SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS
INDEMNIZAÇÃO
PERÍCIA MAIORITÁRIA
Sumário

I - O processo relativo à fixação de indemnização em caso de servidão administrativa para implantação de instalações elétricas, a que se aplica o Código das Expropriações (art. 8.º), em vigor à data da emissão da licença de estabelecimento, está previsto no Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1969, cujo art.37.º dispõe que os proprietários dos prédios têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas.
II - Nestes processos, o laudo pericial maioritário, onde se contam os peritos nomeados pelo tribunal, merece a melhor credibilidade, pela equidistância das suas posições, apenas podendo ser afastado se se revelar legalmente inadmissível ou faticamente incorreto, e se prova de igual natureza técnica infirmar os respetivos fundamentos.
III - Quanto aos terrenos aptos para construção, como sucede com os incluídos pelo PDM local em Espaço para Atividades Económicas, o respetivo valor não é determinado diretamente pelas suas caraterísticas físicas, mas sim por aquilo que se revele com segurança ser nele possível edificar. Essa potencialidade não resulta apenas das normas abstratas dos instrumentos de ordenamento do território, mas de prova concreta, alicerçada em projetos, pedidos de viabilidade ou comparação com situações idênticas projetadas ou implantadas no terreno.
IV - No cálculo da indemnização com vista a apurar o valor do solo apto para construção, cumpre ponderar os fatores corretivos previstos nos n.ºs 8 e 9 do art. 26.º CE (como o coeficiente de afetação), pelo que é admissível a correção ao valor administrativo relativo ao custo de construção para habitação, quando não estarmos perante construção de habitação, mas sim de indústria (de ponta ou outra, incluindo turística ou hoteleira) e armazenamento.
V - A consideração de um fator de risco ou esforço, à luz do n. 2 do art. 26.º CE, tem de alicerçar-se em elementos de facto constantes do processo relativos a todas as circunstâncias envolventes do terreno a avaliar, impondo uma análise objetiva, independentemente do custo dos meios instrumentais utilizados pelo expropriado para obter a justa indemnização.
VI - Na determinação do valor do solo apto para outros fins, não poderá o tribunal deixar de considerar que se trata de solo florestal, sem outro aproveitamento, quando os interessados, visando a avaliação como solo aproveitável para outras finalidades (p. ex., construção de equipamentos ou estruturas de aproveitamento recreativo, turístico ou outro), não apresentam qualquer documento relativo a pedido de viabilidade, projeto ou outro elemento que permita concretizar aquela possibilidade.

Texto Integral

Processo n.º 3279/17.5T8STS.P1


Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
Nos presentes autos de indemnização por constituição de servidão administrativa em que é beneficiária REN – REDE ELÉTRICA NACIONAL, S.A., com sede na Avenida ..., ..., Lisboa, e proprietárias AA, residente na Rua ..., Trofa, e BB, residente na Rua ..., ..., Trofa, a 29.1.2028, foi junto aos autos acórdão de arbitragem, nos termos do art. 49.º do Código das Expropriações, relativamente ao prédio n.º ... sobre o qual foi determinada pelo Diretor-Geral de Energia, a constituição de servidão administrativa para instalação de linha área dupla, a 400kv, entre o apoio P50 da Linha ... - .... . e a nova subestação de Vila Nova de Famalicão.
Em tal laudo pericial foi fixada a indemnização devida às proprietárias em €89.876,84, assim discriminados: €60.822,60, prejuízo em solo industrial; €28.278,44, prejuízo em solo florestal; €266,20, valor da perda total na zona dos postes; €509,60, frutos pendentes.
Da decisão arbitral recorreram as aquelas, visando a fixação da indemnização em €1.092.560,00, sendo €801.000,00, pelo valor do solo em espaço de atividades económicas; €87.615,00, pelo valor do solo em espaço florestal; €5.000,00, pelo valor resultante da colocação dos postes; 509,60, pelos frutos pendentes, e €198.436,00, pela depreciação das parcelas florestais sobrantes.
A entidade administrativa opôs-se à procedência do recurso.
Foi realizada perícia, com intervenção de três peritos nomeados pelo tribunal e dois nomeados por cada uma das partes, tendo os peritos nomeados pelo tribunal e, bem assim, o indicado pela recorrida, fixado a indemnização em €97.631,96, assim distribuída:
- Espaço para atividades económicas: 17.800 m2 x 3, 6698€/m2 = €65.148,00;
- Área florestal de produção: (23.364 m2 – 2x 220 m2)x1,9898€/m2x50% = €22.694,76; 2x220 m2x1,98€/m2x100%=871, 20€;
- Frutos pendentes: €8.918,00.
Pelo perito indicado pelas expropriadas, a indemnização total foi fixada em €486.882,00, assim distribuídos:
- Espaço para atividades económicas: 17.800 m2 x18, 225€/m2=€324.405, 00;
- Área florestal de produção: (23.364 m2 – 2x 220 m2)x4,50€/m2x50%=€51.579,00; 2x220 m2x4, 50€/m2x100%=51.579, 00;
- Devassa causada pelo livre acesso de pessoal e equipamentos: €100.000,00;
- Frutos pendentes: €8.918,00.

Realizado julgamento, as partes produziram alegações, nos termos do art. 64.º do CE e foi proferida sentença, datada de 22.12.2021, a qual julgou o recurso da decisão arbitral parcialmente procedente e condenou a entidade administrativa a pagar às proprietárias o montante indemnizatório de 97.631,96€, relativamente à parcela n.º ..., quantia atualizada de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, desde a data da declaração da utilidade pública até à data do trânsito em julgado da sentença.
Foram aí dados como provados os seguintes factos:
1. A aquisição do prédio rústico sito no Lugar ..., da União das Freguesias ... (... e ...), com a área de 90.500,00 m2, composto de pastagem pinhal e mato, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º ... afigura-se registada a favor de AA e BB.
