REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Sumário

Tendo a criança 11 meses de idade; não tendo existido coabitação entre os progenitores, nem contatos frequentes entre a criança e o pai, a separação entre a criança e a mãe, para que possa conviver com o pai, deve fazer-se de modo gradual, dilatando-se progressivamente no tempo, sendo desaconselhável, nestas circunstâncias, a fixação do regime de residência alternada.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


*

Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


*

(…)


Recorrente …………………..AA,

Recorrida………………………BB,

melhor identificados nos autos.


*

I. Relatório

a) O presente recurso vem interposto da decisão provisória proferida nestes autos de regulação das responsabilidades parentais referentes à menor CC, em que é requerente BB e requerido AA.

A decisão provisória tem este teor:

«Nesta conformidade, e face ao preceituado nos arts. 28º do RGPTC, e 1905º, 1906º, 2004º e 2006º, todos do CC, decide-se a regulação do exercício das responsabilidades parentais, em relação à criança CC

A residência da criança é fixada junto da mãe;

2) O exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância é conjunto;

3) O pai terá a criança na sua companhia, nos próximos quatro fins de semana, sendo os transportes a seu cargo, nos seguintes termos:

- no primeiro sábado, das 13h às 20h;

- no segundo domingo, das 10h às 20h;

- no terceiro sábado, das 10h às 21h;

- no quarto domingo, das 10h às 21h.

4) O pai terá a criança na sua companhia, a partir do quinto fim de semana (a contar da data da notificação desta decisão), inclusive, em moldes alternados, entre as 10h de sábado e as 21h do domingo subsequente, sendo os transportes a seu cargo;

5) Cada um dos progenitores poderá contactar com a criança, por qualquer meio à distância, em especial por videochamada, sempre que a não tenham na sua companhia, com caráter diário, devendo o progenitor que a tenha aos seus cuidados ou sob a sua responsabilidade, viabilizar tais contactos.

6) Fixa-se a pensão de alimentos a cargo do progenitor mensais, a liquidar até ao último dia de cada mês, por transferência bancária para conta a identificar pela requerente, acrescida da comparticipação em metade nas despesas médico-medicamentosas, na parte não comparticipada, escolares e extracurriculares, sendo estas desde que previamente consensualizadas entre os progenitores.»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do pai da menor, cujas conclusões são as seguintes:

«A) Não se pode dar como não indiciado o facto alegado pelo pai de querer criar a filha, pois, sendo um facto pessoal, o pai afirmou-o em plena conferência de pais e nas alegações.

B ) Os factos sob as alíneas K ) e L ) devem ser dados como indiciados, já que foi junta prova documental dos mesmos, sendo que consta em tal documento outras mensagens que foram consideradas para dar como indiciado o facto 10.
C ) Não se pode fundamentar a fixação de um regime provisória de residência junto da mãe no facto de o pai nunca ter tido a criança aos seus cuidados se foi a própria mãe que o impediu, porque isso configuraria premiar a mãe por um comportamento abusivo e ilegal , pelo que um despacho nesse sentido só viria cristalizar tal situação e legitimar a atitude da mãe .

D ) E não serve para fortalecer aquela fundamentação, que «nem sequer foi a próprio requerido quem veio pedir a RERP ao tribunal».

E) Nem colhe ainda o fundamento da distância, in casu 45 km, nem pode colher, porque se assim fosse, nas grandes cidades quase que não poderia ser dado cumprimento a lei, que privilegia a residência alternada.

F) O regime fixado mais uma vez penaliza o progenitor, que parece ser visto como um pai a part time, de fim-de-semana, sendo que a partir do segundo mês será só pai de 15 em 15 dias.

G) O que está frontalmente contra a vontade do progenitor, a preferência da lei pela igualdade de convívios do pai e da mãe com a criança, o principio da igualdade constitucional e principalmente o superior interesse da criança.

H) Tendo se indiciado que a progenitora vive com os pais, que a apoiam, sendo filha única estando ela a trabalhar como técnica de farmácia, auferindo cerca de 1058,00 €, que o progenitor trabalha a ganha cerca do ordenado mínimo, pagando ele as próprias despesas a pensão de alimentos de 100.00 € deve ser alterada para um valor menor.

