INJUNÇÃO DE PAGAMENTO EUROPEIA
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
SUBSIDARIEDADE
DIREITO DE ACÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário

I - Sendo a reconvenção uma nova ação do reconvinte contra o reconvindo, a chamada ação cruzada ou contra-ação, a apreciação dos fatores de conexão entre o objeto da ação e o da reconvenção que a tornam admissível, à luz do art. 266.º CPC, não tem que ser precedida de despacho liminar a convidar o reconvinte a pronunciar-se sobre tais fatores.
II - Nos termos do 848.º CC, a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra. Donde, para que os dois créditos se considerem extintos, não basta que se verifiquem os requisitos fixados na lei para poderem ser compensados (situação de compensação), sendo necessária, para além disso, a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção (declaração de compensação).
III - É admissível, em reconvenção, a chamada compensação eventual, i.é, a compensação invocada a título subsidiário (e não principal) quando o compensante conteste a existência da dívida, mas pretenda a compensação apenas para o caso de se provar a existência do crédito peticionado na ação.
IV - O artigo 917.º do Código Civil estabelece um prazo de caducidade para o comprador interpor ação judicial contra o vendedor não apenas com base na venda de coisa defeituosa mas também em caso de responsabilidade por cumprimento defeituoso.

Texto Integral

Processo n.º 1909/21.3T8PRT-A.P1


Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTORA: V... Lda, com domicílio na Zona ..., Lote ..., ....-..., ….

RÉ: M... Sl, com domicílio em Pol. ..., Parcelas ..-.. ....., ....

AA. instaurou procedimento de injunção de pagamento europeia visando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €20.113, 19, correspondente à venda de materiais do seu comércio a esta, com faturação no período compreendido entre março e maio de 2018, acrescendo juros de mora comerciais desde o vencimento das faturas.

A Ré ofereceu contestação dizendo ter encomendado a G... chapa canelada e ondulada com 0, 5 mm de espessura, tendo-lhe sido fornecida chapa com 0, 4 mm, tendo a Ré reclamado ainda durante 2018, solicitando fosse feita a retirada do material fornecido e se procedesse à sua substituição, o que sempre foi recusado, tendo a A. suspenso os pagamentos a efetuar à A.
Deduziu reconvenção, visando a condenação da A. a pagar-lhe €35.344,26, e juros moratórios, afirmando que a Autora procedeu à faturação à Ré de 1.180,24m2 de chapa canelada + 532,65m2 de chapa ondulada no que à fatura ... diz respeito, de 1.911,84m2 de chapa ondulada no que à fatura ... diz respeito, de 75,50m2 de chapa canelada +247,30m2 de chapa ondulada no que à fatura ... diz respeito e de 155,904m2 de chapa ondulada no que à fatura ... diz respeito, num total de 1.255,74m2 de chapa canelada que a Autora faturou a €5,25/m2 e de 2.847,694 de chapa ondulada que a Autora faturou a €4,80/m2. Tal faturação representou um prejuízo para a Ré de cerca de €1,30/m2 que, relativamente às faturas que estão em causa, que se cifra em €5.334,46.
Além disso, em pelo menos uma obra da Ré, onde empregou material em causa nos presentes autos, na sequência de reclamação do seu cliente, foi a mesma obrigada a proceder à substituição de parte da chapa aplicada por chapa com a espessura de 0,5mm, num total de 245,25m2, trabalhos esses que importaram a título de matéria prima o gasto de €1.226,25 e de mão de obra o custo de €1.600,00, num total de €2.826,25.
Ademais, entre os anos de 2014 e 2018, descontando os 4.130,434m2 relativos às faturas aqui causa, a Autora faturou à Ré 11.684,862m2 de chapa canelada e 2.756,328m2 de chapa ondulada, o que importou um benefício indevido para a Autora e um prejuízo injustificado para a Ré de cerca de € 1,30/m2, num total de €18.773,55 [(11.684,862 + 2.756,328) * €1,30], num total de €18.773, 55.
Finalmente, a Ré viu prejudicada a sua imagem junto dos seus clientes, que reclamavam e exigiam a substituição deste material, pretendendo uma indemnização a tal título de €8.500,00.

A A. apresentou réplica dizendo ser inadmissível a réplica, nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 266.º CPC porque extravasa os contratos a que se refere o pedido da A.; também não pode admitir-se ao abrigo da al. c) por ser contrária à lógica da compensação a negação da obrigação de pagar.
Afirma ainda que o pedido da Ré de devolução do preço pago, entre abril de 2014 e março de 2018, se encontra fora de tempo, por caducidade, pois que é de 8 dias o prazo para os comerciantes analisarem os produtos e reclamarem de eventuais desconformidades (arts. 469.º e 471.º Cód. Comercial).
Diz que também os prazos de 30 dias e de 6 meses estabelecidos nos arts. 916º e 917º do Cód. Civil estão há muito decorridos, pelo que também quanto aos mesmos ocorreu a caducidade.
Argumenta igualmente que a Ré não pode pedir a devolução dos €5.334,46, porque os não pagou e, para além disso, quer quanto a estes, quer quanto aos €18.773,55, emergentes de relações anteriores, operou já a caducidade, assim como quanto aos pretendidos €8.500,00, porquanto nestes se incluem €2.826,25, de despesas de uma obra que a Ré teve de substituir.

