RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SINISTRO
SEGURADORA
COMUNICAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - É sobre o segurado, e não sobre o lesado, que recai a obrigação de comunicar à sua seguradora o sinistro a que deu causa, no mais curto prazo de tempo possível, nunca superior a oito dias a contar do dia da ocorrência;
II - No âmbito da responsabilidade civil automóvel, tendo em vista a pronta decisão quanto à assunção de responsabilidade pela reparação do prejuízo, deve a empresa de seguros adoptar, entre outros, os seguintes procedimentos: a) efectuar o primeiro contacto com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar; b) concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior; c) comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo referido na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;
III - Da eventual omissão da obrigação, por parte da segurada da ré, de participar o sinistro nunca poderia advir qualquer consequência negativa para a autora lesada;
IV – Para a determinação do quantum da indemnização devida pela privação do uso da viatura sinistrada, deve ser considerado como dano indemnizável o custo suportado pela lesada com o aluguer de uma viatura de substituição.

Texto Integral

Processo n.º 1301/20.7 T8GDM.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Gondomar (Juiz 1)


Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. Configuração da acção
Em 13 de Maio de 2020, “Y..., Lda”, intentou no Juízo Local Cível de Gondomar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum (distribuída ao Juiz 1) contra “COMPANHIA DE SEGUROS A... PORTUGAL, S.A.”, na qualidade de representante em Portugal da sua congénere holandesa “A... HOLANDA”, peticionando a sua condenação a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de €15.502,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
A indemnização peticionada visaria reparar danos patrimoniais que alega ter sofrido nas seguintes circunstâncias:
No dia 9 de Maio de 2018, pelas 13h20, na Via ..., cidade ..., Itália, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos, ambos pesados de passageiros (vulgo “autocarros”), das marcas “VDL”, modelo ..., com a matrícula ..-PN-.., pertencente à autora, e “MAN”, matrícula ..-BFT-., propriedade da empresa “V...”, com sede na ..., que transferira para “A... HOLANDA” a sua responsabilidade civil por danos decorrentes de sinistros rodoviários em virtude da circulação desta sua viatura.
O acidente aconteceu quando o seu veículo “VDL” estava estacionado num parque e foi abalroado pelo veículo “MAN” quando o seu condutor manobras de estacionamento.
A “A... Holanda” assumiu a responsabilidade pelo sinistro por ter admitido que este ocorreu por culpa do condutor do veículo da sua segurada.
Nesse contexto, foi-lhe comunicado formalmente que assumiria os custos da peritagem do veículo (€80,00), da reparação dos danos nele causados (€2.227,50) e da sua paralisação (€806,88).
A Autora não concordou com o valor da reparação do dano decorrente da paralisação da sua viatura pelo que o contestou.
Para poder continuar a prestar os serviços próprios do seu giro comercial aos seus clientes/operadores turísticos, teve de alugar um veículo de características idênticas ao seu e pelo aluguer pagou à locadora “R..., Unipessoal, L.da”, as quantias de:
a) €7125,00 + IVA, totalizando €7.552,00, pelo período de 13 a 31 de Agosto de 2018;
b) €7.500,00[1]+ IVA, totalizando €7.950,00, pelo período de 1 a 20 de Setembro de 2018;
É esse montante, acrescido de juros de mora, que entende ser-lhe devido e cujo pagamento peticiona.
2. Oposição da ré
Citada, a ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.
Confirma a ocorrência do sinistro e a assunção da responsabilidade civil pelos danos dele resultantes.
O acidente ocorreu em 09.05.2022, mas a autora só o participou à ré em 16.08.2018 e depois de o seu veículo “não ter passado” na inspecção periódica.
Nesse período, a ré manteve a viatura sinistrada a circular e para a sua reparação eram necessários, apenas, quatro dias.
Por outro lado, a autora submeteu o seu veículo à inspecção periódica em 10/08/2018 e desta resultou a necessidade de se proceder à reparação das luzes traseiras direitas, mas que podia circular até ao dia 10/09/2018, momento em que o veículo tinha de ser inspeccionado novamente, para aquilatar se as reparações necessárias tinham sido efectuadas.
Por isso, não entende e muito menos aceita que a autora venha reclamar hipotético aluguer de uma viatura de 13/08/2018 a 31/08/2018 quando durante todo esse período o veículo podia circular e de 01/09/2020 a 20/09/2020 quando o veículo poderia, num curto espaço de 4 dias, ser reparado.

3. Saneamento e condensação
Tendo dispensado a realização de audiência prévia, a Sra. Juiz fixou o valor da causa (em €17.546,84), proferiu despacho saneador tabelar, fixou o objecto do processo e enunciou os temas de prova, sem reclamações, admitiu a produção dos meios de prova indicados pelas partes e foi logo designada data para a audiência final.

4. Audiência final e sentença
Em 17.05.2021, realizou-se a audiência final, em uma só sessão, após o que, com data de 06.08.2021, foi proferida sentença[2] com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, nesta conformidade
- condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €62,46 (sessenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos) a título de juros de mora devidos;
- condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.412,04 (mil, quatrocentos e doze euros e quatro cêntimos) para ressarcimento do dano de privação do uso do veículo, acrescida de juros de mora à taxa legalmente fixada para os juros civis em cada momento devidos, desde a data de 26/03/2019 até integral e efetivo pagamento;
- absolve a Ré do demais peticionado pela Autora.»

5. Impugnação da sentença
Inconformado com a sentença, em 12.10.2021, a autora dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que condensou nas seguintes conclusões:
«1º O recurso interposto deve ser deferido, alterando-se a douta sentença no que se refere aos factos dados como provados.
2º Salvo o devido respeito, que é muito, afigura-se que a douta sentença proferida não poderá ser mantida, devendo ser proferido acórdão que revogue a mesma nos termos que infra se descreverá, com a condenação da Ré nos termos peticionados na petição inicial.
3º Entendemos que deveria ter sido dado como provado o teor do art.15º da petição inicial, com base na atrás aludida prova testemunhal, que passaria a constar dos factos dados como provados com o seguinte teor:
“dd) O relatório de avaliação foi efectuado em 17 de Agosto de 2018, tendo a Autora realizado o mesmo uma vez que a seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos arrastava o ressarcimento dos mesmos e a responsabilidade pelo pagamento.”
4º Entendemos que deveria ter sido dado como provado o teor do art. 16º da petição inicial, com base na atras aludida prova testemunhal, que passaria a constar dos factos dados como provados com o seguinte teor:
“ee) O veiculo em causa estava impedido de circular.”
