PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PANDEMIA
RESOLUÇÃO ILÍCITA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Sumário

1. Aliado ao efeito extintivo da resolução unilateral do mandato está, em regra, o dever de indemnizar a outra parte e ainda que constitua um incumprimento tolerado, como a omissão do pré-aviso convencionado no mandato - artigo 1172º al) c) do Código Civil.
2. As medidas legais de Março de 2020, ditadas pelo surto pandémico e relativas à suspensão do ensino presencial, foram rapidamente substituídas pelo ensino à distância e adoptados os procedimentos de viabilização do ano lectivo e a realização das provas finais de avaliação nos diversos graus do ensino.
3. A Ré podia adaptar a sua actividade e utilizar as instalações da Autora, ministrando aulas à distância, embora com os constrangimentos transversais às partes e, aos cidadãos em geral, que de resto, concretizou em outro local e a cobrar a remuneração aos alunos.
4. No quadro superveniente da pandemia e da indefinição e dificuldade generalizada, a Ré desconsiderou as propostas da Autora para a alteração do contrato em função das circunstâncias e, optou, em contrário às regras de boa-fé contratual, por precipitar a cessação unilateral na tentativa cega de eliminar integralmente os seus prejuízos, violando a confiança da Autora na continuação do contrato.
5. A interpretação e aplicação dos pressupostos do instituto da resolução ou modificação do contrato por alterações das circunstâncias, previsto no artigo 437.º do Código Civil, exige ponderação global dos princípios orientadores da boa fé e da tutela da confiança.
6. As circunstâncias extraordinárias sobrevindas da pandemia lesou qualquer uma das partes contratantes, pelo que as regras da boa-fé impedem a solução de aproveitamento exclusivo pela Ré, em detrimento ou penalização arbitrária da posição contratual da Autora; ao invés, o risco contratual, na ponderação dos factos apurados  deverá ser encarado como um risco distribuído.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO
1.Da Acção
E…. intentou acção declarativa  com  processo comum, contra S.., ambas com os sinais dos autos, pedindo que, a Ré seja condenada : i) ao reconhecimento da ilicitude da resolução por si operada em 13 de abril de 2020; ii) ao cumprimento pontual do Contrato celebrado entre as partes, nomeadamente no que se refere ao pagamento das remunerações devidas à Autora pela utilização pela Ré das suas instalações nos meses de março e abril de 2020 no valor de € 12.000,00 (doze mil euros), acrescidas do IVA, no que respeita à remuneração de abril de 2020 e no que respeita à remuneração de dezembro de 2020 que antecipadamente liquidou, no valor global de € 14.760,00 (catorze mil setecentos e sessenta euros); na condenação da Ré no pagamento à Autora das 8 (oito) remunerações vincendas aquando da resolução unilateral do contrato pela Ré no montante global de € 48.000,00 (quarenta e oito mil euros) deduzidos do montante inicialmente entregue a titulo de caução e da remuneração de dezembro no montante global de € 12.000,00 (doze mil euros) e acrescidas do IVA à taxa legal em vigor; na condenação da Ré no pagamento à Autora dos custos em que a mesma terá de incorrer para repor as instalações utilizadas pela Ré no estado em que as mesmas lhe foram entregues e cujo valor se encontra já orçamentado em € 2.610,68 (dois mil seiscentos e dez euros e sessenta e oito cêntimos) e ainda em juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento; a título subsidiário, iii) ao pagamento de uma indemnização pela resolução ilícita do Contrato e cujo valor, a título de danos emergentes e lucros cessantes, ascende ao montante global de € 53.370,68 (cinquenta e três mil euros e sessenta e oito cêntimos).
Em fundamento síntese, alegou que, no âmbito das respetivas atividades comerciais, em 20 de novembro de 2019, foi celebrado entre a Autora e a Ré um contrato de prestação de serviços designado por Contrato de Membership, o qual visava a utilização, por parte da Ré, dos 10 (dez) estúdios ali identificados (S.035, S.036, S.037, S.038, S.039, S.040, S.041, S.042, S.043 e S.044) localizados no estabelecimento comercial da Autora - ... Cascais - sito na ..., n.º 920, 2750-834 Cascais.
Além da utilização dos estúdios, a Ré tinha acesso a um conjunto de serviços e benefícios complementares decorrentes do plano de Membership selecionado, tais como: i) acesso, uma hora por mês, às salas até 6PAX; ii) internet; iii) parque de bicicletas; iv) acesso às áreas comuns (Lounge, Cafetaria, Bar); v) convite para eventos exclusivos ...; vi) networking; vii) ar condicionado; viii) segurança; ix) cabines telefónicas; x) copas, xi) serviço de limpeza; xii) água e energia, xiii) balneários; xiv) equipamento de escritório; xv) entre outros.
Como contrapartida pela utilização dos estúdios indicados e dos serviços conexos descritos, a Ré obrigou-se a pagar à Autora uma remuneração mensal de € 6.000,00 (seis mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor; o referido Contrato, nos termos previstos nas condições particulares, foi celebrado com um prazo de vigência inicial de um ano (1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020), automaticamente renovável, salvo se alguma das partes se opusesse à sua renovação, com uma antecedência prévia de 90 (noventa) dias.
Sucede que, no decurso do surto pandémico, a Ré revogou unilateralmente a autorização de débito das remunerações da Autora que havia subscrito aquando da celebração do contrato, requereu o estorno do valor correspondente à fatura n.º FA CAS20/119, emitida a 28/02/2020, com vencimento a 08/03/2020, correspondente à remuneração da Autora pela utilização das instalações no mês de março de 2020 e não procedeu ao pagamento da remuneração devida desde o dia 8 de abril de 2020 por conta da utilização das instalações da Autora no mês de abril de 2020.
Sem prejuízo de nunca ter comunicado expressamente, por escrito, a resolução unilateral do contrato à Autora, a Ré acabou por fazê-lo tacitamente no dia 9 de abril de 2020, com efeitos a 13 de abril de 2020, data em que desocupou parcialmente as instalações, já que os seus alunos se deslocaram frequentemente às instalações da Autora nos meses de abril e maio de 2020, a fim de esvaziar os respetivos cacifos.
Com a cessação unilateral antecipada e infundada do Contrato, a Ré incumpriu as obrigações contratuais a que se vinculou com a Autora. Por outro lado, após a cessação unilateral infundada do contrato, a Autora constatou que as instalações utilizadas pela Ré durante a vigência do contrato não se apresentavam nas mesmas condições em que foram entregues, apresentando um conjunto de alterações promovidas pela Ré aquando da sua utilização e que melhor se descrevem no orçamento de reparação solicitado pela Autora. Não obstante as alegadas dificuldades financeiras sentidas pela Ré causadas pelo surto pandémico Covid-19 e consequente suspensão das explicações e formações presenciais, a Ré continuou a debitar as mensalidades aos encarregados de educação dos seus alunos atendendo a que tais explicações e formações continuaram a ser ministradas à distância. O presente contrato de Membership não foi especificamente celebrado para que a Ré ministrasse explicações presenciais a alunos do ensino básico, secundário e universitário ou outro tipo de formações profissionais nas instalações da Autora.
Assim, a manutenção das obrigações constituídas durante o período de suspensão de 3 meses não era suscetível de afetar, nem afetou “gravemente os princípios da boa fé”, tanto mais que a Ré não suspendeu a sua atividade comercial, apenas a passou a realizar à distância. Na data de produção de efeitos da resolução do contrato a Ré já se encontrava em mora relativamente à remuneração devida à Autora por referência aos meses de março e de abril de 2020, acrescida do IVA, da remuneração de abril de 2020 e do IVA referente à remuneração de dezembro que havia sido faturado e que a Ré não pagou, no valor global de € 11.760,00 (onze mil setecentos e sessenta euros).
Tal resolução é ilícita, sendo assim devido o pagamento  à Autora da totalidade das remunerações devidas  até respetivo termo, acrescidas do IVA , bem como ao pagamento das rendas vencidas antes da produção de efeitos de tal resolução no valor global de € 9.000,00 ,acrescido do IVA,  correspondente à remuneração de abril de 2020 e do IVA correspondente à remuneração de dezembro de 2020, no valor global de € 11.760,00 , e ainda o pagamento dos custos que a Autora terá de incorrer com a reposição das instalações no estado em que a Ré as recebeu.
Caso assim não se entenda, sempre deverá a Ré ser condenada ao pagamento de uma indemnização pela resolução ilícita do Contrato e cujo valor, a título de danos emergentes e lucros cessantes que ascende ao montante global de € 53.370,68.