Nestes termos (…) requer que seja dado provimento ao presente recurso e alterado o regime provisório no sentido de residência alternada, assim se fazendo JUSTIÇA».

c) O ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

No essencial refere que a pretendida alteração da matéria de facto mesmo sendo procedente seria irrelevante; que a residência alternada seria uma violência para a menor porquanto esta nunca viveu com o pai e, por isso, a aproximação entre ambos deve ser gradual, como consta da decisão recorrida; e que a pensão de alimentos está ajustada aos rendimentos do pai.

d) Foram produzidas contra-alegações por parte da mãe da menor, cujas conclusões são as seguintes:

«1.ª A Decisão Provisória, proferida em 22.04.2022 não enferma de qualquer ilegalidade, vicio ou erro na apreciação dos factos indiciados e não indiciados.

2º O Tribunal a quo, apreciando em concreto as circunstancias que envolvem a actual situação da menor, e no estrito interesse da mesma, alheando-se dos interesses dos progenitores, decidiu no sentido de acautelar o bem-estar físico, emocional e o são desenvolvimento psicológico da menor, a esta data com apenas 9 meses de idade (completados hoje dia 5) privilegiando a estabilidade da menor que sempre viveu com a mãe e os avós maternos.

3º O progenitor, alheou-se completamente da vida da menor desde o seu nascimento, tendo sido inclusive, como está bem patente, que foi a aqui recorrida que instaurou os autos de Regulação das Responsabilidades Parentais,

4º E, apesar dos tempos conturbados que se viviam e ainda vivem (Covid19) nunca impediu que as visitas ocorressem!

5º A decisão Provisória, foi assertiva, permitindo que gradualmente a menor (pela idade: 9 meses) estabeleça os laços afectivos com o pai, tão imprescindíveis ao seu são e harmonioso desenvolvimento emocional e psicológico, o que deverá presidir a qualquer decisão.

6º A residência alternada, seria de extrema violência para a CC, na medida em que uma semana de afastamento da mãe, com a qual os laços estão perfeitamente sólidos, resultaria em consequências de difícil reparação e natural sofrimento para a menor.

7º A decisão provisória, não contrariou a Jurisprudência unânime que vigora quando existe discordância entre os progenitores quanto ao regime das regulações das responsabilidades parentais: ac. do TRL de 14/02/2015, proc. 1463/14.2TBCSC.L1-8; ac. do TRP de 28/06/2016, proc. 3850/11.9TBSTS-A.P1; ac. do TRG de 12/01/2017, proc. 996/16.0T8BCL-D.G1; e uma decisão singular/ /sumária do TRC de 04/04/2017, proc. 4661/16.0T8VIS-E.C1.

8º A Decisão Provisória, em pleno respeito pela lei, pela Jurisprudência dominante, e fundamentalmente atendendo à real e actual situação em concreto da menor, bem decidiu, ao não implicar uma quebra de rotinas de vivências que a menor já está habituada, que como se sabe, são fundamentais e desejáveis para um são desenvolvimento físico e psicológico.

9º Numa idade em que a criança ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida - como é o caso de uma criança desta idade - é do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o que não se mostra viável quando os progenitores mantêm uma relação conflituosa.

10º A residência alternada é incompatível com a necessidade de estabilidade e de uma rotina diária com regras simples e bem definidas de forma a permitir um crescimento harmonioso da menina.

11º Estando os progenitores em desacordo no tocante à residência da menor, bem esteve o Tribunal e a Ex.ma Senhora Procuradora do Ministério Público alegado e defendido ser junto da mãe o que mais releva para a criança.

12º Sendo provisória tal decisão, e estando assegurado um regime de visitas que permite assegurar o interesse da menor na criação/estabelecimento de estreitos laços afectivos com o pai, sem lhe partir a vida ao meio, esta Decisão não merece qualquer censura.

13º Provada, mesmo que perfunctoriamente, a existência de conflito pessoal entre os progenitores, a residência alternada não pode ser concedida logo em sede de decisão provisória, prolatada no âmbito do art. 38 do RGPTC.