5º Entendemos que deveria ter sido dado como provado o teor do art. 33º da petição inicial, com base na atras aludida prova testemunhal, que passaria a constar dos factos dados como provados com o seguinte teor:
“A Autora, por forma a não ter mais prejuízos, logo que pôde efectuou a suas expensas a reparação do veiculo sinistrado, tendo o mesmo ficado pronto para circular no dia 21 de Setembro de 2018”.
6º Igualmente entendemos que o facto da alínea j) deveria ter sido dado como provado de forma distinta, atenta a aludida prova testemunhal, passando a constar que “O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e foi reclamado pela Autora no dia 21/07/2018 à Ré.”.
7º Igualmente entendemos que o facto da alínea s) não poderia ser dado como provado desde logo porquanto o mesmo, na sua formulação abstracta, não identifica quais os “elementos necessários ao pagamento do valor da reparação e custo da peritagem”.
8º Entendemos, assim, em suma que a decisão de facto deveria ser alterada nos termos antes expostos.
9º Toda a construção jurídica da douta sentença recorrida assenta num errado pressuposto que é a data em que a Autora participou o sinistro.
10º Ora, a Autora não participou qualquer sinistro, nem tinha de o fazer.
11º A Autora, em face da inexistência de regularização do sinistro, apresentou reclamação através do seu mediador e seguradora junto Ré.
12º A Ré não demonstrou que inexistiu atraso da sua parte.
13º Não tendo afastado a sua responsabilidade demonstrado que o seu segurado cumpriu com as obrigações legais e contratuais de participar o sinistro para que o mesmo pudesse ser regularizado.
14º O sinistro apenas foi regularizado atenta a actividade e insistência da Autora.
15º A posição sustentada na douta sentença recorrida apenas faria sentido se a obrigação legal e contratual de participação do sinistro fosse da Autora.
16º Teremos, assim, que a douta sentença recorrida terá de ser revogada nesta parte, considerando-se que existe responsabilidade da Ré no atraso da regularização do sinistro, por falta do seu segurado, tendo de responder pelos prejuízos assim causados.
17º A douta sentença recorrida ultrapassa nas suas considerações e fundamentação os factos provados e o senso comum, presumindo factos (exercício pela Autora de reparação de veículos pesados, bem como que a reparação do veículo sinistrado se resumia a uns míseros euros e umas luzes) que não têm qualquer estribo nos autos.
18º No que se refere à existência de indemnização pela privação do uso do veículo a mesma tem de existir nos termos em que foi peticionado na acção.
19º Incumbia à Ré a obrigação de proporcionar à Autora o aludido veículo, conforme decorre da legislação aplicável (art. 42º do DL. 291/2007):
20º Não tendo proporcionado tal veículo de substituição – em nenhuma comunicação se afere tal indicação – terá de indemnizar no valor peticionado e que corresponde ao montante do aluguer pago por outro veículo nos períodos indicados nos autos recorridos.
21º Devendo ser proferido douto acórdão que decida nessa conformidade.
22º A douta sentença recorrida viola, assim, o disposto nos arts. 156º, 659º, 660º do Código de Processo Civil, art. 42º do DL. 291/2007 e arts. 100º e 101º do Decreto-Lei n.º 72/2008.
23º Deve, assim, ser proferido acórdão que revogue a douta sentença proferida e que determine a total procedência da acção interposta contra a Recorrida».
Pede que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene a ré no pedido.
A ré contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.
O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo) por despacho de 06.12.2021.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Importa frisar este ponto: são as conclusões que balizam os limites da intervenção do tribunal ad quem.
A recorrente impugna a decisão da matéria de facto por entender que o tribunal errou, quer por ter feito incorrecta avaliação da prova produzida, quer por ter ignorado (ou não se ter pronunciado sobre) factos que, na sua óptica, são relevantes para a decisão da causa.
Em matéria de direito, sustenta que na sentença recorrida fez-se errada interpretação e aplicação da lei, mormente das normas dos artigos 100.º e 101.º do Dec. Lei n.º 72/2008 e do artigo 42.º do Dec. Lei n.º 291/2007.
São, assim, questões a apreciar e decidir:
- se o tribunal a quo fez incorrecta apreciação e valoração da prova, assim incorrendo em erro de julgamento quanto à matéria de facto, impondo-se uma alteração da decisão;
- repercussão de uma eventual alteração factual na solução jurídica do caso ou se, independentemente de qualquer modificação do quadro factual a ter em conta, deve ser diverso o seu enquadramento jurídico.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância deu por assente, bem como a que considerou não provada.
A) Factos provados
a) No dia 9 de maio de 2018, pelas 13h 20m, na Via ..., ..., Itália, ocorreu um acidente de viação entre o veículo marca MAN com a matrícula ..-BFT-., propriedade da empresa V..., com sede na ..., Holanda e; o veículo de marca VDL, modelo ..., com a matrícula ..-PN-.. (artigo 4.º da petição inicial).
b) O veículo de marca VDL, modelo ..., com a matrícula ..-PN-.. é propriedade da Autora.
c) Ambos os veículos são pesados de transporte de passageiros (autocarros).
d) O acidente verificou-se porquanto estando o veículo propriedade da Autora aparcado no parque do restaurante M... foi o mesmo abalroado pelo veículo propriedade da empresa V... que se encontrava a efetuar manobras de estacionamento.
e) Na sequência do embate foram produzidos danos no veículo propriedade da Autora.
f) Na data referida em a) o risco de circulação automóvel do veículo com a matrícula ..-BFT-. encontra-se transferido para a empresa de seguros A... Holanda por meio de contrato de seguro válido e eficaz.
g) A empresa de seguros referida em f) assumiu a responsabilidade pelo sinistro.
h) O veículo da Autora ficou danificado na retaguarda designadamente no seu para-choques, farol e lateral direita.
i) Por causa dos danos referidos em h) o veículo da Autora ficou sem condições de circular.
j) O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e foi participado no dia 16/08/2018 à Ré.
k) A Autora pagou o relatório de avaliação dos danos ao seu veículo sinistrado, realizado em 20 de agosto de 2018, pedido no dia 17 de agosto de 2018.
l) A peritagem foi realizada no dia 20/08/2018 e ficou concluída no dia 22/08/2018.
m) Na peritagem ficou fixado o prazo de 4 dias para a reparação do veículo.
