemunhas RR, inspetora da ACT que procedeu à averiguação do acidente, tendo-se deslocado ao local do mesmo em 30.7.2018, SS, técnica superior de segurança que trabalha para a empresa que presta serviços à ré empregadora na área da higiene e segurança – e concatenados com tais depoimentos, o inquérito de acidente de trabalho efetuado pela ACT, a fls 24 e ss, e os seus anexos, designadamente o relatório de inquérito de acidente de trabalho e a identificação e avaliação de riscos, estes realizados pela empresa C... - Saúde e Segurança no Trabalho, Lda, assim como informação da ACT relativa ao procedimento inspetivo contante de fls 281 e ss, e estando aquele relatório também junto a fls 290 e ss – FF e GG, já acima identificados, e OO, averiguador de acidentes de trabalho que, a solicitação da ré seguradora, procedeu à averiguação do sinistro aqui em causa, tendo sido especialmente importantes, no que concerne ao deflagrar do acidente, as declarações de parte do legal representante da 1.ª ré e o depoimento da testemunha FF, pois que ambos – e só eles – assistiram ao acidente, e em cujas versões do acidente (ou de uma delas) assenta, pelos menos em parte, o que a propósito disseram outras testemunhas, como seja o caso das que posteriormente procederam à averiguação do acidente (RR, SS e OO), e como as próprias reconheceram.
Assinala-se que os factos que a propósito do íter do acidente consideramos provados têm respaldo quer nas declarações de parte do legal representante da ré quer no depoimento da testemunha FF, que em essência apresentaram a mesma versão dos factos, sem qualquer discrepância assinalável, sendo que esta testemunha não obstante a ligação de parentesco com o gerente da 1.ª ré, empresa para quem também trabalha, depôs por forma que se afigurou espontânea e segura. Esta testemunha esclareceu, nomeadamente, que foi a palete “de cima”, de um lote de 3, que “rebentou”, “quando ouvi fuja, olhei para trás e vi os rolos a cair da parte de cima”, rolos que caíram sobre o Sr. EE, o qual se tinha “encostado ao taipal da parte de trás”, a ver o Sr. PP a descarregar a paletes do camião.
Mais resultou dos depoimentos recolhidos – particularmente das testemunhas RR e GG - que para saber se as cintas estavam em tensão ou não teria de se rasgar o filme/invólucro (pois que as cintas estavam colocadas por dentro desse invólucro), todos concedendo desconhecer em concreto a razão porque “rebentou” a dita palete, nem porque após o acidente foram “rebentando” outras, aventando a testemunha SS que se trate do “efeito dominó”.
Quanto à matéria dos números 36, 37 e 44 da mesma lista, a nossa convicção baseou-se no depoimento do legal representante da 1.ª ré e no depoimento da testemunha FF – ambos, como se disse, que assistiram ao acidente -, como muito em particular no relatório da autópsia (a fls 71 e ss) e no depoimento da testemunha TT, médica que procedeu à autópsia do sinistrado e subscreve aquele relatório.
No que tange aos factos provados sob os números 42 e 43 tivemos particularmente em consideração as declarações de parte dos autores e o depoimento da já identificada testemunha HH, consignando-se que muito embora não tenha ficado para nós claro se por ocasião do acidente a autora viúva vivia ou não com o marido, trabalhador sinistrado, ficamos plenamente convencidos que sofreu profundamente com a morte do sinistrado.
No que concerne à matéria de facto que consideramos provada sob os números 49, 50, e 51 da lista dos factos provados baseamos a nossa convicção, fundamentalmente: no depoimento da testemunha (inquirida oficiosamente) MM – pessoa que faz a contabilidade da 1.ª ré desde 2003, e que disse ter sido quem fez a inscrição do trabalhador sinistrado na segurança social, confirmando que foi no dia do acidente, mas já depois deste ter ocorrido, embora referindo que tal inscrição já lhe havia sido solicitada pelo gerente da 1.ª ré mas que se esquecera… - pelo que foi particularmente importante para a prova da matéria inserta no número 51 e, na análise das folhas de férias juntas aos autos (cf. fls 140v. a 146 e 304 a 315), bem assim o depoimento da testemunha QQ, que trabalhou para a ré seguradora e disse que “fizeram averiguações”/analisaram as folhas de férias que lhes foram remetidas pela empregadora e que o trabalhador sinistrado só consta da folha de férias de Julho de 2018, para prova da matéria constante do número 50, e o documento de fls 332v./333 (junto pela seguradora com o req.º ref.ª 38104691) para prova da factualidade constante do número 49, sendo que a testemunha UU (também inquirida oficiosamente) que referiu que o marido era o mediador de seguros da 1.ª ré, sendo ela que “tratava da documentação”, confirmou que o seguro em causa teve o seu início em 02.7.2016.
Relativamente à factualidade que consideramos provada sob o número 56, a realidade da mesma decorre desde logo do processado, atestando o auto de não conciliação e as atas da audiência final a comparência da autora AA neste Tribunal.
No que toca à matéria de facto não provada, tal ficou a dever-se à falta de prova com um mínimo de consistência acerca da sua realidade.
Efetivamente, e muito em particular quanto à matéria supra expressamente delimitada como não provada, diremos: tendo em consideração as declarações de parte do legal representante da ré e o depoimento da testemunha FF ficaram-nos sérias dúvidas – do mesmo passo, diga-se desde já, suscitaram-nos dúvidas acerca da bondade da tese dos autores, mas não nos convenceram da veracidade da tese da 1.ª ré, daí o não termos dado como provado o que consta dos art.s 3.º, 4.º e 5.º da contestação dessa ré - acerca do alegado em 1.º e 96.º da PI (quanto ao 1.º, na parte que se inicia em “com quem vivia”), quanto à matéria dos artigos 43.º, 44 e 46 do mesmo articulado até em razão da motivação que acima já expusemos, não ficou demonstrado que as paletes que se encontravam na parte inferior não ofereciam resistência, até porque, pelo menos inicialmente, parece que não foi qualquer palete que estivesse sob outra(s) que cedeu/rebentou, o afirmado em 44 também não resultou demonstrado de forma minimamente segura, pois que essa análise, ao que foi dito, não foi feita em tempo oportuno nem com um mínimo de rigor, nem o alegado em 46.º ficou claro, pois que por ex. a testemunha SS disse estar convencida que se todas as paletes tivessem sido colocadas assentes no solo caberiam todas, “penso é que ficariam até à porta”.
Quanto à matéria alegada pela ré seguradora em 7.º da sua contestação já resulta, concomitantemente, da motivação que supra consignamos a propósito dos números 27 e 28 do elenco dos factos provados as razões porque não nos convencemos da veracidade do alegado neste artigo 7.º, e quanto à matéria do artigo 27.º do mesmo articulado não foi feita prova minimamente consistente da impossibilidade de definição de zonas aí alegada e, por último, no que tange à parte final do art. 28.º, também não foi feita prova com um mínimo de idoneidade – sem prejuízo do que já consta do número 25 da lista dos factos provados – de que um tipo de invólucro era menos ou mais resistente do que outro.”

2.1.3. Impugnação da decisão de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
« 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”, (sublinhado nosso).
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (relatora Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Em concreto, desde já se adianta que a Ré cumpriu globalmente todos os ónus a que estava adstrita.
A Ré impugna a decisão proferida quanto ao que alegou no artigo 7º da contestação.
Em suma, conclui que deve ser dado como provado que o falecido trabalhou ininterruptamente para a recorrida desde o ano de 2005.