A Ré exerceu contraditório quanto à matéria da caducidade em consequência do despacho de 25.10.2021 com o teor seguinte: Notifique a Ré para, querendo, se pronunciar, em 10 dias, quanto à excepção de caducidade invocada pela Autora, no que toca ao pedido reconvencional.

A 3.12.2021, foi proferido despacho saneador, admitindo o pedido reconvencional quanto aos valores de €5.334,46, €2.826,25, e €8.500,00.
Não admitiu a reconvenção quanto ao valor de €18.773,55.
Julgou procedente a exceção de caducidade, julgando improcedente a reconvenção, quanto aos valores de €5.334,56, €2.826,25, e €8.500,00.

Desta decisão recorre a Ré, visando a sua revogação, culminando as alegações com as seguintes conclusões de recurso:
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A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, assim concluindo:
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Os autos correram vistos legais.

Objeto do recurso:
- Da decisão surpresa quanto à inadmissibilidade de parte do pedido reconvencional;
- Da admissibilidade da reconvenção à luz do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c) CPC;
- Da exceção de caducidade oposta pela A. ao pedido reconvencional.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
Os factos que interessam à decisão da causa são os que ficaram supra expostos e relativos ao iter processual.

Fundamentos de Direito
I - Da decisão surpresa quanto à inadmissibilidade de parte do pedido reconvencional.
Considera a recorrente que é nulo o despacho saneador na parte em que julgou inadmissível o segmento da reconvenção relativo à quantia de €18.773,55, uma vez que, tendo a A. pugnado nesse sentido na réplica, não foi permitido à Ré pronunciar-se a este respeito.
É um facto que à Ré foi permitido exercer o contraditório relativamente à exceção de caducidade deduzida pela reconvinda, não tendo o despacho-convite ao exercício desse contraditório abrangido outros temas para além deste.
O princípio do contraditório é um dos princípios estruturantes do processo civil, tendo assumido uma dimensão mais aprofundada com a reforma do Processo Civil operada pelo DL 329-A/95, de 12.12 e pelo DL 180/96 de 25.9.
Consagrado no artigo 3.º n.º 3, CPC, decorre deste princípio a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo permitido aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Como refere o TC[1], “A norma contida no artigo 3.º, n.º 3 do CPC resulta (…) de uma imposição constitucional, conferindo às partes num processo o direito de se pronunciarem previamente sobre as questões - suscitadas pela parte contrária ou de conhecimento oficioso - que o tribunal vier a decidir.”
Para Lebre de Freitas, a consagração do princípio da proibição das decisões surpresa resulta de uma conceção moderna e mais ampla do princípio do contraditório,“[…] com origem na garantia constitucional do Rechtiches Gehör germânico[2], entendido com uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O princípio do contraditório no plano das questões de direito exige que antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie”[3].
A omissão de tal procedimento constituirá nulidade.
Ora, as nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspetos processuais“[4].
Atento o disposto no art. 195.º e ss. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
A omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos arts. 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que integra a previsão do art. 195.º CPC e, por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art. 199.º CPC[5].
Uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e o julgamento.
A nulidade processual é distinta da nulidade da sentença, uma vez que a nulidade por falta de pronúncia, a que alude o art. 615.º, n.º 1 d) CPC está diretamente relacionada com o comando do art. 608.º, n.º 2 do mesmo Código, reportando-se ao não conhecimento das questões (que não meros argumentos ou razões) relativas à consubstanciação da causa de pedir e do pedido.
Nos termos do art. 615.º n.º 1, al. d) CPC a sentença[6] é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” - art. 608.º, n.º2 CPC.
Resulta do regime previsto neste preceito, que o juiz na sentença deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Pode considerar-se que a “omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com o respeito pelo princípio do contraditório destinado a evitar decisões-surpresa”, configura a nulidade da sentença/despacho, por omissão de pronúncia. Nestas circunstâncias o juiz está a tomar conhecimento de questão não suscitada pelas partes, sem prévio exercício do contraditório. Esta interpretação revela-se coerente com a atual conceção do principio do contraditório, entendido como “garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”[7].
No caso presente verificando-se a omissão do prévio exercício do contraditório, perante uma questão de direito suscitada pela reconvindo em réplica, o despacho seria nulo, nos termos do art. 615.º, n.º 1 d) CPC.
Todavia, aqui chegados há que considerar duas questões:
- é dispensada a audiência prévia em caso de “manifesta desnecessidade”;
- mesmo em caso de nulidade, haveria que operar com a regra da substituição ao Tribunal recorrido, prevista no art. 665.º CPC.
Verificam-se casos de manifesta desnecessidade de audição sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa-fé (cf. Artigo 8º do Código de Processo Civil), alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências.[8]
Uma dessas situações é a do despacho de indeferimento liminar, onde não tem que haver lugar a convite para a parte se pronunciar sobre eventual rejeição[9].
Ora, sendo a reconvenção uma nova ação do reconvinte contra o reconvindo, a chamada ação cruzada ou contra-ação, a apreciação dos fatores de conexão entre o objeto da ação e o da reconvenção que a tornam admissível, à luz do art. 266.º CPC, não tem que ser precedida de despacho liminar a convidar o reconvinte a pronunciar-se sobre tais fatores.
Ainda que assim não fosse, caso o despacho fosse nulo, a decisão deste tribunal não seria a de remessa dos autos à primeira instancia para prolação de nova decisão, mas, como o processo já contem elementos suficientes para o efeito, decidir sobre a questão da admissão da reconvenção.