n) Em 10 de setembro de 2018 a Ré comunicou à Autora que “Reportamo-nos ao processo com referência em epígrafe no qual agimos em representação da nossa correspondente A... Holanda. Serve a presente para informar que a nossa correspondente se encontra a assumir a responsabilidade pelo presente sinistro. Deste modo, solicitamos o envio de documentação de suporte do controlo de danos, da reparação do mesmo e do pagamento do montante em causa. Ademais, para que possamos liquidar o valor orçamentado sem IVA, pedimos o envio da DUA e comprovativo das coordenadas bancárias. Relativamente ao pedido de indemnização pela imobilização do veículo solicitamos também o envio de cópia da licença comunitária de transporte”.
o) Em 23 de novembro de 2018 a Ré comunicou à Autora que “Reportamo-nos ao processo com referência em epígrafe no qual agimos em representação da nossa correspondente A... Holanda. Serve a presente para informar que a nossa correspondente se encontra a assumir a responsabilidade pelo presente sinistro. Deste modo, solicitamos o envio de documentação de suporte do controlo de danos, da reparação do mesmo e do pagamento do montante em causa. Ademais, para que possamos liquidar o valor orçamentado sem IVA, pedimos o envio da DUA e comprovativo das coordenadas bancárias. Relativamente ao pedido de indemnização pela imobilização do veículo solicitamos também o envio de cópia da licença comunitária de transporte (….) Reiteração da carta enviada em data 10-09-2018”.
p) Em 31 de dezembro de 2018 a Ré comunicou à Autora que “Reportamo-nos ao processo com referência em epígrafe no qual agimos em representação da nossa correspondente A... Holanda. Serve a presente para informar que a nossa correspondente se encontra a assumir a responsabilidade pelo presente sinistro. Deste modo, solicitamos o envio de documentação de suporte do controlo de danos, da reparação do mesmo e do pagamento do montante em causa. Ademais, para que possamos liquidar o valor orçamentado sem IVA, pedimos o envio da DUA e comprovativo das coordenadas bancárias. Relativamente ao pedido de indemnização pela imobilização do veículo solicitamos também o envio de cópia da licença comunitária de transporte (….) Reiteração da carta enviada em data 23-11-2018”.
q) Em 26 de março de 2019, a Ré comunica ao representante da Autora “Somos a solicitar a V. Exa. que nos enviem explicação de todos os valores a liquidar, no presente processo. A nosso Correspondente já assumiu a responsabilidade do seu segurado. Pretendemos liquidar a peritagem, reparação e imobilização do veículo do V. Segurado”.
r) Em 27 de março de 2019, a Ré comunica ao representante da Autora “Somos a informar V. Exa. que, de acordo com a Legislação Francesa e indicação do nosso Correspondente A... Alemanha, por conta de quem os encontramos a regular o presente sinistro, liquidaremos os seguintes valores: - Custo com a peritagem 80,00 Eur; - Custo com a Reparação 2.227,50 Eur; - Paralisação 806,88 Eur (veículo com mais de 32 lugares 201,72 Eur*dias de imobilização para reparação”).
s) A Autora enviou os elementos necessários para o pagamento do valor da reparação e do custo da peritagem à Ré no dia 25/03/2019.
t) Em 28 de novembro de 2019 a Ré procedeu ao pagamento da quantia global à Autora de €2.307,50 para reembolso da quantia despendida com a reparação do veículo automóvel da Autora e com o custo da avaliação dos danos.
u) A Autora necessitava do seu veículo sinistrado para a sua atividade, acabando por proceder à reparação a suas expensas, aguardando o posterior reembolso.
v) O veículo da Autora foi reparado em 21 de setembro de 2018.
w) A Autora exerce a atividade de transporte público rodoviário de passageiros, nacional e internacional; manutenção e reparação de automóveis ligeiros e pesados, motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos; manutenção e reparação de roulottes e quaisquer atrelados; comércio por grosso e a retalho de automóveis, motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos, novos e usados, de suas peças e acessórios; aluguer sem condutor de motociclos, ciclomotores, triciclos e quadriciclos (todos os veículos referidos poderão ser de motor de explosão, elétrico ou híbrido).
x) No âmbito do seu giro comercial a Autora executa para outros operadores turísticos circuitos e serviços de transporte por toda a Europa, utilizando autocarros seus.
y) A Autora recebeu uma proposta para efetuar serviços de transporte no estrangeiro entre 2 de agosto e 23 de agosto de 2018 e para o mês de setembro de 2018.
z) A Autora declarou tomar de aluguer à R..., Unipessoal Lda., o veículo de marca Mercedes-Benz, modelo ..., com a matrícula ..-DR-.., Chassis n.º ..., de 56 lugares, pelo valor mensal de €11.250,00, por contrato de aluguer documentado a escrito, datado de 13/08/2018.
aa) A R..., Unipessoal, Lda. emitiu à Autora a fatura n.º ..., com a data de emissão aposta de 21/09/2018, com o valor aposto de €7.950,00, com a descrição: Aluguer de Autocarro com a matrícula ..-DR-.. para efetuar transportes na Europa nos dias 01 a 20 de setembro de 2018.
bb) A R..., Unipessoal, Lda. emitiu à Autora a fatura n.º ..., com a data de emissão aposta de 21/09/2018, com o valor aposto de €7.552,50, com a descrição: Aluguer de Autocarro sem motorista, marca Mercedes-Benz, com a matrícula ..-DR-.. para efetuar serviços no estrangeiro, Europa nos dias 13 a 31 de agosto de 2018 (artigo 45.º da petição inicial).
cc) O veículo da Autora tinha de ser submetido à inspeção periódica até ao dia 10/09/2018, todavia, a Autora apresentou-o à inspeção periódica em 10/08/2018 que ficou reprovado por “Fixação deficiente da luz de presença à retaguarda no lado direito. Não funcionamento de uma luz de travagem no lado direito. Fixação deficiente da luz de travagem do lado direito. Fixação deficiente da luz indicadora de mudança de direção à retaguarda no lado direito com funcionamento deficiente
(….) Próxima reinspecção até: 2018.09.10 O veículo deve ser apresentado neste centro até à data limite indicada para verificação da reparação efetuada.

*
O recorrente que pretenda impugnar, com sucesso, a decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, tem de cumprir (“sob pena de rejeição”) vários ónus de especificação (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil):
- dos concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, obrigação que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida[3];
- das concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão[4];
- da decisão (diversa da recorrida) que, na sua óptica, se impõe quanto a cada um dos pontos de facto que considera mal julgados.
