BANCOS
RELAÇÕES COM OS CLIENTES
DEVER DE INFORMAÇÃO
Sumário

1. - A violação culposa de deveres indeclináveis de informação e esclarecimento ou conselho e de zelo a cargo de entidade bancária, no âmbito da respetiva atividade, perante cliente – consumidor de serviços bancários – depositante de um cheque de elevado montante sobre o estrangeiro, mas em deficit de informação quanto ao regime de tomada de cheques e de disponibilização de fundos, é fonte de obrigação indemnizatória pelo decorrente dano causado a esse cliente.
2. - Se, em atendimento presencial em agência do banco, este faculta ao cliente um impresso (elaborado e usado na sua atividade bancária) referente ao depósito de cheques sobre o estrangeiro, contendo, em campo de preenchimento obrigatório, a menção quanto à opção pelo regime de tomada de cheques e de disponibilização de fundos, devendo o cliente escolher entre (i) envio à cobrança (ficando o cheque na dependência de boa cobrança, sem o que não ocorre disponibilização de fundos em conta), (ii) tomada nas condições standard e (iii) crédito imediato (modalidades estas em que a disponibilização ocorre antes da verificação quanto à cobrança), cabe à entidade bancária, no âmbito do elevado padrão de conduta que lhe é imposto pelo princípio da boa-fé, no quadro de relacionamento contratual duradouro, intuitus personae e de total confiança – em que deverá proteger os legítimos interesses do cliente, tipicamente um leigo em matérias de técnica bancária –, em vez de receber o formulário sem preenchimento do campo obrigatório, diligenciar pelo respetivo preenchimento, esclarecendo/alertando quanto à importância da matéria e aos diversos níveis de risco para o cliente associados àquelas modalidades do regime bancário.
3. - Se, perante aquela incompletude do formulário, o banco vem a optar posteriormente, de forma unilateral, pela modalidade de tomada nas condições standard, sem disso dar conhecimento ao cliente, disponibilizando o montante do cheque na sua conta bancária, como saldo disponível, sem verificação quanto à boa cobrança, ficando o cliente convencido de que podia dispor daquele montante sem risco, ocorre violação do dever de esclarecimento e de zelo para com o cliente, sujeitando-o ao risco de danos perante a ulterior devolução do cheque.
4. - Ainda que o cliente seja advogado de profissão, o seu relacionamento com o banco é como consumidor, isto é, tipicamente um leigo em matérias de técnica bancária, como o são as questões que se prendem com o regime e circuito financeiro de um cheque sobre o estrangeiro, pelo que, verificando o banco que o cliente não atentara no dito campo de preenchimento obrigatório, não poderia concluir que o cliente ficou esclarecido perante o que estava escrito no formulário.
5. - Só depois de alertado pelo banco para o dito regime e grau de risco, que o cliente desconhecia, seria pertinente o esclarecimento por este quanto às condições em que se tinha tornado portador do cheque e ao que pretendia fazer com o respetivo montante, razão pela qual não pode considerar-se haver conduta negligente (concorrente) do lesado.

Texto Integral


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                 ***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou ([1]) ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

Banco 1..., S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo:

a) A exclusão da cláusula contratual geral de boa cobrança do contrato de depósito, por violação do dever de comunicação previsto no art.º 5.º do DLei n.º 446/85, de 25-10; e

b) A condenação do R. no pagamento do montante de € 11.980,66, a título de indemnização por “danos emergentes pelo interesse contratual negativo, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento” (cfr. fls. 14 do processo físico).

Para tanto, alegou, em síntese:

- ter depositado um cheque, sacado sobre o “Banco 2...”, na conta bancária de que é titular numa agência do banco R., tendo o montante depositado ficado disponível na conta à ordem da A., pelo que a demandante transferiu o valor de € 11.819,78 para a conta bancária de terceiro;

- aquando do depósito, a A., que é advogada, não foi informada de que deveria escolher o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos;

- posteriormente, o R. procedeu à devolução do montante depositado, em virtude de o cheque não ter cobertura, com o decorrente débito na conta da A.;

- ter o R. decidido unilateralmente optar pelo regime de tomada de cheque nas condições standard – segundo o qual a disponibilização dos fundos na conta do cliente não significa necessariamente que o respetivo cheque tinha obtido cobrança, podendo ocorrer devolução posterior –, sem consultar ou informar a A., com o que aquele justificou o referido débito, declinando qualquer responsabilidade sua;

- a A. instaurou processo judicial contra o emitente do cheque, em virtude do crime de burla de que foi vítima;

- o R. incorreu em responsabilidade contratual perante a A., sua cliente, designadamente por violação de dever de informação, devendo, por isso, reparar o dano a que a sua conduta culposa (negligente) deu causa;

- está em causa uma cláusula contratual geral, usada pelo banco R. (predisponente), de que a A. (cliente/aderente) não foi informada ou esclarecida, pelo que tal cláusula (de ressalva de boa cobrança do cheque) deve ser excluída do contrato de depósito.

Contestou o R., concluindo pela improcedência da ação, por não provada, para o que impugnou a perspetiva trazida aos autos pela A. e alegou que:

- esta não tomou em consideração que o aludido cheque foi sacado sobre uma entidade estrangeira, a ter de ser consultada para autorização do seu pagamento;

- num tal caso, existe um lapso de tempo a considerar para que o cheque possa ocasionar o pagamento efetivo ao seu legítimo portador;

- trata-se de um ato de cobrança que, por si, não pode tomar-se como instantâneo ou imediato, sendo entregue ao depositante um documento de depósito onde, de forma pormenorizada, se estabelecem as condições de depósito, de cobrança e de disponibilidade do valor mencionado e inscrito no dito cheque;

- sabe a A. que o valor que lhe foi prontamente adiantado não representava mais do que uma expectativa de recebimento, que só se concretizaria após a cobrança efetiva;

- atenta a relação banco/cliente, o R. procedeu ao adiantamento, na conta de depósitos à ordem da A., do valor facial do cheque, no pressuposto de o mesmo vir a obter boa cobrança;

- tudo isto foi – e era – do conhecimento da A.;

- o formulário que foi fornecido à A. é manifestamente simples, contendo apenas quatro campos de preenchimento, designadamente, identificação do cliente, do regime de tomada do cheque, do cheque propriamente dito e o espaço para as assinaturas do cliente e do banco;

- à cliente foi dada a oportunidade de optar entre três condições: a tomada standard, a tomada com crédito imediato ou o envio à cobrança, pelo que forçoso será concluir que o R. cumpriu os deveres de comunicação e informação consagrados no art.º 77.º do RGICSF, designadamente no art.º 5.º, não podendo ser responsabilizado por qualquer falta de cumprimento dos especiais deveres que sobre si recaem;

- a A. – com formação superior e advogada – tinha a obrigação de diligência acrescida de aferir que estamos na presença de um cheque que, para ser cobrado, necessitava de verificação;