II - Da admissibilidade da reconvenção à luz do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c) CPC.
Entendeu a decisão recorrida que a parte do pedido reconvencional que se refere aos contratos entre os anos de 2014 e 2018 (no valor de €18.773, 55), que não as compras e vendas em que se funda o pedido da A., não é admissível porque a reconvinte não admite a existência do crédito da A. e não pede a compensação de créditos.
Alega a Ré que não negou o fornecimento pela A., não podendo a Ré ser impedida de provar a existência de um contracrédito compensatório.
Ora, de acordo com o disposto no art. 848.º CC “a compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra”.
Quer isto dizer que “a compensação não opera automaticamente, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos. Ao contrário do que sucedia no CC anterior (que adotava o sistema da compensação automática ou ipso iure, em termos similares aos formulados em França, em Itália e em Espanha), para que os dois créditos se considerem extintos, não basta que se verifiquem os requisitos fixados na lei para poderem ser compensados (situação de compensação), sendo necessária, para além disso, a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção (declaração de compensação).
(…) a compensação opera através de uma declaração recetícia (ou recipienda), ou seja, de uma declaração que carece de ser dada a conhecer ao destinatário, tornando-se eficaz apenas quando chega ao conhecimento ou entra na esfera de poder do mesmo (art. 224.º)”[10].
Já de acordo com o n.º 2 do mesmo normativo, “a declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo”.
Neste capítulo, a doutrina e a jurisprudência não partilham o mesmo entendimento quanto à chamada compensação eventual, i.é, a compensação invocada a título subsidiário quando o compensante contesta a existência da dívida. Nesse caso, entende a doutrina que essa compensação não é feita sob condição “mas apenas sob reserva da efetiva existência do crédito da contraparte, crédito contra o qual se compensa e que é pressuposto do direito de compensar”[11].
Já alguma jurisprudência entende que sem se reconhecer o crédito que se pretende ver compensado, é impossível expressar-se a vontade de o compensar[12], embora outra entenda que Não é admissível a reconvenção para compensação eventual deduzida a título principal, pois que seria contraditório o reconvinte negar a existência do crédito peticionado na acção e ainda assim arrogar-se como titular de um contracrédito que pretendesse compensar (art.º 848.º, n.º 2 do Código Civil). Todavia, já é admissível a reconvenção para compensação eventual quando deduzida para a hipótese de se provar a existência do crédito peticionado na acção (arts. 266.º, n.º 6 e 286.º, n.º 2, do Código de Processo Civil)[13].
Na situação que nos ocupa, verificamos não ter a Ré invocado a compensação expressamente no seu articulado, como exceção ou como reconvenção, não se tornando esta eficaz relativamente à A, e, além disso, tendo contestado a obrigação enunciada pela demandante[14], ainda que tivesse invocado expressamente a compensação – o que não ocorreu – também se verifica que a compensação eventual não foi deduzida para a hipótese de se provar a existência do crédito da A[15].
Assim sendo, não seria admissível a reconvenção com base na al. c) do n. 2 do art. 266.º CPC.