*
A Ré contestou. Impugnou parte da factualidade da petição  e, em particular, o invocado  dispêndio na reparação das instalações; mais alegou, em suma, que se verificou justa causa para a revogação do contrato por alteração das circunstâncias do contrato em consequência da pandemia, com a impossibilidade de prestação do serviço acordado, nas suas variadas vertentes; além disso, verificou-se o preenchimento do disposto na 6.ª cláusula, pelo que a Ré apenas estará obrigada a pagar a remuneração devida até à data de resolução do contrato, reclamando  , a final, pela sua absolvição dos pedidos.
Na resposta, a Autora sustentou a improcedência da excepção da alteração de circunstâncias, e mesmo que o Tribunal considerasse lícita tal resolução, nos termos do artigo 1170º do Código Civil, sempre haveria lugar ao pagamento da indeminização prevista no artigo 1172.º, alínea c) do Código Civil, cujo cálculo a Autora já efetuou, concluindo nos termos do petitório.  
Prosseguindo a instância, foi proferido despacho saneador e fixados os temas de prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, seguiu-se a sentença, cujo dispositivo se transcreve: «Por todas as razões expostas, julgo parcialmente procedente os pedidos formulados pela A e consequentemente:  a) No que respeita ao pedido subsidiário, reconhecendo que o contrato celebrado entre as partes terminou no dia 13/04/2020, por revogação unilateral da R., fixo o valor de indemnização a pagar pela R., em €26.610 (vinte e seis mil seiscentos e dez euros). b) Absolvo a R. do pedido principal constante dos pontos i) e ii) do pedido.»
2. Do Recurso                                                                           
Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença, pugnando pela revogação do julgado, devendo ser absolvida integralmente dos pedidos da Autora.
As suas alegações finalizam com as seguintes conclusões:
«I. Decorre do exposto que foi dado como provado que as instalações afectas à R. ora apelante precisavam de ser reparadas, nomeadamente “… eram necessários trabalhos e tapagem de buracos, lixar e pintar de seguida as paredes.” Tudo isto orçamentado em € 2.610,68 (dois mil seiscentos e dez euros e sessenta e oito cêntimos), com IVA incluído.
II. Estes factos dados como provados foram expressamente impugnados no artigo 27 da Contestação. Analisando o conteúdo das gravações, constatamos que apenas a testemunha (..). se referiu ao assunto, nos seguintes termos: (…).
III. Decorre da prova testemunhal referida, e não existe qualquer outra prova, que nunca está referido que o pagamento dos valores orçamentados foi feito. Mais, nenhuma testemunha confirma quais os valores pagos ou sequer quais as obras efectivamente feitas nos espaços deixados vagos pela Ré.
IV. E teria sido muito fácil provar tais obras, bastaria a A. requerer o testemunho do empreiteiro que orçamentou as obras e que subtilmente, a A. dá a entender que as efectuou, embora nunca o dia expressamente nem sequer o tente provar.
V. Face ao exposto não poderá ser considerado, como o foi, o dispêndio da quantia de € 2.610,68 (dois mil seiscentos e dez euros e sessenta e oito cêntimos), como decorre da leitura do facto provado, constante do ponto 45. Um mero orçamento que prevê um dispêndio deste valor, sem mais, não pode ser reconduzível à assunção de que foi provado o dispêndio desse valor. Se a A. obteve um orçamento (que, aliás, não foi confirmado pelo empreiteiro) e com ele prova o dispêndio de um valor, mal estamos, já que orçamentos por medida é coisa fácil de se obter.
VI. De todo o exposto teremos de considerar que o valor gasto em obras (ponto 43 dos factos provados), não poderá ser considerado como provado, quer o valor em si quer o facto de este ter sido gasto pela A., com as legais consequências.
VII. A ora apelante concorda com parte substantiva da fundamentação de Direito da douta sentença, desde logo, estarmos face a um contrato de prestação de serviços, em que a A. se obriga a prestar um serviço e a R. a pagar o preço desse serviço
VIII. Aplicando-se as disposições do mandato com as necessárias adaptações (artigo 1156º do C.C.), às modalidades do contrato de prestação de serviços que a lei não regule especialmente.
 IX. Em 15 de Março de 2020, a ora apelante foi confrontada com o fecho da sua actividade presencial pelo Governo, o que a obrigou a reagir.
X. A R. (ora apelante) procedeu à revogação unilateral do contrato de prestação de serviços em vigor, tendo a A. recebido a comunicação que o consubstancia em 9 de Abril de 2020 (ponto 35 dos factos provados).
XI. Nos termos do disposto no artigo 1170º do C.C., o mandato é livremente revogável por qualquer das partes.
XII. No caso vertente estamos perante uma revogação unilateral lícita decorrente de uma alteração das circunstâncias, no caso, uma pandemia.
XIII. Nos termos do disposto no artigo 437º do C.C:“1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”.
XIV. Da norma retira-se que a alteração das coisas tem de ser imprevisível, o que se verificou, sem necessidade de mais considerações, com o que ocorreu no mundo em 2020 (a pandemia não era de todo previsível).
XV. A situação pandémica obrigou por parte do Governo ao encerramento do ensino presencial.
XVI. Mas não só, obrigou igualmente ao teletrabalho obrigatório, quando este fosse possível e como todos sabemos, o ensino é possível, embora não desejável, à distância
XVII. Foi, igualmente, restringida a circulação entre concelhos e muitos professores não residiam no concelho de Cascais.
 XVIII. No caso em apreço estávamos perante uma situação em que a A., ora apelada, recebia o dinheiro de uma prestação de serviços, mas não prestava o serviço.
XIX. Face ao exposto parece-nos, salvo o devido respeito, que a ora apelante tem direito à resolução do contrato, sendo o regime aplicável o disposto no artigo 432º e seguintes do C.C., sendo evidente que não abrange as prestações já efectuadas (artigos 433º e 434º do C.C.).
XX. Acresce, aliás, que é o próprio contrato celebrado entre as partes que prevê este regime.
 XXI. Dispõe a cláusula 6.1 “Se, ao contrário do esperado e independentemente do motivo, a Autora deixar de ter a disponibilidade para prestar os serviços objecto do contrato ao Membership Holder, o contrato será resolvido sem qualquer penalidade ou obrigação de indemnização, devendo apenas ser paga a remuneração devida até a data de resolução do contrato”.
XXII. Foi exactamente o que que aconteceu com a decisão do Governo, de encerrar o ensino presencial, confinar os portugueses em casa, instituir a obrigatoriedade do teletrabalho (em casa fruto do confinamento), pelo que a Autora deixou de ter a disponibilidade para prestar os serviços objecto do contrato à Ré.
XXIII. Logo o contrato será resolvido sem qualquer penalidade ou obrigação de indemnização, devendo apenas ser paga a remuneração devida até à data da resolução do contrato. O que foi feito.
XXIV. São as partes que reconhecem que em situações imprevisíveis a solução é a resolução sem direito a qualquer indemnização. (Cláusula 6.1 do contrato)
XXV. A opção da Juiz a quo foi que, considerando a resolução contratual legal, não obstante seria passível de indemnização recorrendo à equidade.
XXVI. A admitir a equidade e a aplicar a divisão igualitária, estamos a penalizar fortemente a Ré que em nada contribuiu para a situação. Vejamos. XXVII. Ficou provado que a Emphaty recorreu ao lay-off pelo que a despesa com os colaboradores diminuiu drasticamente ou deixou de existir, bem como as despesas de água, luz, etc.
XXVIII. Pelo contrário a Ré manteve as despesas com os professores e viu diminuído o número de alunos das explicações, ou seja, viu diminuída as receitas (facto provado 47).
XXIX. Quanto ao valor definido como reparação da sala de aulas, este, pelos motivos já acima explorados, não poderá ser tido em conta, já que não consta de qualquer factura, nem sequer a prova testemunhal por parte do empreiteiro, que seria sempre escrutinada pela Ré (princípio do contraditório).
XXX. Quanto ao acerto decorrente do facto dos alunos e pais terem levantado os seus pertences ao longo de Abril e Maio, tal não releva para a apelante.
XXXI. A Ré  revogou o contrato com efeitos a 13 de Abril de 2020 e este, para todos os efeitos, como bem diz a sentença, cessou os seus efeitos nessa data.
XXXII. Acresce que a R., ora recorrente, no mesmo dia (facto provado 39) desocupou os estúdios cuja utilização havia sido contratada.
XXXIII. O facto dos alunos não terem levantado os seus pertences que estariam nos cacifos é irrelevante para a Ré, já que este são terceiros ao contrato.
 XXXIV. Pelo que a aplicar a equidade (o que se refere apenas por dever de patrocínio) a indemnização a pagar deveria ser, apenas e só, residual. Nestes termos e nos mais de Direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por decisão que absolva a R. de todos os Pedidos formulados pela A. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»
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A Autora apresentou contra-alegações, refutando a argumentação da Ré, concluindo pela manutenção do julgado.
