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PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
DECISÃO
Sumário
I - O processo especial para acordo de pagamento (PEAP) tem como objetivo permitir ao devedor estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a celebrar um acordo com estes, cujo fim é o de evitar que se venha a constituir em estado de insolvência. II - Nesse processo qualquer credor - seja comum, garantido, privilegiado ou subordinado - pode reclamar o seu crédito, contanto que o mesmo se ache constituído à data da apresentação da respetiva reclamação. III - Essa reclamação tem uma função eminentemente processual que, fundamentalmente, se destina a delimitar o universo de credores que podem participar nas negociações e na votação do acordo de pagamento. IV - Em caso de impugnação de crédito reclamado, a decisão que sobre ela recaia não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude desse crédito. V - Essa decisão, como decisão incidental, está, sob pena de nulidade (artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil ex vi do artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), subordinada ao dever de nela se enunciarem os factos provados e não provados e bem assim de motivação da respetiva decisão de facto, maxime através da análise crítica dos meios de prova apresentados pelo credor reclamante que tenha visto o seu crédito ser excluído da lista definitiva.
Texto Integral
Processo nº 1472/21.5T8STS.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Santo Tirso – Juízo de Comércio, Juiz 7 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO
AA veio, ao abrigo do disposto no artigo 222º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, instaurar o presente Processo Especial para Acordo de Pagamento.
Foi nomeado administrador judicial provisório (AJP), nos termos do disposto no artigo 222º-C, n.º 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O AJP juntou lista provisória de créditos mediante requerimento de 09-07-2021, sobre a qual recaiu a impugnação da credora Banco 1..., S.A. quanto aos créditos de BB, CC e DD, tendo sido objeto da decisão proferida em 12-12-2021, a qual julgou procedente a referida impugnação, determinando a exclusão daqueles créditos da lista provisória de credores.
Nessa sequência, o AJP juntou em 17-12-2021 nova lista de créditos que contemplou a sobredita decisão, informando que os votos emitidos perfazem 100% do total do valor dos créditos reconhecidos, que correspondem a € 240.590,67, sendo que os votos favoráveis perfazem 0% dos votos emitidos e os votos desfavoráveis perfazem 100%, concluindo que a proposta de plano de recuperação apresentada pela devedora não foi aprovada.
Foi então proferida decisão que recusou a homologação do acordo de pagamento apresentado pela devedora AA, por ter sido rejeitado pela totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.
Não se conformando com o assim decidido bem como com a decisão exarada em 12 de dezembro de 2021 (que determinou, para além do mais, a exclusão dos créditos reclamados por DD e por CC da lista de credores), vieram interpor recurso AA, DD e CC, os quais foram admitidos como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso a apelante DD apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:
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De igual modo a apelante AA apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:
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Por seu turno o apelante CC apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES:
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A credora Banco 1..., S.A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência dos recursos.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil ex vi do art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
(i) Quanto à decisão que recaiu sobre a impugnação da lista provisória de créditos
. da nulidade por omissão de enunciação dos factos provados e não provados;
. da nulidade por completa ausência de análise crítica dos meios de prova apresentados pelos reclamantes e bem assim ausência de indicação dos concretos meios de prova que levaram o decisor de 1ª instância à conclusão de que os créditos reclamados deveriam ser excluídos;
. violação do caso julgado, em virtude de a decisão não ter atentado que os créditos reclamados se acham reconhecidos por sentença já transitada em julgado;
. erro de julgamento quanto à classificação dos créditos reclamados como litigiosos.
(ii) Quanto à decisão de não homologação do plano de pagamento
. da sua nulidade como efeito decorrente do reconhecimento da existência dos vícios assacados à decisão prolatada em 12 de dezembro de 2021.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito da decisão do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.
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IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
A devedora AA intentou o presente processo especial para acordo de pagamento (PEAP) com vista a estabelecer negociações com os seus credores (que indica em listagem anexa ao requerimento com que deu início ao processo, entre os quais se incluem os ora apelantes) de modo a com eles concluir acordo de pagamento.
Como é consabido, o PEAP foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo DL nº 79/2017, de 30.06, que aditou os artigos 222º-A a 222º-J ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2].