É este o teor do item 27º dos factos provados:
- O EE trabalhava para a 1.ª ré desde, pelo menos, 16/07/2018, com a categoria de servente, sendo que anteriormente a 16/7/2018 e a partir de 21/02/2005 o EE prestou trabalho para a 1.ª ré e ainda que, pelo menos, de forma intermitente e distribuído por 16 contratos de trabalho, e tendo trabalhado para a 1.ª ré nomeadamente no período de 04/4/2017 a 20/4/2017.
A este propósito, na sentença recorrida, lê-se na motivação da decisão de facto, o que de relevante novamente se transcreve:
‘No que tange à factualidade referente ao relacionamento laboral que se verificou entre o trabalhador sinistrado e a 1.ª ré que consideramos provada, levada aos números 27 e 28 da lista dos factos provados, a nossa convicção baseou-se na análise conjugada das declarações de parte dos autores e dos depoimentos que a propósito foram produzidos, consignando-se que as declarações de parte nos mereceram bastantes reservas, desde logo porque sustentando os autores, sem que tenha sido apresentada qualquer justificação plausível (mesmo que a segurança social tenha prestado uma informação desconforme aos autores, não se afigura curial, razoável, expectável, que – caso fosse verdadeira a tese que agora em declarações de parte propugnam, de ter trabalhado o falecido marido e pai para a 1.ª ré, ininterruptamente, desde 2005 -, viessem dizer na ação, como vieram, que o sinistrado trabalhava para a 1.ª ré desde 16.7.2018), uma tese contrária à que alegaram nos autos – cf. art. 3.º da PI -, vieram os autores que prestaram declarações (viúva e filhos do sinistrado BB e CC), assim como a testemunha HH, que vive em união de facto com o autor BB, dizer, em suma, que o sinistrado trabalhou para a 1.ª ré, de modo ininterrupto, desde 2005, o que foi perentoriamente contrariado pelo legal representante da empregadora, no âmbito do depoimento que prestou, assim como pelas testemunhas FF, que trabalha para a ré empregadora há cerca de um ano, mas que anteriormente, em razão de ser tio por afinidade do sócio gerente da empregadora, já auxiliava na atividade da 1.ª ré de vez em quando, e GG, que trabalhou, como encarregado, para a 1.ª ré durante cerca de cinco anos, tendo saído em 2019 (…), testemunhas que, em consonância com o que a propósito disse o legal representante da 1.ª ré, referiram que o sinistrado só pontualmente, embora em diversas ocasiões, trabalhou para a 1.ª ré, utilizando expressões como “quando era preciso era chamado”, “lembro-me de ele trabalhar um mês, sair, trabalhar mais um ou dois meses”, “apertava, vinha trabalhar, aliava, saía”, à data do acidente “tinha começado a trabalhar há pouco tempo”, sendo que o depoimento da última das referidas testemunhas nos pareceu mais espontâneo e desprendido, por isso mais convincente.
Como quer que seja, se não ficamos, como efectivamente não ficamos, minimamente convencidos que o sinistrado já trabalhava para a 1.ª ré, de forma ininterrupta, desde 2005, ou desde qualquer outra concreta data anterior a 16.7.2018, também não ficamos inteiramente convencidos da tese da ré empregadora, e de que o sinistrado só trabalhou para a 1.ª ré nos períodos referidos no documento de fls 243 (“períodos permanência”).
Aliás, nenhum dos documentos juntos aos autos é, neste particular, um adjuvante de prova robusto, idóneo a convencer da veracidade de uma ou outra tese, assinalando-se desde logo que as informações do género das prestadas pela segurança social – v.g. a de fls 240 - radicam em regra nas comunicações que lhe são feitas pelas entidades empregadoras, e bem pode suceder que – no caso – as comunicações feitas pela 1.ª ré à segurança social não espelhem a realidade (sem embargo de daí se poder retirar que o sinistrado trabalhou para a 1.ª ré pelo menos nos períodos aí referidos e, de relevante – porque já no decurso do período em que estava em vigor o contrato de seguro versado nos autos -, entre 04/4 e 20/4 de 2017), como se assinala, por outro lado, que a inscrição do trabalhador sinistrado na segurança social como trabalhador da 1.ª ré no período compreendido entre Janeiro de 2018 e Junho de 2018 foi feita não com base em comunicação ou declarações de remunerações enviadas pela 1.ª ré, mas sim oficiosamente, em resultado de averiguação efetuada pela ACT (e em razão de, em qualquer caso, ser extemporânea a comunicação da admissão do trabalhador à segurança social) – cf. doc. de fls 265 (informação prestada pela segurança social aos autos em 20.7.2020). (sublinhado nosso)
Damos por adquirido, ainda que a Ré/Apelante não o refira que com a matéria que pretende ver aditada ao item 27º dos factos provados a mesma pretende a alteração da matéria restritiva assente de que o Sinistrado EE anteriormente a 16/07/2018 e a partir de 21/02/2005 prestou trabalho para a 1ª Ré e ainda que, pelo menos, de forma intermitente e distribuído por 16 contratos de trabalho, e tendo trabalhado para a 1ª Ré nomeadamente no período de 04/04/2017 a 20/04/2017.
A Apelante indica como meios de prova para o aditamento que pretende seja feito a tal item:
- Os depoimentos dos Autores, da Autora AA, do Autor CC e especialmente do Autor BB e os depoimentos das testemunhas HH, OO e MM
- A declaração escrita entregue pela Autora, viúva do sinistrado, datado de 27.07.2017 que constitui o doc. 1 da contestação da Recorrente e em que a mesma expressamente diz o seguinte:
“Declaro também que o meu falecido marido EE trabalhava para esta empresa desde 2005 a tempo inteiro, até à data do acidente. Trabalhou sempre sem interrupções no horário 8:30 as 17;30, recebendo o ordenado em dinheiro sempre no final do mês sem recibos vencimento e sem contrato.”
- as folhas de remuneração que a Apelante juntou aos autos e que cobrem todo o relacionamento que teve com a R. Empregadora desde Julho de 2016 a Julho de 2018.
- as regras da experiência comum.
Conclui assim que não devia o Tribunal a quo valorar apenas o depoimento do legal representante da R. Empregadora, do seu tio e também funcionário FF e do seu ex-funcionário e amigo GG.
Consignamos que o Mm.º Juiz ao quo fundamentou cabalmente a convicção a que chegou, com a análise crítica de todos os meios de prova referenciados.
Conhecendo agora a da impugnação efetuada pela Apelante:
Começando pelo documento entregue pela viúva do Sinistrado, desde logo cumpre referir não basta tal documento não ter sido impugnado para se considerar assente o que nele é afirmado sobre o relacionamento laboral entre o Sinistrado e a Ré Entidade empregadora.
Aliás, como bem evidenciado na motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, o teor do mesmo documento está em contradição com o alegado na petição inicial, de que o Sinistrado foi admitido ao serviço da Ré, de forma ininterrupta, a 16.07.2018 (cfr. artigo 3º da petição inicial).
De resto, as circunstâncias em que tal documento foi assinado, relatadas pelo averiguador da Ré/Apelante, OO – num terceiro encontro da Autora/viúva com este último, ‘numa mesa de café’, após a averiguação das contribuições do Sinistrado para a Segurança Social, para a qual foi pelo mesmo obtida previamente autorização daquela - conforme relato dessa testemunha que ouvimos, suscitam-nos também a nós, muitas reservas.
Quanto às folhas de remuneração, salienta a Apelante que das mesmas resulta que o Sinistrado jamais constou das folhas de remuneração que a Ré Empregadora remeteu à Apelante, surgindo pela 1ª vez, na folha entregue em Agosto de 2018, já depois de ocorrido o acidente – quando até o Tribunal, dá como provado que o Sinistrado pelo menos em Abril de 2017 trabalhou para a Ré Empregadora.