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O recurso foi regularmente admitido como apelação e efeito devolutivo.  
Corridos os Vistos, cumpre decidir.
3.O Objecto do recurso
Consabido que a actuação do tribunal de recurso está delimitada pelas conclusões do recorrente, haverá que decidir se, ocorreu alteração anormal das circunstâncias contratuais que justifique a revogação unilateral pela Ré e excluindo qualquer dever de indemnizar a Autora.
Desiderato que suscita a apreciação dos seguintes tópicos recursivos:
- Impugnação dos factos provados que constam dos pontos 41º, 42º e 43º;
- A resolução unilateral do contrato de prestação de serviços atípico e a aplicação por remissão do regime legal do mandato previsto nos artigos 1170º a 1172º do CC;  
- A alteração de circunstâncias contratuais na previsão do artigo 437º do CC e, a matéria factual apurada;
- A indemnização fixada.
 II.FUNDAMENTAÇÃO
A. Os Factos
O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outros, ao aluguer temporário de locais de trabalho e de alojamento a estudantes, empresas, empresários e artistas, com ou sem fornecimento de refeições.
2. A Ré é uma empresa que se dedica à exploração de estabelecimento de ensino escolar ao primeiro nível, de ensino básico dos 1º, 2º e 3º Ciclos e ensino secundário, privado, orientadas para uma formação básica, formação diversificada e ensino orientado para a preparação dos alunos para o acesso ao ensino superior ou aos ensinos secundário tecnológico, artístico e profissional. Ensino superior, nomeadamente mestrados. Formação profissional. Psicologia inclusive clinica. Atividades de serviços de apoio à educação, sendo seus gerentes …..   tendo a sua sede na RUA …...
3. De acordo com o seu sítio de internet institucional , a atividade da Ré consiste em ministrar “explicações a todos os alunos que queiram melhorar os seus conhecimentos”.
4. Tais serviços abrangem, de acordo com o mesmo sítio de internet institucional, explicações a alunos do “Ensino Básico (1º, 2º e 3º Ciclos), o Ensino Secundário (10º, 11º e 12º) e o Ensino Universitário”.
5. No âmbito das respetivas atividades comerciais, no passado dia 20 de novembro de 2019 foi celebrado entre a Autora e a Ré o contrato de prestação de serviços designado por Contrato de Membership, cuja cópia está junta como Doc. 1com a PI, que estabelecia os termos e condições de utilização do espaço da A. e dos serviços relacionados.
6. O referido contrato, nos termos da Cláusula 1.ª dos Termos e Condições e das Condições Particulares, visava a utilização, por parte da Ré, dos 10 (dez) estúdios ali identificados (S.035, S.036, S.037, S.038, S.039, S.040, S.041, S.042, S.043 e S.044) localizados no estabelecimento comercial da Autora -….   
7. Nos termos do art.º 1.º relativo ao objecto do contrato do Anexo I (Termos e Condições)”1.1 Este contrato tem por objecto a utilização do espaço identificado nas Condições Particulares e a prestação de serviços relacionado, designados pela E…e de acordo com o Plano de Membership escolhido, sujeito a estes termos e condições (..)1.2 Além do espaço referido no número anterior, o Membership Holder poderá utilizar as áreas comuns do edifício ... e o conjunto de serviços incluídos no Plano Membership escolhido ou serviços adicionais que poderão ser contratados na modalidade pay per use. 1.4. Para evitar eventuais dúvidas o Membership Holder não terá quaisquer direitos obrigacionais de arrendamento ou outros, para além do ora contratado. (…)1.7. O) membership Holder ao subscrever qualquer plano é automaticamente ... Member, beneficiando de um conjunto de serviços comuns disponíveis em cada um dos espaços ..., incluindo participação em eventos exclusivos e a utilização de salas de reunião de acordo com as condições do contrato.”
8. Além da utilização dos estúdios, a Ré tinha ainda acesso a um conjunto de serviços e benefícios complementares decorrentes do plano de Membership selecionado – o private studio-, tais como: i) acesso, uma hora por mês, às salas até 6PAX; ii) internet; iii) parque de bicicletas; iv) acesso às áreas comuns (Lounge, Cafetaria, Bar); v) convite para eventos exclusivos ...; vi) networking; vii) ar condicionado; viii) segurança; ix) cabines telefónicas; x) copas, xi) serviço de limpeza; xii) água e energia, xiii) balneários; xiv) equipamento de escritório; xv) entre outros.
9. Como contrapartida pela utilização dos estúdios indicados e dos serviços conexos descritos, a Ré obrigou-se a pagar à Autora uma remuneração mensal de € 6.000,00 (seis mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, no valor com IVA de €7.380,00 a qual se vencia, nos termos do Cláusula 4.ª dos Termos e Condições, ao dia 8 (oito) de cada mês.
10. Nos termos do Contrato a Ré mantinha o direito de utilização das instalações da Autora, em períodos não letivos, sendo correspondentemente devida a remuneração acordada.
11. O referido Contrato, nos termos previstos nas condições particulares, foi celebrado com um prazo de vigência inicial de um ano (1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2020), automaticamente renovável, salvo se alguma das partes se opusesse à sua renovação, com uma antecedência prévia de 90 (noventa) dias, conforme Cláusula 2.1., al. a) dos Termos e Condições.
12. Lê-se no ponto 4 relativo à Remuneração do Anexo I, além do mais, que “4.1 a título de contrapartida pelo Membership, o membership Holder pagará a remuneração mensal ou remuneração diária acordada, conforme aplicável.4.2 A remuneração mensal deverá ser liquidada até ao oitavo dia do mês a que disser respeito, por débito directo em conta bancária em nome do Membership Holder(…)4.4 Para garantia do bom cumprimento das obrigações emergentes do contrato o membership Holder entregou à E…, nesta data o valor da caução, identificado nas condições contratuais acima, cessado o contrato, qualquer que seja o fundamento, a E… deverá devolver o valor da caução, no prazo máximo de 45 dias, eventualmente deduzido pelas quantias devidas à E… por incumprimento contratual do membership Holder, incluindo os eventuais encargos que a E… tenha que suportar para repor o estado do mobiliário, paredes e equipamentos às condições em que foram entregues ao Membership Holder, salvo o desgaste resultante da normal utilização dos mesmos.”
13. Na data da celebração do contrato foi pago pela R. o valor de €16.260,00 correspondente ao primeiro e último mês da prestação de serviços de Membership e 1 mês de caução (acerto de €1.500), tendo já sido liquidado adiantadamente o valor de €4.500,00 de caução do total de €6.000,00.
14. Foi acordado no ponto 5. Relativo à resolução do mesmo anexo I que “5.1 Qualquer das partes pode resolver o Contrato por incumprimento pela outra Parte das suas obrigações contratuais ou legais. 5.2 A parte que pretenda resolver o Contrato por incumprimento deve notificar a outra parte por escrito para, no prazo de sete dias, por termo ao incumprimento, sob pena de resolução do contrato. A resolução por incumprimento apenas será ineficaz se a Parte notificada não tiver posto fim à situação de incumprimento dentro do prazo indicado”.
15. Mais se lê no ponto 6. Que “6.1 Se, ao contrário do esperado e independentemente do motivo, a A. deixar de ter a disponibilidade para prestar os serviços objecto do contrato ao Membership Holder, o contrato será resolvido sem qualquer penalidade ou obrigação de indemnização, devendo apenas ser paga a remuneração devida até a data de resolução do contrato”.
16. Lê-se no ponto 7. Que “7.1 na data de cessação do Contrato, independentemente da respectiva causa ou fundamento o Membership Holder deixará de ter acesso ao Edifício ... e deverá deixar desocupado o espaço que lhe foi designado livre de pessoas e de bens que não sejam propriedade da A. 7.2No termo do Contrato o mobiliário, paredes e equipamento disponibilizados aos members deverão estar nas condições em que foram entregues, salvo o desgaste resultante da normal utilização dos mesmos.”
17. A R. começou a utilizar os estúdios e os serviços previstos no contrato referido em 5. a partir de janeiro de 2020 tendo-lhe sido atribuídos pela A. cacifos para serem utilizados pelos alunos e professores da R.
18. No dia 11.03.2020, a Organização Mundial da Saúde declarou o estado de pandemia em face do impacto causado pelo surto pandémico de COVID-19 à escala global.