- perante um formulário de manifesta simplicidade, como o que lhe foi facultado para efeitos de depósito de cheque, a A. tinha a obrigação de ler o curto texto aí inserto a fim de se inteirar das condições pelas quais podia optar, no âmbito do contrato de depósito que pretendia celebrar, escolhendo aquela que melhor se adequasse às suas necessidades e circunstâncias do caso concreto;

- a A. pretendia depositar um cheque que recebeu por correio, de um desconhecido, para pagamento de serviços prestados a uma pessoa com a qual não mantinha qualquer relação de confiança, que não conhecia pessoalmente e com a qual só manteve um breve contacto eletrónico;

- tal informação só foi confidenciada pela A. ao ora R., na sequência do sucedido, pelo que não teve este possibilidade de, oportunamente, aconselhar a A. a optar pelo regime que melhor se adequava às circunstâncias descritas, que inspiravam um reduzido grau de confiança, ou seja, o regime de envio à cobrança;

- sendo a A. detentora desta informação, podia e devia ter agido de forma diferente, porque se encontrava na posse dos conhecimentos necessários a informar a sua tomada de decisão pelo regime de depósito mais adequado;

- tendo a A. efetuado o depósito, na sua conta bancária existente no banco R., de cheque emitido sobre uma entidade bancária estrangeira, após a verificação da regularidade do saque e da provisão da conta sacada, por entidade bancária estrangeira, o R. creditou a conta da depositante pelo montante do cheque;

- posteriormente, foi informado pelo “Banco 2...” que o cheque foi objeto de devolução em virtude de se tratar de cheque falsificado;

- assim, não tendo o cheque sido efetivamente pago pela entidade sacada, o R. procedeu ao lançamento, na conta bancária da depositante, do correspondente débito;

- caso a A. tivesse chamado a atenção do R. para a informação de que dispunha, teria este alertado a cliente para todas as circunstâncias necessárias à opção correta, relativamente ao regime de depósito que mais se adequava à situação.

Identificados os autos de inquérito crime a que se reportava a A., foi determinada a suspensão da instância, por prejudicialidade, até que fosse proferida decisão no âmbito daqueles autos, tendo ali vindo a ser proferida decisão de arquivamento.

Designada, então, audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, assim, condenando o R. a pagar à A. o montante de € 11.858,06, acrescido de juros de mora, até integral pagamento.

Desta decisão recorreu o R., tendo a Relação de Coimbra (TRC), julgando procedente a apelação, revogado aquele saneador-sentença, para prosseguimento dos autos, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, com vista à produção de provas em audiência final.

Observado o assim determinado, procedeu-se à audiência final, com produção de provas, após o que foi proferida sentença (datada de 08/03/2022), julgando a ação parcialmente procedente e, assim, condenando o R. a pagar à A. o montante de € 11.858,06, acrescido de juros de mora, até integral pagamento, e absolvendo-o do mais peticionado (cfr. fls. 155 v.º do processo físico).

Novamente inconformado, apela o R., apresentando alegação, culminada pelas seguintes

Conclusões ([2]):

«1 – Os documentos juntos aos autos e toda a factualidade apurada em sede de discussão e julgamento, apontam no sentido diverso daquele que foi o caminho percorrido pela Douta Sentença e que fundamentou a decisão proferida.

2 – Ficou demonstrado que, no caso concreto, o Banco não violou qualquer dos seus deveres de informação que sobre si impendem, sendo que, no caso concreto, a presunção decorrente da Lei se mostra devidamente ilidida.

3 – O cerne da questão levantada nos presentes autos prende-se com o documento junto aos autos sob o n.º 3 e que se traduz no depósito de um cheque sobre o estrangeiro em nome da Autora e no facto de esta alegar que não lhe foi devidamente explicado, pelos funcionários do Banco, as consequências da tomada de cheque dos regimes aí mencionados.

4 – Tal documento mostra-se assinado pelo representante do Banco e pela aqui Autora, razão pela qual este documento é do conhecimento desta.

5 – O dever de informação que se discute nos autos prende-se com a interpretação a dar ao conteúdo constante do mesmo documento, ou seja: a informação que se discute centra-se nos dizeres apostos daquele documento pré-elaborado pelo Banco e de onde constam os diversos regimes de tomada de cheque e disponibilização dos fundos e das responsabilidades decorrentes de cada um dos “regimes” aí constantes.

6 – Está em causa, assim, saber se o Banco Recorrente informou a sua Cliente sobre as consequências inerentes à escolha de qualquer dos regimes aí constantes.

7 – Visualizando-se, com detalhe, aquele documento, constatamos a existência de três regimes possíveis de tomada de cheque e disponibilização de fundos, bem como a indicação, de forma detalhada, das consequências associadas a cada regime, a saber:

d) Envio à cobrança (2) – a disponibilização de fundos, na conta de depósitos à ordem, só é efetuada após recepção dos mesmos nas contas do Millennium bcp junto do Banco/entidade sacada ou correspondente. Os prazos de cobrança são variáveis e dependem da(s) moeda(s) em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre o qual são sacados. De acordo com a legislação em vigor em alguns países, a receção e disponibilização dos fundos nas contas dos Clientes não traduz necessariamente que o(s) respetivo(s) cheque(s) tenham tido boa cobrança, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura do (s) titulo(s), o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos (…);

e) Standard (3) – Os prazos de indisponibilidade dos fundos são variáveis e dependem da(s) moeda(s) em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre o qual são sacados. A disponibilização do montante do(s) cheque(s) na conta de depósitos à ordem não garante a boa cobrança dos mesmos, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura do (s) titulo(s), o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos (…);

f) Crédito imediato (4) – O crédito e disponibilização imediata do montante do(s) cheque(s) na conta de depósitos à ordem não traduz necessariamente que o(s) respetivo(s) cheque(s) tenha(m) tido bo cobrança, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura do(s) titulo(s), o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos (…).

8 – Ficou apurado que, na data do depósito do cheque, a aqui Autora não optou por qualquer dos regimes aí mencionados e supra descritos.

9 – Ficou, também, apurado que, a posteriori, o Banco assinalou a aí mencionada opção standard, ou seja, aquela que consubstancia a regra geral neste tipo de depósitos.

10 – No entanto e nos termos daquele documento, e no que respeita a tal matéria, a decisão final sempre caberia ao Banco, como expressamente resulta do campo de identificação do cliente e regime de tomada do cheque, onde se pode ler “O regime de tomada dos cheques fica sujeito à análise do Banco quanto às moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre os quais são sacados”; bem como do campo de decisão sobre o regime de tomada dos cheques onde se pode ler “(A preencher pelo Banco)”.

11 – Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que não tendo o Banco prestado as explicações à Autora sobre as condições do depósito efetuado do cheque em causa à sua Cliente (aqui Autora) violou o dever de informação e de zelo que sobre si incumbiam, pois que deveria ter explicado o sentido dos dizeres daquele documento, concluindo, assim, que o Banco não ilidiu, como lhe competia, a presunção de culpa decorrente da Lei.