Além disso, o recorrente tem de expor a(s) razão(ões) por que, na sua perspectiva, as provas impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se-lhe que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado e que explicite os motivos dessa imposição. É essa explicitação que constitui o cerne do dever de especificação.
O artigo 662.º, n.º 1, do CPC põe a cargo da Relação o dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto sempre que «os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» e este preceito (em conjugação com o artigo 640.º, n.º 1) tem sido interpretado no sentido de que, por um lado, à segunda instância não cabe proceder à reapreciação da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, pois duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso, e por outro que, se não basta que as provas, simplesmente, permitam, ou até sugiram, conclusão diversa daquela que foi a conclusão probatória a que se chegou na primeira instância, também não se exige um erro notório, ostensivo na apreciação da prova para que a Relação deva proceder à alteração desse segmento da decisão.
Procurando precisar estas asserções sobre os poderes deste tribunal de recurso, quando à Relação se pede o reexame da matéria de facto, tal reponderação envolve um julgamento parcelar, de via reduzida, mas que não dispensa, nem a análise dos factos, nem a crítica do mérito ou demérito dos vários meios de prova (a razão por que uns são credíveis e outros não) que alicerçam a convicção probatória posta em crise com a impugnação da decisão de facto.
Por outro lado, a reapreciação (parcelar) da matéria de facto requer (sempre nos limites traçados pelo objecto do recurso) a reponderação especificada, um juízo autónomo da força e compatibilidade probatória das provas que serviram de suporte à convicção, formada na primeira instância, relativamente aos factos impugnados, e por isso é fundamental que o recorrente especifique as concretas provas (constantes do processo ou que nele tenham sido registadas) que impõem decisão diversa da recorrida, ónus que se cumpre com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe outra decisão[5].
É nesse sentido que se pronunciam A. S. Abrantes Geraldes, P. Pimenta e L. F. Pires de Sousa (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 796) quando escrevem, em anotação ao artigo 662.º, que «nas situações mais frequentes e mais complexas em que a modificação da decisão da matéria de facto esteja dependente da reapreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação, a Relação apenas intervém quando o recorrente tiver cumprido o triplo ónus de impugnação, nos termos definidos pelo art. 640.º» e que «em tais circunstâncias e dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos e livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais».
Nas conclusões da alegação recursiva, os concretos pontos de facto que a recorrente considera mal julgados estão devidamente especificados e são os seguintes:
j) O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e foi participado no dia 16/08/2018 à Ré.
s) A Autora enviou os elementos necessários para o pagamento do valor da reparação e do custo da peritagem à Ré no dia 25/03/2019.
Quanto ao facto da alínea j), entende a recorrente que deveria ter a seguinte formulação:
“O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e foi reclamado pela Autora no dia 21/07/2018 à Ré.”.
Como, facilmente, se constata, a divergência está na data e na utilização do vocábulo “participado” porque a recorrente entende - com inteira razão, como adiante melhor se explicitará - que não participou, nem tinha que participar, qualquer sinistro.
Na sentença recorrida está assim justificada a decisão quanto a esse facto:
«Quanto ao facto provado j), o Tribunal ancorou-se no documento junto aos autos a fls. 73 que consubstancia a reclamação do sinistro em causa e, que foi confirmado pela testemunha AA, que na qualidade de mediador de seguros e funcionário da empresa X... no âmbito do seguro celebrado pela Autora para assegurar o risco de circulação do seu veículo automóvel, tratou da participação deste sinistro».
Na realidade, o aludido documento (email dirigido à ré) não é uma participação do acidente[6], mas uma reclamação apelando para «uma resolução célere do presente assunto» e para que fosse agendada «a peritagem ao veículo em questão tão breve quanto possível.»[7]
Na linguagem própria do meio, reclamava-se a “regularização do sinistro” tão breve quanto possível.
Além disso, a testemunha AA, da empresa mediadora de seguros de que a autora é cliente e que revelou ter perfeito conhecimento do caso porque fez diligências para tentar acelerar um processo que, normalmente, é moroso por envolver seguradoras de mais que um país (no caso, Itália e Holanda), prestou um depoimento objectivo, cristalino e esclarecedor.
Na passagem que para aqui interessa, afirmou que, face à necessidade que a “Y..., Lda” tinha de ver resolvido o processo do acidente por ter várias solicitações para prestar serviços próprios da actividade a que se dedica e porque uma das obrigações que a mediadora assume é dar apoio aos clientes nestas situações, logo em 21 de Julho de 2018 foi digitalizada a “declaração amigável de acidente” e remetida para a “A... Itália”, o mesmo sucedendo no dia 24 de Julho de 2018 para a “A... Holanda”.
Por isso, impõe-se a alteração pretendida na formulação do conteúdo daquela alínea, que passará a ser o seguinte:

«j) O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e a autora, por intermédio do seu mediador de seguros, logo no dia 24 de Julho de 2018, remeteu para a representada da ré a “declaração amigável de acidente” e, no dia 16.08.2018, dirigiu-se à Ré a reclamar “a resolução do assunto tão breve quanto possível”».

Relativamente ao conteúdo da alínea s), a recorrente pretende a sua eliminação, pura e simples, do elenco de factos provados «porquanto o mesmo, na sua formulação abstracta, não identifica quais os “elementos necessários ao pagamento do valor da reparação e custo da peritagem”» (conclusão 7.ª), mas sem razão.
Na motivação da sentença recorrida, esse facto está alicerçado «no documento junto aos autos a fls. 77 que consubstancia a comunicação da Autora à Ré com o envio dos elementos solicitados.»
Em bom rigor, a recorrente não impugna esse facto, censura a sua “formulação abstracta”. Porém, com aquela formulação, qualquer pessoa percebe que se refere aos documentos (orçamento, facturas, dados bancários) que serviriam de suporte ao pagamento que a ré iria efectuar e não vemos que fosse imprescindível especificar esses elementos documentais.
Neste ponto, improcede a impugnação.
A recorrente pretende, ainda, que sejam aditados ao elenco de factos provados o alegado nos artigos 15.º, 16.º e 33.º da petição inicial e propõe que esses factos fiquem assim formulados:
«dd) O relatório de avaliação foi efectuado em 17 de Agosto de 2018, tendo a Autora realizado o mesmo uma vez que a seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos arrastava o ressarcimento dos danos e a responsabilidade pelo pagamento.»