19. O Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18.03, declarou o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública;
20. O Conselho de Ministros fez um comunicado em 9 de abril de 2020, com o seguinte teor: “O Conselho de Ministros aprovou hoje um novo conjunto de medidas extraordinárias de resposta à situação epidemiológica do novo Coronavírus-COVID-19:
1. Foi aprovado o decreto-lei que estabelece as medidas excecionais e temporárias na área da educação, no âmbito dos ensinos básico e secundário. O diploma define, nomeadamente, as seguintes alterações para o ano letivo 2019/2020: o terceiro período inicia-se no próximo dia 14 de abril, mantendo-se suspensas as atividades letivas e formativas presenciais nas escolas; o ensino básico permanecerá até ao fim do ano letivo no modelo de ensino não presencial, com recurso às metodologias digitais que será reforçado com o apoio de emissão televisiva de conteúdos pedagógicos; avaliada a evolução da situação epidemiológica COVID-19, o Governo pode decidir retomar as aulas presenciais dos 11.º e 12.º anos de escolaridade, garantindo-se o distanciamento social (aulas, salas, turmas) e justificando-se as faltas dos alunos cujos encarregados de educação optem por não deixar frequentar; o 10.º ano de escolaridade permanece até ao fim do ano letivo no modelo de ensino não presencial são cancelados os seguintes exames e provas: o provas de aferição, dos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade; o provas finais do ensino básico, no final do 9.º ano de escolaridade; o provas a nível de escola, realizadas como provas finais do ensino básico; o exames finais nacionais, quando realizados por alunos internos, para efeitos de aprovação de disciplinas e conclusão do ensino secundário. os alunos apenas realizarão exames finais nacionais nas disciplinas que elejam como provas de ingresso para efeitos de concurso nacional de acesso ao ensino superior; para conclusão dos ciclos de ensino básico e secundário, as classificações de cada disciplina têm por referência o conjunto do ano letivo, incluindo o trabalho realizado ao longo do 3.º período; o 3.º período terminará a 26 de junho de 2020”. 21. O Decreto-Lei n.º 14-G/2020 de 13 de abril tem o seguinte Sumário: estabelece as medidas excecionais e temporárias na área da educação, no âmbito da pandemia da doença COVID-19. Atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020, o Governo, através do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aprovou um conjunto de medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica da doença COVID-19, entre as quais a suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais. Verificando-se que foi declarado pelo Presidente da República o estado de emergência, através do Decreto n.º 14-A/2020, de 18 de março, o qual veio a ser renovado pelo Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de abril, e existindo situações que carecem de regulamentação expressa neste âmbito excecional com a evolução registada da pandemia, o Governo decide aprovar um conjunto de medidas no âmbito da educação destinadas a estabelecer um regime excecional e temporário, relativo à realização e avaliação das aprendizagens, ao calendário escolar e de provas e exames dos ensinos básico e secundário, às matrículas, à inscrição para os exames finais nacionais e ao pessoal docente e não docente, de modo a assegurar a continuidade do ano letivo de 2019/2020, de uma forma justa, equitativa e de forma mais normalizada possível.
22. A suspensão de explicações e formações presenciais foi inicialmente determinada pelo governo apenas para o período entre 16 de março de 2020 e 9 de abril de 2020, tendo posteriormente sido estendida até ao dia 15 de junho de 2020, data em que os centros de explicações e os centros de línguas puderam reabrir ao público.
23. Por causa do surto pandémico Covid-19 e das medidas tomadas pelo Governos que proibiram as aulas e explicações presenciais a R. ficou impossibilitada de ministrar aulas, explicações e formações presenciais de 16 de Março de 2020 a 15/06/2020.
24. Não obstante a suspensão das explicações e formações presenciais, a Ré continuou a ministrar as explicações e formações à distância através da internet, a partir de outro local que não os estúdios da A. e a debitar mensalidades aos encarregados de educação dos seus alunos.
25. Atendendo à proliferação do surto pandémico Covid-19, a Autora, por decisão unilateral da sua Gerência, tomou a iniciativa de enviar em 24/03/20 um comunicado aos seus membros, de entre os quais a Ré, informando-os da decisão de dividir a remuneração devida pela utilização dos seus espaços no mês de abril de 2020 de forma a contribuir para a diminuição do impacto da pandemia no equilíbrio financeiro dos seus parceiros comerciais, conforme Doc. 2 junto com a PI.
26. Consta dessa comunicação, além do mais, que “Estamos a viver um momento de extrema dificuldade sem precedentes na nossa história devido à pandemia do vírus Covid19(…)O ... vai manter-se aberto para que possamos prestar os serviços mínimos às empresas que estão connosco, naturalmente com restrições de segurança de forma a não colocar em risco os nossos colaboradores e, por sua vez, os nossos membros. Conscientes das dificuldades que todos vamos atravessar, a Direcção do ... tomou como medida imediata a decisão de facturar apenas 50% do valor da renda do mês de Abril, onde os restantes 50% serão facturados no final do contrato que se encontra em vigor(…)”
27. No dia 26 de março de 2020, a Autora recebeu a comunicação da Ré junta como Doc. 3 com a PI.
28. Em tal comunicação a Ré, além do mais, comunica que “.. Como é do vosso conhecimento, no âmbito da nossa parceria que muito prezamos, sempre prestámos integral colaboração relativamente aos condicionantes impostos na operacionalidade do edifício ... até ao momento em que também por directiva governamental do passado dia 15.03 nos vimos forçados a terminar todas as aulas presenciais, no pleno respeito das medidas de saúde pública que vêm sendo implementadas. A fim de não prejudicar os nossos alunos, (…) incorrendo em todos os custos necessários, assegurando que a partir desse mesmo dia, todos puderam usufruir do nosso acompanhamento on-line. Face a esta conjuntura pandémica nacional e mundial, é com enorme tristeza e apreensão que vemos o nosso projeto terminar, no que respeita à escola que desejamos erguer e desenvolver, limitando-nos no momento a mero tutoring à distância (…) Lamentavelmente, experienciamos hoje uma vivência desconhecida desde há várias gerações, a qual acarretará inúmeras e graves consequências para todos nós, às quais pragmaticamente teremos de responder e ultrapassar, numa exigência de grande resiliência que todos teremos de abraçar. No caso da S.. tal encaramos com extrema preocupação pois que, para além do corrente ano, são imponderáveis os reflexos a nível da evolução que prevíamos relativamente à captação de alunos a partir do próximo mês de Setembro (…)Sendo certo que este ano tenderá a terminar sem demais aulas presenciais e na imprevisibilidade do que será possível de operacionalizar para o próximo ano lectivo, vimos pelo presente solicitar, que face a esta alteração anómala das circunstâncias contratuais(…) efectuarmos por mutuo acordo a resolução da nossa parceria contratual (…) procedendo-se aos correspondentes acertos que desde já propomos nos seguintes termos:  devolução do pagamento antecipado do mês de dezembro de 2020 no valor de €6.000,00+ iva; devolução do valor da N/ caução prestada no valor de €6.000,00.Esperamos que possamos vir a recuperar esta nossa parceria num futuro próximo, em que de novo nos venha a ser possível contratualizarmos nova ocupação, a qual forçosamente só nos será possível aferir no decorrer do próximo ano letivo, em função do referido reflexo que muito receamos.Aguardamos e agradecemos a Vossa aceitação desta nossa proposta de resolução e que tal possamos regularizar até ao próximo dia 30.03.”
29. Em resposta, a Autora, na pessoa da sua General Manager, enviou uma comunicação à Ré, em 30 de março de 2020, junta como Doc. 4, onde além do mais comunica que “ (…) estamos a analisar caso a caso no sentido de encontrar uma solução que seja exequível para ambas as partes onde tínhamos a indicação que no dia 14/03 solicitaram a redução para 4 studios, onde no dia 17/03 tivemos nova actualização de redução para 6 studios, culminando com este seu email a rescindir unilateralmente o contrato de prestação de serviços, onde não identificamos no mesmo nenhuma proposta de acordo como indica o seu email … tratando-se de rescisão unilateral do contrato de prestação de serviços que terminaria a 31.12.2020 do ponto de vista legal entendemos que não teremos de proceder á devolução de nenhuma das quantias indicadas no seu email(…)”.
30. Em resposta à comunicação da Autora, a Ré, no dia 1 de abril de 2020, informou a Autora que este email era uma proposta de resolução pois aguardámos por uma resposta durante um pouco mais de duas semanas… “Durante os próximos dias irei retirar o nosso equipamento das salas …”, conforme cópia de email junto.
31. Em resposta ao referido email, a Autora enviou uma nova comunicação à Ré, junta como Doc. 6, na qual a informava que “… a situação é muito séria e gerimos de forma indirecta mais de 2.000 postos de trabalho nos nossos espaços e, portanto, não podemos aceitar uma rescisão unilateral como foi comunicado alegando ser um mútuo acordo. Diga-me por favor quantos studios deseja manter de Abril a Dezembro de forma a podermos encontrar uma solução que seja exequível para ambas as entidades”.