12 – Porém, a douta decisão referida não tomou o Meritíssimo Juiz a quo em consideração:

c) Os termos - concisos e claros - em que se encontram redigidas cada uma das alíneas respeitantes ao regime de tomada de cheque;

d) O grau de literacia, conhecimento e experiência da sua Cliente, aqui Autora.

13 – O dever de informação consiste no esclarecimento e na prestação de qualquer informação relativamente a quaisquer dúvidas que o Cliente possa ter sobre o sentido do texto inserto no formulário que lhe é entregue.

14 – Nos termos da Lei, a extensão e a profundidade da explicação deve ser tanto maior quanto menor for o grau de conhecimento e experiência do Cliente, pelo que na explicação a dar sobre as eventuais dúvidas jamais poderá deixar de tomar-se em consideração o grau de literacia do Cliente – consagra-se, assim, o Princípio da denominada proporcionalidade inversa (cf. art.º 312.º do Código de Valores Mobiliários).

15 – Importa salientar, que a Cliente do Banco e aqui Autora – além de Cliente há vários anos – é Advogada de profissão há mais de 15 anos.

16 – Perante aquela circunstância e em face da clareza, simplicidade e objectivade resultante daquelas mencionadas alineas, nada o funcionário do Banco poderia esclarecer/adiantar à sua Cliente que não fosse, apenas, o de REPETIR o que, de forma completa, clara e concisa, consta do próprio documento.

17 – Contrariamente ao perfilhado pelo Meritíssimo Juiz a quo, o formulário apresentado à Autora não contém quaisquer opções técnicas e específicas da prática bancária que sejam merecedoras de qualquer explicação adicional, na medida em que estamos na presença de um formulário de fácil leitura e de onde se infere que, independentemente do regime da tomada de cheque, a disponibilização dos fundos na conta do Cliente não traduz, necessariamente, que o cheque tenha tido boa cobrança, podendo, inclusive, vir a ocorrer uma eventual devolução futura do mesmo, o que implica o consequente débito na referida conta de depósitos, como, aliás, sucedeu.

18 – De concluir será que, no caso concreto, não está em causa a violação de qualquer dever de informação. O que poderá estar em causa é, no limite, o facto de a aqui Autora não ter lido o documento que subscreveu e não ter atentado devidamente nas consequências resultantes da falta de cobrança do cheque, sendo que a falta de leitura de tal documento não pode confundir-se com o dever de informação a que se refere a Lei.

19 - Aquele que subscreve um documento tem obrigação de o ler, sendo certo que tal obrigação, no caso sub judice, surge até como acrescida, pois que estamos na presença de alguém com conhecimentos e experiência que ultrapassam a normalidade do cidadão.

20 – A Autora não colocou quaisquer questões nem solicitou quaisquer esclarecimentos e, nem tão pouco, se limitou a informar o Banco, aquando do depósito do cheque, das condições inerentes à obtenção do cheque, nomeadamente, no que respeita à forma como este terá chegado à sua posse, tal como resulta das próprias declarações de parte da aqui Autora, o que, aliás, muito se estranha atendendo à longa relação comercial e de confiança existente entre a Autora e o Réu.

21 – A falta de cumprimento do dever geral de informação não pode abranger as situações em que a falta de conhecimento do teor das cláusulas é consequência de um comportamento negligente, ou mesmo pouco diligente dessa parte que, tendo sido colocada em posição de conhecer essas cláusulas, não demonstrou qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor, limitando-se a “assinar de cruz”.

22 – O formulário em causa é composto apenas por uma folha e contém, além da identificação da Cliente, a identificação do regime de tomada do cheque, com todas as cláusulas que melhor descrevem os regimes à escolha, bem como as consequências inerentes à tomada de cada regime.

23 – Não pode, assim, a Recorrida invocar o desconhecimento das cláusulas que lhe foram oportunamente comunicadas, para efeitos de responsabilização do Banco pelo montante em que se viu desembolsada – em virtude da burla de que foi alvo –, quando esse desconhecimento, a existir, apenas resultou da sua falta de diligência e absoluta incúria.

24 – Perante tudo o supra exposto, é entendimento do recorrente que não houve, por parte do Banco, violação dos seus deveres de informação, nos termos que tal se mostra consignado na Lei, fazendo a Sentença recorrida uma errada interpretação da norma contida no artigo 77.º n.º 5 do RGICSF.

25 – Entende, assim, que a Douta Sentença ao julgar parcialmente procedente a acção não fez uma correcta aplicação da Lei, pois que a presente ação, em face dos documentos juntos e da prova produzida, deveria tê-la julgado improcedente e não provada, atento ao facto de se mostrar ilidida a presunção de culpa prevista nos termos do artigo 799.º do Código Civil.

26 – Assim e contrariamente ao decidido, no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação dos artigos 562.º e 563.º do Código Civil, devendo, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida.

27 - O Meritíssimo juiz o quo, ao decidir como decidiu, violou a disposições legais citadas, ou seja, o disposto nos artigos 562.º, 563.º e o 799.º, todas do Código Civil e, ainda, o disposto no art.º 77.º n.º 5 do RGCISF.

TERMOS EM QUE e nos melhores que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que julgue totalmente procedentes as Conclusões ora formuladas. Caso assim venha a ser decidido, far-se-á JUSTIÇA!» (destaques retirados).

A A. contra-alegou, pugnando, por sua vez, pela improcedência do recurso e confirmação do julgado.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo este Tribunal ad quem mantido o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber ([4]):

a) Se o R. não violou deveres de informação a seu cargo perante a cliente (A.), inexistindo ilicitude na sua conduta;

b) Se, por isso, ocorreu erro de julgamento de direito, devendo ser revogada a decisão condenatória impugnada, uma vez que, por outro lado, o dano resulta de conduta culposa da própria A./lesada, afastando o direito indemnizatório.


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III – Fundamentação

          A) Da factualidade julgada provada

1. - Na 1.ª instância foram considerados provados – sem controvérsia – os seguintes factos:

«1- A Autora é advogada, exercendo a sua profissão desde abril de 2004 (art. 1º da p.i.).

2- No âmbito do exercício da sua atividade profissional, em março de 2018, a Autora foi contactada por via electrónica por uma cidadã/cliente estrangeira, para que lhe prestasse serviços jurídicos, cliente essa que transmitiu à A. ter dinheiro a receber do seu ex-marido, em virtude de uma ação de divórcio (art. 2º da p.i. e 32º da contestação).

3- Foi dito à Autora que o ex-marido da cliente se encontrava em Portugal, sendo necessário interpelá-lo para efetuar o pagamento dos valores em dívida (art. 3º da p.i.).

4- Posteriormente, a cliente informou a Autora de que tinha conseguido contactar com o seu ex-marido, o qual teria viajado para ... em negócios, e que de lá enviaria um cheque no valor de 15.000,00€ (art. 4º da p.i.).