«ee) O veículo em causa estava impedido de circular»
«ff) A autora, por forma a não ter mais prejuízos, logo que pôde, efectuou a suas expensas a reparação do veículo sinistrado, tendo o mesmo ficado pronto para circular no dia 21 de Setembro de 2018»
A prova que imporia essa decisão seria o depoimento da testemunha AA e, quanto ao segundo facto, também as declarações de parte do legal representante da autora/recorrente.
Na decisão recorrida, justifica-se a omissão de pronúncia sobre o alegado em vários artigos, quer da petição inicial, quer da contestação, ou por «não se tratar de factos» (seria o caso do alegado no artigo 33.º da p.i.), ou por serem meros juízos conclusivos ou, ainda, por serem matéria de mera impugnação.
Porém, o alegado nos artigos 15.º e 16.º da p.i. não é referido a nenhuma dessas categorias e o artigo 33.º desse articulado[8] contém mesmo a narração de um facto.
Para se ajuizar do mérito da impugnação da decisão de facto e definir se é de incluir esses factos no elenco dos provados, é conveniente começar por uma breve incursão em matéria de direito.
Não se discute nesta acção a responsabilidade pela ocorrência do acidente, pois a ré admitiu que foi o condutor do veículo da sua segurada quem, culposamente, causou os danos na viatura da autora. Tão pouco se questiona a existência de um dano indemnizável concretizado na privação do uso da viatura da autora, decorrente da sua paralização em virtude dos danos sofridos no acidente.
Controvertida é a amplitude desse dano, pois as partes divergem quanto ao tempo de privação do uso da viatura que há-de relevar para este efeito.
A ré alegou que a autora só em 16.08.2018 lhe participou o sinistro e no dia seguinte solicitou a uma oficina por si escolhida a avaliação dos danos (“peritagem”) causados na sua viatura, imputando-lhe a culpa num eventual agravamento do prejuízo e invocando o disposto no artigo 570.º do Código Civil para recusar o pagamento de uma indemnização pela privação do uso que fosse para além do estritamente necessário à sua reparação (quatro dias).
A recorrente censura a sentença recorrida porque o tribunal assenta a construção jurídica efectuada «num errado pressuposto que é a data em que a Autora participou o sinistro» e argumenta que «não participou qualquer sinistro, nem tinha de o fazer» e foi por insistência sua (reclamação apresentada através da sua mediadora de seguros) que o sinistro foi (em parte) “regularizado” (conclusões 9.ª a 15.ª).
A censura é inteiramente justificada, pois na fundamentação da sentença opera-se como que uma inversão de papéis, dando-se por adquirido que era a autora quem tinha que participar à ré o acidente e culpando-a pela demora na participação, como, claramente, decorre das seguintes passagens:
«A Autora não pode alegar que a Ré arrastava o ressarcimento dos danos, pois resultou provado que:
- o sinistro apenas foi participado à Ré no dia 16 de agosto de 2018, tal como resulta do documento junto aos autos a fls. 73 e, confirmado pela testemunha arrolada pela Autora, AA, mediador do seguro da Autora com quem esta tratou desta reclamação, por isso, a Autora não poderia ignorar que apenas foi feita a reclamação à Ré no dia 16 de agosto de 2018;
- a avaliação de danos foi feita no dia 17 de agosto de 2018, conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 26/verso;
- logo, a Autora não pode dizer que a Ré andava a arrastar, pois em 17 de agosto a Autora nada arrastava, uma vez que apenas lhe foi comunicado o sinistro no dia anterior.»
E mais adiante:
«As consequências da conduta adotada pela Autora ao alugar o autocarro nos termos e circunstâncias expostas assume uma proporção tal, demonstrada no desequilíbrio gritante entre o custo da reparação e o custo do aluguer, que implica que esta conduta é merecedora de censura que justifica a redução da obrigação de indemnizar por parte da Ré ao mínimo indispensável, nos termos do citado artigo 570.º. Ao que acresce os próprios pedidos formulados pela Autora e supra identificados.
No caso dos autos, são sete dias de privação do uso do veículo: 4 dias necessários para reparação do veículo, tal como ofereceu a Ré e; ainda, 3 dias em que esteve imobilizado para a realização da peritagem, tal como resulta do facto provado l). A Autora propôs o quantitativo diário de € 201,72, que o Tribunal naturalmente aceita.»
A fundamentação da decisão é tanto mais surpreendente quanto é certo que a lei é expressa e perfeitamente clara a este respeito.
Quem sofre um prejuízo causado por outrem não tem que andar atrás do lesante ou do responsável pela sua reparação como que a mendigar algo que é um direito seu: o direito a ser ressarcido do prejuízo que lhe foi causado.
Havendo contrato de seguro, é à empresa de seguros que cabe diligenciar pela pronta reparação e, desde logo, decidir se assume a responsabilidade pelo pagamento da indemnização ao lesado.
A recorrente invoca, a propósito, as normas dos artigos 100.º e 101.º do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (regime jurídico do contrato de seguro), que estabelecem que a «verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento» (n.º 1 do artigo 100.º) e a possibilidade de o contrato de seguro prever a redução da prestação do segurador ou mesmo a perda da cobertura em caso de incumprimento do dever de comunicar o sinistro (n.os 1 e 2 do artigo 101.º).
No entanto, o n.º 4 do artigo 101.º dispõe que essa possibilidade de estipulação contratual de redução da prestação ou de perda de cobertura não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.
Para o caso, importa ter presente o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (SSORCA), aprovado pelo Dec. Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto[9].
No capítulo sobre “regularização de sinistros”, o artigo 31.º começa por assinalar o objectivo das regras e procedimentos aí fixados às empresas seguradoras: garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.
O artigo 34.º, n.º 1, deste diploma legal é bem claro ao estabelecer que é sobre o tomador do seguro ou o segurado que recai a obrigação de comunicar à sua seguradora o sinistro a que deu causa, no mais curto prazo de tempo possível, nunca superior a oito dias a contar do dia da ocorrência, e o artigo 35.º prevê a forma por que deve ser feita essa participação: em impresso próprio fornecido pela empresa de seguros ou disponível no seu sítio na Internet, de acordo com o modelo aprovado por norma do Instituto de Seguros de Portugal, prevendo o seu n.º 3 que a participação do sinistro seja assinada conjuntamente por ambos os condutores envolvidos no sinistro, caso em que se presume que o acidente se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma.