14º É que o exercício conjunto das responsabilidades parentais e o duplo consentimento nas questões de particular importância distingue-se da chamada guarda conjunta ou da guarda alternada, (pelo que), na falta de acordo, e como princípio geral, não é legalmente admissível a guarda conjunta ou

15º A estabelecer-se a guarda partilhada e a manter-se em Sentença a proferir, iria a menor futuramente frequentar duas creches, duas escolas, ter orientações diversas nas várias entidades e ciclos sociais que eventualmente frequentará?

16º A guarda partilhada, sem que os progenitores tenham vivido juntos com os menores, em nada favorece a menor nos presentes autos, antes pelo contrário, só lhe trará, insegurança, destabilizando-a, arredando-conhecido e seguro e fixar um regime de residência alternada, parafraseando a citação da Ex.ma Sra Procuradora do M.P. seria de uma grande violência

17º Neste sentido ainda: Ac. do TRC de 06/10/2015, proc. 1009/11.4TBFIG-A.C1, diz que: Na falta de acordo, e como princípio geral, não é legalmente admissível a guarda conjunta ou partilhada, como parece resultar do art.1906/7 do CC.

Daí que autores, como Maria Clara Sottomayor, defendam que ficar submetido à guarda de pais, separados, durante a sema criança, a estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois não garante a colaboração poder paternal nos ca

18º Ac. do TRC de 27/04/2017, proc. 4147/16.3T8PBL-A.C1, 

 Tal decisão surge juridicamente justificada com o argumento nos casos em que ocorra uma grande cumplicidade e elevado entendimento entre os progenitores, que coloque o filho a salvo de disputas, mas também uma similitude de vinculações da criança a ambos os pais e uma adequada proximidade geográfica que não implique deslocações inúteis e morosas, com perda de contacto

19º  no que o caso dos autos não é excepção mas antes uma evidente e clara regra) não só a guarda conjunta ou residência alternada não se impõe como a salvaguarda do interesse das crianças até afasta a possibilidade de a ela se

20º O art. 1906º CC estabeleceu como regime regra, em caso de divórcio ou separação dos pais, o exercício em comum por ambos os progenitores quanto às questões de particular importância na vida do filho.

21º O exercício conjunto, porém, refere-se unicamente aos actos de particular importância, pois a responsabilidade pelos com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente art. 1906/3.

22º Uma passagem pela jurisprudência dos tribunais superiores permite-nos concluir ser posição dominante a admissibilidade da guarda compartilhada, inclusivamente por imposição do tribunal (ou seja, na falta de acordo entre os pais, porquanto ambos pretendem a residência exclusiva), colocando, contudo, como requisito que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os pais possam ser de algum modo amenizados [cfr., entre outros, ac. do TRC de 05/05/2009, relatado por Távora Vítor, e acs. do TRL de 17/12/2015, relatado por Anabela Calafate, de 13/12/2012, relatado por Rijo Ferreira, e de 28/12/2012, relatado por Ana Luísa Geraldes, embora este diga respeito unicamente à homologação de um acordo entre os progenitores que previa a guarda compartilhada].

23º E bem ponderou o Tribunal a quo, ao considerar que o mesmo até ao momento em nada contribuiu para o sustento da filha, rigorosamente nada!

24º O requerido/recorrente alega que ganha o salário mínimo, tem uma companheira e uma enteada de cinco anos a viver

25º crédito (ponto O) dos factos não indiciados.

26º Com tão parco rendimento, ou seja, salário mínimo, restam- as restantes despesas, suas, da sua companheira, da filha desta e pretende assumir a CC em regime de guarda partilhada.

27º Por aqui se vê que o recorrente, satisfaz as suas próprias necessidades e não tem condições de proporcionar o bem-estar a que a CC já está habituada junto da mãe e dos avós maternos.

28º Além de não ter condições afectivas, porque não as criou nem requereu junto de quem de Direito, o recorrente não reúne condições económicas para proporcionar o bem-estar físico e emocional de que a CC já usufrui no seio do agregado familiar de que faz parte desde que nasceu.

29º Sem que as condições económicas sejam relevantes para a atribuição ou não da guarda partilhada, mas é factor, o certo é que o progenitor não reúne as condições que permitam manter o mesmo nível de conforto que a CC está a usufruir.