2. A aquisição do prédio rústico sito no Lugar ..., da União das Freguesias ... e ..., com a área de 149.100,00 m2, composto de eucaliptal, pinhal e mato, inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial da Trofa sob o n.º ... afigura-se registada a favor de AA e BB.
3. Por despacho proferido pelo Diretor-Geral da Energia de 9 de abril de 2015, publicado no Diário da República, 2 ª Série, n.º 152, de 8 de agosto de 2017, foi declarada a utilidade pública com carácter de urgência com referência à constituição de servidão administrativa incidente sobre uma faixa com a largura de 45 metros que atravessa os prédios descritos em 1) e 2), com a área total de 28.664m2, no âmbito da instalação “linha área dupla, a 400kv, entre o apoio P50 da Linha ... - .... . e a nova subestação de Vila Nova de Famalicão”.
4. Por despacho exarado nos autos em 15 de novembro de 2018, foi adjudicada a predita servidão administrativa.
5. A Expropriante instalou na faixa referida em 3) dois apoios da predita linha com uma área de implantação de 110,00 m2.
6. No decurso de instalação da predita linha, foram abatidos 6370 eucaliptos com DAP <10 cm.
7. A parcela indicada em 3) desenvolve-se no sentido sul/norte e no interior dos sobreditos prédios, não confronta com qualquer caminho e não dispõe de infraestruturas.
8. Os prédios mencionados em 1) e 2) encontram-se, em linha reta, a cerca de 4,5 km do centro urbano da cidade da Trofa.
9. Na maior parte dos prédios existe uma plantação ordenada de eucaliptos e na restante parte existe povoamento arbóreo disperso, por regeneração espontânea, constituído maioritariamente por pinheiros bravos, eucaliptos e alguns carvalhos, e por vegetação arbustiva e herbácea, constituída por matos, silvas e giestas.
10. A parte norte do conjunto dos prédios confronta com a EN ... e está enquadrada por uma zona industrial, sendo que a parte restante dos prédios está enquadrada por uma zona rural com grandes manchas florestais e agrícolas e por pequenos aglomerados com características rurais, cuja zona nascente confronta parcialmente com um caminho público em terra batida.
11. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam e da declaração de utilidade pública, os prédios referenciados em 1) e 2) estavam inseridos no Plano Diretor Municipal da Trofa, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 169, de 22 de fevereiro de 2013, em duas categorias de solos:
a) a primeira zona, situada a norte e inserida na envolvente da zona industrial, com uma área de cerca de 17.800 m2, está inserida em “Espaço de Atividades Económicas”;
b) a segunda zona está inserida em “Espaço Florestal – Área Florestal de Produção”.
12. Para a área de 17.800 m2 indicada em 11), alínea a, fixa-se:
a) o custo de construção de referência de 634,41€ por m2 de área útil;
b) coeficiente de afetação de 60%;
c) 1a percentagem de 85% de conversão da área útil em área bruta;
d) área bruta de construção: 60% da área total da parcela;
e) índice de utilização médio: 0,60 m2/m2;
f) superfície da área bruta de construção: 70% da área total da parcela;
g) localização, qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona: 12%;
h) acesso rodoviário: 1,5%;
i) rede de abastecimento domiciliário de água: 1%;
j) rede de saneamento: 1,5%;
k) rede de distribuição de energia elétrica: 1%;
l) estação depuradora: 2%;
m) rede distribuidora de gás: 1%;
n) rede telefónica: 1%;
o) fator de risco: 10%;
p) depreciação do solo: 10%.
13. Em consequência do descrito em 12), fixa-se o valor unitário do solo da sobredita área em 3,66€/m2.
14. Para a área florestal de 23.364,00 m2, considera-se o rendimento do seu aproveitamento florestal, fixando-se:
a) produção de 20.000 kg/ha/ano;
b) peço da madeira ao produtor: 35,00€/tonelada;
c) encargos de produção: 15%;
d) taxa de capitalização 3%.
15. Em consequência do descrito em 14), fixa-se o valor fundiário da antedita área em 1,98€/m2.
16. Estima-se a depreciação do solo em 50% para a faixa de proteção contra contactos acidentais com 45 metros de largura e a depreciação de 100% para a área correspondente ao dobro da zona de implantação dos apoios enunciados em 5).
17. Em consequência do enunciado em 6), fixa-se o valor dos frutos pendentes em 8.918,00€.
B) Factos não provados
18. Para a área de 17.800 m2 indicada em 11), alínea a, fixa-se:
a) índice de implantação de 0,70;
b) a percentagem de 98% de conversão da área útil em área bruta;
c) localização, qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona: 15%.
19. Fixa-se o valor unitário do solo da área mencionada em 11), alínea a em 48,96€/m2.
20. Estima-se uma depreciação de 100% em toda a área enunciada em 11), alínea a.
21. Fixa-se o valor fundiário da área enunciada em 11), alínea b em 5,00€/m2.
22. Estima-se a desvalorização da área correspondente ao dobro da zona de implantação dos apoios enunciados em 5) em 5.000,00€.

Desta sentença recorrem as expropriadas, visando a fixação da indemnização nos seguintes termos:
a) Desvalorização total para efeitos construtivos do terreno inserido em zona de solo apto para construção, restando após a passagem das linhas o seu valor residual enquanto terreno apto para outros fins; assim solo urbanizado:17.800m2 x 50€ m2 = 890.000,00€; sendo que o terreno para outros fins no local corresponde a € 5 /m2: 17.800 x 5€m2 = 89.000€. A desvalorização corresponde à diferença do valor que tinha o solo antes da passagem das linhas, e o valor que passou a ter depois da constituição da servidão, isto é, 890.000,00€ - 89.000,00€ = €801.000,00;
b) No que se refere ao solo onerado com a servidão inserido em espaço florestal, corresponde: à área que ocupa a servidão ou seja 23.364m2 x 5€/m2 = 116.820,00€, sendo que esta área sofreu uma desvalorização de 75%, traduz-se o prejuízo sofrido em €87.615, 00;
c) O prejuízo resultante da colocação dos postes corresponde a €5.000,00;
d) Valor dos frutos pendentes é de €509, 60;
e) Valor da depreciação das parcelas florestais sobrantes: a área florestal, excluindo a área correspondente à servidão, são 198.436,00m2, sendo que o preço corrente no local ao tempo da DUP era 5€/m2, a zona do imóvel integrada em solo apto para outos fins valia 992.180,00€, sofreu em consequência da servidão uma depreciação de 20%, teve uma desvalorização €198.436, 00.