Tais folhas de remuneração, conclui, demonstram que pessoas como as filhas do legal representante da Ré Empregadora – II e JJ que já trabalhavam nesta cerca de 4 anos antes do acidente -, só em Janeiro de 2017 e Junho de 2018, respetivamente, foram declaradas ao seguro.
O mesmo sucedendo com o pintor KK, que a testemunha GG disse trabalhar na Ré Empregadora pelo menos dois anos antes do acidente e que também só na folha de Julho de 2018 surge pela primeira vez.
O mesmo valendo ainda para a mulher do legal representante da Ré Empregadora, LL que surge pela 1ª vez na folha de Abril de 2018 mas que também há anos trabalhava para tal entidade.
Ora, não obstante o assim afirmado pela Apelante – nas folhas relativas ao mês de Julho de 2018, mês em que ocorreu o acidente, a Entidade empregadora quase duplica o seu quadro de pessoal -, certo é que daí não se afere que o Sinistrado já aí trabalhasse, ininterruptamente, desde 2005.
Ou seja, não se nos afigura possível aferir, sem mais, a matéria que a Apelante pretende seja aditada aos factos provados.
Relativamente aos depoimentos das testemunhas indicadas e às declarações dos Autores, lemos os excertos assinalados no corpo destas alegações.
A Apelante indica quanto à testemunha MM os minutos 4.15 a 6,30 e os minutos 20:00 a 37:50 da gravação do respetivo depoimento (a cuja audição procedemos) referindo ainda que o respetivo depoimento foi contraditado pela testemunha UU.
Mais alega, quanto ao Sinistrado que do mesmo depoimento resulta que aquele foi incluído na segurança social em abril de 2017 mas só surge na folha de remuneração de julho de 2018.
Realçamos que a testemunha MM afirmou categoricamente que para a segurança social sempre procedeu ao envio mas apenas em agosto de 2018, assumiu o envio para a seguradora, a pedido desta, não tendo sido a mesma quem enviou a folha de férias de Julho do mesmo ano.
É certo que a testemunha UU (casada com o mediador de seguros, VV) referiu ter sido a mesma a enviar até dada altura as folhas de férias e que desde inícios de 2017 passou a ter de ser o contabilista a proceder a tal (bem como as dificuldades deste), certo é que sobre a justificação dada para ter conhecimento sobre o que sucedeu posteriormente, limitou-se a invocar a preparação que fez para o depoimento, sendo categórica em afirmar que o Sinistrado não era um trabalhador fixo, chegou a constar mais do que uma vez, mas não era fixo.
Ora, não aferimos do assim alegado e dos mesmos depoimentos como possa dar-se como provado que o Sinistrado trabalhava ininterruptamente para a Ré Empregadora desde 2005.
A Apelante procedeu à transcrição de excertos dos depoimentos da testemunha GG, sendo que dos mesmos excertos nada se afere quanto à data exata em que o Sinistrado começou a trabalhar para a Ré Entidade Empregadora, antes e tão só que em Junho de 2018 aquele encontrava-se a trabalhar para esta.
Acresce referir que a conclusão do Tribunal foi a de dar como assente que o EE trabalhava para a 1ª Ré pelo menos desde 16.07.2018 e bem assim que anteriormente a 16/07/2018 e a partir de 21/02/2005 o mesmo prestou trabalho para a 1ª Ré e ainda que, pelo menos, de forma intermitente e distribuído por 16 contratos de trabalho, e tendo trabalhado para a 1ª Ré nomeadamente no período de 04/04/2017 a 20/04/2017- não apenas que aquele tinha sido contratado há dias por referência à data do acidente como refere a Apelante nas suas alegações.
Essa é também a nossa convicção por os depoimentos das testemunhas FF e GG, a cuja audição procedemos, também se nos mostrarem credíveis.
A Apelante transcreve outrossim os excertos das declarações da Autora, viúva do Sinistrado e dos Autores CC e BB, ambos filhos do Sinistrado, tidos por relevantes, indicando os minutos da gravação onde ficaram registadas.
Ora, como a própria Apelante reconhece, os ditos dos mesmos Autores são ‘seguramente interessados’, realçando nós que nenhum dos três precisou com exatidão o mês do ano que referem - apenas a Autora referiu ‘Princípios de Junho ou do ano para aí de 2005’ -, ou contextualizou cabalmente, reportando-se ao início do trabalho do Sinistrado – apenas o Autor CC justificou ter sido desde 2005 e não de 2006 laconicamente ‘Porque eu ainda estava a estudar’ – por forma a aferir-se ter sido nesse mesmo ano, ou seja, em 2005 que o Sinistrado começou a trabalhar ininterruptamente para a Ré Entidade Empregadora.
Consignamos que procedemos à audição integral de tais declarações sendo que a convicção a que chegamos em nada difere da alcançada pelo Mm.º Juiz a quo.
Finalmente, quanto ao depoimento da testemunha HH, a Apelante procedeu à transcrição do excerto do respetivo depoimento, tido por relevante, indicando os minutos da gravação onde ficou registado, sendo certo que a mesma reconhece o ‘menor conhecimento de causa’ da testemunha, por ter iniciado o seu relacionamento com o Autor BB em 2016.
Invoca ainda a Apelante que a tese a que aderiu o Tribunal é contrária às regras da experiência comum, mesmo atendendo a que resultou provado que pelo menos de 04/04/2017 a 20/04/2017 o Sinistrado trabalhou para a Ré Empregadora (ponto 27 in fine dos factos provados), a qual remeteu à Apelante a folha relativa a Abril de 2017, na qual o Sinistrado não consta.
Assim não o entendemos, ou seja, que daí seja possível aferir-se como provada a factualidade que a Apelante pretende seja aditada.
Improcede assim a pretensão da Apelante de que passe a dar-se como provado o alegado na 1ª parte do artigo 7º da respetiva contestação, ou seja, que o sinistrado EE trabalhava ininterruptamente para a Ré Entidade patronal desde 2005, a tempo inteiro, praticando o horário de trabalho das 08,30 às 17,30.

Conclui ainda a Ré que deve passar a dar-se como provada matéria dos pontos 16º e 17º da respetiva contestação: O Sinistrado, ao longo destes anos – de 2005 a 2018 – sempre auferiu a retribuição necessária para a vida do casal, sendo essa a sua única fonte de rendimentos nos meses que antecederam o acidente, rendimentos este auferidos exclusivamente na aqui Ré, única entidade para quem trabalhava desde há anos e a tempo inteiro.
A impugnação da matéria ‘Ao longo destes anos – de 2005 a 2018 –’ e ‘a tempo inteiro´, foi já analisada, considerando-se improcedente a pretensão da Apelante, pela fundamentação que supra se deixou consignada.
Já a matéria sendo a ‘Ré, única entidade para quem trabalhava desde há anos’, é matéria vaga e como tal conclusiva.
A matéria ‘sempre auferiu a retribuição necessária para a vida do casal’ é matéria manifestamente conclusiva.
Conforme vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Daí que só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova.
Lê-se no acórdão do STJ de 12.03.2014 (Processo nº 590/12.5TTLRA.C1.S1) que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Improcede, com tal fundamento, também nesta parte a pretensão da Apelante.

Resta analisar a matéria ‘sendo essa a sua única fonte de rendimentos nos meses que antecederam o acidente, rendimentos este auferidos exclusivamente na aqui Ré, única entidade para quem trabalhava.’
Indica como meios de prova que determinam que se passe a dar como provada esta factualidade os depoimentos dos Autores, AA, CC e BB e da Testemunha HH, indicando os minutos da gravação onde ficaram registados os excertos tidos por relevantes e procedendo à transcrição dos mesmos excertos que lemos, tendo procedido igualmente à respetiva audição.