32. Nessa sequência, em 3 de abril de 2020, a Ré remete nova comunicação à Autora, , em que reitera as dificuldades perspetivadas para os meses seguintes e na qual apresenta a seguinte proposta:“a) manutenção de 2 salas para o efeito; b) atualização da renda mensal para um valor proporcional ao contexto económico, a negociar, juntamente com o input da direção da SATT, uma vez que nos referimos a salas de 9 m2;c) suspensão do pagamento da renda pelo período previsto de reposição da normalidade de funcionamento ou seja, de abril a setembro;d) resolução dos restantes oito contratos; e) devolução do diferencial do montante de caução e do último mês pago, relativamente aos contratos por esta forma resolvidos”.
33. Em 9 de abril de 2020 a A. remeteu uma comunicação à Ré,( cópia está junta como Doc. 8), na qual propõe o recurso ao Regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, aprovado pela Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril.
34. Alternativamente à aplicação do referido regime, a Autora apresentou ainda à Ré a seguinte proposta:“1. Redução em 50% do valor da remuneração mensal devida a partir de abril até ao final do ano letivo corrente (até agosto de 2020);2. A partir de setembro de 2020, a remuneração mensal retorna ao seu valor normal de 100%”.
35. No mesmo dia 9 de abril de 2020, a Ré remeteu nova comunicação a Autora, cuja  cópia está junta como Doc. 9, na qual rejeita a proposta apresentada pela Autora sem apresentar qualquer contraproposta, terminando tal comunicação referindo que “Segunda irei ao ... para esvaziar cacifos e armários, entregar chaves e outros materiais”.
36. Na sequência a Ré deslocou-se às instalações da Autora em 13 de abril de 2020 e não mais abordou a Autora no sentido de chegar a qualquer acordo.
37. A Ré sem conhecimento da Autora revogou unilateralmente a autorização de débito das remunerações da Autora que havia subscrito aquando da celebração do contrato, e requereu o estorno do valor correspondente à fatura n.º FA CAS20/119, emitida a 28/02/2020, com vencimento a 08/03/2020, correspondente à remuneração da Autora pela utilização das instalações no mês de março de 2020 .
38. A A. não procedeu ao pagamento da remuneração que se vencia no dia 8 de abril de 2020.
39. A 13 de abril de 2020 a Ré desocupou os estúdios cuja utilização havia sido contratada.
40. Quanto aos cacifos os alunos deslocaram-se frequentemente às instalações da Autora nos meses de abril e maio de 2020 afim de esvaziar os respetivos cacifos.
41. Em 13 de abril de 2020, a Autora constatou que as instalações utilizadas pela Ré durante a vigência do contrato não se apresentavam nas mesmas condições em que foram entregues.
42. As mesmas apresentavam um conjunto de alterações promovidas pela Ré aquando da sua utilização descritas no orçamento de reparação solicitado pela Autora que junto como Doc. 12: buracos e sinalética nas paredes, para reparação das quais eram necessários trabalhos e tapagem de buracos, lixar e pintar de seguida as paredes.
43. Cujo custo de reparação ascende a € 2.610,68 (dois mil seiscentos e dez euros e sessenta e oito cêntimos), com IVA incluído.
44. A Autora à data de entrada da PI ainda não tinha logrado ceder a utilização dos estúdios que havia cedido à R. a outros clientes, por causa da pandemia, só o tendo feito após 31/12/2020.
45. A Autora tomou conhecimento que a Ré se encontrava à procura de novas instalações para instalar o seu estabelecimento de ensino.
46. A R. tem o seu estabelecimento instalado noutro local desde pelo menos Setembro de 2020.
47. O número de alunos da R. foi-se reduzindo por causa da pandemia, em especial no ano lectivo de 2020/2021, em pelo menos ½, por comparação com o número de alunos que a mesma tinha antes do início da pandemia.
48. Não obstante a pandemia, o edifício da A. manteve-se sempre aberto durante o período de 16 de março de 2020 e o dia 15 de junho de 2020, mantendo a A. a prestação de serviços de correio, recepção, impressão, limpeza internet, água, luz, gás, bar ,que chegou a funcionar em takeaway quando foi proibida pelo governo de Portugal a prestação dos serviços de bar e refeições no interior do bar como medida de contenção da pandemia Covid 19, bem como a proporcionar a utilização dos estúdios aos clientes que desejassem continuar a utilizá-los e a facultar a possibilidade de ministração de formações/explicações à distância através da internet a partir dos seus estúdios.
49. A A. recorreu às medidas de apoio lay-off. simplificado aprovadas no âmbito da pandemia Covid 19, tendo reduzido os trabalhadores ao serviço no ... Cascais.
E, Não provado que:
a) da cessação unilateral da Ré não adveio qualquer diminuição de despesas para Autora.
b) os serviços conexos à utilização das instalações pela Ré não representavam um custo acrescido para a Autora pela sua disponibilização à Ré.
c) Tratam-se de custos unitários em que a Autora incorre independentemente do número de utilizadores de tais serviços .
d) o número de trabalhadores a laborar nos espaços comuns manteve-se, independentemente da não utilização, por parte da Ré, das instalações contratadas à Autora até ao termo do contrato.
e) A R. não podia aceder aos estúdios da A. para ministrar aulas à distância nem usufruir dos restantes serviços contratados. f) A R. instalou o seu estabelecimento em 21/05/2020 em outras instalações.
B. Do mérito do Recurso
1. Impugnação da decisão de facto
A Apelante mostra-se inconformada com a decisão da matéria de facto.
O dissentimento estende-se aos factos provados nos pontos 41º a 43º, sustentando que quanto à matéria, que impugnou especificamente na contestação, se verificou total ausência de prova, v.g. o depoimento da testemunha (…), que nada esclareceu.   
Apesar de a Apelante não ter cumprido em rigor o ónus secundário previsto no artigo 640º, nº2 al) a do CPC, omitindo a passagem da gravação, admite-se a impugnação, em razão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, tendo em conta que a reapreciação incide apenas sobre um depoimento e a prova decorreu numa única sessão de julgamento.   
A factualidade e, em particular, o custo da reparação - € 2.610,68 – importa ao objecto do recurso, estando incluído no total da quantia em que a Ré  foi condenada a pagar à Autora.
 1.1. Os factos impugnados; fundamentação da decisão recorrida
 O tribunal a quo deu por provado: “41. Em 13 de abril de 2020, a Autora constatou que as instalações utilizadas pela Ré durante a vigência do contrato não se apresentavam nas mesmas condições em que foram entregues .42. As mesmas apresentavam um conjunto de alterações promovidas pela Ré aquando da sua utilização descritas no orçamento de reparação solicitado pela Autora que junto como Doc. 12: buracos e sinalética nas paredes, para reparação das quais eram necessários trabalhos e tapagem de buracos, lixar e pintar de seguida as paredes. 43. Cujo custo de reparação ascende a € 2.610,68 (dois mil seiscentos e dez euros e sessenta e oito cêntimos), com IVA incluído.”
Na motivação consta o documento nº12 do pi, referindo-se ainda que, “Mais o tribunal baseou-se no depoimento conjugado das seguintes testemunhas quanto aos factos 8, 10, 17, 22 a 24 e 36 a 49 os depoimentos das testemunhas (…), entre as quais, (…), que trabalha para a autora desde Julho de 2019, sendo controler financeira, no departamento financeiro da A. A R. era membro do .... Confirmando que a R. se foi embora em Abril de 2020, tendo utilizado as salas até março de 2020, ministrando ensino especial. Mas manteve actividade de entradas e saídas. Eles tinham contrato de 01/01/2020 até 31/12/2020. Com a pandemia começou uma troca de emails para chegarem a acordo, tendo a A. proposto 50% de redução até Agosto e 100% a partir de Setembro. A R. pretendia um acordo, mas a comunicação terminou e abandonaram. Sem chegarem a acordo. Em meados de Abril devia março e ½ de abril (por causa da carta) e o IVA de dezembro (€11.760,00). O vencimento era até ao dia 08. Foi revogado o débito directo. A partir de meados de Abril não usaram o espaço. Nada foi pago depois de saírem. Diz que mantiveram os edifícios abertos durante todo o período da pandemia e em funcionamento, mantendo a prestação de todos os serviços acessórios (correio, recepção, impressão, limpeza internet, água, luz, gás), o bar funcionou em take away. Os espaços deixados pela R. tinham alterações, cujo custo de reposição rondaria os 3.000,00. A R. podia dar aulas à distância a partir das suas instalações. Os cacifos utilizados pelos alunos, disponibilizados pela A. foram sendo esvaziados durante os meses a seguir, havia comunicações internas sobre isso. Tiveram conhecimento em Maio que tinham arranjado outro espaço, em Cascais. Tentaram chegaram a acordo, e chegaram com alguns membros. Tem conhecimento que o ensino presencial ficou suspenso, mas não o à distância. Diz que acha que arrendaram o espaço já depois de 31/12/2020.”