30º A Decisão Provisória não violou qualquer disposição legal.  Termos em que , negando-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente e mantendo-se a Decisão Provisória , se fará a Costumada Inteira e Sã JUSTIÇA!»

II. Objeto do recurso.

As questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - A primeira questão respeita à impugnação da matéria de facto, questão que se mostra simples e, por isso, não se expõe neste ponto com mais pormenor.

2 - Em segundo lugar, cumpre verificar se devia ter sido fixado um regime de residência alternada.

3 - Em terceiro lugar cumpre analisar a questão do montante da pensão de alimentos.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

(i) Quanto ao facto «não indiciado» da alínea H) verifica-se que efetivamente não pertence a estes autos, pelo que será eliminado.

(ii) Relativamente ao facto «não indiciado» da alínea I), com este teor: «O requerido quer criar a sua filha CC.»

Não é inequívoco o que se pretende dizer com «…quer criar a sua filha CC».

Quer dizer que o pai pretende ter a filha na sua companhia? Que apenas a quer ver de vez em quando? Que não carece de lhe prestar alimentos?

Não se sabe.

Como não se sabe o que está incluído em «…quer criar a sua filha», isso mostra que estamos perante uma alegação factual complexa e não perante os factos simples do quotidiano e são estes que devem fazer parte da matéria de facto.

Por conseguinte, a questão colocada passa pela eliminação de tal alínea, o que será feito.

(iii) Quanto aos factos «não indiciados» das alíneas H) e L) devem passar para os factos indiciados porquanto constam das mensagens enviadas pelo Recorrente, por telemóvel, para a recorrida (cfr. fls. 24 verso e 25 do processo físico relativo ao presente recurso.

b) 1. Matéria de facto

1) A requerente e requerido mantiveram um relacionamento, de cuja relação nasceu uma filha, a saber CC, em .../.../2021.

2) A separação dos progenitores ocorreu poucos dias antes de a requerente saber que estava grávida, facto que comunicou de imediato ao requerido AA, após confirmação do exame laboratorial que lhe enviou por email.

3) Os pais da requerente têm contribuído para o pagamento das despesas com a criança.

4) Quando a CC nasceu, a requerente dirigiu-se à maternidade, sem avisar o requerido, pois o que pretendia era salvaguardar a sua tranquilidade e saúde mental, não sendo perturbada, de modo a ter um trabalho de parto e um parto tranquilos, o que de facto aconteceu.

5)  O parto seguiu-se, sem que a requerente desse conhecimento ao requerido do nascimento da filha.

6) Razão pela qual o requerido apenas conheceu a filha cerca de três semanas após o nascimento, no escritório da mandatária da requerente, pois os pais da requerente não autorizam a entrada daquele na sua casa.

7) A menor ficou a residir com a requerida que passou a viver com os pais e que lhe prestam apoio familiar nos cuidados a prestar à menor, porquanto a requerida retomou o trabalho, numa Farmácia ... em ..., que dista 8 Km (10 minutos) da morada da requerente.

8)  Os pais da requerente (o pai trabalha como pasteleiro no ... em ..., a mãe é dona de casa) proporcionam todo o conforto à neta, cuidando dela quando a Mãe está a trabalhar, a qual ainda amamenta, razão pela qual ainda não frequenta a creche.

9) A CC é acompanhada pela Pediatria do ... em ..., com regularidade, pagando por consulta o valor.

10) A requerente respondeu por mensagem só em 17/08/2021 assim: "Pretendes vir registar a menina, eu fui para registar e como não havia pai aquilo ficou em aberto, como queres fazer?"

11) A requerente foi registar a filha em 11 de agosto de 2021.

12) A requerente não permite que o requerido esteja com a CC sem a sua presença.

13) Para o que o requerido possa estar com a CC, precisa de fazer a viagem (de ida e volta) da ... a ....

14) A CC já tem 8 meses de idade e, nesta idade, começa a palrar, a sentar-se, a gatinhar e, eventualmente, até a pôr-se de pé.

15) O requerido tem perdido todos estes momentos especiais com a CC, não podendo presenciar e festejar com a filha todas as pequenas conquistas, porque a requerente obsta ao convívio entre ambos fora da sua presença.