5- A Autora deveria receber esse cheque e, depois de retirar os seus honorários, no valor de 2.500,00€, Imposto sobre Valor Acrescentado no valor de 575,00€, Imposto de Selo no valor de 1.20€ e despesas com a prestação de serviço, nomeadamente, comissão de negociação, no valor de 104,02€, transferir o restante valor para a conta da cliente (art. 5º da p.i.).

6- No dia 3 de abril de 2018, a Autora depositou o referido cheque do Banco 2..., no valor de 15.000,00€, na agência da Ré sita na ..., instituição bancária com a qual mantém uma relação de clientela há mais de quinze anos (art. 6º da p.i. e 32º da contestação).

7- Aquando do depósito, a Autora preencheu o formulário que constitui documento n.º 3 (art. 7º da p.i.).

8- Do formulário referido em 7), sob o campo “Identificação do cliente e do regime de tomada do(s) cheque(s) – Preenchimento obrigatório” consta o seguinte texto, com espaço para assinalar a opção:

“(1) Regime de tomada dos cheques e disponibilização de fundos:

- Envio à cobrança (2)

- Tomada de cheques nas seguintes condições:

* Standard (3)

* Crédito Imediato (4)

O regime de tomada dos cheques fica sujeito à análise do Banco quanto às moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre os quais são sacados”.

9- O formulário referido em 7) contém a seguinte legenda:

“(1) Sujeito às Regras e Usos Uniformes Relativas às Cobranças da Câmara de Comércio Internacional em vigor.

(2) Envio à cobrança – a disponibilização dos fundos, na conta de depósitos à ordem só é efectuada após a recepção dos mesmos nas contas do Banco 3... junto do Banco/entidade sacada ou correspondente. Os prazos de cobrança são variáveis e dependem das moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre o qual são sacados. De acordo com a legislação em vigor em alguns países, a recepção e disponibilização dos fundos nas contas dos clientes não traduz necessariamente que o respectivo cheque tenha tido boa cobrança, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura do título, o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos.

(3) Tomada de cheque nas condições standard – Os prazos de indisponibilidade dos fundos são variáveis e dependem das moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre o qual são sacados. A disponibilização do montante dos cheques na conta de depósitos à ordem não garante a boa cobrança dos mesmos, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura dos títulos, o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos.

(4) Tomada de cheque com Crédito Imediato – O crédito e disponibilização imediata do montante dos cheques na conta de depósitos à ordem não traduz necessariamente que os respectivos cheques tenham tido boa cobrança, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura dos títulos, o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos.

10- A A. não foi informada de que deveria escolher o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos, o qual ficou por preencher (art. 7º da p.i.).

11- A agência da ... enviou o cheque para o balcão do ..., em ..., local onde a conta se encontra sediada, o qual verificou novamente o cheque (art. 8º da p.i.).

12- No dia 16 de abril de 2018, o montante depositado ficou disponível na conta à ordem da Autora, como saldo disponível (art. 9º da p.i.).

13- Dando cumprimento ao referido em 5), no dia 17 de abril de 2018, a Autora dirigiu-se ao balcão da Ré e efetuou a aí referida transferência no valor de 11.819,78€ (art. 10º da p.i.).

14- No dia 19 de abril de 2018, a Ré procedeu à devolução do montante depositado em virtude de o cheque não ter cobertura (art. 11º da p.i.).

15- No dia 19 de abril de 2018, a Autora foi contactada pelo gerente da agência do ..., Sr. BB, o qual a informou que, em virtude da devolução do cheque, tinha ficado com saldo negativo e que, portanto, deveria regularizar urgentemente a situação (art. 12 e 13º da p.i.).

16- No dia 20 de abril de 2018, a Autora dirigiu-se ao balcão da Ré no ... no sentido de esclarecer a situação e compreender a motivação do débito, tendo a Ré justificado o referido débito com base no regime de tomada de cheque nas condições standard, segundo a qual a receção e disponibilização dos fundos nas contas dos clientes não significa necessariamente que o respetivo cheque tenha tido cobrança, podendo ocorrer devolução posterior e, consequentemente, débito na referida conta de depósitos (arts. 14º e 15º da p.i.).

17- No dia 9 de abril de 2018, a Ré decidiu unilateralmente optar pelo regime de tomada de cheque nas condições standard, sem consultar ou informar a Autora (art. 22º da p.i.).

18- A A. desconhecia que o regime da tomada do cheque era o referido em 16) e 17) (art. 16º da p.i.).

19- Em consequência do depósito referido em 6), a A. despendeu 30,00€, a título de comissão de negociação.

20- Em consequência da devolução referida em 14), a A. despendeu 91,40€, a título de despesas de devolução.

21- Em consequência da disponibilização referida em 12), o R. cobrou à A. 35,77€ a título de juros moratórios e 2,51€ a título de Imposto de Selo.

22- A A. apresentou queixa contra desconhecidos pelos factos em apreciação nos presentes autos, susceptíveis de integrarem a prática deos crimes de burla qualificada e falsificação de documentos, que correu termos na Secção da ... do DIAP sob o Inquérito n.º 43/18.... e em que, em19-6-2020, foi proferido despacho de arquivamento (art. 20º da p.i.).

23- Após o referido em 17), o R. foi informado pelo Banco 2... que o cheque foi objecto de devolução em virtude de se tratar de cheque falsificado (39º da contestação).

24- O referido em 2) a 5) foi transmitido pela A. ao R. após o referido em 16) a 18) (art. 33º da contestação).».

2. - E vem julgado como não provado:

«- que se a Autora tivesse chamado a atenção do R. para a informação de que dispunha, este a teria alertado para todas as circunstâncias necessárias à opção correcta, relativamente ao regime de depósito que mais se adequava à situação (45º da contestação).

- quanto à factualidade constante do art. 34º da contestação, por a mesma encerrar matéria conclusiva, será considerada na fundamentação de direito.».

B) Direito aplicável

Da ilicitude e da culpa

Invoca o R./Apelante que inexistiu, da sua parte, qualquer violação de deveres de informação – ou outros – perante a sua cliente, a aqui A./Recorrida, contrariamente ao expendido na fundamentação jurídica da sentença em crise, onde se concluiu pela violação por aquele dos seus deveres de «informação, de esclarecimento e de zelo».

A este propósito (“incumprimento de deveres”), pode ler-se naquela fundamentação jurídica:

«Primeiro, no dia 3 de abril de 2018, ao balcão da agência sita na ..., em que a A. não foi informada pelo funcionário que a atendeu que deveria escolher o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos, o qual ficou por preencher. Não foi informada e devia tê-lo sido, em primeiro lugar por estar ali, presente, e qualquer erro ou omissão poder ser facilmente esclarecido e corrigido. Depois, por se tratar de um montante substancial e de o banco sacado ser estrangeiro o que implicaria “um lapso de tempo a considerar para que tal cheque possa vir a determinar o pagamento efectivo do valor em causa, e nele inscrito, ao seu legítimo portador” (art. 6º da contestação). Finalmente porque tinha, efectivamente, essa opção, com diferentes implicações e consequências na sua esfera patrimonial, como bem espelham os danos ora peticionados.