A criação desse processo está estritamente relacionada com a controvérsia jurisprudencial que se vinha registando em torno da aplicabilidade (ou não) do processo especial de revitalização (PER) às pessoas singulares não empresários ou comerciantes.
Com o desiderato de pôr cobro a essa querela, o legislador decidiu intervir reservando o recurso ao PER a pessoas coletivas, passando as pessoas singulares não empresários ou comerciantes a dispor de um instrumento pré-insolvencial mais simplificado, destinado a obter um acordo de pagamento com os seus credores.
De forma semelhante ao propósito do PER, também o PEAP tem como objetivo permitir ao devedor estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a celebrar um acordo[3] com estes, cujo fim é o de evitar que o devedor se venha a constituir em estado de insolvência.
Contudo, se no caso do PER, será um acordo tendente à revitalização da empresa (art. 17º-A, nº 1), no caso do PEAP faz-se apenas referência ao objetivo de estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento (art. 222º-A, nº 1).
Ficam, assim, afastadas do PEAP as ideias de recuperabilidade e de revitalização do devedor (não empresário)[4], assumindo, no entanto, as características típicas do PER, designadamente ser um processo pré-insolvencial, especial, híbrido, concursal e urgente[5].
De acordo com o seu desenho legal, o PEAP visa abarcar as chamadas situações de pré-insolvência, ou de insolvência preventiva, permitindo ao devedor, por meio de declaração escrita nos termos estabelecidos nos nºs 1 a 3 do art. 222º-C, iniciar um processo de negociação com os seus credores que evite a sua declaração de insolvência e os seus efeitos, através da reestruturação da dívida.
Apresentado esse requerimento, qualquer credor tem, então, um prazo de 20 dias, contados da publicação no portal Citius do despacho de admissão do mesmo (previsto no art. 222º-C, nº 4), para reclamar os seus créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao AJP.
Da letra da lei resulta, assim, que qualquer credor, seja ele comum, garantido, privilegiado ou subordinado, pode reclamar o seu crédito. Deve, contudo, tratar-se de um crédito atual (já constituído à data da reclamação), mesmo que ainda não se tenha vencido[6] no momento da reclamação, ficando, por isso, de fora os créditos futuros, isto é, os créditos que surjam em momento posterior à prolação do aludido despacho, um pouco à semelhança do processo de insolvência, em que os créditos constituídos depois da declaração de insolvência correspondem grosso modo à categoria dos créditos sobre a massa e estão, nessa medida, excluídos da reclamação, verificação e graduação de créditos, bem como da eficácia de um plano de insolvência que venha a ser aprovado[7].
No entanto, dada a já assinalada finalidade do PEAP, essa reclamação - diferentemente do que sucede no processo insolvencial[8] - tem um escopo diverso e que, fundamentalmente, se destina: (i) à delimitação do universos de credores que podem participar nas negociações; (ii) à delimitação do universo de credores que têm direito de voto; (iii) à delimitação do universo de credores que se podem opor ao acordo de pagamento; (iv) ao apuramento da base de cálculo das maiorias necessárias para aprovação desse acordo.
Resulta assim que a reclamação de créditos em sede de PEAP tem uma função eminentemente processual, valendo exclusivamente para efeitos desse processo, não gozando o reconhecimento que aí se faça de força de caso julgado material, mas apenas formal, uma vez que a questão pode ser resposta novamente em sede de processo de insolvência ou de outro processo.
Depois de apresentadas as reclamações, em conformidade com o preceituado no nº 3 do citado art. 222º-D, o AJP elabora a lista provisória de créditos (onde pode igualmente incluir créditos não reclamados[9]), a qual pode ser impugnada “com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos relacionados”, sendo que a falta de impugnação importa o reconhecimento definitivo dos créditos sem necessidade de qualquer ato judicial (nº 4 do mesmo normativo).
Caso sejam apresentadas impugnações (seja pelo devedor, seja pelos credores reclamantes) caberá então ao juiz do processo decidi-las com base nos elementos que acompanham os requerimentos, decisão essa que, predominantemente, se baseará na prova documental que foi carreada para o processo[10].