Caso não mereçam acolhimento os elementos invocados no presente recurso no que se refere ao preço justo (50,00/m2) no solo apto para construção antes da constituição da servidão, o que apenas por mera cautela de patrocínio se coloca, e seja mantido o valor de 36,66€/m2 de acordo com os cálculos constantes da sentença a quo; deve sempre a desvalorização da parcela inserida em zona aedificandi, corresponder à diferença entre 36,66€/m2 e o valor fixado pelo m2 para o terreno apto para outros fins, que constitui a parte restante da propriedade, comportando essa diferença o valor prejuízo sofrido por m2.
Para tanto, aduziram argumentos que consignaram nas seguintes conclusões:
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Contra-alegou a recorrida, opondo-se à procedência do recurso com base nos argumentos que explicitou nas seguintes conclusões:
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Os autos correram vistos.

Delimitação do objeto do recurso:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639.º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas recorrentes, são as seguintes:
- Do cumprimento das regras de impugnação da matéria de fato e da alteração desta.
- Da servidão administrativa para emissão de licença de estabelecimento de instalações elétricas e da indemnização prevista no DL 43335, de 19.11.69 e 8.º CE.
- Das normas do PDM local e da sua aplicabilidade concreta.
- Do cálculo da indemnização devida pelo estabelecimento de servidão sobre solo apto para construção.
- Do cálculo da indemnização devida pelo solo destinado a outros fins – Área Florestal de Produção.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de Facto
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Fundamentos de direito
A questão em causa nos autos prende-se com o apuramento da indemnização a atribuir às recorrentes relativamente aos prejuízos causados com a sobrepassagem da linha aérea dupla, a 400 Kv, entre o apoio P50 da Linha ... - .... . e a nova Subestação de Vila Nova de Famalicão, ficando constituídas as linhas aéreas a 400 Kv ... - ... e ... - ..., na extensão de 26198m e 25590m.
Trata-se da constituição de uma servidão administrativa, mantendo-se a totalidade da propriedade dos terrenos das recorrentes, com as condicionantes impostas por lei, quanto às condições de segurança da linha.
Por servidão administrativa deve entender-se o encargo imposto sobre um imóvel em benefício de uma coisa, por virtude da utilidade pública desta[1].
Não estamos, assim, perante um processo de expropriação propriu sensu, porque não teve lugar uma declaração de utilidade pública, mas sim um processo de licenciamento que foi constituído por um projeto executivo (projeto técnico) e por um estudo de impacto ambiental (EIA), o qual foi promovido pela Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG), na qualidade de entidade licenciadora.
O licenciamento ficou concluído com a emissão da licença de estabelecimento, que confirmou que o projeto cumpria os requisitos legais, de segurança e técnicos, permitindo à REN iniciar o processo de estabelecimento da servidão e consequentemente iniciar a construção da linha (cfr. Regulamento de Licenças para Instalações Elétricas, aprovado pelo Decreto-Lei 26.852, de 30.7.1936, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 446/76, 5.6.1976, e 344/89, de 13.5.1989)[2].
O processo relativo à fixação de indemnização e demais tramitação a que se aplica o Código das Expropriações (art. 8.º) em vigor à data da emissão da licença de estabelecimento, está previsto no Decreto-Lei 43335, de 19 de Novembro de 1969 (como resulta do disposto no artigo 75.º, n.º 2, do Decreto-Lei 172/2006, de 23 de Agosto).
Nos termos do artigo 37.º daquele Decreto-Lei 43.335, os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas.
Por sua vez, o artigo 38.º do mesmo diploma estabelece que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.
Da decisão arbitral pode haver recurso no prazo de prazo de oito dias, nos termos do artigo 42.º do DL 43.335, recurso que, nos termos do artigo 8.º da Lei 2063, de 3.6.1953, é interposto para o juiz da comarca onde se insere o prédio.
Na situação dos autos, o processo foi avocado pelo tribunal a pedido das recorrentes, tendo estas discordado da decisão arbitral que fixou a indemnização em €89.876, 84.
Realizado julgamento, continuam as recorrentes a considerar parca a indemnização que lhes foi arbitrada.
Ora, “os danos que resultam do estabelecimento da servidão administrativa para estabelecimento de linhas aéreas são indemnizáveis por via da responsabilidade civil por factos lícitos, que implicam a limitação do espaço aéreo abrangido pelo direito de propriedade, a que se refere o artigo 1344º do CC (cfr. A. Varela e P. Lima CC anotado, vol. III, 2.ª ed., pág.175) e, por força dos já mencionados artigos 37.º do DL 43335 e 62.º da CRP, devem incluir tanto os prejuízos que constituem uma directa privação ou diminuição de rendimento da implantação das linhas, como aqueles que indirectamente vierem a verificar-se como resultado do impacto das mesmas”[3] e isto porque “o citado art.37° do Decreto-Lei n º 43335 de 19 de Novembro de 1960 ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos actuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas, in casu, de alta tensão.
Do que podemos retirar, em face da melhor interpretação deste dispositivo, que, para além dos prejuízos indemnizáveis por via da imposição da servidão administrativa, resultantes directamente da materialização dessa servidão, existem outros prejuízos indemnizáveis, por danos indirectos, nomeadamente os resultantes da desvalorização do prédio por danos na qualidade ambiental do mesmo, ou por danos morais para o proprietário resultantes da perturbação dos seus direitos de personalidade, como sejam o direito ao repouso, ao sono, e a usufruir do prédio com tranquilidade”[4].