(…) quem conhecia o iter procedimental, as opções disponíveis e os riscos associados a cada uma dela era o Réu. Opções técnicas e específicas da prática bancária, sendo a A. uma cliente, consumidora, destinatária do dever de informação e esclarecimento que, no caso, foram incumpridas pelo Réu.

Incumprimento esse que se verificou, novamente, no dia 9 de abril de 2018, em que o Réu optou pelo regime de tomada de cheque nas condições standard, sem consultar ou informar a Autora. Independentemente de tal constituir uso ou prática bancária, como o reconhece a jurisprudência (…), traduzindo um verdadeiro financiamento do cliente por antecipação de fundos – sujeito à condição de boa cobrança – afigura-se-me que, ao verificar a falta de preenchimento das mencionadas opções do formulário (sendo que do respectivo campo consta que é de preenchimento obrigatório), impunha-se ao Banco Réu ter contactado com a A., indagando quanto à respectiva opção. Não só não o fez, como optou, ele próprio, por um dos regimes de depósito possíveis.

Finalmente, no dia 16 de abril de 2018 (…), o Banco Réu disponibilizou o montante depositado na conta à ordem da Autora, como saldo disponível. Sem qualquer aviso ou advertência de que se tratava de uma mera expectativa de recebimento, como deveria ter feito (…)» (destaques aditados).

Contrapõe o Recorrente que no centro da discussão está o «documento junto aos autos sob o n.º 3» – trata-se do documento junto por cópia a fls. 37 v.º do processo físico, cujo teor essencial consta da factualidade julgada provada, sendo que não foi deduzida impugnação contra a decisão relativa à matéria de facto, assim tornada, por isso, definitiva –, intitulado «Depósito de Cheques s/ o Estrangeiro e Cheques de Viagem».

Ora, é certo que desse documento – originariamente, um formulário do R., que veio a ser parcialmente preenchido (cfr. ponto 7 dos factos provados) – consta, à cabeça, de forma destacada: «IDENTIFICAÇÃO DO CLIENTE E DO REGIME DE TOMADA DO(S) CHEQUE(S) - Preenchimento Obrigatório».

E é nesse âmbito (quadro) de «Preenchimento Obrigatório» que surge, após a identificação do cliente, a menção/previsão (campo) quanto ao «(1) Regime de tomada do(s) Cheque(s) e Disponibilidade de Fundos», contemplando-se, em alternativa, para seleção pelo cliente, a opção «Envio à Cobrança (2)» ou «Tomada de Cheque(s) nas seguintes condições:», após os que surgem, em desdobramento, as sub-opções «Standard (3)» ou «Crédito Imediato (4)» ([5]).

Mais abaixo – em jeito de notas de rodapé, mediante carateres de pequena dimensão/tamanho – vem explicitado o sentido relevante daquela numeração de “(1)” a “(4)”.

Assim, como, aliás, consta do ponto 9 dos factos provados:

«(1) Sujeito às Regras e Usos Uniformes Relativas às Cobranças da Câmara de Comércio Internacional em vigor.

(2) Envio à Cobrança – a disponibilização dos fundos, na conta de depósitos à ordem só é efectuada após a recepção dos mesmos nas contas do Banco 3... junto do Banco/entidade sacada ou correspondente. Os prazos de cobrança são variáveis e dependem das moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre o qual são sacados. De acordo com a legislação em vigor em alguns países, a recepção e disponibilização dos fundos nas contas dos clientes não traduz necessariamente que o respectivo cheque tenha tido boa cobrança, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura do título, o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos.

(3) Tomada de Cheque(s) nas Condições Standard – Os prazos de indisponibilidade dos fundos são variáveis e dependem das moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre o qual são sacados. A disponibilização do montante dos cheques na conta de depósitos à ordem não garante a boa cobrança dos mesmos, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura dos títulos, o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos.

(4) Tomada de Cheque(s) com Crédito Imediato – O crédito e disponibilização imediata do montante dos cheques na conta de depósitos à ordem não traduz necessariamente que os respectivos cheques tenham tido boa cobrança, podendo vir a ocorrer uma eventual devolução futura dos títulos, o que implicará o consequente débito na referida conta de depósitos.» (destaques aditados).

Ora, se é seguro – por provado – que a A./Apelada preencheu, aquando do depósito, na ... (agência do R.), do cheque em discussão, o dito formulário do R. (pontos 6 e 7 provados), também é certo que, ao fazê-lo, não foi informada de que deveria escolher o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos, o qual ficou por preencher (ponto 10).

Porém, tratava-se de um campo de preenchimento obrigatório, por reportado a matéria de elevada importância, designadamente pelas possíveis consequências decorrentes da opção pelo tipo de regime aplicável, atentos os graus de risco implicados.

Ora, sendo campo de preenchimento obrigatório, não poderia o banco R. deixar de informar a cliente (A.) de que deveria escolher o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos.

Estando na presença da cliente, cabia ao banco (na ocasião), não só informá-la e esclarecê-la a respeito, como obter dela o preenchimento, tanto mais que de caráter obrigatório, o que bem se compreende pela importância/relevância do respetivo conteúdo e decorrentes consequências, visto que se tratava da opção quanto ao regime de tomada do cheque e de disponibilização em conta dos respetivos fundos.

Porém, aquele banco – um profissional apetrechado, dotado, obviamente, de uma estrutura de elevada capacidade técnica, contratual, financeira e de conhecimento, nos domínios bancário/financeiro e cambiário, incluindo o circuito financeiro dos cheques sobre o estrangeiro – não poderia deixar, naquelas concretas condições, de informar a cliente (A.), esclarecendo-a, de que lhe cabia escolher o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos, obtendo dela o preenchimento do campo respetivo.

Com efeito, tratava-se de documento/formulário elaborado pelo próprio banco (ostentando o seu logotipo), uma peça escrita usada por este na sua atividade, cujo conteúdo, por isso, bem conhecia, não podendo ignorar que estava em causa um campo de preenchimento obrigatório, tal como não poderia ignorar, através do seu funcionário que atendeu a A. na agência da ..., que esse campo não foi preenchido.

Já a A., embora advogada, acorreu ao banco na veste de cliente, isto é, um consumidor, tipicamente a parte não apetrechada (leiga) perante um profissional de elevada competência técnica, que domina as questões bancárias, também as que se referem ao regime de tomada de cheques e de disponibilização em conta dos respetivos fundos, incluindo o circuito financeiro dos cheques sobre o estrangeiro, matéria em que a profissão de advogada não é garantia de domínio das técnicas da banca/finança e do circuito interbancário.

E, não obtido na hora (dia 03/04/2018) aquele preenchimento obrigatório, cabia ao banco, pela relevância do assunto e suas possíveis implicações, logo que detetada a omissão, contactar a cliente para que procedesse (ela própria) ao preenchimento do campo em falta.