Valem aqui as considerações supra efetuadas a propósito da credibilidade atribuída a tais declarações e depoimento, a que acrescentamos:
A Autora refere o que o Sinistrado lhe entregava – o salário mínimo – e bem assim que quando o seu marido morreu estava desempregada e viviam com o ordenado dele e quando não chegava os filhos também ajudavam.
Nada referiu sobre se o Sinistrado tinha trabalhado para mais alguém.
Já o Autor CC, limitou-se a responder que não à pergunta, ‘Mas o seu pai, entretanto, não saiu nem foi trabalhar para outros lados nem esteve desempregado?’, ao comentário ‘Já houve aqui quem dissesse que fazia umas biscatadas e era disso que vivia’ retorquiu ‘Isso era os vizinhos, mas ele sempre trabalhou’, respondendo ‘Não há dúvidas’ à pergunta ‘E não há dúvidas que foi sempre nesta empresa?’.
Ou seja, nada refere de forma espontânea, clara e explícita sobre se o Autor tinha ou não algum outro trabalho em simultâneo ou de forma intercalar com aquele que teve para a Ré Entidade empregadora.
Quanto ao Autor BB não soube precisar desde quando é que o Sinistrado trabalhou para Ré Entidade empregadora ‘Para aí desde 2005, 2006, por aí’, respondendo que ‘Não’ à pergunta ‘(…) não conheceu outro patrão ao seu pai?’, ‘Sim, desde que me lembro sim’ à pergunta ‘(…) Foi sempre a trabalhar com o Sr. PP?’ e ‘Não’ à pergunta ‘Portanto, não trabalhou para outras empresas’.
Da forma pouco explícita e comprometida como falou, não é possível aferir-se sobre se o Sinistrado trabalhou para mais alguém, em simultâneo ou de forma intercalar com o trabalho que teve para com a Ré Entidade Empregadora.
Por último, a testemunha HH limitou-se a referir ‘Pelo que sei, porque eu comecei a namorar com o BB em 2016, e tive contacto com a família após alguns meses, mas desde que eu estava naquela família o meu sogro sempre lá trabalhou’ e a responder ‘Não, nunca ouvi falar de outra’ à pergunta ‘A senhora conheceu-lhe algum outro emprego?’.
Do assim afirmado pela mesma testemunha não é possível aferir-se sobre se o Sinistrado trabalhou para mais alguém, em simultâneo com o trabalho que teve para com a Ré Entidade Empregadora.
Improcede, com tal também nesta parte a pretensão da Apelante.

Finalmente, a Apelante pretende que seja dado como provado o que alegou no artigo 26º da respetiva contestação: ‘Não foi o Sinistrado alertado para os riscos de tal tarefa nem lhe foram ensinadas as técnicas para evitar ou minorar tais riscos’.
Mais alega que basta atentar na factualidade provada nos itens 4, 38, 52 e 53 e por força de uma presunção judicial dar-se como provada aquela factualidade.
A noção de “Presunções” mostra-se contemplada no artigo 349º do Código Civil: «Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Sob a epígrafe “Presunções judiciais”, dispõe o artigo 351º do Código Civil que “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”.
Auxiliamo-nos na fundamentação do acórdão desta secção de 24.01.2018 (Relatora Desembargadora Rita Romeira, in www.dgsi.pt, sendo 1ª adjunta a aqui relatora) onde, a propósito das presunções judiciais se lê que “(…) estas não servem para substituir a prova dos factos com que a parte está onerada.
E ainda que as presunções “(…) supõem a prova de um facto conhecido (base da presunção), do qual depois se infere o facto desconhecido, cfr. P.de Lima e A. Varela, in “CC, Anotado”, Vol. I, 3ª edição, ponto 1 da anotação ao artº 349, pág. 310.
É certo que a demonstração da realidade de um facto pode ser efetuada diretamente ou pode ser extraída, por presunção judicial (art. 349º e 351º do C.C.), de outros factos provados (a base da presunção).
Todavia, estas presunções judiciais “não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais ou operações firmadas em regras de experiência, operações de elaboração das provas alcançadas por outros meios, reconduzindo-se a simples provas de primeira aparência, baseadas em juízos de probabilidade.”, cfr. o Ac. STJ de 10.09.2009, in www.dgsi.pt, citando Vaz Serra in RLJ, 108º/352.
Assentam no simples raciocínio de quem julga, inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, cfr. ponto 2, da anotação àquele artº 349, na obra supra referida. (realce, sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos).
Em suma, é este o entendimento sobre os poderes da Relação de se socorrer de presunção judicial:
A 1ª instância pode dar como provado determinado facto com base em presunção judicial (naturalmente que se, doutros factos assentes, puder retirar a ilação). E, desde que o facto seja impugnado e a impugnação da matéria de facto seja admissível, nada impede que a Relação se socorra (como a 1ª instância se poderia ter socorrido) de presunção judicial para alterar a decisão recorrida sobre a matéria de facto (só assim não seria se, por hipótese, a Relação não pudesse conhecer da matéria de facto, designadamente por a impugnação não ser admissível ou por o facto não ter sido impugnado ou por não ser admissível prova testemunhal sobre o facto).
É esta a matéria provada nos itens indicados:
4 - O malogrado EE não recebeu da 1.ª ré formação profissional para a movimentação ou armazenamento manual ou mecânico de cargas.
38 - À data do acidente de trabalho “in casu”, a 1ª Ré não possuía um plano de avaliação de riscos do seu armazém.
52 - Não foi dada qualquer formação ao sinistrado no âmbito do transporte e manuseamento de cargas.
53 - Não foram criadas quaisquer fichas de segurança em que se identificassem os riscos das tarefas de descarga e de armazenamento das paletes de tela.
A questão é se estes pontos permitem concluir no sentido pretendido pela Recorrente, ficando provado que ‘Não foi o Sinistrado alertado para os riscos de tal tarefa nem lhe foram ensinadas as técnicas para evitar ou minorar tais riscos’ (artigo 26º da contestação).
Quanto a não ter sido alertado, pese embora o referido em tais pontos, salvo melhor opinião, deles não decorre, necessária ou automaticamente, que o Sinistrado não tenha sido alertado para os riscos relativos à descarga, movimentação e armazenamento.
Já quanto ao “não lhe terem sido ensinadas as técnicas para evitar ou minorar os riscos”, as premissas – matéria dos itens nºs 4, 38, 52 e 53 – permitem retirar essa ilação.
Decide-se assim aditar a seguinte factualidade:
52º - A – Ao Sinistrado não lhe foram ensinadas técnicas para evitar ou minorar os riscos.
Indefere-se no mais, também nesta parte, a pretensão da Apelante.

2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Num primeiro segmento a Apelante, faz depender a alteração da decisão em crise do aditamento à matéria de facto provada, o que não logrou a mesma conseguir.
Improcedem assim as conclusões 39, 40 e 41.
Com efeito, não resultando da matéria de facto provada que já antes do acidente, a Ré Entidade empregadora omitiu o nome do Sinistrado nas folhas de retribuições enviadas à Ré Seguradora, num período em que aquele se encontrava já no âmbito do mesmo contrato e de forma não descontínua ao serviço da mesma, não se mostra possível concluir-se pela não cobertura do Sinistrado pelo contrato de seguro firmado entre a Ré Entidade empregadora e a Ré Seguradora
Mantém-se assim o determinado na sentença recorrida a esse propósito, transcrevendo-se a fundamentação a este respeito aí aduzida, na qual nos revemos, nenhum reparo sendo de fazer à mesma:
“É verdade que o contrato de seguro teve o seu início em 02.7.2016 – número 49 da matéria de facto.