Vejamos, então, o que opõem as recorrentes à indemnização fixada na sentença recorrida.
Consideram as recorrentes que “os Srs. Peritos ao terem apenas considerado como máximo a altura de 12 m para as fachadas, e em consequência afirmando que a construção debaixo das LMAT continuava possível, partiram de premissas falsas que levaram a resultados absolutamente irreais, com prejuízo manifesto para as recorrentes”.
Refere-se esta asserção ao segmento da indemnização relativo aos constrangimentos à edificação na zona onde passam as LMAT, tratando-se de solo apto a Espaço de Atividades Económicas, de acordo com o Plano Diretor Municipal da Trofa (art. 11.º, n.º 2 iii), aprovado pela Assembleia Municipal, a 27.12.2017 (Aviso n.º 2683/2013, DR, n.º 38, II.ª Série, de 22.2).
Os constrangimentos aqui em causa resultam do Decreto Regulamentar 1/92, de 18.2, que impõe a observância de uma distância mínima de seis metros das edificações aos pontos de flecha máxima dos cabos, tendo os peritos maioritários considerado ser possível manter a área de implantação posto que a altura mínima dos cabos é de 29 metros e a cércea permitida pelo PDM é de 12 metros. O perito indicado pelas recorrentes alude à construção de instalações técnicas com altura superior a 12 metros (p. 9 do relatório).
Na secção III daquele PDM, relativa à construção em Espaço de Atividades Económicas, o 55.º, sob a epígrafe Regime de Edificabilidade, estatui: 1 - Às novas construções ou à ampliação de edifícios existentes são aplicáveis as seguintes disposições: a) A altura da fachada máxima admitida é de 12 metros, exceto no caso de instalações técnicas devidamente justificadas;
Ou seja, este normativo admite que a cércea seja superior a 12 metros, mas para o caso de instalações técnicas devidamente justificadas.
Ora, nenhuma prova as recorrentes apresentaram, mormente pedidos de viabilidade de construção apresentados junto da câmara municipal ou projetos, relativamente à possibilidade de ali se construírem tais instalações técnicas – quais e com que altura? -, não tendo igualmente o respetivo perito consolidado esta situação, uma vez que se limita a referir a possibilidade de construção com altura superior a 12 metros (p. 9 do relatório), mas sem especificar a que instalações e com que altura, de molde a poder ser cotejado com a altura das linhas na área em apreço.
A simples invocação da norma do PDM é imprestável para, na ausência de projetos concretos ou pedidos de viabilidade, afastar a regra geral sobre cérceas em benefício de uma exceção que não se revela minimamente projetada ou possível.
É, assim, improcedente este argumento.
Rebelam-se ainda as recorrentes quanto ao segmento do cálculo indemnizatório relativo à potencial capacidade construtiva no prédio, tendo os peritos nomeados pelo tribunal e indicado pela recorrida, considerado um índice de utilização médio de 0,60 m2, com base no art. 55.º, nº1 b) do PDM que estabelece um índice de utilização não superior a 0,50 ou 0,70 da área do prédio, consoante este seja ou não sujeito a operação de loteamento.
Não indicam as recorrentes qual o índice que deveria ser tido em conta (o indicado pelo respetivo perito, de 70%?), limitando-se a referir o n.º 2 daquele normativo segundo o qual o índice de utilização referido na alínea b) do número anterior e relativo ao prédio não sujeito a operação de loteamento pode ser aumentado para 0,90 no caso de unidades industriais que pelo seu impacto na economia local ou regional sejam do interesse público, assim declarados nos termos da lei.
É certo que a norma em apreço contém essa cláusula de exceção. Porém, mais uma vez, não constam dos autos elementos que permitam considerar que, no local, existe aptidão para afastar a norma geral relativa ao índice de utilização ali permitido, nem são concretizadas as unidades industriais que pelo seu impacto na economia local ou regional sejam do interesse público e que aqui poderiam ser erigidas.
Na verdade, para abranger os prédios das recorrentes na exceção em apreço, optando por uma percentagem diferente da regra geral, isto é, entre os 50% estabelecidos na regra legal e os 90% previstos para a exceção, haveriam de ser alegados e demonstrados factos dos quais resultasse o merecimento de inclusão na previsão excetiva.
O perito indicado pelas recorrentes adotou o índice de 60%, mas também ele não explicitou a razão pela opção de tal número, não evidenciando qualquer tipo de unidade industrial existente nas imediaçãoes ou projetada que mereça a qualificação extraordinária de impacto local ou regional com de interesse público.
Sendo assim, a opção pelo índice legal genérico – 50% - tem a vantagem de se ancorar na lei e de, nessa base, ser indiscutível.
Improcede, pois, também esta argumentação.
Quanto à indemnização a estabelecer, já referimos que ao estabelecimento da servidão administrativa, em termos indemnizatórios, se aplica o previsto no CE cujo art. 1.º alude a “justa indemnização”.
Na verdade, a Constituição remeteu para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que esta seja “justa” (art. 62.º, n.º2).
A indemnização será justa se ressarcir o expropriado atribuindo-lhe o montante correspondente ao valor do bem.
O critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, é o do seu valor corrente, sendo “... a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto”[5].
Por isso, o art. 23.º CE preceitua, 1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data. (…) 5 - Sem prejuízo do disposto nos n. 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique, requerer ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
O legislador fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários tipos de bens expropriados a fim de evitar injustiças relativas ou ponderações arbitrárias.
Assim, quanto aos terrenos que se considerem aptos para construção dispôs-se o seguinte nos quatro primeiros números do artigo 26.º, do Código das Expropriações:
1 - O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º 2 - O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10 %. 3 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respetivos valores. 4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.
Para os terrenos com esta aptidão, o valor venal não é determinado diretamente pelas suas caraterísticas físicas, mas sim por aquilo que nele é possível edificar. É essa potencialidade que lhe confere um especial valor no mercado que deve ser considerado para efeitos de atribuição de uma indemnização justa pela sua expropriação.