No caso vertente, depois de o AJP ter apresentado a lista provisória de créditos (na qual incluía, entre outros, os créditos reclamados pela Banco 1..., S.A., por CC e por DD), foi a mesma alvo de impugnação por banda da referida instituição de crédito, a qual pugnou pela exclusão, dessa listagem, dos créditos reclamados pelos outros dois mencionados credores.
Por decisão prolatada em 12 de dezembro de 2021, julgou-se procedente essa impugnação, em consequência do que determinou a exclusão, no que ora releva, dos créditos reclamados por DD e por CC.
Em sustentação desse posicionamento, nesse ato decisório discreteou-se nos seguintes termos: «Relativamente à impugnação, na parte referente aos créditos reclamados por CC e DD, concluiu a AJP existirem dúvidas prementes acerca da existência dos respetivos créditos, acompanhando a posição do credor Banco 1..., no sentido de que os mesmos são litigiosos, devendo aguardar produção de prova, com vista a apurar se efetivamente existe crédito, pelo que não deverão integrar o quórum deliberativo. Neste domínio, importa convocar o art. 579º, n.º 3 do Código Civil (CC), segundo o qual diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado. Dúvidas não subsistem que a existência dos créditos em causa ainda está a ser discutida judicialmente no âmbito do processo n.º 5437/16.0T8MAI, o qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1, pelo que tais créditos assumem a qualidade de créditos litigiosos, na medida em que a sua própria existência e montante está a ser dirimida no âmbito do processo supra identificado. E não podendo no âmbito deste processo especialíssimo ser produzida a prova que conduziria à comprovação ou não comprovação da existência dos créditos em causa, como supra se assinalou, não pode ser solucionado o litígio que opõe a impugnante Banco 1... àqueles credores, sem prejuízo de assistir legitimidade aos mesmos para intervirem nestes autos, designadamente para apresentar impugnação (a expressão “qualquer credor” utilizada pelo legislador no n.º 2 do art. 222-D do CIRE, milita nesse sentido). E não podendo a existência daqueles créditos ser demonstrada nestes autos, mais não resta do que concluir que não podem ser reconhecidos».
Todos os apelantes se rebelam contra esse segmento decisório sustentando que essa decisão enferma não só de vícios de nulidade - por insuficiência de fundamentação e omissão de pronúncia -, como também por incorrer em erro de julgamento, porquanto não se está em presença de créditos litigiosos.
Que dizer?
Já se deu nota, que o PEAP se carateriza por ser um procedimento eminentemente negocial, sendo que, dado o seu caráter célere, o aprofundamento sobre as reclamações e impugnações não é previsto pelo legislador, nem tal é sequer desejável, posto que o que importa fundamentalmente estabelecer nesta fase do processo é o quórum deliberativo que irá apreciar o acordo de pagamento submetido pelo devedor aos seus credores.
É certo que, não raro, no âmbito dessas impugnações se suscitam questões, seja de facto, seja de direito, com alguma complexidade. No entanto, a respetiva decisão não pode, ainda assim, deixar de assumir um caráter perfunctório que há-de assentar nos subsídios probatórios de natureza documental constantes dos autos, porquanto este processo – conforme tem sido especialmente enfatizado na doutrina e jurisprudência[11] - não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos, referência que os credores deverão ter particularmente em atenção quando apresentam impugnações. In casu, a impugnação que a Banco 1..., S.A. direcionou contra os créditos reclamados pelos credores CC e DD ancorou-se, fundamentalmente, na alegação de que tais créditos assumem natureza litigiosa porquanto a sua existência é alvo de discussão no âmbito do enxerto declarativo de reclamação e verificação de créditos que corre por apenso à ação executiva[12] que, sob o nº 5437/16.0T8MAI, pende no Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1.
Como deflui do ato decisório sob censura, o juiz de 1ª instância acabou por excluir os mencionados créditos por considerar que os mesmos revestem “a qualidade de créditos litigiosos, na medida em que a sua própria existência e montante está a ser dirimida no âmbito do processo supra identificado”, acrescentando ainda que “não podendo no âmbito deste processo especialíssimo ser produzida a prova que conduziria à comprovação ou não comprovação da existência dos créditos em causa, não pode ser solucionado o litígio que opõe a impugnante Banco 1... àqueles credores”.