16) Em termos de alimentação, iniciou-se já aos 6 meses de idade a redução do consumo de leite e a implementação da diversificação alimentar.

17) O requerido é trabalhador por conta da M..., S.A. desde 24/03/2008, exercendo a sua profissão de reparador de calçado, de 1.ª categoria, na ..., auferindo a retribuição de 706,76€.

18) O requerido e os demais elementos do seu agregado familiar residem numa casa com três quartos, sendo um para o casal, um para a DD e outro para a CC.

19) O quarto destinado à CC está devidamente mobilado e equipado para a receber, tendo o requerido decorado a divisão com muito carinho.

20) No Natal, o requerido fez a decoração de casa considerando a CC, apesar de a requerente se ter recusado a permitir que o requerido estivesse com a filha pelo menos nessa data festiva.

21) Além do apoio da companheira, o requerido conta ainda com o apoio da sua mãe, que vive a dois minutos de sua casa.

22) O requerido vive com a companheira e com a filha desta, DD, de 5 anos de idade.

23) O requerido nunca contribuiu para o sustento da CC.

24 – Perto da data prevista para o parto, o requerido questionou a requerente sobre como ela e a bebé estavam, em 29/07/2021, e para o informar se estava tudo bem, em 05/08/2021, mas a requerente não respondeu às mensagens

25 – Em 16/08/2021, o requerido voltou a enviar uma mensagem à requerente a insistir por uma resposta, inclusive para saber se a bebé já tinha nascido.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) A reação do requerido foi no sentido de repudiar tal facto, duvidando do resultado laboratorial (que a requerente lhe enviou) e no dia em que a requerente se apresentou perante ele para pessoalmente falarem sobre a gravidez, aquele negou a paternidade e exigiu que a requente fizesse outro teste de farmácia, para o que a obrigou a entrar dentro da sua viatura e a conduziu a alta velocidade para a Farmácia ... sita em ....

b) Como forma de atingir a requerente, nesse dia ligou ao pai da requerente informando a requerente ainda não sabiam da gravidez, pelo que o propósito do requerido foi o de chocar os pais com tal noticia.

c) Perante a constatação da gravidez, o requerido exigiu que a requerente abortasse, algo que é contra os seus princípios morais.

d) Ainda durante a gravidez (a requerente trabalhava como técnica de farmácia), em pleno período pandémico, terminou o contrato de trabalho e não foi renovado, ficando desempregada, pelo que, sem emprego e esperando a filha, resolveu regressar a casa de seus pais que a acolheram e prestaram todo o apoio necessário, o que se mantém até à presente data.

e) Os pais da requerente compraram mobília de quarto, roupas de cama e de banho e peças de vestuário a esta neta.

f) Do requerido, apenas contava com insultos, perturbações de vária ordem, exigências de assistir a consultas o que não era permitido atento os tempos que se viviam (pleno Estado de Emergência com as restrições sobejamente conhecidas).

g) Na primeira visita que o requerido fez à filha, levou uma caixa com duas chuchas.

Mais tarde ofereceu lhe um babete.

h) [Eliminada].

I) [Eliminada].

J) O requerido acompanhou a requerente à consultas durante a gravidez mas, a partir de certa altura, a requerente arranjou um namorado e a partir daí o requerido começou a receber menos informações sobre a gravidez.

K) [ Passou para os factos provados com o n.º 24].

L) [ Passou para os factos provados com o n.º 25].

M) A requerente não responde ao requerido sobre as consultas da criança, as questões médicas ou sequer a identidade do médico que segue a CC.

N) O requerido quer ir a essas consultas e acompanhar o desenvolvimento da sua filha, mas a requerente recusa-se e chegou mesmo a dizer que ela e a CC não querem nada dele.

O) Além dos encargos normais da vida familiar, tem ainda um encargo relativo a um crédito de uma mensalidade de

P) DD foi fixado um regime de guarda partilhada, ficando uma semana em casa da mãe e uma semana em casa do pai.

Q) A DD relaciona-se muito bem com o requerido e está muito feliz com a perspetiva de ter uma "irmã", a CC.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

(I) Vejamos então se deve ser fixado um regime de residência alternada.