Uma vez que não tem sido prática a elaboração pelos serviços competentes do Ministério das Finanças de uma lista das transações e avaliações fiscais e respetivos valores, tem sido utilizado o critério subsidiário previsto no n.º 4 do art. 26.ºCE.
Dispõe este preceito que o valor dos solos com esta aptidão se calcula em função do custo da construção que nele é possível erigir, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes do mesmo art. 26.º. Conforme resulta do disposto nesses números, o valor da indemnização corresponderá a uma percentagem do custo da construção, obtido num juízo de prognose, tendo em atenção o grau de influência que as específicas caraterísticas do terreno em causa determinam no valor final do prédio edificado.
O disposto no n.º 5 refere que na determinação do custo da construção se atende, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada[6].
Conforme resulta do art.61.º, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela L 6/2006, de 7.2, até à publicação de um novo regime, mantêm-se em vigor o regime de renda condicionada a que se reporta o revogado Regime do Arrendamento Urbano (RAU), constante do Decreto-Lei 329-A/2000, de 22.12.
O DL 141/88, de 22.4, alterado pelo DL 288/93, de 20. , no artigo 5.º, regulou o preço de venda dos fogos de habitação social.
O preço das construções por metro quadrado é, assim, fixado anualmente, por zonas do país, por portaria, referindo-se esses valores não a custos de produção mas sim a custos de aquisição pelo consumidor.
No caso concreto, para efeitos de atribuição da indemnização devida pela constituição da servidão administrativa sob os 17.800 m2 (área inserida em zona de solo urbanizado – Área a Consolidar – Espaço de Atividades Económicas), considerou o tribunal recorrido um valor por m2 de 3,66/m2, na sequência da prova pericial alcançada pelos peritos nomeados pelo tribunal e indicado pela expropriante.
O perito indicado pelas recorrentes alcançou um valor de €18.225, e as expropriadas pretendem se considere um valor de €50,00/m2 ou, pelo menos, o correspondente à diferença entre €36,66/m2 e o valor do m2 para o terreno apto para outro fins.
Já referimos inexistir qualquer prova – nem as recorrentes peticionaram que os factos apurados fossem alterados a esse respeito para valor distinto (qual?) – que permita estabelecer valores distintos dos alcançados pelos peritos, sendo que o valor a arbitrar nunca poderia corresponder a perda total do terreno posto que o mesmo continua sob propriedade das recorrentes apenas agora onerado com servidão.
E, na verdade, as próprias recorrentes escalpelizam as diversas operações levadas a efeito pela perícia para alcançar aqueles valores por m2.
Neste tocante, consideraram os peritos como custo de construção o custo de referência definido pela Portaria 353/2013, de 4.12, para a zona III, onde se insere o concelho da Trofa, o que corresponde a €634,41/m2.
Depois, consideraram todos os peritos um Coeficiente de Afetação (CA) de 60% por estar em causa a construção para a indústria e armazenagem e não habitação.
Entendem as recorrentes que este CA não deve ser aplicado e que €634,41/m2 deveria ser o valor a considerar para efeitos de custo de construção, uma vez que o art. 55.º do PDM prevê também para estas zonas de Atividades Económicas a edificação para serviços de comércio, estabelecimentos hoteleiros e outros equipamentos de apoio àquelas atividades industriais e de armazenagem.
Veja-se que, no cálculo da indemnização, com vista a apurar o valor do solo apto para construção, cumpre ponderar os fatores corretivos previstos nos n.ºs 8 e 9 (este não aplicado pelos peritos – p. 8 do relatório) do citado art. 26.º CE.
É nesta vertente que se admite possa ser introduzida correção ao valor administrativo relativo ao custo de construção para habitação, quando é certo não estarmos in casu perante construção de habitação, mas sim de indústria (de ponta ou outra, incluindo turística ou hoteleira) e armazenamento.
Todos os peritos, incluindo o indicado pelas recorrentes, consideraram ser de introduzir um CA (como já o haviam feito os árbitros), tendo a respetiva percentagem sido alcançada de acordo com o estabelecido no CIMI em cujo art. 40.º se prevê um CA dependente do tipo de utilização dos prédios que, para os casos de armazéns e atividade industrial, é de 0,60.
Ora, como se refere no ac. RG, de 5.2.2017[7], “o valor do solo apto para a construção deve ser calculado em função do custo da construção, dos índices de construção e da incidência fundiária. Ou seja, o Vt/m2 (valor unitário do terreno) é função do cc (custo de construção), do ic (índice de construção), e do if (índice de incidência fundiária). É o que resulta do art. 26 do C. Exp., na interpretação que dele tem sido feita pela jurisprudência (v.g., Ac. do TRL de 08/10/2009, proc. 2313/04.3TBCLD.L1-6, e Ac. do TRL de 110/02/2010, proc. 114/1998.L1-6) e pela doutrina”.
Quer isto dizer que a aplicação de um CA se justifica inteiramente.
Para efeitos do disposto no n.º 6 do art. 26.º CE, os peritos maioritários atribuíram ao valor do solo apto para a construção deverá ser 12% do custo da construção, no que concerne à localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona. O perito indicado pelas recorrentes atribuiu a este item o1 15% máximos previstos na lei e são esses 15% que aquelas pretendem ver fixados pelo tribunal.
A percentagem relativa a este ponto fora já, no acórdão de arbitragem, fixada em 12%.
Para efeitos do aqui está em causa, apenas vemos dado como provado o seguinte:
7. A parcela indicada em 3) desenvolve-se no sentido sul/norte e no interior dos sobreditos prédios, não confronta com qualquer caminho e não dispõe de infraestruturas.