1.2. Reapreciação
A modificação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal da Relação concretiza-se, na situação em que os meios de prova, sob a ponderação de todas as circunstâncias, presente o princípio da livre apreciação da prova, a par das regras legais da prova tarifada quanto a certos factos, conduzem a um resultado explicável e diferente do atingido pelo julgador de primeira instância.[1]
Percorridas as razões que, segundo a Apelante, conduzem à alteração da decisão de facto, em contraponto com o iter lógico-racional que presidiu ao juízo valorativo do tribunal a quo, ouviu-se o depoimento da testemunha identificada, apreciou-se o documento nº12, a par das condições do contrato, v.g. cláusula “ 7.2No termo do Contrato o mobiliário, paredes e equipamento disponibilizados aos members deverão estar nas condições em que foram entregues, salvo o desgaste resultante da normal utilização dos mesmos.”, com a  especificação da parte final do ponto 4.4. do anexo do contrato, relativo à remuneração ( ponto 12 dos factos provados).   
E, da nossa reapreciação, estribada no exame crítico daquele depoimento e do documento orçamento, em aplicação de critérios de natureza prudencial, compatíveis com as regras da experiência da vida, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos, não nos desviamos do juízo afirmativo alcançado pelo tribunal de primeira instância.
De acordo com a factualidade apurada, desde Janeiro de 2020 que a Ré utilizava os estúdios da Autora para desenvolvimento de actividade lectiva (explicações e outras) no formato presencial, beneficiando os alunos de diversos serviços de apoio que a Autora disponibilizava no local.
A testemunha (..), que ali trabalhava para a Autora, afirmou  que a  Ré introduziu logotipos-sinalética nos estúdios, para o que fez “furos“, embora não apresentasse segurança acerca do valor do orçamento para  reparação necessária .[2]
Situação comum em circunstâncias paralelas, de uso continuado do espaço com fins lucrativos, i.e., a realização de pequenas inovações para a adaptação ou configuração da actividade do utilizador, as quais, em regra, na cessação do contrato (por qualquer motivo) são removidas e implicam trabalhos de alvenaria ou afins.
O documento nº12, junto pela Autora, constitui um orçamento elaborado por empresa do ramo de construção civil, tendo por objecto a realização de trabalhos nos 10 estúdios utilizados pela Ré, situados a nível das paredes office 1.7, (cada parede com a medida aproximada de 3,40m x 2,60m) para tapar buracos e retirar a sinalética, bem como a substituição do piso técnico, incluindo materiais e mão de obra, no total de   € 2.610,68 (2.122,50 € acrescido de IVA).
O descritivo da intervenção a levar a cabo e o valor orçamentado revelam-se compatíveis com as alterações introduzidas nos espaços pela Ré, segundo as regras da experiência, aceitando-se como razoável na execução das reparações.  
Acresce dizer que, a Ré e ora apelante, se limitou a impugnar formalmente o documento, sem que haja, por um lado, questionado a própria obrigação de reparação e a necessidade da obra, e por outro, não apresentando elemento probatório que contrarie a idoneidade e extensão -valor daquelas reparações para a reposição do local nas condições iniciais.
Face ao que, improcede integralmente a impugnação da matéria de facto.
2. Sinopse do litígio
A Autora demandou a Ré invocando a resolução unilateral do contrato, na sequência das medidas sanitárias de Março 2020, continuando, porém, a Autora a disponibilizar os espaços e os demais serviços conexos e a suportar os encargos inerentes.
Pediu, em primeira linha, face ao incumprimento contratual, a condenação da Ré a pagar-lhe o valor das remunerações estipuladas até ao termo do contrato celebrado, Dezembro de 2020, bem como as referentes a Março e Abril que não recebeu, acrescendo a quantia necessária à reparação e reposição dos espaços; subsidiariamente, face à revogação unilateral ilícita do contrato, a condenação da Ré no pagamento de indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, acrescida do valor a despender nas aludidas reparações.    
A Ré defendeu a sua absolvição por ocorrer justa causa para a revogação antecipada do contrato, dada a alteração das circunstâncias decorrentes da pandemia, com a impossibilidade de exercer a actividade lectiva; além disso, verificou-se o preenchimento do disposto na 6.ª cláusula do contrato, i.e, livre resolução sem contrapartida por impossibilidade da prestação dos serviços contratados.
Na sentença e, em síntese, o tribunal a quo acolheu parcialmente o pedido subsidiário da Autora, considerando lícita a resolução antecipada do contrato pela Ré e efeitos a partir de 13.04.2020, na decorrência das medidas sanitárias decretadas; e em função da afectação da situação contratual de cada uma das partes, à luz da equidade, fixoua indemnização a pagar pela Ré à Autora, correspondente a 1/2 das remunerações devidas até ao termo previsto , acrescendo o valor da reparação dos espaços, com dedução da caução, no total  de  €26.610,00.   
A Ré mantem-se inconformada, sustentando que se viu forçada à cessação do contrato em consequência da impossibilidade de exercer a sua actividade no local, no quadro das medidas sanitárias decretadas, suportando os prejuízos inerentes, circunstancialismo que impõe o funcionamento da desvinculação contratual justificada do artigo 437º do Código Civil, pelo que deverá ser absolvida de todos os pedidos.      
Em argumentação derradeira, defende ainda que os termos da cláusula 6ª suportam a cessação do contrato por impossibilidade da prestação do serviço.       
3.  O contrato de prestação de serviços e o regime do mandato; revogação unilateral  
As partes convergem na caracterização do contrato celebrado como de prestação de serviços, sendo que a recondução ao tipo amplo definido no artigo 1154º do Código Civil, afigura-se ajustado ao objecto e condições estipuladas no documento suporte e aos factos apurados.
A atender às prestações recíprocas, envolvendo componentes diversas, v.g., cedência de espaço e prestação de serviços conexos, não corresponde, contudo, a um contrato de prestação de serviços típico, regulado especialmente (como são o mandato, o depósito e a empreitada); nesse enquadramento, haverá que aplicar extensivamente as disposições relativas ao contrato de mandato, conforme resulta do disposto no artigo 1156º do Código Civil.     
Constituindo o pomo do litígio saber quais os efeitos que decorrem da revogação unilateral e antecipada do contrato pela Ré, verificada em 13.04.2020, importará alinhar o regime da cessação unilateral do vínculo contratual quanto ao mandato, previsto nos artigos 1170º e 1172º do Código Civil. 
Remissão  determinada no artigo 1156º do Código Civil que, ainda assim, carece  de alguma adaptação no caso concreto e, de modo geral, sempre que não envolva  a prática de actos jurídicos.[3]  
Tal como expresso  no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça  de 11-12-2003:     «VI - A aplicação do regime do mandato ao contrato de prestação de serviço, com as necessárias adaptações, nos termos do artigo 1156.º, significa, por um lado, que nem todas as normas integradoras do regime objecto da remissão se tornam necessariamente aplicáveis, e, por outro lado, que a sua aplicação, sendo caso disso, não tem lugar qua tale, mas com os cuidados devidos, de forma a evitar equiparações inadequadas que deixem no esquecimento, nomeadamente, especificidades imanentes à situação a regular.»[4]
    Posto isto, estabelece o artigo 1170º, nº1, do Código Civil, que o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação; e, no nº2, sendo o mandato conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante, sem acordo do interessado, salvo justa causa.
No contrato ajuizado está prevista a possibilidade de denúncia do contrato no final do seu termo inicial, devendo as partes proceder com a antecedência de 90 dias.
O tribunal a quo veio a concluir que a revogação unilateral do contrato pela Ré não seguiu o pré-aviso convencionado, e que apesar de lícita, comporta o dever legal de indemnizar a Autora pelos danos ocorridos, em aplicação do disposto no artigo 1172ºal) c) do Código Civil.  
A Ré, na declaração resolutória invocou a impossibilidade de continuar a exercer a actividade lectiva no local, nos termos e fins contratados com a Autora, em consequência das medidas sanitárias decretadas.
Admitindo que, a Ré temesse o comprometimento total da sua actividade, a situação de incerteza gerada era transversal a toda a sociedade, pela imprevisível sucessão em curto prazo dos acontecimentos. Sucede que, as medidas de suspensão do ensino presencial anunciadas em março de 2020, rapidamente foram substituídas pelo ensino virtual e no decurso do mês de abril foram adoptadas medidas legais para a viabilização do ano lectivo e a realização das provas de avaliação finais nos diversos graus do ensino. Ou seja, rapidamente a Ré, podia adaptar a sua actividade de explicações via Internet, utilizando as instalações, embora com os constrangimentos pessoais e económicos transversais às partes e, aos cidadãos em geral.
De resto, como resultou provado, a Ré acabou por exercer a actividade lectiva nesse trimestre noutro local, embora através de aulas e formações à distância, cobrando a respectiva remuneração aos clientes; por seu turno, a Autora continuou a disponibilizar os estúdios e os serviços conexos interruptamente.                
A Ré desconsiderou todas as propostas da Autora, no sentido da continuação do contrato no interesse de ambas as partes, embora com as modificações necessárias à situação imprevista, com a redução da remuneração mensal a 50% e até mora no pagamento, à semelhança do que sucedeu então nas situações de cedência de espaços comerciais.
A Ré optou em contrário às regras de boa-fé contratual, por precipitar a cessação unilateral do contrato, na tentativa cega de eliminar integralmente os seus prejuízos numa situação de indefinição e dificuldade generalizada, afectando a confiança da Autora na continuação do contrato, mesmo no quadro superveniente da pandemia.
Aliado ao efeito extintivo do contrato  pela resolução unilateral do mandato  está, em regra, o dever de indemnizar a outra parte, ainda que constitua um incumprimento tolerado,  na situação de falta do pré-aviso convencionado( artigo 1172º al)c), como se expôs na sentença.[5]     
Noutra perspectiva, caso se compreenda que na situação concreta o mandato foi conferido também no interesse do mandatário, de igual modo, o factor imprevisto e alheio ocorrido não configura “justa causa” da rescisão sem acordo da outra parte a sustentar a inexigibilidade ou insustentabilidade do vínculo contratual, na previsão do artigo 1170º, nº2, do Código Civil .[6]
Com efeito, o conceito legal aqui indeterminado de justa causa exige na sua  aplicação uma concretização factual e dinâmica,  cujo conteúdo, em princípio,  há-se ser apreciado livremente pelo tribunal, sendo que, objectivamente não se pode afirmar na situação ajuizada que a continuação do contrato  era contrário ao interesse da Ré .[7]
João Baptista Machado observa a propósito que, a justa causa representará, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual.[8]
Leia-se  neste sentido e com actualidade, o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2005:[9]
«- No caso de revogação pelo mandante do mandato, celebrado também no interesse do mandatário, é àquele que, se quiser libertar-se da obrigação de indemnizar, incumbe alegar e provar os factos que revelem a justa causa para a imediata ruptura do vínculo contratual. II - Se, em princípio, a revogação do mandato com justa causa afasta qualquer obrigação de indemnizar por parte do mandante, já a revogação desacompanhada dessa causa justa implica que o mandante, dada a equiparação do acto abusivo ao acto ilícito, deva indemnizar o mandatário pelos danos resultantes do exercício inadmissível da revogação unilateral, nos termos gerais ou, no mínimo, por força do disposto no art.º 1172, al. c), do CC.III - Sendo que tal entendimento serve também para os casos de revogação de mandato conferido aos órgãos das pessoas colectivas, não obstante a sua sujeição a regime especial (art.ºs 170 e 986, n.º 3, do CC). IV - Não obstante o conceito de justa causa de revogação do mandato de interesse comum surgir no nosso direito como indeterminado, não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, pode considerar-se como justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual, todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). V- A justa causa representa, em regra, uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual.»
Assim sendo, apesar da regra da livre revogação unilateral do mandato (aplicável nos termos do artigo 1156º do CC) se afastar do regime comum, subsiste a obrigação de indemnizar a contraparte, verificadas as hipóteses expressas nas alíneas a) b) e c) do artigo 1172º do Código Civil. 
Na situação ajuizada de mandato oneroso a Ré não respeitou o prazo de antecedência convencionado no contrato para a rescisão unilateral do contrato – al c) do artigo 1172º do CC, pelo que deverá indemnizar a Autora pelos prejuízos causados.        
4.A alteração das circunstâncias contratuais e o surto epidemiológico
Por último, sustenta a Ré apelante que as circunstâncias factuais descritas, que estiveram na base da sua revogação do contrato, implicam a aplicação do disposto no artigo 437º do Código Civil, e em consequência, não é devida à Autora qualquer indemnização.
Apreciando.         
A situação pandémica do passado recente, com a disrupção provocada nas relações jurídicas pela suspensão de actividades, motivou a revisitação e densificação do instituto da resolução e modificação do contrato por alteração anormal de circunstâncias previsto no artigo 437ºdo Código Civil.   
 As circunstâncias vividas pela sociedade na sequência da eclosão da pandemia à escala mundial, tendem a surgir como exemplo eloquente de uma alteração anormal e imprevisível de circunstâncias das condições contratuais.
Apelando à reflexão de Manuel Carneiro da Frada - « O Covid-19 realiza com facilidade os pressupostos da resolução ou da modificação dos contratos por alteração das circunstâncias nos termos do art. 437.º/1 do Código Civil (CC).No presente caso, a anormalidade da alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar foi acompanhada de uma total imprevisibilidade, requisito este, porém, que a lei justificadamente não exige.(…).»[10]
Na situação factual concreta apurada, constata-se que as medidas sanitárias de suspensão da actividade lectiva presencial no período de março que se prolongou até junho de 2020, ditaram objectiva afectação no exercício das actividades que Autora e Ré vinham desenvolvendo; circunstâncias a que foram alheias, que interfiram no programa contratual inicial, causando-lhes danos transversais.  
Na execução  dos contratos civis coexiste o princípio da obrigação do seu  cumprimento , revelado, v.g., no artigo 406º, nº1, do Código Civil, e, a cláusula - regra , prevista no artigo 437º do Código Civil,  segundo a qual, as partes poderão invocar para rompimento do pacto, a alteração da situação de facto existente ao tempo da celebração, quando ocorram mudanças substanciais extraordinárias e imprevisíveis que modifiquem o equilíbrio do acordo, ocasionando vantagem a uma das partes e  grande prejuízo -lesão enorme à outra parte.
Ora, de acordo com o estatuído no artigo 437º, nº1, do Código Civil , a sua aplicação pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar; ii) tiverem sofrido uma alteração anormal; iii) a parte lesada tem direito à resolução do contrato ;iv) ou à modificação dele segundo juízos de equidade; v) desde que a exigência do cumprimento das obrigações por ela (parte lesada) assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé; vi) e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
No caso em juízo, as circunstâncias extraordinárias sobrevindas da súbita eclosão da pandemia e as medidas sanitárias decretadas, s.m.o., lesou qualquer uma das partes.
A Ré substitui o modelo das aulas presenciais pelas aulas via internet que exerceu noutro local, embora com diminuição de alunos e receitas; a Autora perdeu o valor das remunerações devidas pela Ré, mantendo embora os encargos e despesas inerentes à disponibilização dos estúdios e 30% do pagamento dos salários dos trabalhadores em regime de lay off.   
Donde, a Ré não foi a única parte lesada e declinou, face às circunstâncias, negociar ou ajustar com a Autora a redução das remunerações contratadas.
Nessa conformidade, as regras da boa-fé impedem a solução de  aproveitamento exclusivo pela Ré, em detrimento ou penalização arbitrária da posição contratual da Autora; ao invés, o risco contratual, na ponderação dos factos apurados nas circunstâncias ocorridas, deverá ser encarado como um risco distribuído.[11]
Cremos, pois, não ser de aceitar no caso concreto, a solução segundo a qual, tendo a Ré se desvinculado do contrato em virtude do evento anormal e imprevisível, que poderia ter continuado temporariamente em moldes adaptados, faça a contraparte arcar integralmente com o risco da contraprestação.
Orientação prosseguida pela jurisprudência tirada na apreciação de situações histórias anteriores e também causadoras da alteração global das condições em que as partes contrataram, alheias à sua intervenção, restringindo com parcimónia o funcionamento do instituto prevenido no artigo 437º do CC, à alteração das circunstâncias de apreciável vulto ou proporções extraordinárias, gerando profundo desequilíbrio para uma das partes.
Refere neste contexto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de   10.01.2013:[12]   
«I. Nos termos do art. 437.º, n.º 1, do CC, para que seja possível a resolução ou, ao menos, a modificação das cláusulas do contrato fundada na alteração anormal das circunstâncias é necessário: (i) que a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida à data da celebração do contrato e (ii) que essa alteração torne o cumprimento da obrigação ofensivo dos princípios da boa fé.»
E, também na apreciação dos reflexos contratuais da crise financeira nos contratos Swap , enuncia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  22-06-2017:[13]
«VI. A interpretação e aplicação dos pressupostos do instituto da resolução ou modificação do contrato por alterações das circunstâncias, previstos no artigo 437.º do CC, não deve ser feita de forma atomizada ou parcelar, numa lógica conceptual subsuntiva, mas na sua implicação recíproca, já que a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não é alheia ao risco inerente ao próprio negócio, nem a verificação de tais requisitos e das suas consequências poderão deixar de ser perspetivados à luz de uma ponderação mais global dos princípios orientadores da boa fé e da tutela da confiança. VII. Por outro lado, tratando-se de conceitos indeterminados, o seu preenchimento não deve ser realizado de modo abstrato, apriorístico, sob um prisma marcadamente categorial, mas antes mergulhando na substancialidade do caso concreto.»
Na doutrina vasta que a matéria  suscitou , enfatiza-se como nota comum, que a pandemia consubstancia uma grande alteração das circunstâncias, mas não deixará   de ser necessário comprovar em cada situação contratual a verificação dos restantes requisitos exigidos para a aplicação do regime do artigo  437º do Código Civil.[14]  
Como expõe Carneiro da Frada: «A justiça contratual que se trata de realizar mediante o art. 437.º/1 do CC tem de ter sempre em conta as representações e as condutas das partes no âmbito do contrato atingido, aí residindo a explicação mais plausível para a utilização, pelo legislador, da locução central “boa fé”. [15]
Ajustam-se precisamente tais considerações à apreciação do litígio trazida a juízo e de acordo com a matéria de facto provada, que pelas razões já expostas, não consubstanciam o preenchimento de todos os pressupostos legais da invocada liberação de responsabilidade da Ré pela revogação unilateral do contrato celebrado com a Autora.
Por último, resultou provado que a Autora manteve a disponibilidade de utilização dos estúdios pela Ré (Membership),  e que  parte  dos outros membros continuaram a usar as suas instalações; daí que, não tem qualquer fundamento a alegação da apelante  (conclusões XX a XXIII) da previsão da  cláusula 6.2 do Contrato  (ponto 15 dos factos provados) que estipula: “Se, ao contrário do esperado e independentemente do motivo, a E… deixar de ter a disponibilidade para prestar os serviços objecto do contrato ao Membership Holder, o contrato será resolvido sem qualquer penalidade ou obrigação de indemnização, devendo apenas ser paga a remuneração devida até a data de resolução do contrato”.
Improcede integralmente a argumentação da apelante.
5.Da Indemnização; critérios de equidade
A apelante estruturou a sua argumentação na  inexistência da obrigação de pagar à Autora  qualquer indemnização, não refutando ou contrariando de alguma forma o quantitativo da indemnização fixada na sentença.
Ainda assim, justifica-se a propósito breve apreciação deste segmento decisório. 
Começando pelas obras de reparação-reposição cujo valor de € 2.610,68 está assente.
A apelante não questionou a obrigação contratual de devolução dos espaços no estado inicial, conforme resulta do ponto 7.1, do contrato, detalhado no ponto 4.2 .do anexo – cfr. Pontos 12 dos factos provados.[16]      
No demais e como se vem de expor.
A revogação unilateral do contrato pela Ré ocorreu sem a antecedência convencionada, em violação da regra da confiança, inexistiu justa causa e a situação e as circunstâncias de facto que rodearam o distrate, apesar de imprevisíveis e alheias à vontade das partes, não validam a exclusão do dever de indemnizar a Autora na justa medida do prejuízo.
Tem sido entendimento doutrinário e jurisprudencial que o montante da indemnização a pagar pelo mandante, no caso da preterição da antecedência conveniente, prevista na última parte da alínea c) do citado artigo 1172º do Código Civil, deverá fixar-se em função dos lucros cessantes nesse período. [17]
Os lucros cessantes reportam, como se sabe, aos benefícios que o lesado fundadamente esperava obter e que só não foram obtidos por virtude da lesão- artigo 564º, nº 1, 2ª parte do Código Civil.
A sentença recorrida condenou a Ré apelante a pagar à Autora a indemnização no montante total de €26.610,00, entendendo como de 90 dias a antecedência conveniente a que alude o artigo 1172º, alínea c) do C.C. para a revogação do contrato. Em correspondência a metade (1/2) do valor das remunerações mensais até dezembro de 200, deduzidas as quantias adiantadas, a diminuição de despesas da Autora, a diminuição dos alunos da Ré, acrescendo o custo das reparações, conforme elucida a transcrição: “O que perfaz o valor de €24.000, acrescido de IVA (8 meses de maio a dezembro x ½ de €6.000,00). Relativamente a Março e Abril de 2020 não podemos deixar de considerar que em relação a Março é devido o valor total, pois que o contrato estava em vigor. Quanto a Abril, encontrando-se já cessado o contrato desde meados de Abril, porém, os pertences da R. foram levantados em 13/04/2020 e considerando o facto de os cacifos terem sido libertados até Maio de 2020, entendo ser justo o valor de €6000,00. Porém, deverão ser descontados aos valores a pagar o valor pago adiantadamente relativamente ao mês de Dezembro de 2020 de €7.380,00 pago adiantadamente, e, ao contrário do alegado pela A., o IVA foi também pago, considerando o valor adiantado na totalidade de €16.260,00, mais €4.500,00 que haviam já sido adiantado, como decorre do doc.1 (€7.380,00+€7.380,00+€6.000-€4.500=€16.260,00). O valor adiantado de €7.380,00 relativo a Dezembro é imputado ao mês de Março, nada mais havendo a pagar deste mês. Quanto ao valor da caução de €6.000,00 terá que ser descontado o valor orçamentado para realizar as reparações nos estúdios utilizados pela R., findo o contrato. O remanescente será descontado no valor a pagar pela R. á A. (€6.000-€2.610,68=€3.390). €3,390,00 serão imputados a Abril, ficando em falta o valor de €2.610,00. Assim, consideramos o valor de indemnização de €26.610,00. Tratando-se de indemnização não está sujeita a IVA.”
Em suma, acompanhamos a ponderação dispensada pelo tribunal a quo a cada um dos factores, na procura do restabelecimento do equilíbrio patrimonial afectado pelo distrate unilateral do contratual no contexto das circunstâncias apuradas, presente a equidade (artigo 566º, nº3, do CC), para concluir pela adequação do valor da indemnização e acerto do julgado.

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença.
As custas do recurso são a cargo a Ré apelante. 
  
Lisboa, 13.09.2022
ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO
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[1] Cfr. Inter alia, Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 155/59.
[2]  “ (….).”
[3] Cfr. a propósito Pedro Romano Martinez in Da Cessação do Contrato, 2005, pág.520/1.
[4] Revista 03B3634 in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. neste sentido Pedro Romano Martinez, obra citada, pág.542. e Manuel Januário da Costa Gomes in Tema da Revogação do Mandato Civil, pág. 270.
[6] Cfr. Manuel Januário Costa Gomes in Teoria Geral do Direito Civil, pág. 269.
[7] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in CC anotado, II, 3ª, pág.731.
[8] Cfr. "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", in Obras Dispersas, Braga, 1991, pág 143 e 144, apud Acórdão do STJ infracitado.
[9] Na Revista n.º 489/05 – 7ª , disponível  in Sumários do STJ (Boletim) – Cível na página da PGDL e www.dgsi.pt.; e no mesmo sentido , em particular no caso da violação contratual da al) c) do artº1172 do CC e do dever de indemnizar do mandante, cfr Acórdão do STJ de   02-03-2011, proc. nº 2464/03.1TBALM.L1.S1, na mesma página.
[10] In A Alteração das Circunstâncias à luz do COViD-19-teses e reflexões para um diálogo, disponível in open space.
[11] Cfr. neste sentido Manuel Carneiro da Frada, in obra citada, pág.156. 
[12] No proc. nº 187/10.4TVLSB.L2. S1, in www.dgsi.pt.
[13]  No proc. nº 540/11.6TVLSB.L2. S1 no ´âmbito dos contratos SWAP, e em sentido diferente o Acórdão do STJ de 29/01/2015, Processo n.º 531/11.7TVLSB.L1. S1, in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. inter alia, Mariana Fontes da Costa in A atual pandemia no contexto das perturbações da grande base do negócio, Observatório Almedina, 01/04/2020 in https://observatorio.almedina.net/index.php/2020/04/01/a-atual-pandemia-no-contexto-das-perturbacoesda-grande-base-do-negocio.
[15] In obra citada, pág.155.
[16] Acresce que, tendo as partes convencionado expressamente sobre a matéria fica arredada a aplicação da norma supletiva prevista no artigo 1043º, nº1, do CC.
[17] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., 652 e Januário da Costa Gomes in Em Tema de Revogação do Mandato, pág., 275/7; e Acórdão do. STJ de 02.12.2013, proc. 686/09.0TVPRT.P1. S1), www.dgsi.pt.