Certo é que o decisor do 1ª instância não analisou sequer a prova documental que os reclamantes haviam apresentado para justificar os seus créditos, sendo que, neste conspecto, o credor CC juntou, para além do mais, sentença, já transitada, que condenou a devedora AA no pagamento do crédito por si reclamado, enquanto a credora DD carreou para os autos diversos documentos, mormente uma escritura pública que titula contrato de mútuo que celebrou com a referida devedora.
Para além disso, não enunciou outrossim os factos que, para esse efeito, considerou provados ou não provados, isto é, não tomou posição quanto às concretas proposições que os reclamantes alegaram no sentido de densificar faticamente a pretensão creditória de que se arrogam titulares.
Portanto, o juiz a quo limitou-se, conclusivamente, a afirmar que se tratam de créditos litigiosos, sem curar de saber se, perante a prova documental apresentada, esses créditos são dotados, ou não, de consistência que habilite os respetivos titulares a participar nas negociações e subsequente votação do plano de pagamento (finalidade primária das reclamações apresentadas).
É facto que no citado nº 3 do art. 579º do Cód. Civil (normativo que, no seu âmbito, visa as cessões de créditos ou outros direitos litigiosos feita, diretamente ou por interposta pessoa, a juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou mandatários judiciais) se preceitua ser “litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado”. Certo é que, in casu, o direito reclamado pelo credor CC já foi definido por sentença transitada em julgado (sem prejuízo de no aludido enxerto declaratório essa decisão, no confronto com a aí exequente, não opere caso julgado material – cfr. art. 789º, nº 3, do Cód. Processo Civil) e o crédito reclamado por DD se mostra confortado por escritura que plasma um ato recognitivo de dívida proveniente de um mútuo contraído pela devedora, elementos documentais esses que, primo conspectu, deverão relevar na emissão do juízo, que se pretende sumário, sobre a titularidade por banda dos credores reclamantes dos créditos por si reclamados.
Registe-se, aliás, que os créditos em questão serão créditos constituídos[13] (ou seja de constituição anterior à prolação do despacho previsto no art. 222º-C, nº 4), sendo que o CIRE não afasta a possibilidade de - mesmo que se afirme a natureza litigiosa desses créditos - os respetivos credores participarem na votação do plano de pagamento apresentado pela devedora[14], como emerge, designadamente, do nº 3 do seu art. 222º-F, onde se postula que o juiz pode “computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos”.
Ora, o juiz de 1ª instância omitiu, de todo, a enunciação dos factos provados e não provados, bem como não procedeu à análise crítica dos meios de prova que foram aportados aos autos no sentido de permitir a emissão de um juízo (positivo ou negativo) sobre a consistência dos ajuizados créditos. E devia fazê-lo por se estar em presença de uma decisão incidental que, qua tale, está subordinada ao comando vertido no art. 607º, nºs 3 e 4 ex vi do art. 295º, ambos do Cód. Processo Civil
Consequentemente, o incumprimento dessa determinação legal implica que o ato decisório prolatado em 12 de dezembro de 2012 se mostra inquinado de nulidade nos termos previstos na al. b) do art. 615º do Cód. Processo Civil[15], vício formal esse que importa a anulação de todos os atos subsequentemente praticados, designadamente a sentença não homologatória do plano.
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Na decorrência do reconhecimento do mencionado vício formal fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no âmbito dos recursos trazidos à apreciação deste tribunal ad quem.
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V- DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em anular as decisões proferidas em 12 de dezembro de 2021 e 23 de janeiro de 2022, determinando a remessa dos autos à 1ª instância a fim de o tribunal recorrido fixar os factos provados e não provados e bem assim motivar a respetiva decisão de facto - maxime através da análise crítica dos meios de prova apresentados pelos credores reclamantes que viram os seus créditos ser excluídos da lista definitiva -, decidindo depois em conformidade com o substrato factual que vier a ser fixado.