III – Da exceção de caducidade.
No que tange aos restantes segmentos da reconvenção (2826,25€, 8500,00 e €5.334,46€), considerou o saneador-sentença o seguinte:
Em causa estão facturas de 26/01/2018, 16/02/2018, 02/03/2018 e 07/03/2018.
Conclui-se dos documentos 2 e 3 juntos com a oposição (cf. fls. 26 e ss) que a Ré teve conhecimento dos invocados defeitos ainda em 2018.
A presente acção entrou em juízo a 01 de Fevereiro de 2021.
É assim, patente que, nessa altura, estava já ultrapassado o prazo de 6 meses previsto no art.916º, bem como o prazo de 6 meses previsto no art. 917º.
Em recurso, considera a Ré que os pedidos reconvencionais merecem arrimo no disposto nos arts. 798.º e 799.º do Código Civil, pelo que que se encontram dentro do prazo, uma vez que não estão sujeitos a qualquer prazo de caducidade, mas submetidos ao prazo geral de prescrição, de 20 anos, nos termos do artigo 309.° do CC.
Contrapõe a A. que, mesmo quando um comprador pretende uma indemnização por violação do interesse contratual positivo e o faz a abrigo dos arts. 798º e 799º do Cód. Civil, o prazo para a propositura da ação é de 6 meses, sendo certo que isso tem que ocorrer na sequência de uma denúncia feita nos 30 dias contados da descoberta do problema e nos 6 meses contados da entrega do bem.
As partes não colocaram em causa a natureza jurídica do contrato, como compra e venda.
As obrigações associadas à realização do contrato de compra e venda são a obrigação de entregar a coisa, prevista na al. b) do art. 879º CC, e a obrigação de pagar o preço, prevista na al. c) do mesmo normativo, associadas ao vendedor e ao comprador, respetivamente.
Por seu turno, nos termos do art. 406.º, n.º 1, o devedor cumpre a obrigação quando realiza, pontualmente, a prestação a que está vinculado.
O regime regra do não cumprimento das obrigações relativas ao contrato de compra e venda, previsto nos arts. 790º e ss., contempla duas principais situações: o incumprimento definitivo e a mora.
Segundo o art. 798º, o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação é responsabilizado, tanto em caso de incumprimento definitivo como em caso de mora, pelo prejuízo que causar ao credor.
Todavia, entre a mora e o incumprimento definitivo, tem-se procurado definir a figura do cumprimento defeituoso e, embora o CC não o contemple particularmente, tem consagração legal nos arts. 798.º e ss. CC[16], aí se não incluindo os casos de entrega de coisa diversa da convencionada, caso de aliud pro alio[17].
A venda de coisas defeituosas é uma das perturbações que podem advir da realização do contrato de compra e venda, assim como a venda de bens alheios e a venda de bens onerados, entre outras, encontrando-se prevista nos arts. 913º a 922º do Código Civil.
Todavia, conforme se deixou consignado no ac. STJ, de 22.4.2015[18], que aqui transcrevemos em parte, «a doutrina, não deixa de estabelecer ou figurar a diferença entre cumprimento defeituoso de uma obrigação e venda defeituosa[19].
Estatui o artigo 913º do Código Civil que: “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
No comentário adrede referem os Professores Pires de Lima e Antunes: “[...] O artigo 913.º cria um regime especial cuja real natureza constitui um dos temas mais debatidos na doutrina germânica [...] para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas: a) Vício que desvalorize a coisa; b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
(…)
Como disposição interpretativa, manda o nº 2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria [...]”[20].
Do mesmo passo refere Calvão e Silva que “[o] vício ou não-conformidade reside na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu...” e, por isso, “a inexactidão qualitativa da prestação respeita à fase executiva do negócio e será um caso de incumprimento parcial ou cumprimento imperfeito: o vendedor não cumpre exactamente a prestação devida ao comprador segundo a interpretação objectiva do contrato (...).[21]”
Na hermenêutica do segmento normativo contido no n.º 2 do preceito citado retira-se a intenção do legislador em privilegiar um critério funcional ou de destinação ajustada um fim utilitário, idóneo e típico da coisa vendida[22].
Uma coisa está eivada de defeito, no apontado sentido, quando não se consegue obter dela o efeito ou a utilidade finalística que lhe são atribuídas pelo sentido experiencial em que a utilidade genérica da coisa se inere. A obtenção do efeito prático normal e pretendido, pode não ser total, mas tem de assumir uma relevância que torne a coisa inapta ou inábil para o fim que lhe está destinado. Esta aptidão da coisa deve ser aferida de forma objectiva e de acordo com padrões de normalidade, apreciada na perspectiva que o utilizador lhe pretendia conferir, segundo os padrões de normalidade e experiência comuns.
O cumprimento defeituoso pode, no entanto, resultar de específicas e concretas condições apostas no contrato celebrado entre as partes. Assim tendo as partes contraentes estipulado as características que devem estar reunidas na coisa a transmitir ou a fazer, o desvio, no cumprimento, das específicas e concretas qualidades convencionadas, pode constituir, pela sua relevância na economia e equilíbrio da relação contratual, um cumprimento defeituoso. Incluem-se nesta categoria as condições, características e qualidades que foram anunciadas e que se hajam revelado idóneas e determinantes para a realização do contrato, nos termos em que as partes o quiseram celebrar, v. g. declarações negociais tácitas e que não devam estar estado ausentes do texto contratual.»