Entre os procedimentos tendentes a uma pronta decisão quanto à assunção de responsabilidade pela reparação do prejuízo, importa destacar os seguintes (artigo 36.º, n.º 1, do SSORCA):
a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;
b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;
e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;

Os elementos disponíveis não permitem afirmar que a segurada da ré (a empresa holandesa “V...”) fez, atempadamente, a participação do sinistro, mas não se entenderia que não o tivesse feito, tanto mais que até foi preenchida declaração amigável do acidente, assinada por ambos os condutores (documento junto com a p.i.).
Em todo o caso, da eventual omissão dessa obrigação por parte da segurada da ré nunca poderia advir qualquer consequência negativa para a autora que, não é demais frisar, não tinha o ónus de participar o acidente, ao contrário do que se entendeu na primeira instância.
Todavia, é certo que o primeiro contacto da ré (em representação da sua congénere “A... Holanda”) com a lesada (a comunicar-lhe a assunção da responsabilidade pelo sinistro) só acontece em 10.09.2018, apesar de, já em 24.07.2018, lhe ter sido remetida pelo mediador de seguros da autora, a declaração amigável de acidente.
Voltando à impugnação da decisão em matéria de facto, convém relembrar que um dos concretos pontos de facto que a recorrente pretende que seja acrescentado é o formulado sob a alínea ee): «O veículo em causa estava impedido de circular»
Do elenco de factos provados já consta o seguinte:
«i) Por causa dos danos referidos em h) o veículo da Autora ficou sem condições de circular»
Estar (o veículo sinistrado) “impedido de circular” ou “sem condições de circular” são expressões equivalentes.
O facto que a recorrente pretende ver aditado nada acrescenta ou altera, pelo que, quanto a este ponto, improcede a impugnação.
Outro ponto de facto que, na perspectiva da recorrente, se imporia acrescentar seria o seguinte:
«dd) O relatório de avaliação foi efectuado em 17 de Agosto de 2018, tendo a Autora realizado o mesmo uma vez que a seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos arrastava o ressarcimento dos danos e a responsabilidade pelo pagamento.»
Sobre esta questão da avaliação dos danos sofridos pelo veículo da autora (se se preferir, a “peritagem” ao veículo), consta do elenco de factos provados:
«k) A Autora pagou o relatório de avaliação dos danos ao seu veículo sinistrado, realizado em 20 de agosto de 2018, pedido no dia 17 de agosto de 2018.»
«l) A peritagem foi realizada no dia 20/08/2018 e ficou concluída no dia 22/08/2018
Apesar da divergência (diríamos mesmo incongruência) quanto à data da realização da “peritagem”, o que ressalta é a pretensão da recorrente de que se considere provado que a realização tardia (mais de três meses após o acidente) da avaliação dos danos na sua viatura ficou a dever-se à conduta da representada da ré que «arrastava o ressarcimento dos danos e a responsabilidade pelo pagamento.».
Temos para nós que esta postura que a recorrente imputa à “A... Holanda” tem implícita a ideia de uma atitude deliberada, intencional no sentido de protelar a decisão de assunção (ou não) da responsabilidade pelo ressarcimento.
Ora, não é isso que resulta do depoimento da testemunha AA, que esclareceu que, normalmente, a resolução dos “processos internacionais”, como é o caso, é mais demorada.
Sendo essa morosidade uma consequência normal da circunstância de o acidente ter ocorrido em Itália e estarem envolvidas empresas (quer as seguradas, quer as respectivas seguradoras) de outros dois países, entendemos que, também quanto a este ponto, deve improceder a impugnação.
O último ponto da matéria de facto que a recorrente pretende que seja acrescentado («ff) A autora, por forma a não ter mais prejuízos, logo que pôde, efectuou a suas expensas a reparação do veículo sinistrado, tendo o mesmo ficado pronto para circular no dia 21 de Setembro de 2018»), também já está, em parte, contemplado no elenco de factos provados.
Concretamente, está assente que a reparação do veículo sinistrado da autora ficou concluída em 21.09.2018 (alínea v)) e que essa reparação foi efectuada a expensas suas (alínea u)).
O que não está contemplado é o facto de a autora ter tomado a iniciativa de reparar a viatura para evitar mais prejuízos.
Também quanto a esse aspecto, o depoimento da testemunha AA foi esclarecedor ao referir que a intervenção da mediadora, por solicitação da lesada autora, teve esse propósito: tentar acelerar a regularização do sinistro para que não se exponenciassem os prejuízos (a testemunha referiu até que foi ele quem aconselhou o legal representante da autora a avançar com a reparação da viatura para «não se criar um monstro», querendo, com isto, dizer que a continuação do recurso ao aluguer de uma viatura para substituir a sinistrada iria elevar consideravelmente os custos da imobilização).
Importa sublinhar que era época de verão e por isso normal seria que a autora tivesse muitas solicitações por parte dos operadores turísticos para prestar serviços de transporte e, estando a sua viatura sem condições de circular, é inteiramente verosímil que, ao avançar com a sua reparação, mesmo sem ordem da seguradora, o objectivo fosse o de minorar os prejuízos.
Justifica-se, pois, que na alínea u) dos factos provados se acrescente essa referência, ficando o facto aí descrito com a seguinte formulação:
«u) A Autora necessitava do seu veículo sinistrado para exercer a sua atividade e, para evitar o acumular dos prejuízos decorrentes da sua paralisação, acabou por proceder à reparação da viatura a expensas suas, aguardando o posterior reembolso.»
Em suma, a impugnação da decisão sobre matéria de facto é parcialmente procedente, pelo que se decide introduzir as seguintes alterações no elenco de factos provados:
As alíneas j) e u) passam a ter o seguinte conteúdo:
«j) O sinistro ocorreu no dia 09/05/2018 e a autora, por intermédio do seu mediador de seguros, logo no dia 24 de Julho de 2018, remeteu para a representada da ré a “declaração amigável de acidente” e, no dia 16.08.2018, dirigiu-se à Ré a reclamar “a resolução do assunto tão breve quanto possível”».
«u) A Autora necessitava do seu veículo sinistrado para exercer a sua atividade e, para evitar o acumular dos prejuízos decorrentes da sua paralisação, acabou por proceder à reparação da viatura a expensas suas, aguardando o posterior reembolso.»
No mais, improcede a impugnação.