Todavia, assim não fez. Em vez disso, seis dias depois (no dia 09/04/2018), o banco R. decidiu unilateralmente optar pelo regime de tomada de cheque nas condições standard, sem consultar ou informar a A./Apelada (ponto 17), razão pela qual esta desconhecia que era aquele o regime de tomada do cheque que depositara (ponto 18).

Assim, à anterior omissão de informação e esclarecimento à cliente – e de obtenção do preenchimento de campo de caráter obrigatório –, juntou-se aquela ação unilateral de substituição à mesma cliente, com a agravante de nada lhe ser comunicado a respeito (unilateral enquadramento em termos de regime), deixando-a – por nova omissão de informação – na ignorância quanto ao regime do cheque que, afinal, o banco adotou.

Certo é que em 16/04/2018 o montante do cheque ficou disponível, como depositado, na conta à ordem da A., como «saldo disponível» (ponto 12), o que permitiu que esta (ponto 13), em 17/04/2018 (catorze dias após o depósito do cheque), efetuasse a transferência bancária, para si danosa, de € 11.819,78 (dos € 15.000,00 titulados pelo cheque).

Só depois, no dia 19 seguinte, ocorreu a devolução do montante depositado em virtude de o cheque não ter cobertura (ponto 14), altura em que – só então – a A. foi contactada pelo banco R., sendo informada da devolução do cheque, do decorrente saldo negativo e necessidade de regularização urgente da situação (ponto 15).

Deslocando-se a A., na sequência, em 20/04/2018, ao balcão do R., só então foi esclarecida – já ocorrido o prejuízo – quanto à questão do regime de tomada do cheque (ponto 16): foi-lhe comunicado que o débito tinha por base o «regime de tomada de cheque nas condições standard», com a receção e disponibilização dos fundos na conta do cliente a não significar necessariamente que o respetivo cheque tenha tido cobrança, podendo ocorrer devolução posterior e, consequentemente, débito na conta de depósitos.

No entanto, são bem conhecidos os deveres das entidades bancarias para com os seus clientes, mormente, quanto ao que aqui importa, deveres de informação, esclarecimento e zelo.

Vejamos.

A atividade bancária – nela se enquadrando a relação estabelecida entre as partes nos autos, designadamente no que concerne ao cheque em apreciação, sabido que a A. já era cliente do R. desde há mais de quinze anos (ponto 6), tratando-se, assim, de uma relação amplamente duradoura – é, consabidamente, altamente organizada e profissionalizada, sendo que só as instituições de crédito podem exercer a atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria, ou similares, considerando-se contratos bancários os que são celebrados pelas instituições de crédito ou banqueiros, no exercício da sua profissão ([6]).

Neste âmbito, é incontroverso que a relação bancária (entre banco e cliente), iniciando-se, normalmente, com a celebração de um contrato de abertura de conta, se desenvolve e intensifica ao longo do tempo, constituindo uma relação contínua, a poder englobar diversos negócios, e configurando-se, assim, como uma relação contratual duradoura, onde assume valor fundamental a confiança que o cliente deposita no seu banco. Não é de estranhar, pois, que entre as partes surjam deveres de conduta decorrentes do princípio da boa-fé, em articulação com os usos ou os acordos parcelares que venham a celebrar, designadamente deveres de lealdade e de zelo, com especial incidência sobre a parte profissional ([7]), o banqueiro, por ser a parte apetrechada, num domínio técnico não facilmente acessível aos não profissionais, como ocorre com o comum consumidor (que tipicamente desconhece os meandros da técnica e atividade da banca, designadamente os procedimentos internos e interbancários referentes ao desconto ou cobrança de cheques, mormente se com percurso internacional).

As exigências da boa-fé negocial e de execução contratual – postulando a adoção de uma conduta honesta, correta e leal, mormente em casos, como o dos autos, de desequilíbrio de posições negociais e de deficit informativo de uma das partes (cliente leigo) perante a outra (banco) – e os deveres de informação e proteção da confiança do cliente, também a cargo do R./Apelado (enquanto banco que recebeu o cheque da cliente para depósito na conta bancária desta), impunham que este, dispondo, por sua vez, de um quadro de informação exato/adequado/coerente quanto ao regime de tomada de cheques sobre o estrangeiro e disponibilização de fundos, o facultasse – sem omissões – a tal sua cliente, para que esta pudesse decidir de forma esclarecida e adequada (quanto a regime e risco), em termos de não sofrer lesão evitável nos seus legítimos interesses.

A relação contratual obrigacional duradoura e intuitus personae que se estabelece entre o cliente e o seu banco, exigirá deste último um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo – informação completa, verdadeira, clara e objetiva, tendo em conta que o comum consumidor não domina a técnica bancária, confiando que o seu banco lhe prestará todos os esclarecimentos e informações que se mostrem necessários perante a situação concreta.

Ora, estando em causa, na situação sob análise, a decisão quanto à escolha do regime de tomada do cheque e disponibilização de fundos – um cheque de elevado valor, sobre o estrangeiro, a depositar em conta –, os factos apurados permitem concluir que, num primeiro momento (contacto presencial), houve omissão do aqui R./Apelante quanto ao dever de informação e esclarecimento da cliente sobre as diversas modalidades desse regime, ao ponto de o respetivo campo – de preenchimento obrigatório – não ter sido preenchido.

Dever de informação e esclarecimento esse que impendia sobre o banco e de que este era notoriamente capaz, tanto mais que operava com um formulário por si elaborado e por cujo preenchimento integral, em campo de preenchimento obrigatório, não providenciou.

Depois, em momento posterior, ocorreu a ação unilateral de preenchimento pelo banco, substituindo-se à cliente, e não a alertando para o conteúdo preenchido e inerentes consequências.

Quer dizer, não só o R. adotou uma conduta unilateral – assumindo, por ação, a escolha de regime que cabia à cliente ter feito, se esclarecida para tanto –, como nem sequer informou (comportamento omissivo) tal cliente dessa conduta, pela qual ficava definido o regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos.

Por isso, ante este modo de proceder do R., é que a A. só veio a saber do regime adotado quando o dano já havia sido provocado (cfr. pontos 15, 16 e 18, bem como 23).

Líquido se torna que apenas na sequência da devolução do cheque – por se tratar de cheque falsificado – é que o R. procedeu ao esclarecimento à A. sobre o adotado regime de tomada de cheque: regime de tomada de cheque nas condições standard, segundo a qual a receção e disponibilização dos fundos nas contas dos clientes não significa necessariamente que o respetivo cheque tenha tido cobrança, podendo ocorrer devolução posterior e, consequentemente, débito na referida conta de depósitos (cfr. pontos 15, 16 e 23).

Forçoso é concluir, pois, salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento, que aquilo que devia ter sido esclarecido inicialmente – verbalmente, já que presencialmente –, pelo banco, só o foi depois do facto estar consumado, com o dano já ocorrido.

É certo que a A. é advogada de profissão e que era ela quem conhecia o modo de obtenção do cheque e o que pretendia fazer com os respetivos fundos.