1 - A Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, estabeleceu as condições em que o tribunal pode decretar a residência alternada do filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento dos progenitores, tendo dado nova redação ao n.º 6 do artigo 1906.º do Código Civil (aplicável ao caso dos autos por remissão do n.º 1 do artigo 1912.º do mesmo código), nestes termos:

«Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.»

O regime de residência alternada implica, por conseguinte, que um filho resida, por exemplo, uma semana, 15 dias, um mês ou outro período de tempo, com cada uns dos pais alternadamente, consoante as especificidades de cada caso concreto.

Na doutrina e jurisprudência são apontados benefícios e contraindicações a este regime.

Em teoria, em certos casos, a residência alternada pode ser mais benéfica para um menor que a residência exclusiva ou preponderante com um dos progenitores.

Afirma-se isto porque a residência alternada poderá ser a situação que mais se próxima daquela que existia quando os pais viviam juntos na mesma casa.

E será esta a situação que colhe preferência face ao preceituado no n.º 8 do artigo 1906.º do Código Civil onde se estabelece que «O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.»

De facto, na residência alternada o menor continuará a estar com ambos os pais por períodos prolongados e equivalentes e poderá continuar a estabelecer com eles relações de salutar intimidade, pois quanto mais elevada for a frequência dos contactos, melhor conhecimento recíproco existirá.

O próprio menor sentirá que pertence aos dois lares em igualdade de circunstâncias e não se sentirá em caso algum uma «visita» quando está com o outro progenitor e restantes pessoas do seu novo agregado familiar, agregado que é «forçado» a ter um «espaço» perene, reservado, para o menor em cada uma das casas e não um espaço sentido como «provisório» pelo menor ou tido como tal pelos outros elementos do agregado.

Acresce, como salienta Jorge Duarte Pinheiro, que «O modelo legal actual de exercício das responsabilidades parentais nos casos de progenitores que nunca viveram juntos, que se divorciaram ou se separaram, implica uma situação nitidamente desigualitária: em regra, é atribuída a maior parcela temporal do poder de decisão em actos da vida corrente do filho a um dos progenitores (o chamado “progenitor residente”) e, como se não bastasse, o outro (progenitor não residente), quando esteja temporariamente com o filho, está impedido de “contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente”.

A preferência devia ter recaído sobre o modelo de exercício unilateral alternado, com repartição paritária do tempo de exercício entre cada um dos progenitores. Deste modo seria assegurado o princípio da igualdade entre os progenitores (art. 36.º, n.º 5, da CRP); seria dado um contributo para criar uma cultura autêntica de partilha de responsabilidades entre eles (já que o modelo de exercício conjunto mitigado “onera” especialmente um dos progenitores); e seria feita uma tentativa para dar à criança dois pais, em vez de um só ou de um e meio (o modelo de exercício conjunto mitigado diminui, ou até anula, a posição de um dos pais)» - Direito de Família Contemporâneo, 5.ª Edição. Almedina, 2016, pág. 249.

Contra esta medida argumenta-se, essencialmente, que ela destrói as rotinas das crianças, pode ser causa de cansaço e desgaste para elas, que gera focos de tensão entre os pais devido à diversidade de diretrizes que podem dar aos filhos em questões de educação e outras quando estão com cada um dos progenitores.
[Como refere Maria Clara Sottomayor, os pontos positivos e negativos giram à volta destas questões: «A guarda conjunta física, implicando uma divisão da responsabilidade quotidiana pelos dois pais, evita a fadiga psicológica e emotiva geralmente sentida pela mãe, quando é a única a cuidar da criança e a exercer o poder paternal.
Diz-se ainda que a igualização dos direitos e responsabilidades dos pais diminui a conflitualidade e encoraja a cooperação entre estes, pois, deixa de haver um perdedor e um vencedor, o que reduz a tentativa de denegrir a imagem um do outro através de acusações mútuas. Por outro lado, mesmo que num período inicial subsista alguma conflitualidade entre os pais estes tendem, com a passagem do tempo, a ultrapassarem os seus conflitos, adaptando-se à nova situação e relacionando-se de uma forma pragmática.
Diferentemente, os opositores da guarda conjunta afirmam que esta, quando envolve alternância de residências, provoca à criança uma grande instabilidade, sensações de ansiedade e de insegurança. O contacto com ambos os pais é susceptível de gerar conflitos de lealdade na criança, tentativas de manipulação dos pais, problemas de disciplina, devido à exposição destes a diferentes modelos de educação e de estilos de vida. Alguns autores salientam ainda que a guarda conjunta física faz a criança viver uma fantasia de reconciliação dos pais, dificultando a sua adaptação ao divórcio daqueles» - Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, 6.ª edição. Almedina, 2014, págs. 253-254].