Mas já não resulta da factualidade apurada que a relação laboral que vinculava o sinistrado à ré empregadora perdurasse desde há mais de 12 anos, tendo-se provado, apenas, que o EE trabalhava para a 1.ª ré desde, pelo menos, 16/07/2018, com a categoria de servente, sendo que anteriormente a 16/7/2018 e a partir de 21/02/2005 o EE prestou trabalho para a 1.ª ré e ainda que, pelo menos, de forma intermitente e distribuído por 16 contratos de trabalho, e tendo trabalhado para a 1.ª ré nomeadamente no período de 04/4/2017 a 20/4/2017 – cf. número 27 da lista dos factos provados.
Salvo melhor opinião, o ónus da prova da versão dos factos que a propósito alegou, era da ré seguradora, ónus que não logrou cumprir – cf. art. 342.º/2 do CC.
É certo que decorre da assinalada matéria de facto provada que o sinistrado trabalhou para a ré no período de 04/4/2017 a 20/4/2017 e que, estando então já em vigor o contrato de seguro de acidentes de trabalho aludido nos autos, a empregadora não incluiu esse trabalhador na correspondente folha de férias (de Abril de 2017), pois que a primeira que enviou à seguradora foi a de Julho de 2018.
E é igualmente certo que no cumprimento do contrato estão também as partes obrigadas a agir de boa-fé – cf. art. 762.º n.º 2 do CC, bem como, e designadamente, cláusula 10.ª n.º 1 da Apólice Uniforme.
Todavia, e com o devido respeito por diverso entendimento, não se apurando, como não se apurou, que o trabalhador sinistrado já trabalhava para a ré imediatamente antes de Julho de 2018 – isto é, que a relação laboral aqui em causa se iniciou antes do mês do acidente, e ainda que não desde há mais de 12 anos como alegado pela seguradora -, tendo de admitir-se como possível, de acordo com os factos que restaram provados, que se tenha efetivamente iniciado em 16/07/2018, não pode aquele apontado incumprimento (em Maio de 2017) do dever de enviar as folhas de férias percutir-se na validade do contrato de seguro ou na abrangência das suas coberturas de molde a não compreender o trabalhador sinistrado.
Como se expendeu em douto acórdão do STJ de 11-07-2012, Proc. 443/06.6TTGDM.P21.S1, António Leones Dantas:
“No modelo de contrato de seguro a prémio variável a apólice não estabelece nenhuma específica obrigação sobre o tomador do seguro, relativamente ao início de atividade de qualquer trabalhador, nomeadamente impondo a comunicação desse facto à seguradora.
Trata-se de uma situação bem diversa do que se passa com as alterações de risco previstas no artigo 9.º daquela apólice, em que o tomador do seguro, nos termos do n.º 1 deste artigo, é obrigado a comunicar à seguradora em 8 dias «todas as alterações do risco que agravem a responsabilidade por esta assumida».
Deste modo, a seguradora só tem conhecimento da existência de novos trabalhadores abrangidos pelo contrato quando recebe a comunicação das folhas de retribuições, estando a sua responsabilidade por força da natureza do contrato limitada a esses trabalhadores.
Esse facto não permite à Seguradora repudiar a sua responsabilidade por acidentes sofridos por esses novos trabalhadores no mês correspondente ao do início da prestação de trabalho, acidentes, que, todavia, lhe são comunicados previamente, nos termos do n.º 2 do referido artigo 16.º da Apólice Uniforme.
É certo que esta situação permite a inclusão na folha de férias de trabalhadores que nela poderiam não ser incluídos se não tivessem sido vítimas de um concreto acidente de trabalho, o que viola os mais elementares princípios de boa fé nas relações entre as partes.
De facto, tal como se referiu no Acórdão desta secção acima citado, de 9 de Dezembro de 2004, proferido na revista n.º 2954/04-4, «o facto de as folhas de férias só serem enviadas no mês seguinte àquele a que dizem respeito permite que as entidades empregadoras menos escrupulosas omitam o nome de alguns trabalhadores ou parte das retribuições pagas, para desse modo pagarem um prémio inferior ao que seria devido», tratando-se, segundo aquele aresto «de um cumprimento defeituoso do contrato, altamente reprovável que se presume culposo (art. 799.º, n.º 1 do CC) e atenta contra o princípio da boa fé que deve presidir à formação e cumprimento dos contratos».
Trata-se, contudo, de uma das vicissitudes daquele modelo de contrato que terá de encontrar solução exatamente no contexto da boa fé que deve estar subjacente às relações entre as partes e nos fundamentos da resolução do contrato, previstas na Apólice Uniforme.” (…) www.dgsi.pt
No caso presente os factos provados são manifestamente insuficientes para poder afirmar que a empregadora ao incluir o trabalhador sinistrado na folha de férias de Julho de 2018 o fez de má fé, com intuito fraudulento.
E, note-se, seria ainda inócuo, no caso, que se apurasse que a ré empregadora tinha outros trabalhadores que não incluía nas folhas de férias que enviava à seguradora. Esses eventuais factos poderiam relevar para a inclusão ou não desses trabalhadores nas garantias do seguro, mas não poderiam de forma alguma determinar, ainda que conjugados com a factualidade realmente apurada, conforme descrita supra, a exclusão do trabalhador sinistrado.
Não está ora em causa cuidar da existência de fundamento para resolver o contrato, mas antes do âmbito da cobertura do contrato de seguro, nos termos acima enunciados.
De tudo o que vem de dizer-se concluímos que o trabalhador sinistrado estava abrangido pelas garantias do contrato de seguro.”, (alteração do tamanho de letra nosso).

Improceda nesta parte a Apelação.

2.2.2. Num segundo segmento, a Apelante conclui que pelas razões que constam no recurso de Apelação apenso a estes autos, com subida imediata e em separado, em que se pôs em causa a decisão de indeferir o requerido, no sentido de a testemunha MM juntar os autos as folhas de remunerações que eram remetidas por si, em nome e representação da R. Empregadora, para a segurança social, as quais consultava à medida que ia depondo na audiência de julgamento e de que resulta que existia enorme discrepância entre o que era declarado à Segurança Social e aquilo que era declarado à R. Seguradora, a quem eram omitidos inúmeros trabalhadores, questão que determinará a anulação do julgamento e sua repetição, com prévia junção aos autos de tais documentos, por serem imprescindíveis para a descoberta da verdade.
Trata-se de um segmento que não cumpre aqui analisar, já que a decisão invocada não é objeto de apreciação no presente recurso.
De resto, sempre se refere que por consulta aos autos que constituem o apenso C, o acórdão de 29.09.2021 negou provimento ao recurso sobre a diligência de prova oportunamente indeferida.

2.1.3. Num terceiro segmento, invoca a Apelante terem resultado provados factos que importam a responsabilidade pela eclosão do acidente à violação, por banda da Ré Empregadora, de diversos normativos legais destinados a garantir a segurança no trabalho, o que torna aplicável ao caso sub judice o regime estatuído nos artigos 18º e 79º, nº3 da Lei nº 98/2009.
Começa a esse respeito por invocar a nulidade da sentença no segmento da mesma que se passa a transcrever:
- “(…) salvo melhor opinião, precludiu o direito de quer os autores quer a 2.ª ré invocarem a culpa da empregadora no eclodir do acidente.
Com efeito, como decorre do conteúdo do auto de não conciliação, a tentativa de conciliação frustrou-se por razões de todo alheias à questão da eventual culpa da entidade empregadora na produção do acidente, que não foi então invocada por qualquer das intervenientes.