Todavia, a A. não estava perante o banco na veste de advogada, mas sim de cliente/consumidora de serviços bancários, sendo que os conhecimentos da sua profissão (técnica de direito) não faziam dela, sem mais, uma consumidora especializada em técnica bancária.

Por ser consumidora de serviços bancários e cliente de longa data daquele banco – em que, por isso, confiava, esperado dele um comportamento de lealdade, zelo e proteção dos legítimos interesses dos clientes – é que deveria ter sido inicialmente informada/esclarecida (verbalmente, em contacto presencial) pelo R. quanto ao dito regime e suas consequências, perante o que teria a oportunidade de esclarecer, por sua vez, o modo de obtenção daquele cheque e o que pretendia fazer com os respetivos fundos, altura em que o banco, profissional avisado e prudente, já conhecedor (nesta perspetiva de normalidade de relacionamento e procedimentos) da situação, haveria de aconselhar à cliente o regime de tomada de cheque mediante envio à cobrança, obtendo dela o preenchimento do campo obrigatório respetivo (que, desse modo, não ficaria em branco), com a consequência de a cliente só poder usar os fundos respetivos após boa cobrança do cheque, o que teria evitado o dano ocorrido.

Ao não ter procedido assim, violou o R. – primeiro por omissão e depois por ação, seguida de nova omissão – os deveres de informação, esclarecimento e conselho ([8]) que lhe competiam, não correspondendo às exigências da boa-fé objetiva no relacionamento com a cliente, a qual, em vez de ser protegida nos seus legítimos interesses ao aproximar-se do sistema bancário – enquanto parte frágil, o consumidor de serviços bancários, normalmente um leigo em matérias de técnica bancária –, foi deixada na ignorância sobre um aspeto essencial, da máxima importância para si, que a veio a impedir de se defender adequadamente do dano, quando o desnível da informação das partes e a qualidade de profissional ([9]) apetrechado do banco exigiam deste, à luz daquela boa-fé, um comportamento diferente.

Contrapõe o R. que do formulário apresentado à A., por esta assinado, consta a menção aos três regimes possíveis de tomada de cheque e disponibilização de fundos, sendo que tal A. não optou por qualquer dos regimes (conclusões 3.ª a 8.ª).

Porém, já se viu que, a mais do aspeto gráfico do formulário (com notas de rodapé mediante carateres de pequena dimensão, tornando mais difícil a leitura), era ao banco, por se tratar de formulário por si elaborado e usado na sua atividade, que cabia obter da A. o preenchimento dos campos assinalados como de preenchimento obrigatório. O que não fez.

Na verdade, vem provado que a A. não foi informada de que deveria escolher um desses três regimes, razão pela qual bem se perceciona que não tenha havido preenchimento nessa parte (por ela) e que a A. desconhecesse que o regime de tomada do cheque era o que foi unilateralmente adotado, a posteriori, pelo banco (condições standard). Faltou, pois, o necessário esclarecimento à cliente sobre esta matéria sensível ([10]).

Acrescenta o R. que a sua opção posterior pelo regime de condições standard consubstancia a regra geral neste tipo de depósitos, o que, porém, não invalida que devesse ser a A., inicialmente, a tomar a decisão sobre o regime a adotar, desde que devidamente esclarecida para o efeito pelo banco, nem que devesse a mesma ser informada quanto ao regime que posteriormente o banco escolheu, de forma unilateral e sem dar disso conhecimento à cliente.

Mais invoca o Apelante que a última palavra – a decisão final – sobre o dito regime sempre lhe caberia, nos termos do dito formulário (conclusão 10.ª), por si pré-elaborado de forma unilateral.

Acontece que, mesmo nesta perspetiva, o princípio da boa-fé, que impera neste tipo de relacionamento contratual duradouro, sempre exigiria ao banco, perante as circunstâncias do caso (designadamente, o elevado montante e o risco do cheque, associado ao regime escolhido unilateralmente, com decorrentes possíveis consequências danosas, para que o comum consumidor/leigo não está normalmente alertado), que adotasse uma conduta especialmente cuidadosa/zelosa, em defesa dos interesses da cliente, âmbito em que não poderia deixar de a informar e esclarecer sobre o regime assim por si escolhido e inerente risco.

Esgrime ainda o Recorrente que, perante a clareza do dito formulário e os conhecimentos da A., enquanto advogada de profissão, nenhuma explicação era oportuno dar-lhe quanto à aludida opção de regime, por não se tratar de «opções técnicas e específicas da prática bancária que sejam merecedoras de qualquer explicação adicional» (conclusão 17.ª).

Com todo o respeito devido, temos de dissentir.

Por um lado, reitera-se que a cliente tem de ser vista como consumidora, não resultando que, por ser advogada, tenha conhecimentos sobre a matéria que ultrapassem os do comum leigo em assuntos técnicos do âmbito bancário, mormente quanto a depósito de cheques sobre o estrangeiro.

Por outro lado, na perspetiva do simples leigo, a opção de regime em discussão, o percurso financeiro do dito cheque e as possíveis consequências práticas de cada um dos termos dessa opção tripartida, tendo em conta ainda o tempo que o processo demora a completar-se e o surgimento do valor do cheque em termos de «saldo disponível» na conta do cliente, não constituem matéria de fácil/imediata compreensão/apreensão para quem não domina a técnica bancária.

Muito menos era expetável, para o simples leigo, que o banco, sem qualquer aviso, depois de não diligenciar, presencialmente, pelo preenchimento de campo obrigatório do seu formulário, escolhesse unilateralmente o regime do cheque, deixando o cliente na total ignorância sobre o regime finalmente adotado, o que o impedia de conhecer as consequências/riscos de um regime que não escolheu e de que não foi informado.

Em suma, há manifesta violação dos deveres de informação/esclarecimento e de zelo.

E se o R., através do seu funcionário que inicialmente atendeu a A. em agência (presencialmente), viu que esta, ao preencher, não leu integralmente o formulário que lhe foi dado a assinar (conclusões 18.ª e 19.ª), ocasionando que deixasse em branco um campo de preenchimento obrigatório, só lhe restaria, enquanto profissional dedicado e em atenção aos interesses da cliente, ao receber o documento assinado, alertá-la para a necessidade de suprir a omissão de preenchimento, momento apropriado para lhe explicar a essencialidade do regime de tomada do cheque e de disponibilização de fundos ([11]).

É certo que a A. deveria informar o banco quanto às condições – não comuns – em que se tornou portadora daquele cheque (conclusão 20.ª), mas apenas, em termos de normalidade do acontecer humano, depois de o R. a esclarecer quanto ao regime de tomada de cheques e disponibilização de fundos e inerentes graus de risco, já que na mente da cliente não pairavam quaisquer suspeitas.