Sem dúvida que isto pode acontecer e quando se revelar nocivo para os interesses dos filhos não deve implementar-se a alternância de residências.

Mas só nestes casos é que existirão razões para não enveredar pela alternância de residências.

Concluindo, dir-se-á que a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais desde que tal situação sirva os interesses dos filhos e possa ser implementada, mesmo que não exista acordo dos pais, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes.

2 – Quanto ao caso dos autos cumpre referir que se mostra prematuro fixar um regime de residência alternada, pelas razões que a seguir se indicam.

A menor CC tem neste momento 11 meses.

Nesta fase da sua vida, a criança, como refere Myriam David, «Entregue à alegria da descoberta do seu “eu”, do mundo e da mãe, estabelece com eles uma relação activa e possessiva que voltaremos a encontrar em todos os campos da sua existência: motricidade, alimentação, relacionamento com o adulto. Deste modo, volta-se para novos prazeres, abandonando os antigos. Este período, que se situa aproximadamente entre os oito e os 14 meses, representa uma viragem no desenvolvimento da criança que, de passiva e “submissa”, se vai tornar “agente”. Mantém uma grande dependência em relação aos adultos, embora de uma forma diferente; o seu despertar afectivo torna-a “ávida” de contacto: já não se contenta em “receber”, procura, pede, exige. A sua avidez, as suas exigências encontram, forçosamente, determinados limites.

Começa então um lento processo de “separação” entre a criança e a mãe, que se manifesta simultaneamente plano alimentar, com o desmame, e no psicológico, quando a criança se torna mais consciente de que é distinta da mãe» - A Criança dos 0 aos 2 Anos (vida afectiva, problemas familiares). Lisboa, Editora Compendium, pág. 39

Verifica-se que a menor nunca viveu com o seu pai porque quando nasceu o seu pai e a sua mãe não coabitavam.

Dado este circunstancialismo e tanto quanto os factos enunciados na decisão sob recurso permitem concluir, os contatos entre pai e filha têm sido até ao momento reduzidos.

Isto implica que a menor não sinta o pai como uma pessoa que lhe seja próxima, familiar, no sentido de ela estar habituada ao contato com ele.

Ora, a formação da personalidade humana é influenciada de forma relevante nos primeiros anos de vida, porquanto esses são os anos em que ocorre um desenvolvimento psíquico acelerado em todas as suas vertentes, entre as quais a emocional, cognitiva e volitiva [Como referiu Francoise Dolto, «É com efeito entre o zero e os três anos que a vida da criança entre os pais se equilibra. Esse equilíbrio, ela adquire-o por vezes lentamente, segundo as circunstâncias. Mas há uma crise a atravessar para chegar às fases seguintes do seu desenvolvimento. Se não lhe forem asseguradas as condições necessárias ao seu desenvolvimento, arriscamo-nos a bloquear nela certos processos de crescimento» - A Criança e a Família (Desenvolvimento emocional e ambiente familiar). Editora Pergaminho, 1999, pág. 90.]

Cumpre, por isso, assegurar às crianças que estes primeiros anos decorram de modo que elas beneficiem de um ambiente no qual possam confiar sob todos os seus aspetos.

Ora, um dos aspetos que influenciam o sentimento de confiança tem a ver com a presença da mãe e do pai ou de quem desempenhe adequadamente idênticas funções e restante rotina diária.

Daí que, como refere Berthe Reymond-Rivier, a ausência da mãe da criança a afete negativamente.