Por sua vez, Teixeira de Sousa defende que “enquanto o cumprimento defeituoso pressupõe que a coisa prestada é diferente da acordada, a venda de coisas defeituosas baseia-se em que a coisa negociada e prestada não tem as características próprias ou asseguradas”[23].
Já para Diogo Machado[24], “Constitui entendimento pacífico na jurisprudência e doutrina que para se saber se estamos perante um problema de cumprimento defeituoso ou de erro, há que indagar se as qualidades da coisa ingressaram ou não no conteúdo do contrato. Em jeito sinóptico, se as qualidades da coisa vendida fazem parte integrante do conteúdo negocial e se ela não tem as qualidades acordadas, coloca-se um problema de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso. Se, ao invés, as qualidades não fazem parte integrante do conteúdo contratual vinculante para o vendedor, muito embora tenham motivado e determinado realmente o comprador a adquiri-la, não pode pôr-se um problema de cumprimento defeituoso, mas tão só de erro”.
Na situação dos autos, já se vê que a Ré não alega em momento algum que a chapa com 0, 5 mm, ao invés de 0, 4 mm de espessura, tenha sido negociada concretamente entre as partes de molde a considerar-se essa caraterística “parte integrante do conteúdo negocial”.
Com efeito, a demandada apenas refere que há uma desconformidade evidente entre o material solicitado pela Ré e faturado pela A. e aquele que foi fornecido à Ré (arts. 19.º e 33.º da contestação), concluindo-se que a qualidade da espessura motivou a compradora a adquirir a chapa, nada se dizendo quanto a isso “ser parte integrante do conteúdo contratual vinculante para o vendedor”.
Todavia, mesmo que se considerasse estar em causa um problema de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso, a solução para o problema vertente seria a mesma.
Veja-se que a questão colocada respeita ao tema do prazo de caducidade previsto no art. 917.º CC ou ao prazo geral de prescrição ordinária previsto no art. 309.º CC.
No caso da venda de coisas defeituosas, para que o vendedor seja responsabilizado pelo cumprimento defeituoso, é necessário que, previamente, seja realizada a denúncia do defeito junto daquele, como resulta do artigo 916.º do Código Civil.
A denúncia deverá ser feita nos trinta dias subsequentes ao do conhecimento do defeito por parte do comprador, e até seis meses depois da entrega da coisa (art. 916.º n.º 2 CC).
Na verdade, o artigo 917.º do Código Civil vem estabelecer um prazo de caducidade da ação, tratando-se de um prazo para interpor a ação judicial contra o vendedor não apenas com base na venda de coisa defeituosa mas também em caso de responsabilidade por cumprimento defeituoso.
É esse o entendimento de Romano Martinez, quando refere que “por analogia com o disposto no art. 1224º, dever-se-á entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso”[25].
Do mesmo modo Calvão da Silva[26]: “Embora o art. 917.º refira apenas a acção de indemnização, é de aplicar, por interpretação extensiva, o mesmo prazo de caducidade à actio quanto minoris[27], à acção de indemnização e à acção de reparação ou substituição da coisa, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas, porque e na medida em que são recursos contratuais por vícios da coisa.
Na verdade, seria incongruente não sujeitar as referidas acções de garantia aos mesmos prazos, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados prazos de denúncia e de caducidade. Em todas as referidas acções vale a razão de ser do prazo breve – evitar, no interesse do vendedor e do comércio jurídico, a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato e as dificuldades de prova dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa, que acabariam por emergir se os prazos fossem longos”.
Também para Morais de Carvalho[28], “apesar de a letra da lei indicar apenas a caducidade da ação de anulação por simples erro, a teleologia da norma parece abranger igualmente o exercício dos direitos de reparação, substituição ou redução do preço. Impõe-se, assim, por via interpretativa, a aplicação dos prazos de caducidade aqui previstos para o exercício desses direitos pelo comprador”.
Admitindo este mesmo raciocínio, já estabeleceu o STJ, em acórdão uniformizador de jurisprudência 2/97, de 4.12.1996 o seguinte: A acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeita à caducidade nos termos previstos no artigo 917.º do Código Civil.
Em abono desta extensão do art. 917.º CC aos casos aí não previstos – como seja a ação para reparação de defeitos ou outra – escreveu-se aí o seguinte:
A caducidade tem por objectivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado. Prevalecem considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Estão em causa prazos peremptórios de exercício do direito.
Acresce que, tendo a caducidade por objectivo conferir certeza às situações jurídicas e solucionar com brevidade os conflitos, não pode deixar de se concluir que os prazos a ela respeitantes, incluindo os do direito de acção, são normalmente curtos. E para reforçar a tutela da boa fé instituiu ainda a lei, por vezes, em prazos também breves, obrigações de denúncia que, em matéria de defeitos da coisa comprada, constam do artigo 916.º.