As custas serão a cargo da parte vencida a final, na proporção em que o for.
Porto, 27.6.2022
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
__________________ [1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem, sendo de registar que tais normativos foram objeto de recente alteração pela Lei nº 9/2002, de 11.01, que entrou em vigor em 11 de abril de 2022 (art. 12º da referida Lei). [3] Acordo esse que tem uma natureza complexa, configurável como uma transação, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles. [4] O conceito de devedor não empresário resulta da conjugação dos arts. 2º e 5º. [5] Cfr., para maior desenvolvimento sobre a natureza e regime deste processo, SOVERAL MARTINS, As alterações ao CIRE quanto ao PER e ao PEAP, in Estudos de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, págs. 7 e seguintes, ANA ALVES LEAL/CLÁUDIA TRINDADE, O processo especial para acordo de pagamento (PEAP): o novo regime pré-insolvencial para devedores não empresários, in Revista de Direito das Sociedades, Ano IX (2017), n.º 1. págs. 70 e seguintes e CATARINA SERRA, in Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2019, págs. 585 e seguintes, que o carateriza como um processo híbrido que combina uma fase informal (ou negocial) e uma fase formal (judicial), ressaltando outrossim que o mesmo é dominado pela autonomia dos credores e do devedor, pela desjudicialização e bem assim pela celeridade. [6] Sendo que, ao invés do que sucede no processo de insolvência (art. 91º), o despacho de abertura do PEAP não importa o vencimento imediato das dívidas. [7] É essa, aliás, uma das razões pelas quais os créditos sobre a massa não têm direito de voto, como decorre dos arts. 72º e 73º. [8] Onde a reclamação de créditos constitui um ónus do credor para que o respetivo crédito possa ser pago no processo de insolvência. [9] Contanto que esses créditos constem de elementos fornecidos pelo devedor ou por outra forma cheguem ao conhecimento do AJP. [10] Trata-se, contudo, de uma questão que não tem obtido uma resposta unívoca na doutrina e jurisprudência, não faltando quem advogue não estar vedado o recurso a outros meios de prova – cfr., para maior desenvolvimento, CATARINA SERRA, ob. citada, págs. 406 e seguintes. [11] Cfr., por todos, na doutrina (ainda que a propósito do PER), CARVALHO FERNANDES/JOÃO LABAREDA, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, págs. 473 e seguintes, SALAZAR CASANOVA/SEQUEIRA DINIS, in PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-a a 17º-I do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, 2014, págs. 78 e seguinte, ELISABETE ASSUNÇÃO, Impugnação e decisão da impugnação da lista provisória de créditos, no âmbito do processo especial de revitalização, in Julgar, nº 31 (2017), Almedina, págs. 56 e seguinte e MARIA ROSÁRIO EPIFÂNIO, in O Processo Especial de Revitalização, Almedina, 2016, pág. 47; na jurisprudência, acórdãos do STJ de 27.11.2019 (processo nº 3266/17.3T8BRG.E1.S1), de 9.04.2019 (processo nº 154/17.7T8ALD.C1.S2) e de 18.09.2018 (processo nº 190/13.2TBVNC.G1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt. [12] Nessa ação executiva é exequente a Banco 1..., S.A., sendo executados a ora devedora AA e EE. [13] Como escrevem SALAZAR CASANOVA/SEQUEIRA DINIS, ob. citada, págs. 54 e 70, créditos constituídos são os créditos por obrigações já formadas, por oposição, nomeadamente, a créditos por obrigações novas ou futuras. [14] Refira-se que o (putativo) risco que a apelada aponta nas suas contra-alegações no sentido de poder vir a ser prejudicada com a votação dos mencionados credores reclamantes não é, de per si, argumento bastante para limitar a sua participação, posto que não está naturalmente afastada a possibilidade da não homologação do acordo por aplicação dos arts. 215º e 216º ex vi do nº 6 do art. 222º-F. [15] Cfr., neste sentido, entre outros, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 735 e seguinte, FERREIRA DE ALMEIDA, in Direito Processual Civil, vol. II, 2015, Almedina, págs. 369 e seguinte e RUI PINTO, in Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2020, págs. 80 e seguinte.