É que é patente que a A. não se apercebeu do risco a que o seu património (fundos da sua conta bancária) ficava exposto, âmbito em que competia ao banco – um profissional altamente experiente e capacitado, dotado de elevado saber técnico – alertá-la para o risco, não o risco concreto de aquele cheque não ter cobertura (ser falsificado), do que ninguém sabia (nem A. nem R.), mas o risco (e seu grau) inerente à escolha de regime quanto àquele cheque (visto o seu montante/valor e as suas caraterísticas), sendo que apenas a modalidade de envio à cobrança não expunha a cliente ao risco de dispor de fundos (adiantados pelo banco) que poderiam vir a não ser cobrados (caso em que teriam de ser debitados na conta bancária, com o inerente dano patrimonial).

Ora – reitera-se –, apenas depois de o dano estar consumado é que o banco alertou a cliente, esclarecendo-a sobre o adotado regime de tomada do cheque e suas consequências nefastas (pontos 15, 16 e 23), não alheias ao dito grau de risco (adotado pelo banco, unilateralmente e sem dar conhecimento à respetiva cliente, ao arrepio, pois, do elevado padrão de conduta que lhe é imposto pelo princípio da boa-fé, no âmbito de relacionamento contratual duradouro, intuitus personae e de total confiança).

Assim contextualizada a situação dos autos, não se considera verificada conduta negligente da A., ao «assinar de cruz» (conclusões 21.ª a 23.ª), ocorrendo antes demonstração de violação pelo R. dos aludidos deveres de informação/esclarecimento/conselho e zelo, com o decorrente juízo afirmativo de ilicitude da conduta, na esfera contratual bancária, levando à operância da presunção – não ilidida ([12]) – de culpa (cfr. art.º 799.º, n.º 1, do CCiv.).

O Recorrente, no seu acervo conclusivo, não pôs em causa os restantes pressupostos da responsabilidade contratual e decorrente obrigação de indemnizar – designadamente, o dano e o nexo de causalidade –, pelo que deles não cabe aqui cuidar.

Em suma, improcede a apelação.

                                                 ***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - A violação culposa de deveres indeclináveis de informação e esclarecimento ou conselho e de zelo a cargo de entidade bancária, no âmbito da respetiva atividade, perante cliente – consumidor de serviços bancários – depositante de um cheque de elevado montante sobre o estrangeiro, mas em deficit de informação quanto ao regime de tomada de cheques e de disponibilização de fundos, é fonte de obrigação indemnizatória pelo decorrente dano causado a esse cliente.

2. - Se, em atendimento presencial em agência do banco, este faculta ao cliente um impresso (elaborado e usado na sua atividade bancária) referente ao depósito de cheques sobre o estrangeiro, contendo, em campo de preenchimento obrigatório, a menção quanto à opção pelo regime de tomada de cheques e de disponibilização de fundos, devendo o cliente escolher entre (i) envio à cobrança (ficando o cheque na dependência de boa cobrança, sem o que não ocorre disponibilização de fundos em conta), (ii) tomada nas condições standard e (iii) crédito imediato (modalidades estas em que a disponibilização ocorre antes da verificação quanto à cobrança), cabe à entidade bancária, no âmbito do elevado padrão de conduta que lhe é imposto pelo princípio da boa-fé, no quadro de relacionamento contratual duradouro, intuitus personae e de total confiança – em que deverá proteger os legítimos interesses do cliente, tipicamente um leigo em matérias de técnica bancária –, em vez de receber o formulário sem preenchimento do campo obrigatório, diligenciar pelo respetivo preenchimento, esclarecendo/alertando quanto à importância da matéria e aos diversos níveis de risco para o cliente associados àquelas modalidades do regime bancário.

3. - Se, perante aquela incompletude do formulário, o banco vem a optar posteriormente, de forma unilateral, pela modalidade de tomada nas condições standard, sem disso dar conhecimento ao cliente, disponibilizando o montante do cheque na sua conta bancária, como saldo disponível, sem verificação quanto à boa cobrança, ficando o cliente convencido de que podia dispor daquele montante sem risco, ocorre violação do dever de esclarecimento e de zelo para com o cliente, sujeitando-o ao risco de danos perante a ulterior devolução do cheque.

4. - Ainda que o cliente seja advogado de profissão, o seu relacionamento com o banco é como consumidor, isto é, tipicamente um leigo em matérias de técnica bancária, como o são as questões que se prendem com o regime e circuito financeiro de um cheque sobre o estrangeiro, pelo que, verificando o banco que o cliente não atentara no dito campo de preenchimento obrigatório, não poderia concluir que o cliente ficou esclarecido perante o que estava escrito no formulário.

5. - Só depois de alertado pelo banco para o dito regime e grau de risco, que o cliente desconhecia, seria pertinente o esclarecimento por este quanto às condições em que se tinha tornado portador do cheque e ao que pretendia fazer com o respetivo montante, razão pela qual não pode considerar-se haver conduta negligente (concorrente) do lesado.

                                                 ***

V – Decisão
Pelo exposto, julgando-se improcedente a apelação, mantém-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo R./Apelante (vencido no recurso).

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


12/07/2022

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 23/11/2018.
([2]) Cujo teor se deixa transcrito.
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada.
([5]) Contemplada está ainda a menção de que «O regime de tomada dos cheques fica sujeito à análise do Banco quanto às moedas em que os cheques são emitidos, do País e dos Bancos sobre os quais são sacados» (cfr. ponto 8 dos factos provados).
([6]) Cfr. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, ps. 693 e seg., com referências à legislação aplicável (RGIC).
([7]) Vide Ac. STJ de 18/11/2008, Proc. 08B2429 (Cons. Santos Bernardino), em www.dgsi.pt. Ali se salienta ainda que o banco «(…) fica vinculado a deveres de actuação conformes com aquilo que se espera da parte de um profissional tecnicamente competente, que conhece e domina as regras da ars bancaria, e que deve ter em vista a defesa e o respeito dos interesses do seu cliente; a tutela da confiança é um dos valores fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da relação bancária. // 4. Essa especial relação complexa, de confiança mútua e dominada pelo intuitus personae, impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de protecção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé: deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de discrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a uberrima fides do cliente e o intuitus personae da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente.».
([8]) Sobre a distinção entre estas figuras, cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989, ps. 14 e seg..
([9]) V. Sinde Monteiro, op. cit., p. 398.
([10]) Verificando o funcionário bancário que a A., na sua presença, não atentou no que estava escrito (em formulário que lhe foi apresentado no momento), tinha ele o dever de alerta/aviso nesse âmbito, em postura de proteção devida aos interesses legítimos da contraparte, sendo certo que as partes não se apresentavam ali em postura/lógica adversarial, mas de colaboração reciproca.
([11]) É sabido que, frequentemente, os clientes bancários, confiantes no seu banco, assinam os documentos impressos que o funcionário bancário lhes apresenta para preencher (em atendimento presencial), esperando do banco, em caso de incompletude do documento/impresso bancário, um comportamento de atenção e alerta, para que tudo resulte devidamente preenchido/efetuado. O que não esperam é a adoção de comportamentos unilaterais e sem aviso, mormente se idóneos a deixar o cliente em posição de exposição ao dano quanto aos fundos disponíveis em conta bancária.
([12]) Não resulta, como visto, que haja culpa, exclusiva ou concorrente, da lesada.