Diz esta autora:

«As principais teses de Bowlby, que formulou uma verdadeira teoria da separação, podem resumir-se no seguinte:

1. A partir dos seis meses até aos três ou quatro anos, qualquer separação da mãe, mesmo breve, representa uma experiência traumatizante. Contrariamente à opinião de Spitz, o primeiro ano não é mais crítico do que os outros.

2. No decurso da separação (no caso de boas relações com a mãe e na condição de não ter havido separação anterior), o comportamento da criança passa por três, fases que Bowlby intitula de: protesto, desespero, desapego.

3. A aflição da criança é idêntica, no conteúdo e nas manifestações, à dor do adulto, abalado pela perda de um ente querido.» - O Desenvolvimento Social da Criança e do Adolescente, Editorial Aster, Lisboa-1983, pág. 45.

Ou seja, nestas idades precoces a alteração abrupta do ambiente em que a criança vive é traumatizante porque a criança só sente a privação de algo a que estava habituada, sendo incapaz de racionalizar a situação porque não tem ainda capacidade para compreender a razão de ser das alterações que experimenta.

Como referiu a mesma Autora, «A fase inicial de protesto pode “começar imediatamente ou ser diferida; a sua duração vai de algumas horas a uma semana ou mais”. A criança reclama a mãe com choro e acessos de cólera, utiliza todos os meios de que o dispõe para a fazer regressar; todo o seu comportamento indica que ela espera pelo seu regresso.

Durante a segunda fase, esta esperança vai sendo abandonada progressivamente e a criança cai num estado de profunda aflição. Torna-se passiva, chora silenciosamente, deixa de solicitar o meio circundante e ensimesma-se. Como esta é uma fase tranquila, comparada à precedente, nota Bowlby, julga-se por vezes, e muito mal que o abatimento se atenua.

A fase de desapego pode suscitar uma interpretação ainda mais errada: o interesse que a criança recomeça a prestar ao meio circundante, pessoas e coisas, é enganoso e dá azo a interpretá-lo como sinal de cura. Ora, quando a mãe a vem visitar ou buscar passa-se algo de estranho, pois a criança, longe de festejar o regresso da mãe, permanece indiferente, parecendo até não a reconhecer» - Ob. cit. pág. 46.

Ora, como em matéria de relações humanas, mesmo em idades precoces, as situações tanto podem seguir um padrão como afastar-se dele, não é previsível se, neste caso, uma separação da mãe por dois ou três dias, uma semana, por exemplo, poderá ser ou não traumatizante e nociva ao desenvolvimento emocional da criança, mas segundo os padrões, não será positiva.

Concluindo.

Tendo a criança onze meses de idade; não tendo existido coabitação entre os progenitores, nem contatos frequentes entre a criança e o pai, a separação entre a criança e a mãe, para que possa conviver com o pai, deve fazer-se de modo gradual, dilatando-se progressivamente o tempo de ausência em relação à mãe e ao ambiente familiar que conhece, sendo desaconselhável, por isso, neste momento, a fixação do regime de residência alternada.

Improcede, pelo exposto, esta pretensão recursiva do Recorrente.

(II)  Quanto ao montante da pensão de alimentos.

A pensão de alimentos fixada a cargo do pai é provisória.

O tribunal fixou-a em 120,00 euros mensais, mais metade das despesas com saúde, escolares e extracurriculares.

O recorrente pretende que a pensão seja fixada em 100,00 euros mensais.

Verifica-se que o pai da menor aufere por mês 706,76 euros; vive em união de facto com uma companheira e uma filha desta com 5 anos de idade.

Face aos elementos constantes do processo a mãe da menor recebeu de salário, em março de 2022, a quantia 1.058,34 euros.

Não procede a pretensão do recorrente devido ao facto do processo não conter elementos factuais suficientes para concluir que a pensão deve ser fixada nos pretendidos 100,00 euros e, por outro lado, não se mostra desproporcionada a pensão fixada pelo tribunal.

Cumpre conhecer com algum pormenor as despesas e receitas de cada um dos progenitores, bem como as despesas da menor e depois, sim, poderá efetuar-se uma análise que estabeleça, dentro do possível, uma situação de igualdade entre ambos no que respeita ao sustento da menor.

Improcede, pelo exposto, esta pretensão do Recorrente

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


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Coimbra, …