Ora, a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos à acção de reparação por defeitos, nos termos referidos — em vez do de caducidade do artigo 917.º —, não só conduziria a uma indefinição anormalmente longa dos direitos e obrigações com perda do equilíbrio desejável para o relacionamento entre os dois contraentes e para a segurança do comércio jurídico, como suscitaria dificuldades acrescidas na ponderação da existência ou não e em que condições dos prazos de denúncia, que são garantia do vendedor. Não se vê assim boa explicação, quer em termos de raciocínio do particular para o geral quer analógico, para que, em substituição de um inexistente prazo geral da caducidade do direito de acção, se vá buscar o prazo ordinário de prescrição, instituto com características e finalidades diferentes do anterior.
Já se vê assim que não procede a alegação da Ré segundo a qual, com tais prazos de caducidade, porque curtos, ficaria a mesma em manifesta desigualdade relativamente à A., porquanto estão em causa razões de certeza e de ordem pública destinadas a colocar rapidamente termo à indefinição do negócio jurídico, exigindo-se que, em caso de cumprimento defeituoso, o contraente adimplente, logo denuncie os vícios ao contraente inadimplente e, caso tal denúncia não seja bem sucedida, proponha quase de imediato, ação judicial[29].
O mesmo STJ considerou expressamente que O artigo 917.º do mesmo código deve ser interpretado em ordem a abranger todas as acções emergentes de cumprimento defeituoso[30].
Mais recentemente, o STJ, em acórdão de 6.10.2016[31], considerou do mesmo modo: O comprador de coisa defeituosa nos termos do art. 913.º, n.º 1, do CC, pode, em alternativa aos direitos descritos nos arts. 905.º a 912.º e ainda no art. 914.º do mesmo Código, escolher exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente do cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor (arts. 798.º, 799.º e 801.º, n.º 1, do CC). Sendo a causa de pedir – o vício da coisa –, comum a todas as correspondentes acções (de anulação, indemnização pelo interesse contratual negativo,…), em homenagem ao princípio da unidade do sistema jurídico, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, a esta acção de indemnização pelo interesse contratual positivo, decorrente de cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda comercial, por vício da coisa vendida – no caso, farinha imprópria para consumo humano –, o prazo de caducidade de seis meses previsto no art. 917.º do CC e não o prazo geral de prescrição ordinária de 20 anos, previsto no art. 309.º do mesmo Código.
Refira-se que a decisão do STJ mencionada pela recorrente não trata da questão da extensão do art. 917.º às situações em que se discute a redução do preço e indemnização pelo interesse contratual negativo (danos emergentes e lucros cessantes), porquanto no processo 3362/05.0TBVCT.G1.S1 estava em causa a questão de saber se o cumprimento defeituoso, mesmo que decorrente de vício da coisa vendida, poderia fundamentar o direito a resolver o contrato; no ac. RP, de 16.12.2009, também mencionado pela recorrente, entendeu-se que o decurso do prazo previsto no art. 471.° do C. Comercial para a compradora reclamar contra a qualidade da mercadoria adquirida faz caducar todos os direitos que lhe advêm do inadimplemento da vendedora, designadamente, o de indemnização, o qual está sujeito a este prazo de caducidade abrangendo a indemnização do chamado interesse contratual negativo, o qual pode compreender tanto o dano emergente como o lucro cessante. Entendeu, assim, que só concerne ao direito à indemnização do chamado interesse contratual positivo vale o prazo de prescrição a que alude o art. 309 º.
Ora, não só este entendimento entra em oposição com a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência que acima citámos, como o pedido reconvencional destes autos, na parte em que foi admitida a reconvenção, respeitando a redução do preço (€5.334,46) – embora a Ré lhe atribua a denominação de indemnização – e, bem assim, a danos emergentes (na sequência de reclamações de cliente da Ré que teve de proceder à substituição de chapa e depreciação da imagem da reconvinte), deflui do interesse contratual negativo.
É consabido que no âmbito da responsabilidade civil contratual, pode entender-se que o ressarcimento visa colocar o lesado na situação em que se encontraria caso não tivesse subscrito o contrato (interesse contratual negativo). Ou, por outro lado, o objetivo poderá passar por ser o de colocar a parte lesada em circunstâncias análogas às que se encontraria se o contrato tivesse sido cumprido (interesse contratual positivo).
Assim, a diferença entre dano positivo ou de cumprimento e o dano negativo ou de confiança é que a indemnização pelo dano positivo se destina a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse cumprido (o que não é manifestamente pretendido pela reconvinte), reconduzindo-se aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso; já a indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, assistindo-lhe o direito a ser ressarcido do que despendeu na expetativa da consumação do negócio.
Deste modo, há que considerar que, tendo a Ré alegado a denúncia dos defeitos à A., em 2018 (arts. 29.º a 31.º da contestação), a demanda desta última – por via reconvencional - para que a indemnize (e reduza o preço), nos termos acima expostos, operada em 4.5.2021, é manifestamente extemporânea, dado o prazo de caducidade previsto no art. 917.º CC.
É, pois, improcedente na totalidade o recurso apresentado.

Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Porto, 8.6.2022.
Fernanda Almeida
Maria José simões
Abílio Costa
___________________
[1] Acórdão 259/2000, de 2.5.
[2] E do direito a notice and hearing no due processo of law anglo-saxónico, como refere Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 39, expressando o sentido subjetivo do princípio do contraditório como implicando um direito de defesa ou direito a ser ouvido lato sensu, por oposição ao sentido objetivo como inerente à lógica do sistema judicial.
[3] Introdução ao Processo Civil- Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 124 e 133.
[4] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 156
[5] Neste sentido, o Ac. STJ 2.7.2015, Proc. 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29.1.2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1.
[6] Ou o despacho – art. 613.º, n.º3 CPC.
[7] Lebre de Freitas, cit, p. 125.
[8] Ac. RL, de 24.4.2018, Proc. 15582/17.0T8LSB.L1-7.
[9] Cfr. ac. STJ, de 24.2.2015, Proc. 116/14.6YLSB.
[10] Mónica Duque, anotação ao art. 848.º, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, ps. 1270 e ss.
[11] Mónica Duque, cit., p. 1272, onde a autora enumera a doutrina que admite a compensação eventual.
[12] Neste sentido, ac. RG, de 16.12.2021, Proc.1080/21.0T8BRG-A.G1, no qual se cita outra jurisprudência: o Acórdão da Relação de Guimarães de 1 de Julho de 2021, proferido no processo n.º 37601/20.2YIPRT.G1 (1), com o seguinte sumário (parte):“7. A compensação não opera automaticamente: tem que ser precedida da expressão da vontade nesse sentido de uma das partes à outra e essa declaração de vontade é ineficaz se for feita sob condição, como dispõe o artigo 848º, nºs 1 e 2 do Código Civil.8. Por isso, é impossível alegar validamente a compensação sem se reconhecer o crédito que se quer ver compensado, não podendo ser invocada subsidiariamente, para o caso de improceder a negação do crédito exigido pelo Autor.” Vejam-se, ainda, os arestos aí citados, designadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 652/07.0TVPRT.P1.S1 (2), em cujo sumário se sintetiza que “[o] recurso à compensação postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.
[13] Ac. RL de 9.3.2022, Proc.3866/20.4T8LRS-A.L1-4, onde se cita mais doutrina e jurisprudência propugnando pela admissão da compensação eventual para a hipótese de se provar a existência do crédito invocado na pi.
[14] Atente-se no teor da contestação:
3º Antes de mais, e por uma questão de clareza, comece-se por dizer que a Ré em momento algum solicitou à Autora os fornecimentos de materiais objeto das faturas em causa nos presentes autos.
4º Com efeito, a verdade é que todos os fornecimentos que deram origem às faturas em causa nos presentes autos tiveram a sua origem em nota de encomenda efetivada pela Ré mas dirigida à empresa “G..., Lda”.
[15] Terminando a contestação do seguinte modo:
A) – Deve a presente Contestação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a aqui Ré absolvida de todos os pedidos desenvolvidos pela Autora contra si;
B) – Deve o pedido reconvencional deduzido ser considerado procedente por provado e, consequentemente, determinar-se ser a Autora condenada a pagar à Ré a quantia de €35.344,26 acrescida do montante de juros moratórios vincendos calculados à taxa de juro para as operações civis desde a data de citação de notificação da Autora e até efetivo e integral pagamento;
[16] Cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, p. 154. Ver, ainda, Armando Braga, A Venda de Coisas Defeituosas no Código Civil – A Venda de Bens de Consumo, 2005, p. 11.
[17] Neste sentido Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas (Conformidade e Segurança). 2008, pp. 22-23, Carneiro da Frada, O Direito, 121, 469, e ac. STJ, de 8.10.2015, Proc. 1944/11.0TBPBL.C1.S1.
[18] Proc. 34/12.2TBLSA.C1.S1.
[19] Cfr. Parecer do Professor Antunes Varela, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, Tomo IV, pág.23 a 35, para quem ocorre uma situação de “[...] venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofre de vícios ou carece das qualidades abrangidas no art. 913.º do C.C....”. Verifica-se, no entanto, uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação “ […] não apenas em relação à obrigação de entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação proveniente do contrato ou qualquer outra fonte. E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidade ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito.” Cfr. e este propósito o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-04-2010, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, onde se escreveu: “Por coisa defeituosa, entende-se, em conformidade com o disposto pelo artigo 913º, do CC, aquela que sofre de vício que, funcionalmente, a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou que não tenha as qualidades, atributos ou propriedades asseguradas, expressa ou tacitamente, pelo vendedor ou necessárias à realização desse fim e que a desvalorizam. Ao lado dos casos em que a