Assim, tendo presente as posições expressas pelas partes em sede de tentativa de conciliação, e que as questões que não foram então suscitadas (como sucede com a enunciada questão, e como poderia suceder, por ex., com a questão da descaracterização do acidente como acidente de trabalho) devem considerar-se «arrumadas», não é agora admissível levantar-se a questão da culpa da empregadora no acontecer do acidente: as únicas razões porque as partes não chegaram a acordo em sede conciliatória foi por a seguradora, já então, não aceitar a transferência de responsabilidade, “uma vez que o sinistrado foi incluído no contrato de seguro, no dia do sinistro, mas em momento posterior ao evento” e por sua vez a empregadora também não aceitar a responsabilidade pela reparação do acidente, “uma vez que à data tinha a responsabilidade transferida totalmente para a companhia de seguros”; cf. art. 112.º/1 do CPT, e, a título de ex. e em sentido que se afigura concordante, Ac. do STJ de 29.10.2003. CJ, Acs do STJ, Ano XI, T III/2003, págs 274 e ss; Ac. da RP de 20.01.2003, www.dgsi.mj.pt, Proc. 0241019; Ac. RE de 27.03.2007, CJ, Ano XXXII, Tomo II/2007, pags 265 e ss; Ac. RP de 24.11.2011, www.dgsi.pt, Proc. 57/08.6TTBCL.P1, Ac. RP de 29.05.2017, in www.dgsi.pt, Proc. 907/10.7TTMTS.P2 e Ac. RC de 25-10-2019, Proc. 5068/17.8T8LRA-A.C1, Felizardo Paiva em cujo Sumário se sintetizou “…VIII - É no auto de conciliação que globalmente se equacionam todos os pontos decisivos à determinação dos direitos do sinistrado, conforme resulta dos artigos 111º e 112º do CPT, seja no caso de acordo, seja na falta dele.
IX - Do confronto dos artigos 111º e 112º do CPT podemos concluir que não é possível a posterior discussão de questões acordadas em auto de conciliação, nem o posterior conhecimento de questões não apreciadas nem referidas nesse auto.
X - Os efeitos delimitadores da tentativa de conciliação no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho limitam a reclamação ou a proibição de questões que aí não foram suscitadas.” www.dgsi.pt”.
A propósito da nulidade da sentença, a atual Mm.ª Juiz a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
“Dispõe o artigo 613º do CPC, sob a epígrafe “Extinção do poder jurisdicional e suas limitações” o seguinte:
1 – Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2- É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3 – O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.
Por sua vez, prescreve o artigo 615º do CPC, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença” que:
1 – É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 – A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 – Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 – As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
Diremos, desde já adiantando a conclusão, que, ressalvado o devido respeito por opinião divergente, considera-se que a sentença proferida pelo nosso antecessor não padece de qualquer dos vícios que lhe foram apontados.
Por um lado, não se vislumbre que tenha ocorrido contradição e violação de caso julgado, na medida a questão em causa não tinha sido ainda sido objeto de apreciação e decisão.
Por outro lado, não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer nulidade por violação do contraditório e por omissão de pronúncia.
Atente-se que a sentença recorrida, ressalvando o entendimento de poder não se ter como precludido o direito de invocar a culpa da entidade empregadora no eclodir do acidente, debruçou-se expressa e largamente sobre a questão em causa, tendo concluído que o acidente não é de atribuir a uma atuação culposa da empregadora. De facto, a sentença recorrida apreciou a questão substantiva suscitada quanto ao agravamento de responsabilidade, tendo concluído que a situação dos autos não caía na previsão do nº 1 do artigo 18º da Lei 98/2009, com os fundamentos explanados nessa decisão.
Pelo exposto, e ressalvando mais uma vez o devido respeito por opinião diversa, considera-se não se verificar a nulidade invocada, indeferindo-se ao requerido.”, (sublinhado nosso).
Acompanhamos integralmente o despacho que se acaba de transcrever, passando como tal de imediato a analisar as conclusões da Apelante a respeito da imputação a título culposo à Ré Entidade empregadora, por violação de regras de segurança.
Foi este o enquadramento legal efetuado na decisão recorrida (considerando, nomeadamente, os dispositivos legais de que a Apelante se socorre em sede do presente recurso e que como tal temos como pertinente):
“Efetivamente prescreve o art. 18.º n.º 1 da Lei 98/2009 que “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante, ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Ora, um ponto que desde já podemos realçar é que não basta provar (para responsabilizar pelo acidente a entidade patronal, nos termos sobreditos) que a empregadora não cumpriu determinadas normas de segurança, necessário se torna, ainda, que se prove o nexo de causalidade entre aquela inobservância e o acidente – cf. neste sentido Ac. do STJ de 3/5/2001, CJ, Ano IX, T II, pág. 270.
A este propósito diga-se que, “embora se admita sem esforço que na previsão legal cabem quadros fácticos em que ainda que não existindo ofensa a um normativo concreto, a conduta da patronal omita deveres tão evidentes de cuidado, que não pode deixar de ser integrada na dita previsão legal genérica.” (como se concluiu no Ac. da RC de 25/11/2004, in CJ, Ano XXIX, TV, pág. 66, embora a propósito da «correspondente» norma da Lei 100/97), “in casu” tanto os autores como a ré seguradora trouxeram à colação vários normativos legais que, sustentam, a atuação da empregadora diretamente violou, trazendo a seguradora expressamente à colação o art. 15.º da Lei 102/2009, de 10.9, o art. 3.º do DL 50/2005, de 25.02 e o art. 281.º do CT, ao passo que os autores aduzem as “normas de segurança e saúde no planeamento de execução da obra (DL 273/2003, de 29 de outubro), as normas de segurança e saúde na utilização de equipamentos de trabalho (DL 50/2005, de 25 de fevereiro) e da promoção da segurança e saúde no Trabalho (Lei 102/2009, de 10 de setembro, alterada e republicada pela Lei 3/2014, de 28 de janeiro)”.
O art. 281.º do CT – que contém princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho – e na parte que ora se afigura mais relevante, estabelece:
1 – O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde.
2 – O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.
3 – Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa. (…)”.
A Lei 102/2009, de 10.9, que contém o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, prescreve também no seu art. 15.º, que tem por epígrafe obrigações gerais do empregador, e também na parte que agora se afigura mais relevante:
1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.
3 - Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde. (…)”.
Sendo que, dos «conceitos» que essa lei adota no seu art. 4.º se retiram, designadamente, os seguintes:
g) «Perigo» a propriedade intrínseca de uma instalação, atividade, equipamento, um agente ou outro componente material do trabalho com potencial para provocar dano;
h) «Risco» a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interação do componente material do trabalho que apresente perigo;
i) «Prevenção» o conjunto de políticas e programas públicos, bem como disposições ou medidas tomadas ou previstas no licenciamento e em todas as fases de atividade da empresa, do estabelecimento ou do serviço, que visem eliminar ou diminuir os riscos profissionais a que estão potencialmente expostos os trabalhadores;”.
Por sua vez o art. 3.º do DL 50/2005, diploma legal que se reporta “às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho” (sendo que no art. 2.º, al. a) do mesmo Dec. Lei define-se: «Equipamento de trabalho» qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho), diz-nos:
Obrigações gerais do empregador
Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.
(…)”.
Mais são invocados, em sede de conclusões os artigos 18º e 79º da Lei 98/2009 de 04.09. («Regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro»):
«Artigo 18.º
Actuação culposa do empregador
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.»
«Artigo 79.º
Sistema e unidade de seguro
1 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
2 - A obrigação prevista no número anterior vale igualmente em relação ao empregador que contrate trabalhadores exclusivamente para prestar trabalho noutras empresas.
3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
4 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
5 - No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção.»