8. Os prédios mencionados em 1) e 2) encontram-se, em linha reta, a cerca de 4,5 km do centro urbano da cidade da Trofa.
9. Na maior parte dos prédios existe uma plantação ordenada de eucaliptos e na restante parte existe povoamento arbóreo disperso, por regeneração espontânea, constituído maioritariamente por pinheiros bravos, eucaliptos e alguns carvalhos, e por vegetação arbustiva e herbácea, constituída por matos, silvas e giestas.
10. A parte norte do conjunto dos prédios confronta com a EN ... e está enquadrada por uma zona industrial, sendo que a parte restante dos prédios está enquadrada por uma zona rural com grandes manchas florestais e agrícolas e por pequenos aglomerados com características rurais, cuja zona nascente confronta parcialmente com um caminho público em terra batida.
Quanto às infra-estruturas existentes, apuraram-se as que constam em 12 als. h) a n).
Nada mais foi apurado quanto a localização, qualidade ambiental e equipamentos existentes na zona e nem as recorrentes (ou o respetivo perito) indicaram outros factos concretos a considerar e prova concreta que os apoie em ordem a podermos divergir, de modo fundamentado, do critério maioritário da perícia, sendo que, como já referido, os peritos se acham em situação privilegiada para avaliarem no terreno as circunstâncias em causa[8].
Deste modo, é de manter a dita percentagem.

Para efeitos do n.º 10 do art. 26.º CE (O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.ºs 4 a 9 será objeto da aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação), os peritos nomeados pelo tribunal e indicado pela recorrida entenderam ser de aplicar um fator de risco de 10%, visto ser imprevista e de inviabilidade incerta a promoção imobiliária (p. 9 do relatório).
Também o acórdão de arbitragem aludia ao valor de 10% para este efeito.
O perito indicado pelas recorrentes considera não existir risco algum porque os terrenos têm viabilidade assegurada, não necessitam de intermediação imobiliária, nem vão ser objeto de qualquer operação de urbanização/loteamento.
Ora, “quando o citado n.º 10 se refere à inexistência de risco e esforço inerente à actividade construtiva, reporta-se à inexistência que decorre da expropriação, ou seja, o risco não existe porque o expropriado não vai construir (já que foi expropriado), mas o que nele se reflecte (pela dedução da uma percentagem maior ou menor em função do risco e esforço inerentes àquela construção) é o mero funcionamento da regra de mercado segundo a qual quanto maior for o risco, menor será o preço. (…); tal dedução pressupõe, naturalmente, que esse risco e esforço existem (sendo que quanto maior for o risco e esforço, maior será a dedução), sucedendo apenas que, por via da expropriação, eles não existirão para o expropriado (porque não irá suportá-los); por isso e com vista a atingir aquele que seria o real valor do bem no mercado, terá que ser aplicado aquele factor com vista a corrigir o valor obtido com base num determinado aproveitamento urbanístico que implicaria um determinado risco e que, por força da expropriação, não será suportado pelo expropriado.”[9].
Ou seja, trata-se, como refere Luís Perestrelo de Oliveira, de “custos de organização, marketing, impostos, etc., que o expropriado suportaria se tivesse podido realizar o empreendimento admitido como possível na avaliação, que os peritos e o julgador de facto devem considerar, até ao limite de 15% do valor da avaliação efectuada.”[10].
Todavia, “a determinação do risco e ou do esforço relativos à actividade construtiva tem de assentar em elementos de facto constantes do processo relativos a todas as circunstâncias envolventes do terreno a avaliar, ou seja, não pode prescindir de uma análise objectiva, independentemente, além do mais, do custo dos meios instrumentais utilizados pelo expropriado para obter a justa indemnização”[11].
Neste conspectu, e tratando-se, não de uma expropriação em sentido próprio, mas de uma servidão administrativa, as proprietárias ainda vão suportar os custos inerentes à construção e, não dispondo o tribunal de elementos fáticos provados que lhe permitam acompanhar o raciocínio dos peritos maioritários e acolhido na sentença recorrida, afigura-se-nos não ser de aplicar aquela fator de risco (FR).
Esta solução é a que melhor corresponde à circunstância de se tratar de uma servidão administrativa e não da ablação dos terrenos, não se vendo como certo o risco inerente à promoção imobiliária.
Por esse motivo, foi já refeita supra a fórmula de cálculo da indemnização no que tange ao valor indemnizatório do espaço destinado a atividades económicas que se atualizou para €4,076/m2.
Quer isto dizer que o valor a fixar para esta área é de 17.800 m2x€ 4,076/m2 = €72.552,80.
Para efeitos de indemnização, neste segmento, não pode considerar-se o valor pretendido pelas recorrentes de €50,00/m2, não demonstrado, nem o valor de €36,66/m2 (descontado o valor do solo para o terreno apto para outros fins), porquanto, como se referiu, a peritagem maioritária calculou o valor normativo de acordo com os preceitos legais, tendo concluído por um valor que agora se atualizou para €4,076/m2, não existindo fundamento para nos afastarmos de tal valor que, além do mais, salvaguarda o facto de se tratar de servidão e não de expropriação do terreno.
De resto, o perito indicado pelas recorrentes também se valeu do mesmo procedimento, tendo, por força de distintas percentagens e raciocínios, alcançado o valor de €18,225/m2.
Deu como provada o tribunal uma depreciação de 10% do solo, ao calcular o valor do m2 do terreno destinado a atividades económicas.
Consideram os peritos a este respeito o seguinte: “Na sequência da servidão administrativa por utilidade pública, os expropriados, na eventualidade de pretenderem implementar um aproveitamento urbanístico dos prédios, serão condicionados pelas condições criadas pela presença das linhas de transporte de energia a 400KV” (p. 9 do relatório), isto considerando ser possível manter a área de implantação e a cércea permitidas pelo PDM da Trofa nos termos que já expusemos.
As recorrentes não aceitam esta percentagem e referem – p. 106 do recurso – que a passagem das LMAT redunda numa desvalorização construtiva de 100%, posto que o terreno deixou de ter aptidão construtiva.