2. Fundamentos de direito
Já ficou, suficientemente, explicitado que não se questiona aqui o direito da autora/recorrente a ser indemnizada pelo prejuízo decorrente da privação do uso da sua viatura sinistrada, que, em consequência do acidente culposamente causado pelo condutor do veículo da segurada da empresa de seguros (“A... Holanda”) representada da ré, sofreu danos que fizeram com que ficasse sem condições para circular na via pública.
Controvertido é como chegar ao quantum indemnizatório devido.
É consabido que, em matéria de determinação da indemnização, os preceitos legais fundamentais a considerar são os artigos 562.º («Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.») e 566.º, n.º 1, do Código Civil («1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.») e deles decorre a primazia da reconstituição natural ou indemnização específica (que implica a entrega, ao lesado, de um bem igual, i.e., do mesmo género e qualidade, ao destruído) sobre a indemnização pecuniária ou por equivalente (em que ocorre a restituição do valor correspondente ao da lesão, normalmente através da entrega de uma quantia em dinheiro)[10].
Já ocorreu a reconstituição natural pelo reembolso da quantia despendida com a reparação da viatura sinistrada, se bem que o pagamento só tenha ocorrido oito meses depois de a autora ter enviado à ré os documentos de suporte desse custo.
Impõe-se, pois, determinar agora a indemnização pela privação do uso da viatura.
A representada da ré não disponibilizou à autora um veículo de substituição (cfr. artigo 42.º, n.º 1, do SSORCA), apesar de, por comunicação efectuada em 10.09.2018, ter assumido a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente.
Por isso, a privação do uso abrange todo o período que vai da data do acidente (09.05.2018) até à data (21.09.2018) em que ficou concluída a reparação dos danos no veículo, num total de 134 dias.
Porém, a ré dispôs-se a pagar, apenas, a indemnização de €806, 988 correspondente a quatro dias de paralisação (o tempo que, segundo a “peritagem”, era o necessário para a reparação dos danos da viatura) à razão de €201,72 por dia (não se explica a razão de ser deste valor, mas deduz-se que seja o resultado de alguma convenção entre seguradoras), que foi aceite pelo tribunal.
Na sentença recorrida entendeu-se que havia que ter em consideração, também, os três dias em que o veículo esteve imobilizado para a realização da “peritagem” e por isso se fixou a indemnização, por privação do uso do “autocarro”, em €1 412,04 (€201,72 x 7 dias), quantia à qual acresceriam juros de mora desde a data de 26 de março de 2019.
Os outros 127 dias em que a viatura esteve paralisada (recorde-se que vem provado que a viatura sinistrada não estava em condições de circular na via pública, designadamente por estarem danificados o para-choques traseiro, a luz de travagem e o farolim traseiro do lado direito) são imputados a culpa da autora, que, na tese da ré, acolhida pelo tribunal a quo, tinha que, sponte sua, reparar a viatura, sem que a seguradora do veículo causador do sinistro se tivesse pronunciado quanto à assunção de responsabilidade pela reparação.
Ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, não há nenhuma razão válida para chamar à colação e aplicar a norma do artigo 570.º do Código Civil.
A factualidade provada, não só não permite imputar à autora qualquer conduta que tenha agravado os prejuízos, como revela que, se alguém fez alguma coisa para evitar um agravamento, foi precisamente a autora.
Perfilhamos, sem reservas, o entendimento expresso no acórdão da Relação de Guimarães de 26/04/2012 (processo n.º 2082/09.0TBBRG.G1), acessível em www.dgsi.pt, segundo o qual: «1. É ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo que as implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado. 2. Quer o aluguer de veículo, quer o custo do parqueamento da viatura sinistrada são danos indemnizáveis por serem consequência directa e adequada da privação do uso do veículo e da necessidade da sua reparação ainda não efectuada, resultantes do acidente de viação.».
Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, não houve, da parte da autora, uma censurável atitude de inércia, antes procurou acelerar a regularização do sinistro.
Por isso, na determinação do quantum de indemnização haveria que ter em consideração 134 dias de paralisação da viatura sinistrada e, aceitando o valor diário proposto pela ré, chegaríamos ao valor indemnizatório de €27.030,48.
Porém, o pedido principal que a autora formula é o de condenação da ré no pagamento da indemnização de €15 502,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos.
Está provado que, não podendo utilizar a viatura sinistrada por não estar em condições de circular, em 13.08.2018, a autora tomou de aluguer a “R..., Unipessoal L.da”, o veículo de marca Mercedes-Benz, matrícula ..-DR-.., para prestar serviços de transporte na Europa nos períodos compreendidos entre os dias 13 e 31 de Agosto e entre 01 e 20 de Setembro de 2018.
Pelo aluguer dessa viatura foram-lhe facturados pela locadora, respectivamente, os montantes de €7.552,50 e €7.950,00 correspondentes à retribuição convencionada.
Trata-se de um custo que a autora não teria de suportar se a sua viatura não estivesse imobilizada devido aos danos que lhe foram provocados pelo veículo segurado da ré, ou se esta tivesse agido com a prontidão e diligência que se impunham, pois tinha conhecimento do sinistro, pelo menos, desde 24 de Julho de 2018.
Não é relevante a circunstância de a viatura alugada ter 56 lugares e a viatura da autora, apenas, 51 lugares. Não é por isso que deixam de ser veículos de características idênticas.
Estamos, pois, perante um dano, efectivamente, sofrido pela autora, que dele tem direito a ser ressarcida nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil.
Se a privação do uso de um bem durante um determinado período origina a perda das utilidades que o mesmo é susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição (substituição), justifica-se a imposição ao responsável da obrigação de compensar o lesado na medida equivalente, passo fundamental para que se restabeleça o equilíbrio patrimonial que existiria se acaso não tivesse ocorrido o evento lesivo, e essa compensação pode passar pelo reembolso daquilo que este despendeu com o aluguer de um veículo de substituição.
Resta ponderar desde quando são devidos juros de mora.
Na sentença recorrida entendeu-se que, quer quanto ao pagamento da quantia de € 2.307,50 (reembolso da quantia despendida com a reparação do veículo automóvel da Autora e com o custo da “peritagem”), quer no que tange à indemnização pela privação do uso da viatura, os juros de mora deveriam ser calculados a partir do dia 26.03.2019 porque foi no dia 25.03.2019 que a autora enviou à ré os elementos necessários para que esta efectuasse o pagamento.
A decisão não nos merece qualquer reparo relativamente à primeira situação (juros sobre a quantia de €2.307,50).
Forçosamente diferente terá de ser a decisão quanto aos juros de mora sobre a quantia devida a título de indemnização pela privação do uso da viatura, pois é diverso o respectivo enquadramento.