venda de coisa defeituosa vem acompanhada de cumprimento defeituoso da obrigação ou de falta qualitativa de cumprimento da obrigação, que contende com o âmbito da venda de coisas genéricas, ou seja, da coisa como deve ser, em que a vontade jurídico-negocial se estende às próprias qualidades da coisa, não se confinando apenas à coisa determinada que tenha sido entregue em cumprimento da obrigação (2), e em que o vendedor não realiza a prestação a que, por força do contrato, se encontra obrigado, em conformidade com o estipulado pelos artigos 762º, 798º, 817º e 406º, nº 1, do CC, outros há em que, como acontece com as vendas de coisas específicas ou individualizadas, ou seja, da coisa como é, falta uma qualidade essencial ao fim do contrato, existindo uma diferença de qualidade ou de identidade, que configura a situação, tão-só, como de venda de coisa defeituosa. Um outro critério determinativo da diferença de qualificação das duas situações em confronto consiste em avaliar se as qualidades da coisa vendida ingressaram no conteúdo do contrato, hipótese em que se trata de uma situação de inadimplemento ou de cumprimento defeituoso do contrato, ou, ao invés, se as qualidades da coisa vendida não ingressaram no conteúdo do contrato, hipótese em que a situação só pode ser tributária de erro, que não de incumprimento ou de cumprimento defeituoso, porquanto a qualidade determinante não constitui efeito negocial. Neste último caso, trata-se de um erro sobre as propriedades do objecto, porquanto foi a falta de representação acerca de certas propriedades da coisa que levou o agente a negociar. De facto, na hipótese de o vendedor entregar ao comprador a coisa, realmente, devida, segundo o contrato celebrado, mas que sofria de alguns vícios ou defeitos, elencados pelo artigo 913º, do CC, existe uma venda de coisa defeituosa, mas não, simultaneamente, um caso de cumprimento defeituoso do contrato. Há, assim, venda de coisa defeituosa, no contrato de compra e venda, sempre que este, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, esta sofra de vícios ou careça das qualidades abrangidas pelo artigo 913º, do CC, quer a coisa entregue corresponda, quer não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado. Em suma, a caracterização dogmática do regime da venda de coisa defeituosa pressupõe que a venda é realizada e a propriedade da coisa logo transmitida ao comprador, sendo a mesma já defeituosa, ao tempo da celebração do contrato.”
[20] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, Almedina, pág. 205.
[21] Cfr. Calvão e Silva, João, in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança”, Almedina, 2006, 4.ª edição.
[22] Cfr. Calvão da Silva, João “Compra e Venda de Coisas Defeituosas – Conformidade e Segurança”, Almedina, 2002, 4.ª edição, pág. 41, para quem a coisa vendida não realiza ou não cumpre o fim de funcionalidade normal a que se destina, quando está ervada de “vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina. Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913.º,n.º2,). Refere o mesmo autor que a lei privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, cônscio de que a relevância deve ser atribuída à “aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Donde a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina.”
”Do mesmo passo Romano Martinez, Pedro, in “Direito das Obrigações (Parte especial) – Contratos”, Almedina, 2001, págs. 122-123 “[a] coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim acordado. Os vícios e as desconformidades constituem defeito da coisa.”
[23] O Cumprimento Defeituoso e a Venda de Coisas Defeituosas, in 75 Anos da Coimbra Editora, p. 571.
[24] Direitos do Consumidor face à Desconformidade do bem: Hierarquia ou Alternatividade; Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho, 2015, p. 22 e 23. Disponível em Miguel Diogo da Rocha e Cunha Rodrigues Machado (uminho.pt)
[25] Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 1994, p. 413, acrescentando que “se o art. 917.º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos”.
[26] Vício de quantidade: defeito da coisa, erro autónomo e não cumprimento, in Estudos Jurídicos, 2001, p. 341.
[27] Ação com vista a obter a redução do preço.
[28] Anotação ao art. 917.º, Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., p. 1170.
[29] Morais de Carvalho, cit, p. 1153, entende que este regime é claramente desequilibrado a favor do vendedor, empregando o brocardo caveat emptor (o comprador que se cuide).
[30] Ac. de 16.3.2011, Proc.558/03.2TVPRT.P1.S1.
[31] Proc. 6637/13.0TBMAI-A.P1.S2, no qual se enunciam exemplos da mesma jurisprudência do STJ: Na jurisprudência do STJ, os Acórdãos de 12-01-2010, Revista n.º 2212/06.4TBMAI.P1.S1, de 04-05-2010, Revista n.º 2990/06.0TBACB.C1.S1, de 30-09-2010, Revista n.º 256/05.2TBAMT.S1, de 02-11-2010, Revista n.º 6473/06.0TBALM.L1.S1, de 22-05-2012, Revista n.º 5504/09.7TVLSB.L1.S1, de 24-05-2012, Revista n.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1, de 13-02-2014, Revista n.º 1115/05.4TCGMR.G1.S1.