Como já foi referido supra, não pode atender-se a cércea superior a 12 metros porque “nenhuma prova as recorrentes apresentaram, mormente pedidos de viabilidade de construção apresentados junto da câmara municipal, relativamente à possibilidade de ali se construírem tais instalações técnicas – quais e com que altura? -, não tendo o respetivo perito consolidado tal situação, uma vez que se limita a referir à possibilidade de construção com altura superior a 12 metros (p. 9 do relatório), mas sem especificar a que instalações e com que altura, de molde a poder ser cotejado com a altura das linhas na área em apreço.
A simples invocação da norma do PDM é imprestável para, na ausência de projetos concretos ou pedidos de viabilidade, afastar a regra geral sobre cérceas em benefício de uma exceção que não se revela minimamente projetada ou possível”.
Não pode, de igual forma, considerar-se um facto que não está devidamente fundado, nem demonstrado, qual seja o das entidades públicas virem a inviabilizar licenças e alvarás; ou que, não será possível o uso nas parcelas de máquinas essenciais à construção, circunstância que o perito das recorrentes considera, mas que não foi secundada pelos restantes quatro peritos e que se não acha alicerçada em projetos concretos que o evidenciem.
Também se não terão em conta fatores subjetivos e não demonstrados relativos a receios das populações quanto à passagem de linhas de alta tensão e seu impacto na saúde, não se tendo efetuado qualquer peritagem, que não foi solicitada, aos campos magnéticos gerados e sua influência, nem se tendo concretizados situações de desinteresse de potenciais compradores.
Ademais, como ficou exposto pelos peritos maioritários nas respostas aos quesitos apresentados pelas proprietárias, aqueles receios mostram-se obtemperados pela existência de legislação relativa à limitação da exposição da população aos campos eletromagnéticos - Portaria 1421/04, de 23.11 -, assim se não justificando aumentar ou agravar a depreciação do solo com base em tais fundamentos.
Não se vê que o impacto visual das LMAT ou a possibilidade de os funcionários da REN ali poderem aceder, nomeadamente para manutenção e reparação, mereça um segmento autónomo de depreciação, considerando-se que os 10% acima mencionados já contemplam essa situação, assim como facto de o terreno ter ficado com uma diferente configuração.
Sobre os efeitos na fauna e na flora não foi produzida qualquer prova.
Não pode, assim, concorda-se com o que se deixou consignado no ac. RL, de 16.11.2010[12], segundo o qual A implantação de uma linha de alta tensão implica uma perda de 100% da aptidão construtiva de uma parcela dotada de aptidão aedificandi, restando tão só o seu valor residual, de terreno apto para outros fins, uma vez que tudo dependerá do que se apurar em cada situação concreta, sendo certo que, no caso que nos ocupa, todos os cinco peritos concordam em que não há depreciação total do solo para construção.
Estamos, assim, com aqueles que consideram que Não obstante a passagem da linha eléctrica não afectar a capacidade/aptidão edificativa do prédio do autor, na parte em que ela é permitida pelo PDM, a sobrepassagem de tal linha eléctrica em alta tensão pelo prédio afecta-o/constringe-o na medida em que, por força de lei, fica criada uma zona/faixa de protecção da linha de 12,5m de comprimento para cada lado do eixo da dita linha[13].
Sendo assim, também nesta vertente se mantém a sentença recorrida.

Quanto ao valor do solo para outros fins – Área Florestal de Produção – a sentença apurou um valor por m2 de €1,98.
As recorrentes pretendem se considere um valor de €5,00/m2, e uma depreciação de 75%, o que culminaria num valor por m2 de €3,75.
Todavia, este montante não corresponde a nenhum elemento de prova efetuado nos autos, sendo imprestáveis os depoimentos testemunhais ante a existência de prova pericial.
Quanto a esta última, os peritos maioritários referiram aquele valor de €1,98/m2, e o perito indicado pelas recorrentes, um valor de €4,5/m2.
Um dos fundamentos que este último perito invoca para tal disparidade radica na consideração de que, embora tratando-se de área florestal que, nos termos do art. 31.º do PDM da Trofa, se destina ao aproveitamento do potencial produtivo, será aplicável o disposto no art. 33.º, n.º3 d), segundo o qual é permitida a edificação de obras de construção destinadas a equipamentos e estruturas de aproveitamento recreativo ou turístico e de apoio a projetos de animação ambiental ou de outras vertentes de aproveitamento dos espaços florestais compatíveis em regime de uso múltiplo, desde que a área total de construção não seja superior à aplicação de um índice de utilização de 0,08 em relação à área do prédio.
Menciona, ainda, as condições de acessibilidade a este espaço e o facto de se encontrar dentro dos limites da Trofa, tratando-se de um espaço murado.
Sobre os parâmetros a considerar para efeitos de cálculo do valor do solo apto para outros fins, dispõe o art. 27.º CE:
1 - O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica. 2 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respetivos valores. 3 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo.
A sentença, ancorando-se na perícia maioritária, considerou tratar-se de área florestal, atendo-se ao aproveitamento florestal, baseando-se nos cálculos que se fundam no n.º 3 do art. 27.º
Ora, para que se considerasse o disposto no art. 33.º, n.º 3 al. d) do PDM, era necessário que essa possibilidade legal se mostrasse de algum modo efetivada mediante a presentação de documento camarário que expressasse a viabilidade concreta desse aproveitamento excecional.
Não poderá o tribunal deixar de considerar que se trata de solo florestal, sem outro aproveitamento, quando os interessados, visando a avaliação como solo aproveitável para outras finalidades (p. ex., construção de equipamentos ou estruturas de aproveitamento recreativo, turístico ou outro), não apresentam qualquer documento relativo a pedido de viabilidade, projeto ou outro elemento que permita concretizar aquela possibilidade.
Por outro lado, deram-se como provados factos suficientes que permitem verificar as caraterísticas do solo, a configuração do terreno e as condições de acesso e espécies florestais existentes. Vejam-se os pontos de facto 7, 8, 9 e 10, não se tendo demonstrado nenhuns outros.
Com base nessas circunstâncias, a sentença e a perícia maioritária calcularam o rendimento possível na época do ato administrativo que estabeleceu a servidão, tendo em conta os parâmetros que ficaram fixados em 14 dos factos assentes, devidamente discriminados, assim permitindo uma sindicância mais objetiva do que a que possibilita a conclusão a que chegou o perito indicado pelas recorrentes, sem apoio legal, uma vez que o n.º 3 do art. 27.º CE estabelece como critério de avaliação o rendimento efetivo ou possível do solo.
No que tange à depreciação do terreno, pretendem as recorrentes que esta se fixe em 75%.
Neste tocante, a prova pericial considerou (p. 12 e 13 do relatório) que a presença das linhas de transporte de energia, numa faixa de 45 m de largura centrada no eixo das linhas, afeta a produção florestal, sendo que aí está condicionada a altura das espécies vegetais, devendo ser permitido o acesso aos funcionários da REN para fiscalização e controlo.
Acresce a zona de implantação dos postes e o seu dobro (2x220 m2) – factos 5 e 16 - a qual ficou depreciada em 100% por não ser aí permitida a produção florestal.
Para o restante terreno – 22.924 m2 (23364 m2 – 440 m2) – a depreciação é de 50%.
Nenhum elemento de facto foi demonstrado que possibilite a conclusão por uma depreciação de 75%, nem, muito menos, se mostra justificada a atribuição de €100.000,00 – como propôs o perito indicado pelas recorrentes – pela devassa causada pelo livre acesso dos funcionários da REN para trabalhos de manutenção ou reparação.

Aqui chegados, concluímos ser o recurso parcialmente procedente, impondo-se apenas a eliminação do fator de risco, aplicado ao abrigo do n.º 10 do art. 26.º CE, donde resulta uma indemnização pela servidão constituída sobre a área destinado às atividades económicas (17.800 m2) de €72.552,80, ao invés de €65.148,00.
No mais, mantém-se integralmente a sentença recorrida.

Dispositivo
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a recorrida a pagar às recorrentes a quantia de €105.036,76, quantia atualizada de acordo com o índice dos preços no consumidor, com exclusão da habitação, desde 9.4.2015, até ao trânsito em julgado da decisão.

Custas do recurso pelas partes, na proporção do decaimento.

Porto, 27.6.2022
Fernanda Almeida
Maria José Simões
Abílio Costa
_______________
[1] António Pereira da Costa, Servidões Administrativas - Outras Restrições de Utilidade Pública, 1992, p 23.
[2] Sobre o tema, pode ver-se, entre outros, o ac. RP, de 12.4.2012, Proc. 1456/08.9TBMCN.P1, onde se escreve: Sendo a actividade de transporte de electricidade efectuada através da Rede Nacional de Transporte (RNT), mediante uma concessão atribuída pelo Estado Português, em regime de serviço público e de exclusividade à Rede Eléctrica Nacional, S.A. (REN), goza esta, nessa medida, de um estatuto de utilidade pública e, encontrando-se reconhecida a utilidade pública das respectivas instalações eléctricas, atento ao disposto no art.º 51.º, do citado DL 43335, de 19.11.60, tem o direito de «atravessar os prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios», sem embargo de esse direito, como se dispõe no § 1º do mesmo normativo, só poder ser exercido «…quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Dec. Lei nº 26852, de 30.7.1936» (cfr., ainda, Bases XII e XIII das Bases de concessão da Rede Nacional de Transporte de Energia Eléctrica). O CE não estabelece o regime aplicável às servidões administrativas, apenas aludindo à possibilidade da sua constituição no art.º 8.º. Daí não fazer sentido um texto de lei que estabelecesse que a constituição das servidões devia observar o regime fixado em tal Código. Estamos assim perante uma servidão, não submetida ao regime do CE, que assume natureza especial e está dependente da prática de um acto da Administração – licença de estabelecimento da instalação respectiva, a obter de acordo com as disposições constantes do Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo DL 26852, de 30.07.36, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 446/76, de 5.06.76 e Portaria n.º 344/89, de 13.05.89.
[3] Ac. RL, de 10.5.2018, Proc. 2841/13.0T2SNT.L1.
[4] Ac. STJ, de 29.3.2022, Proc. 6417/16.1t8lsb.E1.S1.
[5] Alves Correia, O plano urbanístico e o princípio da igualdade, 1989, p. 546.
[6] É o seguinte o conteúdo restante do art. 26.º CE: 6 - Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 7 - A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e com a variação que se mostrar justificada: a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela - 1,5%; b) Passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela - 0,5%; c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela - 1%; d) Rede de saneamento, com colector em serviço junto da parcela - 1,5%; e) Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto da parcela - 1%; f) Rede de drenagem de águas pluviais com colector em serviço junto da parcela - 0,5%; g) Estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela - 2%; h) Rede distribuidora de gás junto da parcela - 1%;
i) Rede telefónica junto da parcela - 1%. 8 - Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno. 9 - Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos n.os 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas. 10 - O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos n.os 4 a 9 será objecto da aplicação de um factor correctivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à actividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação. 11 - No cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido entre duas vias consecutivas. 12 - Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
[7] Proc.72/15.3T8MNC.G1.
[8] Cfr. ac. RG, de 16.12.2021, Proc. 3807/18.9T8VCT.G1 No processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e traduzindo-se a avaliação do bem expropriado num problema essencialmente técnico, o tribunal deve aderir, em princípio, aos pareceres dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal quando haja unanimidade entre eles, porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização.
[9] Ac. RC, de 12.3.2013, Proc. 1412/08.7TBCVL.C2
[10] Código da Expropriações, Anotado, 2.ª Ed., 2000, p. 102, nota 7
[11] Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, 2010.
[12] Proc. 3271/04.0TCLRS.L1-7.
[13] Ac. RP, de 11.5.2021, Proc. 378/15.1T8VFR.P1.