É esta a factualidade que temos como relevante (itens 2, 4, 6, 7, 8, 11, 15, 17, 18, 20, 22, 23, 24, 25, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 52º, 52º-A, 53, 54):
- No dia 27/07/2018, pelas 21.00 horas, o sinistrado EE, trabalhador da 1ª Ré, prestava o seu trabalho, em regime de trabalho suplementar, sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª Ré, nas instalações desta, sitas na Travessa ..., ..., freguesia ....
- O malogrado EE não recebeu da 1.ª ré formação profissional para a movimentação ou armazenamento manual ou mecânico de cargas.
- No dia 27/07/2018, o malogrado EE encontrava-se a prestar o seu trabalho, em ..., acompanhado pelo senhor PP, que é sócio e gerente da 1ª Ré e, também, do senhor FF, que é tio, por afinidade, deste PP,
- No desempenho da sua profissão de servente da construção civil,
- Sob as ordens, orientação e fiscalização da sua entidade patronal, a 1ª Ré, A..., UNIPESSOAL, LDA.,
- Foi no local da sede social da 1ª Ré, no dia 27/07/2018, pelas 21.00 horas, que o malogrado EE foi vítima de um acidente, que o atingiu mortalmente.
- Sucedeu que, por volta das 21.00 horas, quando haviam já sido efetuados múltiplos transportes das ditas paletes, o senhor FF, que conduzia a carrinha, chegou ao armazém carregando mais 03 paletes, na carrinha.
- No referido armazém da 1ª Ré, já se encontravam empilhadas várias paletes de cargas anteriores.
- Cada uma das mencionadas paletes pesa aproximadamente 1000 Kg e têm de altura aproximadamente 1 metro, a acrescer 15 cm da palete.
- Quando o Sr. PP, que já havia descarregado uma das três paletes que se encontravam na carrinha, dirigia-se no porta paletes para descarregar a segunda palete, gritou para o sinistrado EE fugir.
- O malogrado EE encontrava-se a trabalhar na sede social da 1ª Ré, local onde esta armazena os materiais e equipamentos que usa na suas obras.
- Auxiliando o sócio-gerente da 1ª Ré, na armazenagem no interior do armazém as paletes com telas asfálticas.
- No interior do dito armazém encontravam-se paletes com os rolos de tela armazenadas, em sobreposição, em altura.
- Nem todas as paletes estavam filmadas da mesma forma, dado que umas tinham um involucro (o original) branco a rodear o conjunto dos rolos que formavam as paletes, enquanto outras tinham apenas um filme transparente (não o original).
Na ocasião referida em 20 foi quando numa das paletes (a de cima) que já se encontrava empilhada – numa pilha, vertical, de três paletes - em sobreposição de outras duas, rebentou pelo menos o invólucro (filme) que prendia/envolvia os rolos (não se tendo apurado se as cintas que, por dentro desse invólucro, prendiam os rolos, rebentaram ou apenas cederam) -, caindo os rolos de tela dessa palete sobre o corpo do sinistrado EE.
- Como consequência direta e necessária da queda dos rolos de tela em cima do seu corpo, o malogrado EE sofreu graves e diversas lesões traumáticas crânio- meningo-encefálicas, raqui-medulares, torácicas e em ambos os membros inferiores.
- As quais lhe acarretaram necessária e diretamente a sua morte.
- À data do acidente de trabalho “in casu”, a 1ª Ré não possuía um plano de avaliação de riscos do seu armazém.
- No referido armazém não se encontravam definidas as zonas de armazenamento.
- E, não se encontravam definidas as zonas de passagens de peões, no caso, as zonas onde os trabalhadores poderiam circular livremente e sem correr riscos para o seu físico e saúde.
- Outras paletes cederam, após o acidente referido, caindo os rolos de tela ao chão.
- Não foram criadas quaisquer fichas de segurança em que se identificassem os riscos das tarefas de descarga e de armazenamento das paletes de tela.
- Não foi verificada a resistência das paletes e telas.
- Não foi dada qualquer formação ao Sinistrado no âmbito do transporte e manuseamento de cargas.
- Ao Sinistrado não lhe foram ensinadas técnicas para evitar ou minorar os riscos.
Em sede do presente recurso, em suma, concluiu a Apelante a este respeito:
- o acidente dos autos se não fossem as grosseiras violações das mais básicas regras de segurança que os factos que se vem de enunciar consubstanciam, o acidente dos autos jamais aconteceria.
- se a carga estivesse corretamente empilhada, o acidente dos autos jamais aconteceria.
- se estivessem bem definidas zonas de circulação, onde fosse possível passar ou permanecer, livre do risco de ser esmagado pela carga em queda, o sinistrado não seria esmagado pelas paletes em queda e desagregação.
- a entidade empregadora manteve, às suas ordens, numa zona em que se empilhava paletes sem a resistência necessária para serem empilhadas, com um peso de cerca de 1000 kgs cada, sem alertar sinistrado para os riscos de ser esmagado, sem definir zonas onde pudesse circular ou permanecer abrigado do risco de queda da mercadoria.
- sem sequer se verificar a resistência das paletes e telas, cuidando de saber se podiam ser empilhadas.
- uma coisa é estar uma palete com rolos de tela asfáltica, que pesa 1000 kgs. e tem cerca de 1 metro de altura depositada no chão.
- outra estar uma palete que se desagrega empilhada numa pilha de 3, começando a sua altura aos 2,30 metros, ou seja, muito acima da cabeça de um ser humano normal (pelo menos meio metro acima) e acabando aos 3,45 de altura.
- caso não se tivesse procedido ao empilhamento, o desagregar de uma palete, seja porque cedeu o filme plástico que a envolve seja porque cederam as suas cintas, seguramente jamais teria as consequências que teve, seriam rolos de 1 metro de altura a cair, o que muito dificilmente atingiria o A. e, caso o atingisse, o feriria nas pernas.
- estes comportamentos da R. Empregadora consubstanciam grosseiras violações dos artigos 15º da Lei 102/2009 de 10/09 alíneas a), b) c) g), bem como do seu nº 3, assim como do estatuído artigo 3º do DL 50/2005 de 25 de fevereiro.
- a atuação da Ré Empregadora consubstanciou ainda uma violação da sua obrigação de enquanto entidade patronal, garantir em toda e qualquer circunstância a segurança e saúde dos seus trabalhadores – 281º Código do Trabalho.
- com a agravante de o risco de acidente poder ter sido não só minorado como mesmo facilmente eliminado – não empilhando paletes que não têm a necessária resistência para o efeito e, muito especialmente, definindo zonas de circulação e de permanência afastadas da zona de armazenamento, de modo a que caso a carga tombasse ou derrocasse, como aconteceu, nem o sinistrado nem qualquer outra pessoa estivesse junto à mesma.
- É assim manifesto que o acidente dos autos resultou única e exclusivamente da falta de condições de segurança supra referidas o que torna aplicável ao caso o estatuído nos artigos 18º e 79º da Lei 98/2009, pois as violações das regras de segurança supra-enunciadas, para além de consubstanciarem grosseiras violações das mais elementares regras de prudência ou de bom senso foram a causa única, necessária e suficiente do acidente de trabalho dos autos.
Por seu turno a Apelada conclui, a este respeito que o Mmº Juiz a quo concluiu e ficou convencido que o acidente dos autos se teria dado mesmo que a recorrida tivesse observado todas as regras de segurança e saúde no trabalho, pelo que não podia o mesmo deixar de concluir pela sua absolvição e sempre exigível para que a recorrida fosse condenada, que a esta fosse imputada culpa e que se provar o nexo de causalidade entre o acidente e a violação das regras de segurança e saúde no trabalho.