A autora pediu a condenação em juros de mora a contar da data de pagamento dos valores do aluguer da viatura contratado à “R..., Unipessoal L.da”, mas não diz qual é essa data.
O que se sabe é que as facturas foram emitidas com data de 21.09.2018, mas desconhece-se a data de vencimento e quando foram pagas.
Uma vez que a autora não alegou ter interpelado a ré para pagar o montante despendido, vale, para efeitos de constituição em mora, a interpelação judicial resultante da citação da ré para contestar a acção (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que é partir daí que são devidos juros de mora.

III Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto por “Y..., Lda” e, em consequência,
1) revogar a sentença recorrida na parte em que fixa a indemnização atribuída à autora pela privação do uso da sua viatura sinistrada (veículo pesado de passageiros de marca “VDL”, modelo ..., com a matrícula ..-PN-..) e condenar a ré “Companhia de Seguros A... PORTUGAL, S.A.” a pagar à autora “Y..., Lda”, a esse título, a quantia de €15.502,00 (quinze mil quinhentos e dois euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal a contar da citação para contestar a acção e até integral pagamento;
2) no mais, confirmar a decisão recorrida.

As custas da acção e do recurso ficam a cargo da ré/recorrente (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 27.06.2022
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
___________________________
[1] Por manifesto lapso de escrita, na p.i. consta a quantia de “€ 7. 50,00”.
[2] Notificada às partes mediante expediente electrónico elaborado no dia 10.08.2021
[3] Sendo certo que, em casos-limite, a impugnação pode implicar toda a matéria de facto, nem por isso o recorrente está desobrigado de especificar os concretos pontos de facto por cuja alteração se bate (cfr. Cons. A.S. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 163, em nota de pé de página).
Esta especificação serve para delimitar o objecto do recurso e por isso tem de constar das conclusões.
[4] O Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 170, nota de pé de página) afirma ser «infundada a rejeição do recurso da matéria de facto com fundamento na falta de indicação, nas conclusões, dos meios probatórios ou dos segmentos da gravação em que o recorrente se funda. O cumprimento desses ónus no segmento da motivação parece suficiente para que a impugnação da decisão da matéria de facto ultrapasse a fase liminar, passando para a apreciação do respectivo mérito», citando jurisprudência do STJ nesse sentido.
No Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 771, de que é autor em conjunto com Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, precisa-se que «é objecto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões, sob pena de rejeição do recurso» e anota-se que «o Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação».
[5] O Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes (ob. cit., pág. 170, nota de pé de página) afirma ser «infundada a rejeição do recurso da matéria de facto com fundamento na falta de indicação, nas conclusões, dos meios probatórios ou dos segmentos da gravação em que o recorrente se funda. O cumprimento desses ónus no segmento da motivação parece suficiente para que a impugnação da decisão da matéria de facto ultrapasse a fase liminar, passando para a apreciação do respectivo mérito», citando jurisprudência do STJ nesse sentido.
No Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, pág. 771, de que é autor em conjunto com Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, precisa-se que «é objecto de debate saber se os requisitos do ónus impugnatório devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões, sob pena de rejeição do recurso» e anota-se que «o Supremo tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm de reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação».
[6] Que era suposto já ter sido feita há muito tempo pelo segurado da representada da ré, até porque foi elaborada uma participação amigável de acidente.
[7] Reproduz-se aqui o teor integral do documento:

«De: BB gestao.sinistros@....com
Enviado: quinta-feira, 16 de agosto de 2018 12:38
Para: sinistro....@.A.....pt; info@A....pt
Assunto: 03.18.301737 - Reclamação A... Holanda
Anexos: Wh_daaa.pdf; Wh_devis.pdf; Wh_fotos.pdf
Importância: Alta
Exmos. Senhores:
Na qualidade de legítimos representantes da Y..., Lda., fomos incumbidos de cobrar os prejuízos sofridos pela nossa representada, na sequência do acidente do dia 09/05/2018 em Itália, entre os veículos de matrícula ..-PN-.. e de matrícula ..-BFT-., seguro na A... Holanda, por vós representada em Portugal.
A responsabilidade no sinistro recai sobre o veículo de matrícula holandesa que, ao realizar uma manobra de estacionamento, embateu no veículo da nossa representada, o qual se encontrava estacionado.
Admitindo nós a resolução célere do presente assunto, pedimos que nos informem se aceitam indemnizar o nosso cliente pelos danos causados, agendando a peritagem ao veículo em questão tão breve quanto possível.
Aguardamos as vossas prezadas notícias.
Sem outro assunto de momento,
C/ os melhores cumprimentos,
BB
Legal Claims & Litigation Manager
[8] O artigo 33.º da p.i. tem o seguinte conteúdo: «Sendo que a Autora, por forma a não ter mais prejuízos, logo que pôde efectuou a suas expensas a reparação do veículo sinistrado, tendo o mesmo ficado pronto para circular no dia 21 de Setembro de 2018»
[9] Que, importa aqui frisar, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que alterou as Directivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva 2000/26/CE, relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis («5.ª Directiva sobre o Seguro Automóvel).
Tendo o acidente ocorrido em Itália, por força do estatuído no artigo 45.º, n.º 1, do Código Civil, seria no ordenamento jurídico italiano que teria de buscar-se o fundamento legal da tutela jurisdicional rogada nesta acção (lex loci delicti).
No entanto, com o Regulamento (CE) 864/2007 (Roma II), em matéria de responsabilidade extracontratual, a opção foi a de dar relevância como elemento de conexão ao lugar da ocorrência do dano (lex loci damni).
Tendo em consideração que o dano ou prejuízo de que a autora pretende ser ressarcida é o decorrente da imobilização da sua viatura de transporte de passageiros e a necessidade de alugar viatura idêntica para substituir a sinistrada no exercício da actividade a que habitualmente se dedica, é fundada a conclusão de que esse dano ocorreu no espaço territorial de Portugal e por isso será aplicável a lei portuguesa. De resto, a ré não questiona que a lei aplicável neste caso seja a lei portuguesa.
[10] Cfr., sobre esta matéria, A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 2010, Almedina, pág. 724); A.S. Abrantes Geraldes, Indemnização do Dano da Privação do Uso, Almedina, pág. 7, Henrique Sousa Antunes, anotações aos artigos 562.º e 566.º in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, págs. 550-553 e 565-572, e Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, pág. 42.