Começa por ler-se na decisão recorrida:
“(…) como se explanou em douto acórdão do TRP de 11-09-2017 (Proc. 750/15.7T8MTS.P1, Relator: Jerónimo Freitas), e fazendo apelo à síntese do respetivo Sumário « (…) A lei é clara ao impor ao empregador o dever de “assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho”, devendo o “zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhado”, de modo a “Evitar os riscos”, a “Planificar a prevenção(..)”, a identificar os “riscos previsíveis em todas as atividades da empresa” (…)» www.dgsi.pt.
Porém, e com o devido respeito por diverso entendimento, e como decorre do que supra já se deixou dito, não pode contudo afirmar-se que se tivessem sido respeitadas as normas legais em causa, cujo escopo se prende efetivamente com a segurança dos trabalhadores, o acidente não teria acontecido.
O art. 18.º da LAT é muito claro e incisivo ao usar a expressão “ou resultar” (“de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho,…”).
Como já lapidarmente se resumiu em acórdão do STJ, “O ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade da entidade patronal cabe a quem dela tirar proveito, no caso, ao beneficiário do direito à reparação por acidente de trabalho e à seguradora, competindo-lhes alegar e provar não só a inobservância por parte da empregadora de regras sobre segurança no trabalho, mas também a existência de nexo de causalidade entre essa alegada inobservância e o acidente.” (…) – Ac. de 12.9.2007, Pinto Hespanhol, número 2. do respectivo sumário, em www.dgsi.pt.
Assim, e entendendo-se que (para responsabilizar a empregadora) sempre se terá de exigir uma imputação culposa à entidade empregadora pela violação de regras de segurança, e de provar-se o nexo de causalidade entre o acidente e a dita violação, temos de conceder, atento o “quadro fáctico” que se apurou, que não há motivos para que este seja um caso de reparação «especial», nos termos previstos no art. 18.º da Lei 98/2009 de 04/9.”
Cumpre decidir:
Desde logo reafirmando aqueles que foram os deveres da Ré Entidade empregadora, a que a mesma estava adstrita e que não foram cumpridos, ao nível das condições de segurança, quer em termos de formação profissional (itens 4, 52 e 55 dos factos provados), quer de organização do espaço e local de trabalho (itens 38, 39 e 40 dos factos provados).
Assim foi ressaltado na decisão recorrida por a Ré Entidade empregadora não ter “procedido à competente avaliação de riscos, nem tão pouco procedeu à planificação da operação de transporte e armazenagem das telas, nem organizou os trabalhos de forma a evitar o armazenamento das telas em sobreposição de paletes, nem estabeleceu processos de trabalho ou instrução de serviço relativas àquela operação de forma a evitar a queda de materiais, nem tão pouco existiam zonas delimitadas para circulação e/ou permanência dentro das instalações, ou sequer foi ministrada formação ao trabalhador sinistrado.”
Acrescentando nós, em face do que supra ficou referido por ao Sinistrado não lhe terem sido ensinadas técnicas para evitar ou minorar os riscos, valendo também a este respeito as considerações que se passam a esgrimir sobre a falta de prova do nexo causal.
Com efeito, afigura-se-nos, que em sede de previsibilidade pela Entidade empregadora dos riscos inerentes, particularmente ao manuseamento e acondicionamento das paletes, importa ponderar, no caso, outrossim a demais factualidade assente, especialmente nos itens 46, 47 e 48 e nos restantes que serão alvo de referência.
Assim que em anteriores ocasiões, a Ré Entidade empregadora manobrou, acomodou e armazenou as telas que sempre vieram em idênticas condições de transporte e embalagem, nunca antes os rolos das telas haviam caído por via da rotura/rasgo da tela/filme que as envolvia e segurava e nunca os seus fornecedores/vendedores e/ou os funcionários destes informaram a mesma Ré, na pessoa do seu sócio e/ou dos seus trabalhadores da forma como não se deve ou não pode manobrar, transportar e armazenar o mesmo, nem a alertaram, avisaram, sequer lhe referiram em momento algum que o transporte, manuseamento e armazenamento das telas tinha que obedecer a um qualquer critério, a qualquer cuidado, normas ou procedimentos.
Tão pouco da etiqueta que acompanha as telas, para além de outros dizeres dela constantes, não constam da mesma quaisquer referências, informações sobre a forma de manusear as telas, sobre como fazer o seu transporte, o seu acondicionamento, carga, possibilidade ou não de colocação das mesmas sobrepostas em altura, não consta informação sobre o peso que pode ou não ser colocado em cima de cada uma das paletes de telas, nem consta a resistência dos filmes que envolvem as telas.
Aliás, o incomum sucedido, resulta ainda do facto de ter rebentado o invólucro (filme) que prendia/envolvia a palete.
Ou seja, a palete não caiu em bloco, em resultado da forma como foi acondicionada ou pelo excesso de peso ter feito ceder a 1ª e/ou a 2ª palete, em cima das quais a palete em causa foi colocada, antes foram os rolos desta que caíram, na sequência de ter rebentado o filme que os envolvia.
Não ficou sequer provado se a palete em causa tinha o involucro original (branco) ou apenas um filme (transparente), sendo que nem todas as paletes estavam filmadas da mesma forma, não se tendo apurado qual o motivo (item 25 dos factos provados).
De salientar também que a mesma palete já se encontrava empilhada quando o respetivo invólucro rebentou, isto é, não foi durante o manuseamento da mesma que tal sucedeu (item 35 dos factos provados).
A hipótese de o sucedido ter sido por a palete estar mal embalada afigura-se-nos também a nós assim tratar-se de uma hipótese verossímil.
E assim sendo, não se mostra possível concluir, sem mais que o sucedido decorreu da forma de acondicionamento da palete ou do Sinistrado estar num local onde não deveria estar, sendo que o mesmo, quando o sócio - gerente da Ré Entidade empregadora procedia à descarga e armazenagem das paletes, nenhum trabalho ou ato de execução de carga, descarga, manuseamento e colocação das telas no armazém praticou, antes se limitou a ver, junto à parte de trás do taipal da carrinha, aquele outro a descarregar as telas com o porta paletes (item 45 dos factos provados).
Concordamos assim com a fundamentação e desiderato da decisão recorrida: “(…) a matéria de facto apurada não permite de forma alguma concluir que o acidente foi despoletado pela apontada conduta omissiva da arguida ou, noutro ângulo, que se estivesse já feito o levantamento dos riscos e/ou tivesse sido dada formação ao sinistrado o acidente teria sido evitado, v.g. não sabemos se mesmo que já estivessem implementadas as medidas corretivas propostas na avaliação de riscos posteriormente efetuada, e o trabalhador atingido se encontrasse numa zona para isso delimitada, o mesmo escaparia à queda dos rolos de tela ou seria igualmente atingido nos termos que foi.
Como, diga-se, ainda mais especificamente, não se apurou factos que nos permitam concluir que o facto de a armazenagem estar a ser feita com sobreposição de paletes teve alguma influência no deflagrar do acidente. Com o que sabemos é legítimo congeminar que nenhuma influência teve, e que o acidente ocorreu porque o invólucro de uma palete que se encontrava por cima se rompeu e os rolos de tela caíram sobre o sinistrado.
Não nos parece, em termos de normalidade das coisas, que a empregadora tivesse a obrigação de antecipar, de prever, o rebentamento das cintas e/ou invólucro que protegiam as paletes/os rolos de tela, afigurando-se que se trata de um acontecimento que surge como inopinado, não esperado, que escapa ao devir normal da operação realizada, de transporte e armazenamento das paletes.”
Conclui-se, em conformidade que não estamos perante um caso de agravamento de responsabilidade, não sendo aplicável o estatuído no nº 1 do artigo 18º da Lei 98/2009, improcedendo a Apelação.

3. Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação.

Custas pela Apelante.

Porto, 12 de Setembro de 2022.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho