SOCIEDADE DE ADVOGADOS
SEGURO OBRIGATÓRIO
RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
Sumário

I - Só com a entrada em vigor do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro e por força do disposto no artigo 37º deste diploma legal, passou a ser obrigatório o seguro de responsabilidade civil das sociedades de advogados para cobrir os riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários.
II - Da violação da obrigação de celebração de um contrato de seguro que observe as prescrições legais, na vigência do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, resulta a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período de incumprimento do dever de celebração do contrato de seguro.
III - A entrada em vigor de regras jurídicas que determinam a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil dos riscos de certa atividade profissional não determina a eventual invalidação ou reconformação de cláusulas limitativas da responsabilidade da seguradora em contrato de seguro facultativo, pois que isso traduzir-se-ia numa interferência nos riscos assumidos pelos contraentes e na remuneração correspondente ao risco assumido, propiciando-se um desequilíbrio contratual injustificado.

Texto Integral

Processo nº 22569/18.3T8PRT.P1


Sumário do acórdão proferido no processo nº 22569/18.3T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
……………………………………………………………………………..
……………………………………………………………………………..
……………………………………………………………………………..

***
*
***
Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 26 de outubro de 2018, nos Juízos Cíveis do Porto, Comarca do Porto, L .... - Sociedade de Advogados, SP, RL, anteriormente designada por L ... e Associados - Sociedade de Avogados, RL instaurou ação declarativa sob forma comum contra K... S.A. (atualmente “G..., S.A.”[2]) e, subsidiariamente, nos termos do artigo 39º do Código de Processo Civil, contra a Sra. Dr.ª AA, requerendo a intervenção principal do lado ativo[3] do Banco 1... SA pedindo, a título principal, que a K... S.A. seja condenada a reconhecer que o sinistro e os danos por este causados está coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional titulado pela apólice nº ..., em que inicialmente era seguradora X..., S.A., incorporada pela W..., S.A., tendo-se esta fundido com a companhia de seguros T..., S.A. adotando então a firma K... S.A. e, em consequência, deve esta ré ser condenada a liquidar ao Banco 1... SA o montante de €62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cents) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos.
Caso o pedido deduzido contra a ré a título principal não proceda, deve a ré subsidiária ser condenada a reconhecer que o sinistro e que os danos por este causados, a que respeitam os factos alegados nesta petição, emergem da sua responsabilidade profissional enquanto mandatária ao serviço da autora e, em consequência, deve a ré subsidiária ainda ser condenada a liquidar ao interveniente principal Banco 1... SA o montante de €62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cents) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos.
Para fundamentar as suas pretensões a autora alegou, em síntese, que é uma sociedade de advogados cujo objeto exclusivo é o exercício em comum da profissão de advogado e que a fim de prevenir o risco da prática de qualquer ato ou omissão que no exercício da sua atividade a pudesse constituir em responsabilidade civil perante os seus constituintes, celebrou com a X..., S.A. um contrato de seguro titulado pela apólice nº ... do ramo Responsabilidade Civil Geral/Profissional, até ao limite do capital de €160.000,00 e com início em 22 de março de 1995; a X..., S.A fundiu-se por incorporação na W..., S.A. e esta, por sua vez fundiu-se com a T..., S.A., adotando a firma K... S.A.; de acordo com a informação que a X..., S.A transmitiu à autora o seguro em causa garante a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais que possam ser causados a terceiros em consequência de erro ou falta profissional decorrente do exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados estagiários, agentes ou mandatários; o Banco 1... SA faz parte da carteira de clientes da autora e em março de 2012, a autora foi incumbida de patrocinar o Banco 1... SA nos autos de insolvência que corriam termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar, sob o nº 447/12.0TBGDM, onde eram requeridos BB e CC, nomeadamente para apresentar a reclamação de créditos do banco; no dia 11 de março de 2013, a autora, em representação do Banco 1... SA reclamou créditos hipotecários e comuns, juntando, além do mais, procuração forense e substabelecimento com reserva a favor da mandatária que apresentou a reclamação, a Sra. Dra. AA; os créditos reclamados pelo Banco 1... SA foram reconhecidos pelo Administrador da Insolvência; a Sra. Advogada subscritora da aludida reclamação de créditos informou o Banco 1... SA que de acordo com a lista de credores elaborada pelo Administrador da Insolvência, relativamente aos imóveis dados em hipoteca ao banco e apreendidos nessa insolvência, apenas preferia o IMI no montante de €3.065,15, devendo ser graduado atrás das custas do processo e do IMI, mas à frente dos restantes credores, face às garantias existentes; atendendo ao facto de o crédito reclamado pelo Banco 1... SA se encontrar na maior parte garantido por hipoteca sobre dois imóveis apreendidos para a massa insolvente e com base no parecer da Sr. Advogada quanto à possível graduação, o Banco 1... SA requereu a adjudicação dos imóveis em causa pelo valor de €111.600,00, convicto de que apenas teria de proceder ao depósito do valor correspondente ao crédito do Estado por IMI e custas; após ter apresentado a proposta de aquisição dos dois imóveis hipotecados, o banco liquidou o valor previsto no artigo 164º do CIRE[4], depositando o montante de €22.320,00 na conta aberta em nome da Massa Insolvente, tendo sido emitidos os títulos de adjudicação e tendo o banco procedido ao registo das aquisições a seu favor; em 21 de março de 2013 foi proferida sentença de graduação de créditos, sendo o crédito do Banco 1... SA garantido por hipoteca graduado após o crédito da Fazendo Nacional por IMI, no montante de €3.065,15, bem como do crédito do IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, no montante de €62.364,35, sentença que foi notificada à ré subsidiária, com substabelecimento emitido pela autora; em 23 de março de 2014 a autora foi notificada do mapa de rateio no qual constava que o Banco 1... SA tinha de proceder ao depósito de €55.692,96; só nesta data é que a autora se apercebeu da existência de um lapso na sentença de verificação e graduação de créditos, já transitada em julgado e que havia graduado o crédito hipotecário do Banco 1... SA depois do crédito do IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional; em 30 de abril de 2014 a autora requereu a retificação do mapa de rateio e da sentença de verificação e graduação de créditos, requerimento indeferido por decisão notificada ao Banco 1... SA em 05 de maio de 2016; em 23 de maio de 2016, a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto da decisão que lhe foi notificada em 05 de maio de 2016, recurso a que foi negado provimento por acórdão notificado no dia 03 de outubro de 2016; nessa sequência, o Banco 1... SA procedeu ao depósito da quantia de €55.692,96 na conta da Massa Insolvente; a sentença de verificação e graduação de créditos foi proferida com violação da lei aplicável, não se tendo a autora apercebido da incorreta graduação de créditos relativamente aos bens imóveis sobre os quais o Banco 1... SA detinha hipoteca, não tendo recorrido tempestivamente da referida sentença; por carta de 08 de fevereiro de 2017, a coberto do contrato de seguro celebrado com a ré principal, a autora participou o sinistro ocorrido e por carta de 07 de julho de 2017, a ré comunicou à autora que declinava assumir as consequências do sinistro, em virtude da Sra. Dra. AA não constar da listagem de pessoas seguras pela apólice.
Sem que se observasse o disposto no artigo 226º, nº 4, alínea d) do Código de Processo Civil, procedeu-se à citação das rés.
AA contestou impugnando muita da matéria alegada pela autora requerendo a intervenção principal do lado passivo das seguradoras Companhia de Seguros T..., S.A., M1..., M..., S.A e A... alegando que o sinistro dos autos está coberto pelo seguro obrigatório celebrado pela autora com a ré principal e, além disso, afirmou que ela própria celebrou com a Companhia de Seguros T..., S.A. um contrato de seguro para garantir os danos eventualmente decorrentes do exercício da sua atividade profissional e um outro para reforço da garantia com a Companhia de Seguros M1... e que vigorava na data em que foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos e na data em que foi notificado o mapa de rateio vigorava contrato de seguro celebrado com a M... e um outro para reforço da garantia com a Companhia de Seguros A...; participou o sinistro à M... e à T..., invocando a primeira a exclusão do sinistro da cobertura do seguro enquanto a segunda também recusou assumir o sinistro afirmando que para o efeito não relevava a data da sua ocorrência mas sim o momento da sua participação.
A ré K... S.A. contestou impugnando alguns dos factos e todos os documentos em que não teve intervenção, excecionou a exclusão do sinistro da garantia do seguro em virtude de o dano que se pretende ver ressarcido não ter sido causado por uma das pessoas indicadas nas condições particulares do contrato de seguro, invocou a existência de uma franquia correspondente a 10% do valor da indemnização, com um mínimo de € 150,00, impugnou o sinistro por desconhecimento e requereu a intervenção principal de M2..., S.A, na qualidade de seguradora da ré subsidiária e, a não se entender assim, deve ser admitida na qualidade de parte acessória, concluindo pela total improcedência da ação na parte que lhe diz respeito.
Em 21 de janeiro de 2019 determinou-se a audição da autora sobre os incidentes de intervenção provocada de “M2..., S.A”, “Companhia de Seguros A...”, “Companhia de Seguros T...” e “Companhia de Seguros M1...”.
Em 11 de fevereiro de 2019, na falta de qualquer oposição por parte da autora, admitiu-se a intervenção principal provocada, como associados dos réus, de “M2..., S.A”, “Companhia de Seguros A...”, “Companhia de Seguros T...” e “Companhia de Seguros M1...”, determinando-se a citação destas e bem assim a audição das partes sobre a intervenção do Banco 1... SA requerida pela autora.
M1..., Lda. veio requerer que seja dada sem efeito a sua citação porquanto é corretora de seguros e não uma seguradora, não tendo nem podendo assumir quaisquer riscos na qualidade de seguradora.
Por seu turno, A... – Corretores de Seguros, S.A. contestou excecionando a sua ilegitimidade passiva por não ser uma empresa de seguros mas sim um empresa de corretagem de seguros, não tendo celebrado qualquer contrato de seguro com a ré subsidiária e, à cautela, impugnou a generalidade da factualidade vertida na petição inicial e na contestação da ré subsidiária concluindo que na eventualidade de não ser julgada procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, sempre a ação deve ser julgada totalmente improcedente e a contestante absolvida do pedido.
M1..., Lda., na sequência de notificação para pagamento de multa e taxa de justiça pelo oferecimento do requerimento anteriormente aludido veio contestar, afirmando, de novo, ser uma empresa corretora de seguros, não podendo assumir em nome próprio a cobertura de quaisquer riscos, concluindo pela sua absolvição do pedido.
M2..., S.A contestou suscitando a ilegitimidade ativa da autora, sustentando que quem tem legitimidade ativa tal como o litígio se acha delineado é o Banco 1... SA, invocou a exclusão da garantia dos seguros celebrados com a Ordem dos Advogados e com a ré subsidiária por força do pré-conhecimento do sinistro, alegou que atuando a ré Advogada ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, sempre a responsabilidade civil da ora contestante estará excluída e/ou limitada nos termos previstos na referida “Cláusula de Limitação de Segurados atuando ao abrigo de sociedade de advogados”, apenas podendo responder na falta e/ou insuficiência do capital seguro contratado pela autora com a congénere K... S.A., impugnou a generalidade da factualidade articulada na petição inicial, negando que possa ser imputado à ré Advogada a prática de qualquer erro ou omissão profissional passível de a constituir na obrigação de indemnizar decorrente de responsabilidade civil e, ainda que se viesse a apurar tal erro ou omissão, sempre seria necessário determinar os danos daí resultantes e estabelecer um nexo causal entre o erro ou omissão e o dano, concluindo pela procedência das exceções deduzidas, ou não se entendendo assim, pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.
K... S.A. contestou arguindo a inexistência de seguro na data de ocorrência do sinistro por falta de apresentação de reclamação na vigência do contrato de seguro e caso assim não se entenda, a exceção de limitação da sua responsabilidade ao montante de €150.000,00 por sinistro e por efeito da existência de franquia no montante de €5.000,00, também por sinistro, impugnou a generalidade da factualidade vertida na petição inicial e na contestação da ré subsidiária, concluindo pela improcedência da ação e pela sua consequente absolvição do pedido.
A ré subsidiária, invocando o princípio do contraditório, pronunciou-se sobre a defesa das seguradoras de inexistência de seguro e sobre a limitação da responsabilidade suscitada pela K... S.A.
Designou-se dia para realização de audiência prévia e nesta data as partes foram notificadas, de novo, para se pronunciarem sobre o requerimento de intervenção do Banco 1... SA (veja-se o despacho de 11 de fevereiro de 2019).
Por despacho proferido em 18 de setembro de 2019 foi admitida a intervenção principal do lado ativo do Banco 1... SA, vindo este interveniente, após a sua citação, requerer a junção aos autos de procuração forense e posteriormente ofereceu articulado aderindo à petição inicial.
A autora foi convidada a exercer o contraditório relativamente “ao(s) último(s) articulado(s) apresentados aos autos”, tendo oferecido articulado pronunciando-se pela improcedências das exceções deduzidas pelas rés e intervenientes.
Em 12 de fevereiro de 2020 fixou-se o valor da causa no montante de €62.364,35, proferiu-se despacho saneador julgando-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, julgou-se procedente a exceção de ilegitimidade passiva das demandadas A... - Corretores de Seguros, S.A. e M1..., Lda., julgaram-se as rés seguradoras partes legítimas, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas de prova, concedendo-se às partes dez dias para, querendo, alterarem os seus meios de prova.
A M2..., S.A reclamou contra os temas de prova, invocando a sua insuficiência, enquanto a K... S.A. reclamou pugnando pela sua absolvição do pedido por efeito da procedência da exceção perentória de inexistência de seguro vigente na data do sinistro e, assim não se entendendo, sempre devia ter sido julgada parte ilegítima[5].
Em 07 de setembro de 2020, julgou-se procedente a reclamação da M2..., S.A e quanto à reclamação da K... S.A. sustentou-se que os autos ainda não dispunham dos elementos necessários para permitir o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade, quando em sede de despacho saneador já se pronunciara no sentido da legitimidade passiva das rés seguradoras.
A audiência final realizou-se numa sessão e em 27 de outubro de 2021 foi proferida sentença[6] que terminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e consequentemente, condenam-se solidariamente a Ré AA e a interveniente “M2..., S.A” no pedido, e absolve-se a Ré Seguradora.
No mesmo dia 27 de outubro de 2021 corrigiu-se a numeração dos factos provados na sentença.
Em 09 de novembro de 2021, inconformada com a decisão que precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) Salvo melhor opinião em contrário, a Douta Sentença Recorrida, padece de erro de interpretação dos documentos e articulados juntos pelas partes, assim como erro na aplicação do Direito, tendo alcançando, inevitavelmente uma decisão que, com o devido respeito, contraria não só o normativo legal aplicável, como toda a fundamentação da própria sentença
B) A Autora elaborou os seguintes pedidos na PI a) seja a 1ª Ré condenada a reconhecer que o sinistro e os danos por este causados está coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional melhor identificado nos artºs 3, 4 e 5 da petição inicial; b) E em consequência deve a 1º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco 1... SA o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo Banco 1... SA. E ainda SUBSIDIARIAMENTE,a) Caso o Pedido deduzido contra a 1ª Ré não proceda, deve a 2ª Ré ser condenada a reconhecer que o sinistro e que os danos por este causados, a que respeitam os factos alegados nesta petição, emergem da sua responsabilidade profissional enquanto Mandatária ao serviço da Autora; b) Em consequência, deve a 2º Ré ainda ser condenada a liquidar à Chamada Banco 1... SA o montante de € 62.364,35 (sessenta e dois mil trezentos e sessenta e quatro euros e trinta e cinco cêntimos) acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo Banco 1... SA que se encontra a ser imputado à Autora
C) A Autora confessou a sua responsabilidade pelos actos causadores do dano que originou o pagamento de uma indemnização ao Banco 1... SA.
D) Alegou em suma, que a sua apólice de seguro, contratada junto da 1ª Ré, garantia a responsabilidade, de indemnizar o Banco 1... SA, apurada nos autos.
E) Tal alegação/confissão, teve como fundamento, entre outros, o teor das cláusulas e documentos anexos à sua apólice de seguro contratada com a 1ª Ré.
F) Apólices e documentos anexos que também fundamentaram a convicção da decisão do Tribunal a quo.
G) Estes fundamentos invocados pela Autora improcederam, uma vez que o Tribunal a quo, e conforme expressamente na referido na Douta Sentença ora recorrida, entendeu que a dita apólice de seguro contratada pela Autora com a 1ª Ré, abrangia apenas os sócios identificados na apólice e fichas anexas (doc 1 da PI), que foram preenchidas pela Autora e devolvidos à seguradora, os auxiliares e empregados da Autora
H) A Recorrente não é auxiliar nem empregada da Autora;
I) Tribunal não teve em consideração a al) d) da Cl) 2ª do supra referido contrato/anexo, que refere expressamente que a apólice abrange ainda a responsabilidade emergente da actuação de advogado substabelecido pelo tomador em caso de impedimento deste – neste caso, impedimento dos sócios da sociedade tomadora do seguro
J) a responsabilidade emergente da actuação da 2ª Ré, analisada nos presentes autos, enquadra-se expressamente na al) d) da Cl) 2ª da apólice de seguro (e respectivos anexos) contratada pela Autora com a 1ª Ré, uma vez que a Recorrente actuou em representação da tomadora com substabelecimento, porque a tomadora do seguro assim o pretendeu, e fê-lo bem conhecendo o contratado com a 2ª Ré.
K) O Tribunal a quo não levou em consideração o teor integral do contrato de seguro e anexos, importando tal actuação da errada absolvição da 1ª Ré
L) O Tribunal a quo apurou que a responsabilidade de indemnizar o Banco 1... SA caberia solidariamente à 2ª Ré e à M..., S.A
M) O Tribunal a quo fundamentou a condenação solidaria da 2ª ré, escrevendo na Douta sentença recorrida: Assim sendo, e uma vez que esta demandada tinha a sua responsabilidade civil profissional garantida por seguros abrangendo tal responsabilidade, importa apurar qual das seguradoras chamadas deve assumir o pagamento da indemnização devida ao Banco 1... SA. Assim sendo, apesar de à data da ocorrência do facto gerador de responsabilidade profissional da 2.ª ré não estar em vigor o seguro por ela ajustado com a M2..., S.A, é inevitável ser esta a companhia de seguros a responsável pelo pagamento ao Banco 1... SA da indemnização devida pela omissão, pela 2.ª ré, da interposição de recurso da sentença de graduação de créditos, uma vez que foi aquela seguradora a primeira a ser interpelada pela Dr.ª AA em como havia ocorrido um sinistro gerador de responsabilidade civil profissional desta, coberta pelo contrato de seguro ajustado entre ambas
N) Aliás, pela simples leitura da fundamentação da sentença, resulta que a responsabilidade da 2ª Ré será assumida pela Seguradora M..., S.A por via do contrato de segura celebrado entre ambas
O) A fundamentação da sentença é contraria à decisão proferida.
P) a 2ª Ré pugnou pela sua absolvição e pela condenação da 1ª Ré e caso assim não se entendesse fosse admitida a intervenção principal provocada das seguradoras T... SA e M2..., S.A para assumirem, a sua (da 2ª Ré e aqui Recorrente) responsabilidade de indemnizar o Banco 1... SA
Q) A intervenção foi admitida
R) Nenhuma das partes, intervenientes nos autos pediu a condenação solidaria da 2ª Ré
S) A 2ª Ré contratou seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório
T) são admissíveis três cenários: (i) o lesado demanda o segurado; (ii) o lesado demanda diretamente o segurador, isoladamente e (iii) o lesado demanda o segurador em conjunto com o segurado.(sumário da Relatora).” No caso de seguro obrigatório, como vimos, a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador nem depende de prévio clausulado contratual nesse sentido
U) A Autora optou por demandar apenas e só a 2ª Ré
V) A aqui Recorrente tem a sua actividade profissional segurada por seguro profissional de grupo contratado pela O.A. celebrado entre a M2..., S.A e a Ordem dos Advogados de Portugal titulado pela apólice de seguro ... e com data de início a 1 de Janeiro de 2014.
W) Foi pela 2.ª Ré, Dra. AA, subscrita uma proposta de seguro de reforço de capital, pela qual a Ré advogada manifestou a sua intenção de aumentar em € 150.000,00, o capital seguro previsto no âmbito da apólice de ... profissional base da Ordem dos Advogados (apólice n.º ...);
X) Pretendendo a 2.ª Ré, igualmente, eliminar o valor devido a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto/indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro titulado pela apólice ..., .... Com data de início em 01.01.2014, a ora M2..., S.A emitiu a apólice de seguro de reforço n.º ..., a qual esteve em vigor entre 01/01/2014 e 01/01/201[?]
Y) Apurada a responsabilidade na obrigação de indemnizar o lesado, a mesma é transferida para uma das Seguradora Chamadas, por força do contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório com estas celebrado.
Z) a condenação solidária da 2ª Ré com a seguradora M2..., S.A, excede qualquer pedido efetuado nos presentes autos
AA) a sentença recorrida é nula no que tange à condenação da Recorrente, por ter excedido os diversos pedidos dos autos, devendo ser revogada, absolvendo-se a Recorrente do pedido com todas as consequências legais;
BB) A sentença recorrida encontra-se igualmente ferida de nulidade pois a fundamentação é oposta à decisão.
CC) a Douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 140º n.º 2 e 146º do DL 72/2008 de 16 de Abril , o artigo 104 da Lei 145/2015 de 09 de Setembro e suas atualizações, o artigo 38º da Lei 2/2013 de 10 de Janeiro, artigo 513º do código Civil e o artigo art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC, por desrespeito pelo princípio do nº 1, do art. 609º, do CPC
Em 02 de dezembro de 2021, também inconformada com a sentença, M2..., S.A interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos, a qual, tendo julgado a pretensão da Autora integralmente procedente, por provada, entendeu absolver a 1.ª Ré G..., S.A. dos pedidos contra si deduzidos, julgando, contudo, integralmente procedente o pedido subsidiário deduzido contra a Ré advogada e a ora Recorrente M..., condenando estas na totalidade dos pedidos formulados nos autos, determinando, assim, o pagamento ao Interveniente Banco 1... SA do montante de € 62.364,35, acrescido dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo Banco 1... SA que se encontra a ser imputado à Autora;
2. Entende, contudo, a Recorrente que se encontram nos autos elementos, de facto e de direito, que impunham, in casu, uma decisão em sentido diverso, designadamente do que respeita:
(v) à procedência do pedido subsidiário e consequente condenação da 2.ª Ré Dra. AA e da Interveniente M2..., S.A. nos pedidos, em decorrência da (pretensa) responsabilização civil da Ré advogada;
(vi) à absolvição da 1.ª Ré G..., S.A., por via da delimitação subjectiva de cobertura da apólice de seguro n.º ...;
(vii) ao alegado dano de perda de chance, fixado pelo douto Tribunal a quo na totalidade do pedido indemnizatório deduzido;
(viii) aos juros de mora considerados devidos pela Recorrente ao Interveniente Banco 1... SA.
3. Ressalvando o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, as normas legais previstas nos artigos 264.º, n.ºs 1 e 2, 483.º, 562.º, 563.º, 564º, 570.º, n.º 1, 800.º, n.º 1, 1157.º, 1165.º, do Código Civil, e bem assim nos artigos 37.º, n.ºs 1 e 4 do DL 229/2004 de 10 de dezembro (vigente à data dos factos), 213.º, n.º 14 da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro (actual Estatuto da Ordem dos Advogados), e 146º, n.º 5 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril), conjugados com as cláusulas contratuais previstas nas apólices de seguro em apreço, designadamente a cláusula 2.ª (artigo 2.º), alínea d) das Condições Especiais da apólice de seguro n.º ..., contratada com a 1.ª Ré G..., S.A., os quais, tendo sido – salvo o devido respeito – desconsiderados e/ou incorrectamente interpretados e aplicados pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida, implicaram uma decisão materialmente injusta e juridicamente desajustada.
4. Com efeito, atenta a factualidade alegada e demonstrada nos autos, resultou claro que a 2.ª Ré, Dra. AA, actuou nos autos do processo de insolvência n.º 447/12.0TBGDM, de acordo com as concretas instruções transmitidas pela sociedade de advogados, aqui Autora, e bem assim no seu interesse e sob sua coordenação;
5. Aliás, do depoimento de parte do legal representante da autora resultou confessado que no âmbito dos processos da autora, a 2ª Ré intervém sempre com poderes forenses substabelecidos com reserva pela Autora; utiliza sempre o papel timbrado da Autora; segue orientações da Autora no que tange ao acompanhamento do processo – cfr. douta sentença recorrida;
6. Conforme resultou do depoimento de parte prestado em sede de Audiência de Julgamento pelo Representante Legal da Autora, Dr. DD, o Interveniente Banco 1... SA emitiu unicamente procuração forense à sociedade de advogados Autora, tendo sido por esta emitido um substabelecimento com reserva para a 2.ª Ré, em papel timbrado da A., mantendo os sócios da A. o controle e a coordenação de todos os processos e actos jurídicos praticados pelos advogados substabelecidos, nomeadamente pela 2.ª Ré.
7. De facto, a 2.ª Ré apenas assumiu a condução do aludido processo 447/12.0TBGDM, através de substabelecimento com reserva, tendo única e estritamente em vista a apresentação da reclamação de créditos em apreço nos autos, conforme previsto no artigo 1165.º do CC;
8. Para além disso, a 2ª Ré utilizava, nos serviços que prestava à Autora, os meios e recursos da Sociedade de Advogados, cumprindo as instruções e orientações transmitidas pelos sócios, tendo o seu endereço de e-mail o domínio da sociedade de advogados, aqui A..
9. Mais, no caso concreto, quem perguntava ao Cliente Banco se deveria ou não recorrer de qualquer decisão, não era a 2º Ré, mas sim os dois sócios da sociedade que acompanhavam este Cliente.
10. Sendo que, conforme resultou ainda do depoimento prestado nos autos pela testemunha EE, o Banco não tinha qualquer relação com a Ré advogada, Dra. AA, a quem sequer conheciam pessoalmente, não desenvolvendo ainda quaisquer contactos, nomeadamente telefónicos, regulares, sendo que todos os contactos e instruções do Banco 1... SA eram exclusivamente transmitidos a dois dos sócios da sociedade de advogados Autora.
11. Resultou assim claro que a 2.ª Ré não estabeleceu, directamente, com a Mandante, in casu, com o Banco 1... SA, qualquer relação de mandato – nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1157.º do CC;
12. Tendo esta relação de mandato sido estritamente estabelecida entre a Autora Sociedade de Advogados e o Interveniente Banco 1... SA.
13. Não tendo a 2.ª Ré auferido, directamente, os proveitos, nomeadamente a título de honorários, devidos em decorrência do exercício da sua actividade profissional ao abrigo da sociedade de advogados aqui A..
14. Verifica-se assim de toda a prova produzida, bem como da posição sobejamente manifestada pela própria Autora Sociedade de Advogados nos autos, que a mesma assumiu sempre o controle e a responsabilidade, perante o seu Cliente, Banco 1... SA, por todos os actos praticados (e presumíveis omissões incorridas) no âmbito do patrocínio forense em apreço;
15. Respondendo, assim, a Autora sociedade de advogados, perante o Terceiro Lesado, in casu, o Interveniente Banco 1... SA, nos termos previstos no artigo 800.º, n.º 1 do Código Civil, pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor, in casu, da 2.ª Ré;
16. Via de regra, em virtude da autonomia técnica e independência inerentes ao exercício da profissão, os advogados, ainda que integrados em sociedades, não mantém com estas qualquer vínculo de dependência e/ou subordinação laboral;
17. Trata-se, como se sabe, de uma realidade distinta, normalmente intitulada por um contrato de prestação de serviços, no âmbito da qual se verificam, ainda assim, instruções e orientações por parte dos sócios, os quais assumem, perante os Clientes a condução dos processos, e bem assim, no limite, a responsabilidade civil decorrente do exercício da advocacia;
18. Recebendo os sócios, in casu a aqui Autora, em contrapartida, os lucros/benefícios financeiros decorrentes da assumpção dos patrocínios forenses, nomeadamente através do pagamento dos honorários, que são devidos e pagos à sociedade de advogados, e não directamente aos advogados a quem se incumbiu o tratamento e acompanhamento pontual dos processos/assuntos, designadamente através de substabelecimentos com reserva, tal como ocorreu no caso em apreço nos autos.
19. No que diz respeito ao mandato judicial, a lei disponibiliza uma solução expressa relativamente ao submandato por via de substabelecimento: o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário, conforme resulta do artigo 44.º, nº 3 do CPC.
20. Contudo, e no caso do substabelecimento com reserva, o advogado que o outorga mantém os seus poderes de representação, passando a parte a ficar representada por mais um advogado, em regra, com idênticos poderes – veja-se nesse sentido Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 25.10.2011, no processo 1006/10.7TBCVL.C1;
21. Sendo certo que, in casu, a A. Sociedade de Advogados continuou a ser notificada de todos os actos jurídicos inerentes ao processo judicial em curso, mantendo-se, aliás, como exclusiva Mandatária, cujas orientações e instruções eram única e exclusivamente transmitidas pelo Cliente/Mandante, Banco 1... SA.
22. Ora, tal como entendeu o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.04.2009, “Da procuração em si mesma não resulta nenhuma obrigação de prestar contas – tal como não decorre, como se disse já, nenhuma obrigação de praticar os actos para os quais foram concedidos poderes ao procurador”;
23. Assim, sendo a outorga de procuração forense um acto jurídico unilateral, será através da concreta relação (bilateral) de mandato, que as partes poderão estabelecer os limites e/ou extensão dos poderes, atribuições e deveres conferidos ao mandatário, e bem assim a contraprestação exigível ao mandante.
24. No caso em apreço nos autos, nunca tendo o (pretenso) Lesado Banco 1... SA, outorgado qualquer procuração e/ou estabelecido qualquer relação de mandato forense com a aqui 2.ª Ré, tendo esta relação de mandato sido estabelecida exclusivamente entre a Autora sociedade de advogados, e o Interveniente, Banco 1... SA, tendo sido a Autora Sociedade de Advogados a auferir exclusivamente os proveitos/lucros/honorários decorrentes do exercício do patrocínio forense posto em crise nos autos, nunca poderá a 2.ª Ré ser responsabilizada pelos (pretensos) prejuízos peticionados nos autos;
25. Porquanto, no limite, verificando-se a efectiva existência de danos e/ou prejuízos sofridos pelo Interveniente Banco 1... SA, em decorrência do patrocínio forense assumido pela A. (ainda que com recurso a um submandato/substabelecimento com reserva, outorgado à 2.ª Ré, para o específico acto de apresentação da reclamação de créditos nos autos do processo 447/12.0TBGDM) sempre deverá ser a Autora a suportar tais danos e/ou prejuízos, improcedendo assim a presente acção.
26. Consequentemente, não se podendo responsabilizar a 2.ª Ré, Dra. AA, pela reparação de quaisquer danos, presumivelmente, decorrentes da sua conduta profissional, não impenderá sobre a Companhia de Seguros, ora Recorrente, qualquer obrigação indemnizatória decorrente da transferência de responsabilidades operada pelas apólices de seguro ... e ....
27. Para além disso, entendeu o douto Tribunal a quo absolver a 1.ª Ré dos pedidos formulados pela A. sociedade de advogados, considerando que o risco inerente à actuação profissional da 2.ª Ré, Dra. AA, não estaria transferido para aquela seguradora;
28. De facto, sustentou a douta sentença recorrida tal conclusão em dois aspectos: (i) a 2.ª Ré não consta da listagem de pessoas seguras indicadas pela A. aquando do preenchimento do questionário, e constantes das condições particulares da apólice; (ii) a 2.ª Ré não poderá ser considerada pessoa segura, por não ter estabelecido uma relação/vínculo laboral com a A., operando assim (presumivelmente) a cláusula de exclusão constante na nota anexa à apólice n.º ... (fl. 159 dos autos);
29. Não poderá a ora Recorrente concordar com tal entendimento, na medida em que o mesmo esvaziaria por completo as cláusulas contratuais previstas nas alíneas c) e d) do artigo 2.º das Condições Especiais da apólice n.º ....
30. Com efeito, e nos termos previstos na citada cláusula constante do artigo 2.º das Condições Especiais da apólice ... (em vigor à data dos factos e aplicável ao pretenso sinistro profissional em apreço), a qual delimita o âmbito de cobertura do contrato:
“A garantia deste contrato abrange:
a. Os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados aos clientes em consequência de erros, omissões ou negligência cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão e no âmbito de vigência do presente contrato;
b. Os danos por que seja responsável na qualidade de proprietário, arrendatário ou usufrutuário do edifício ou local onde se desenvolvia a sua actividade profissional, bem como das suas instalações;
c. Os actos ou omissões de auxiliares e empregados quando ao seu serviço e no exercício das suas funções;
d. A responsabilidade legal do segurado, derivado da sua substituição em férias, doença ou outro impedimento, por outro profissional legalmente habilitado.” – cfr. apólice de seguro n.º ..., junta aos autos;
31. De facto, prevê a referida nota anexa à apólice ... que, “Para além das exclusões referidas nas Condições Gerais da Apólice, este seguro não garante ainda: (…) Perdas ou danos decorrentes da responsabilidade das pessoas que não tenham com o segurado uma relação de dependência laboral, ainda que actuem por ele ou por conta dele;
32. Contudo, atendendo à natureza e especificidade do exercício da profissão de advogado, por via da qual é possível e habitual a outorga de submandatos/substabelecimentos a outros profissionais legalmente habilitados, designadamente em casos de impedimentos para a prática de certos actos pelo Mandatário titular, parece evidente que a referida exclusão não se pretendeu aplicável aos profissionais forenses substabelecidos pela A. sociedade de advogados, mas sim, exclusivamente aos funcionários e colaboradores forenses, como sejam, o secretariado e /ou qualquer outros funcionários que exerçam funções junto da Autora.
33. É que, como parece evidente, atendendo à independência e autonomia técnica inerente ao exercício da advocacia, os advogados não exercem as suas funções, no âmbito de uma sociedade de advogados, sob qualquer vínculo de natureza laboral;
34. Não sendo assim crível que, tratando-se de um seguro de natureza obrigatória – cfr. disposto no artigo 37.º do DL 229/2004 de 10 de dezembro (vigente à data dos factos e actualmente prevista no artigo 213.º da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro – actual Estatuto da Ordem dos Advogados) – pudessem as partes convencionar a existência de tal exclusão de cobertura, nomeadamente quando tenha, como prática corrente, o exercício das suas funções por via de auxiliares – designadamente advogados substabelecidos pelos sócios da Sociedade Autora;
35. Sendo certo que, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 37.º do DL 229/2004 de 10 de dezembro, o não cumprimento da obrigação prevista no n.º 1 da citada norma legal – de contratação do seguro obrigatório por parte das sociedades de advogados – sempre implicará a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período do incumprimento do dever de celebração do seguro, ou seja, in casu, a exclusiva responsabilidade da sociedade de advogados, aqui Autora, na pessoa dos seus sócios – conduzindo, consequentemente, à improcedência da presente acção;
36. Parece assim evidente que a interpretação da citada cláusula de exclusão – constante da nota anexa à apólice ... – no sentido de excluir a responsabilidade da Seguradora perante terceiros, nos casos em que a Autora, sociedade de advogados (segurada e tomadora de seguro) recorra a advogados substabelecidos para o exercício das suas funções, é manifestamente contrária a natureza obrigatória do seguro, e bem assim aos princípios do equilíbrio e boa-fé contratual.
37. Nesse sentido, entendeu o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-12-2019, considerando que “… é sempre possível ao tribunal na apreciação interpretativa das cláusulas do contrato apreciar se, juridicamente, alguma delas é ou não excessivamente limitativa da cobertura aparentemente dada pelo contrato de seguro celebrado (e, portanto, abusiva), porque essa tarefa cabe no âmbito dos poderes de conhecimento do tribunal, sendo de natureza oficiosa.”
38. Nessa medida, atendendo ao âmbito de cobertura previsto nas alíneas a, c, e d do artigo 2.º das Condições Especiais da apólice de seguro º ..., contratada pela A. e em vigor à data do sinistro em apreço nos autos, outra conclusão não se poderá retirar se não a de que, encontra-se o aludido sinistro profissional incorrido pela Autora (ainda que por via da actuação de uma advogada substabelecida, in casu, a 2.ª Ré) abrangido pelas garantias e coberturas previstas na apólice de seguro n.º ..., celebrada com a 1.ª Ré G...;
39. Devendo a referida cláusula de exclusão, com a interpretação dada pelo douto Tribunal a quo, ser oficiosamente julgada nula, na medida em que a sua inclusão no contrato de seguro em apreço afigura-se excessivamente limitativa da cobertura aparentemente dada pelo contrato de seguro celebrado (e, portanto, abusiva), e bem assim frontalmente contrária à natureza da obrigação prevista no citado artigo 37.º, n.º 1 do DL 229/2004 de 10 de dezembro (vigente à data dos factos) e conforme artigo 146.º, n.º 5 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008 de 16 de Abril), o que, de todo o modo e à cautela de patrocínio, se alega e requer para os devidos e legais efeitos.
40. Nos termos do disposto na “CLÁUSULA DE LIMITAÇÃO DE SEGURADOS ACTUANDO AO ABRIGO DE SOCIEDADE DE ADVOGADOS” prevista nas apólices ... e ... contratadas junto da ora Recorrente M..., “Nos casos em que a actividade profissional dos SEGURADOS seja desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, fica entendido que a cobertura providenciada pela presente APÓLICE, sem prejuízo dos respetivos Limites de Indemnização, funcionará apenas na falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada primeiro” – cfr. cláusula 12.1 das Condições Particulares das citadas apólices de seguro.
41. Dispondo ainda a referida cláusula contratual que, caso as apólices contratadas pela Sociedade, ao abrigo da qual a Ré advogada exerceu o seu patrocínio, “contenham uma provisão respeitante à concorrência de seguros em termos idênticos à presente, entende-se que esta APÓLICE atuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos” – cfr. n.º 2 da cláusula 12.1 das Condições Particulares das referidas apólices juntas aos autos.
42. Assim, resultando manifestamente evidente dos autos que o patrocínio forense em apreço, foi exercido pela 2.ª Ré, Dra. AA, ao abrigo e em representação da sociedade de advogados (aqui Autora), e não contendo a apólice de seguro n.º ..., celebrada com a congénere G..., aqui 1.ª Ré, previsão idêntica à cláusula supra referida, sempre a responsabilidade civil da ora Recorrente M2..., S.A. estará expressamente excluída nos termos previstos na referida “Cláusula de Limitação de Segurados atuando ao abrigo de sociedade de advogados”;
43. Devendo-se assim concluir pela responsabilização da 1.ª Ré G..., por via da apólice de seguro ..., absolvendo-se a ora Recorrente M... de todos os pedidos deduzidos nos autos pela Autora.
44. Não obstante, e ainda que assim não se entenda (o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio), tendo o mandato forense em apreço nos autos sido outorgado pelo Interveniente Banco 1... SA à Autora, ainda que se conclua pela co-existência de responsabilidades – atenta a outorga de um substabelecimento com reserva – sempre se concluirá pela concorrência de responsabilidades entre a Autora e a 2.ª Ré – sendo aliás evidente nos autos que a Autora assume expressamente essa responsabilidade perante o Cliente, aqui Interveniente, Banco 1... SA – o que, no limite, implicará a redução de responsabilidade da 2.ª Ré (e consequentemente da ora Recorrente M...), ou mesmo a sua exclusão, nos termos previstos no artigo 570.º, n.º 1 do CC, o que se alega para os devidos e legais efeitos.
45. Acresce ainda que, não obstante todas as referidas ponderações tecidas pelo Tribunal a quo sobre a denominada doutrina da perda de chance, e bem assim sobre a previsibilidade do Banco 1... SA não ter incorrido no pagamento do montante de €55.692,96 naquele processo de insolvência, entendeu o Tribunal condenar a 2.ª Ré e a Interveniente M... nos pedidos deduzidos nos autos, a título subsidiário, nomeadamente no pagamento do montante de €62.364,35 acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo Banco 1... SA que se encontra a ser imputado à Autora.
46. Entendimento com o qual não poderá a ora Recorrente concordar, quer no que respeita ao valor em si (€62.364,35), quer no que respeita à aplicação da teoria da perda de chance.
47. Com efeito, e conforme tem sido amplamente entendido pela actual jurisprudência, “… o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade de o constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo Tribunal, e não o valor que esse processo lhe poderia eventualmente propiciar ou, pelo menos, obrigar a despender” - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 15.05.2008, e disponível in www.dgsi.pt;
48. No caso em apreço nos autos, ainda que se admita a existência de uma “chance perdida” sofrida pelo Banco 1... SA em decorrência da não interposição de recurso pela Autora, da sentença de graduação de créditos nos autos do processo 447/12.0TBGDM, sempre deverá ser ainda aplicado, sobre o valor obtido pela avaliação do (pretenso) “dano final”, o grau de probabilidade de sucesso daquela pretensão ter sido julgada de forma favorável, não fosse a pretensa actuação omissiva que a impediu.
49. De facto, atenta a aleatoriedade inerente às decisões jurisdicionais, as quais implicam a análise e ponderação de toda a prova produzida nos autos, e bem assim a interpretação e aplicação de um conjunto de normas jurídicas (que se alteram e modificam ao longo dos tempos), nunca se poderá afirmar, salvo melhor e douta opinião em contrário, a existência de uma inequívoca e total probabilidade de ganho – 100% – nos termos fixados pelo douto Tribunal a quo na sentença recorrida.
50. Tal como considerou o douto Acórdão do STJ de 2010.04.29, “Se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.”;
51. Neste sentido, e conforme salientou o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (disponível in www.dgsi.pt): “O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final.”
52. De modo que, sempre deveria o douto Tribunal a quo ter aplicado, sobre o aludido montante/”dano final” alcançado, a taxa/grau de probabilidade de sucesso da pretensão do Banco 1... SA ver o seu recurso satisfeito (e/ou julgado mais favoravelmente à sua pretensão), não fosse a actuação omissiva que se imputa à aqui Autora, sociedade de advogados.
53. Sendo certo que, à falta de melhor critério, tem a jurisprudência actual considerado que, a probabilidade (quando séria e credível) a considerar, deverá ser, tendo por base critérios de equidade, fixada em 50%;
54. Algo que, in casu (e hipoteticamente), conduziria à fixação de um dano de perda de chance (presumivelmente) sofrido pelo Chamado Banco 1... SA no montante de € 27.846,48 (50% de 55.692,96€).
55. Caso contrário, estaríamos perante um ressarcimento integral, contrário às normas legais contidas nos citados artigos 562.º, 563.º e 564.º do CC, sem qualquer ponderação sobre o grau de “chance” alegadamente perdido – o qual deverá ter sempre em consideração, salvo melhor e douta opinião em contrário, atenta a alea própria e inerente às decisões judiciais.
56. Entendeu, por fim, a douta sentença recorrida condenar a 2.ª Ré e a Interveniente M... no pagamento do “montante de €62.364,35 acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data em que lhe foi participado o sinistro descrito nos presentes autos, que corresponde ao valor do prejuízo sofrido pelo Banco 1... SA que se encontra a ser imputado à Autora”, sendo certo que não resulta da factualidade julgada provada nos autos a data em que o (pretenso) sinistro profissional foi participado à ora Recorrente – mas apenas à 1.ª Ré, G...;
57. Razão pela qual, nunca poderá a Recorrente M... ser condenada no pagamento de juros de mora, desde a data da participação de sinistro efectuada pela Autora junto da congénere Seguradora.
58. Dispõe o artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, dispondo ainda o n.º 3 da citada norma legal que: “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora nos termos da primeira parte deste número”;
59. Tal como entendeu o douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2002 (publicado em Diário da República n.º 146/2002, Série I-A de 2002-06-27, e disponível in www.dgsi.pt), “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”;
60. No caso em apreço nos autos, estando em causa a apreciação de um (pretenso) acto ilícito e culposo imputado à Ré advogada no âmbito do exercício da sua actividade profissional – fundando-se assim a presente acção no instituto da responsabilidade civil, e tendo a decisão proferida pelo Tribunal a quo apreciado o valor do pretenso dano sofrido pelo Chamado Banco 1... SA em decorrência daquela responsabilidade e com base na teoria da perda de chance – tratando-se assim de uma decisão actualizadora, a manter-se a decisão proferida nos autos relativamente aos juros de mora considerados devidos – desde a data da participação de sinistro à 1.ª Ré G... – tal circunstância consubstanciará um desproporcionado e manifesto enriquecimento ilícito do pretenso Lesado (in casu, do Chamado Banco 1... SA);
61. Motivo pelo qual, deverá a referida decisão ser revogada, sendo considerados apenas devidos juros de mora (o que não se admite, mas apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, atendendo à toda a argumentação supra explicitada), a partir da decisão final proferida nos autos, o que desde logo se alega para os devidos e legais efeitos.
G..., S.A. ré principal nestes autos na posição anteriormente ocupada por K... S.A. respondeu ao recurso interposto pela ré subsidiária, pugnando pela sua total improcedência.
Em 07 de janeiro de 2022, o Banco 1... SA respondeu ao recurso interposto por M2..., S.A e interpôs o que denominou como recurso subordinado subsidiário, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Na sentença recorrida, não resulta da factualidade julgada como provada, a data em que o sinistro profissional foi participado, pela 2ª Ré, à Recorrente M....
2) Porém, tal facto encontra-se provado pela documentação junta aos autos pela 2ª Ré, e que não foi objeto de impugnação, designadamente pelo documento nº 3 junto pela 2ª Ré à sua Contestação, que se consubstancia na carta enviada pela 2ª Ré à M... a comunicar o sinistro, datada de 09/02/2017.
3) Entende assim o aqui recorrente Banco 1... SA que deverá ser aditada à matéria de facto dada como provada o seguinte facto:
- O sinistro profissional foi participado pela 2ª Ré à interveniente “M2..., S.A” em 09/02/2017.
A ré G..., S.A. respondeu ao recurso interposto pela ré M..., S.A pugnando pela sua total improcedência.
Os recursos interpostos pela Sra. Dra. AA e pela M..., S.A. foram admitidos como de apelação, com subida imediata[7], nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Neste Tribunal da Relação não se admitiram as respostas oferecidas pela ré G..., S.A. aos recursos interpostos pela Sra. Dra. AA e pela M..., S.A. e qualificou-se o recurso subordinado subsidiário interposto pelo Banco 1... SA como ampliação do âmbito do recurso, tal como previsto no nº 2 do artigo 636º do Código de Processo Civil, corrigindo-se oficiosamente o erro na qualificação do meio processual.
Atenta a natureza estritamente jurídica das questões suscitadas nos recursos e a simplicidade da questão que integra a ampliação do âmbito do recurso, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
Após a determinação da inscrição dos autos em tabela, G..., S.A. e M..., S.A vieram reclamar para a conferência, a primeira requerendo que o despacho que não admitiu as suas respostas aos recursos interpostos pela ré Sra. Dra. AA e pela M..., S.A. seja revogado, “substituindo-se por decisão que admita as contra-alegações de recurso apresentadas pela aqui Reclamante e ali Recorrida e com as referências da Plataforma Citius n.os 31096244 e 30787226” e a segunda requerendo que recaia acórdão, em particular sobre as considerações sobre o trânsito em julgado da decisão absolutória da corré G..., S.A..
2. Questões a decidir tendo em conta os objetos dos recursos delimitados pelas recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil e pelo recorrido Banco 1... SA na ampliação do âmbito do recurso e resultantes das reclamações para a conferência contra o despacho proferido em 24 de maio de 2022 e deduzidas por G..., S.A. e M..., S.A
2.1 Das reclamações para a conferência deduzidas pela ré G..., S.A e M..., S.A
2.2 Da apelação interposta pela ré subsidiária:
2.2.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de pedido de condenação solidária da ré subsidiária com a sua seguradora e por contradição dos fundamentos com a decisão;
2.2.2 Da inclusão da conduta da ré subsidiária na garantia do seguro da autora.
2.3 Da apelação interposta pela interveniente M...:
2.3.1 Da inexistência de relação jurídica do Banco 1... SA com a ré subsidiária e consequente impossibilidade de responsabilização da recorrente por via reflexa;
2.3.2 Da nulidade da cláusula de exclusão da garantia do seguro contida na nota anexa à apólice nº ...;
2.3.3 Da aplicabilidade da cláusula de limitação de segurado atuando ao abrigo de sociedade de advogados;
2.3.4 Do concurso de responsabilidades entre a autora e a ré subsidiária;
2.3.5 Do cômputo do dano da perda de chance;
2.3.6 Do termo inicial da contagem dos juros de mora.
2.4 Da ampliação do âmbito do recurso formulado pelo Banco 1... SA:
2.4.1 Da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na matéria de facto da data em que foi participado à M... o sinistro.
3. Fundamentos
3.1 Das reclamações para a conferência deduzidas pela ré G..., S.A. e M..., S.A
G..., S.A. e M..., S.A vieram reclamar para a conferência, a primeira requerendo que o despacho que não admitiu as suas respostas aos recursos interpostos pela ré Sra. Dra. AA e pela M..., S.A. seja revogado, “substituindo-se por decisão que admita as contra-alegações de recurso apresentadas pela aqui Reclamante e ali Recorrida e com as referências da Plataforma Citius n.os 31096244 e 30787226” e a segunda requerendo que recaia acórdão, em particular sobre as considerações sobre o trânsito em julgado da decisão absolutória da corré G..., S.A..
Cumpre apreciar e decidir.
A decisão objeto das reclamações tem o seguinte teor:
A ré principal G..., S.A. respondeu aos recursos de apelação interpostos por AA e M2..., S.A pugnando pela sua total improcedência.
Ora, salvo melhor opinião, a ré principal, na qualidade de corré da ré subsidiária e do mesmo lado passivo da recorrente interveniente do lado passivo M2..., S.A não tem legitimidade para responder aos recursos interpostos por estas e desde logo porque a procedência dos recursos destas recorrentes em nada a afeta, já que isso não envolve a revogação do segmento absolutório na parte que lhe tange e proferida na sentença sob censura.
Na verdade, a ré G..., S.A. apenas tinha direito a responder a eventual recurso de apelação que fosse interposto pela autora e ou pelo interveniente do lado ativo Banco 1... SA e tendo em vista obter a revogação da decisão recorrida na parte em que, ainda que de forma implícita no dispositivo, julgou improcedente a ação contra a ré G..., S.A.
Porém, nem a autora, nem o Banco 1... SA interpuseram recurso da sentença, pelo que se formou caso julgado relativamente à absolvição do pedido da ré G..., S.A.
Assim, face ao exposto, não se admitem as respostas às alegações de recurso apresentadas por G..., S.A. em 03 de dezembro de 2021 e em 18 de janeiro de 2022, com custas do incidente anómalo a cargo da mesma.
O coletivo revê-se nas considerações do relator que se acabam de transcrever e subscreve-as.
Na verdade, como se refere no nº 2 do artigo 30º do Código de Processo Civil, o interesse em contradizer afere-se pelo prejuízo que da procedência da ação pode advir. Assim, como é bom de ver, não é a eventual procedência da defesa deduzida por um cocontestante que confere interesse em contradizer essa contestação a outro cocontestante.
Ora, tendo a ré G..., S.A. sido absolvida do pedido, ainda que implicitamente e não tendo as partes afetadas por tal absolvição reagido com a interposição do pertinente recurso, formou-se caso julgado no que tange essa absolvição, sendo certo que apenas tinham legitimidade para reagir contra tal decisão de absolvição do pedido implícito da aludida ré, a autora e o interveniente do lado ativo, pois que apenas estes tinham uma pretensão de condenação formulada contra aquela.
Aliás, nem sequer era lícito às corrés da G..., S.A. deduzirem pedido reconvencional contra esta pedindo a sua condenação, ainda que na pretensão formulada a título principal pela autora, porquanto a reconvenção, por definição, é formulada contra a parte contrária (veja-se o artigo 266º, nº 1, do Código de Processo Civil), ou seja, contra a autora.
Sublinhe-se que é mais do que duvidoso que a ré M..., S.A. se possa considerar prejudicada por uma consideração constante do despacho proferido em 24 de maio de 2022, consideração que até pode estar errada mas que em qualquer caso nunca a afeta, pois que, como é sabido, o caso julgado formal ou material não se forma sobre os fundamentos da decisão, mas sim sobre a decisão.
Ora a decisão constante do despacho proferido em 24 de maio de 2022 foi no sentido de não serem admitidas as respostas às alegações de recurso apresentadas por G..., S.A. em 03 de dezembro de 2021 e em 18 de janeiro de 2022, com custas do incidente anómalo a cargo da mesma.
É ostensivo que esta decisão em nada prejudica a reclamante M..., S.A., o que numa leitura mais estrita deveria determinar o indeferimento da reclamação para a conferência com este fundamento.
No entanto, prevenindo a eventualidade de entendimentos diferentes sobre esta problemática e na mira de evitar, tanto quanto possível, anulações por razões apenas formais, optou-se por conhecer do objeto da reclamação da M..., S.A., nos termos que precedem.
Assim, face ao exposto, improcedem as reclamações para a conferência deduzidas por G..., S.A. e M..., S.A, mantendo-se intocado o despacho proferido em 24 de maio de 2022 e que não admitiu as respostas às alegações de recurso apresentadas por G..., S.A. em 03 de dezembro de 2021 e em 18 de janeiro de 2022, com custas do incidente anómalo a cargo da mesma, sendo as custas das reclamações para a conferência da responsabilidade das reclamantes por ambas terem decaído (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida que não foram impugnados, sendo certo que a ampliação do âmbito de recurso apenas deve ser conhecida no caso de procedência do recurso de apelação da interveniente M... relativamente à questão do termo inicial da contagem dos juros de mora, não se divisando fundamento legal para a sua reapreciação oficiosa
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
A autora é uma sociedade de advogados que tem por objeto exclusivo o exercício em comum da profissão de advogado[8].
3.2.1.2
No exercício do mencionado escopo social, a autora, entre outros serviços próprios da advocacia, patrocina os seus constituintes em juízo, defendendo os seus direitos e interesses, seja na qualidade de autores/exequentes/reclamantes, seja na qualidade de réus/executados.
3.2.1.3
A fim de prevenir o risco da prática de qualquer ato ou omissão que, no exercício da sua atividade, a pudesse constituir em responsabilidade civil perante os seus constituintes, a autora celebrou com a aqui ré, então denominada X..., SA., um contrato de seguro titulado pela apólice nº ... do ramo Responsabilidade Civil Geral/Profissional[9].
3.2.1.4
A W... adquiriu por incorporação a X..., S.A. com a sua consequente extinção jurídica, e após fusão com a seguradora T... alterou a sua designação para K... S.A., pelo que a ré é parte legítima para ser demandada nos autos[10].
3.2.1.5
Por via deste contrato de seguro, a ré, contra o recebimento do respetivo prémio, que a autora sempre liquidou pontualmente, obrigou-se e obriga-se a cobrir, até ao limite de capital de cento e sessenta mil euros (€160.000,00), a responsabilidade civil profissional, os danos corporais e/ou materiais resultantes do exercício profissional da atividade de advocacia levada a cabo pela autora.
3.2.1.7
O contrato em apreço teve o seu início em 22-03-1995 e mantém-se válido[11]e em vigor até à presente data.
3.2.1.8
Em março de 2012 a autora foi incumbida de patrocinar o Banco 1... SA nos autos da ação de insolvência que corria termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar sob o registo nº. 447/12.0TBGDM, onde eram requeridos/insolventes BB e CC, nomeadamente para apresentar a competente reclamação dos créditos do Banco.
3.2.1.9
Para o efeito, o Banco 1... SA remeteu à autora, além da informação e dos elementos necessários para instruir a competente reclamação de créditos, o respetivo anúncio para efeitos de intervenção na citada insolvência.
3.2.1.10
A autora, em representação do Banco 1... SA, reclamou os seus créditos de natureza hipotecária e comum, no dia 11.03.2013, juntando para o efeito os documentos referentes às operações de crédito reclamadas (... ..., ... ..., ... e ... – três mútuos com hipoteca e um mútuo sem garantia real) – bem como a competente procuração forense e substabelecimento com reserva a favor da mandatária que apresentou o referido articulado, a Exma. Sr.ª Dr.ª AA.
3.2.1.11
As hipotecas desses mútuos eram sobre as frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o registo nº. ....
3.2.1.12
O montante dos créditos reclamados por esses mútuos garantidos por hipoteca ascende a € 191.668,51.
3.2.1.13
Por seu turno o Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP, reclamou créditos nesse processo 447/12.0TBGDM no montante de €62.364,35.
3.2.1.14
Os créditos reclamados pelo Banco 1... SA foram reconhecidos pelo Administrador de Insolvência na lista prevista no art.º 129º CIRE – onde são aí identificados todos os credores, respetivos privilégios e garantias.
3.2.1.15
Com base na natureza do crédito reclamado pelo Banco 1... SA o qual, na sua maior parte se encontrava garantido por hipoteca sobre os dois imóveis apreendidos para a massa insolvente, o mesmo Banco requereu a adjudicação dos imóveis em causa pelo valor de €111.600,00 (= 74.400,00 + 37.200,00), na convicção de que apenas teria de proceder ao depósito do valor correspondente ao crédito do Estado por IMI (e custas), o qual, gozando de um privilégio imobiliário especial, seria o único que prevaleceria sobre o crédito por si reclamado.
3.2.1.16
E, nesse sentido, após ter apresentado a proposta de aquisição desses dois imóveis dados de hipoteca, o Banco 1... SA liquidou o valor previsto no artigo 164º do CIRE, depositando o respetivo montante de €22.320,00, na conta de depósitos aberta em nome da Massa Insolvente.
3.2.1.17
Pelo que foram emitidos os títulos de adjudicação, tendo o Banco 1... SA procedido ao registo dos imóveis a seu favor.
3.2.1.18
Em 21.03.2013 foi proferida a sentença de graduação de créditos, na qual o crédito do Banco 1... SA garantido por hipoteca é graduado após o crédito da fazenda por I.M.I. (€3.065,15) bem como do crédito do IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional o qual ascendia ao montante de €62.364,35.
3.2.1.19
Em 23.04.2014 a aqui 2ª ré é notificada do mapa de rateio onde consta que o Banco tem de proceder ao depósito de €55.692,96, valor que abrangia o crédito da Fazenda por IMI e do IEFP, e que já tinha em consideração a liquidação da verba já depositada ao abrigo do previsto no disposto do artigo 164º do CIRE.
3.2.1.20
Só nesta data é que a autora e a 2ª ré, se apercebem da existência de um lapso na decisão proferida pelo Tribunal, ou seja, a sentença de verificação e graduação de créditos, oportunamente proferida e já transitada em julgado, havia, indevidamente, graduado o crédito do Banco 1... SA atrás do crédito do IEFP.
3.2.1.21
Em 30.04.2014, a autora requereu a retificação do mapa de rateio e da sentença de verificação e graduação de créditos, tentando reverter a situação em apreço, invocando que a decisão proferida enfermava de erros materiais e impugnando o mapa de rateio invocando a respetiva nulidade.
3.2.1.22
Em 05.05.2016 o Banco 1... SA foi notificado da decisão proferida, sobre a reclamação apresentada em 30.04.2014, a qual não dá provimento à reclamação.
3.2.1.23
Em 23.05.2016 a autora, no âmbito do mandato que lhe havia sido atribuído, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, da decisão mencionada no artigo [aliás ponto] anterior.
3.2.1.24
Foi negado provimento à apelação e, no dia 03.10.2016, a autora foi notificada do acórdão proferido o qual manteve a decisão da 1ª Instância.
3.2.1.25
O Banco 1... SA viu-se na obrigação de efetuar o depósito da quantia de € 55.692,96 na conta da massa insolvente, uma vez que a outra parte do valor reconhecido ao IEFP encontrava-se já abrangido pelo valor por si depositado.
3.2.1.26
O Banco 1... SA, efetuado o referido depósito, insistiu com a autora, para que esta proceda à liquidação do valor referido ou que interpele a ré [ré a título principal] para que esta assuma as consequências do sinistro decorrente da omissão acima descrita.
3.2.1.27
Por carta de 08 de fevereiro de 2017, a autora, fazendo-o a coberto do contrato de seguro celebrado com a ré [ré a título principal] participou o sinistro ocorrido.
3.2.1.28
Recebida a participação, a ré [ré a título principal], por carta de 07 de julho de 2017, comunicou à autora que declinava assumir as consequências do sinistro por “…, apesar de ter sido confirmado o erro profissional, verificamos que a Dra. AA não consta da listagem de pessoas seguras pela apólice”.
3.2.1.29
Em resposta à mencionada carta da seguradora a autora respondeu que “…Não concordamos, nem aceitamos o exposto na V. carta de 07.07.2017. De facto, não existe qualquer cláusula, na apólice acima identificada, que exclua os actos praticados por esta sociedade que deram origem à participação em apreço”.
3.2.1.30
A esta nova carta da autora a ré [ré a título principal] não respondeu pelo que certamente não terá alterado a sua posição de recusar assumir as suas obrigações constantes do contrato de seguro.
3.2.1.31
A aqui ré [a ré a título subsidiário ou segunda ré] acompanhava e acompanha alguns processos que a autora patrocina.
3.2.1.32
No âmbito dos referidos processos, a 2ª ré:
- intervém sempre com poderes forenses substabelecidos com reserva pela autora;
- utiliza sempre o papel timbrado da autora;
- segue orientações da autora no que tange ao acompanhamento do processo.
3.2.1.33
A aqui 2ª ré tem a sua atividade profissional segurada por seguro profissional de grupo contratado pela Ordem dos Advogados celebrado entre a M2..., S.A e a Ordem dos Advogados de Portugal titulado pela apólice de seguro ... e com data de início a 1 de janeiro de 2014.
3.2.1.34
Foi pela 2.ª ré, Dra. AA, subscrita uma proposta de seguro de reforço de capital, pela qual a ré advogada manifestou a sua intenção de aumentar em €150.000,00, o capital seguro previsto no âmbito da apólice de responsabilidade civil profissional base da Ordem dos Advogados (apólice n.º ...).
3.2.1.35
Pretendendo a 2.ª ré, igualmente, eliminar o valor devido a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto/indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro titulado pela apólice ....
3.2.1.36
Com data de início em 01.01.2014, a ora M2..., S.A emitiu a apólice de seguro de reforço n.º ..., a qual esteve em vigor entre 01/01/2014 e 01/01/2018.
3.2.1.37
Participado o sinistro pela 2ª ré[12], a Companhia de Seguros M2..., S.A Seguros informou que não poderia regularizar os danos reclamados por terceiro (Banco 1... SA) por ficarem expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações: “a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.
3.2.1.38
Participado o sinistro pela 2ª ré à companhia de seguros cuja apólice vigorava à data da notificação da sentença de graduação de créditos (31/03/2013), respondeu a Seguradora T... que para aplicação da apólice contratada releva a data da “Primeira Reclamação” (participação do sinistro) e não a data da verificação dos factos que eventualmente sejam suscetíveis de gerar responsabilidade profissional.
3.2.1.39
Confrontada com esta ultima resposta, a ré [a ré subsidiária ou segunda ré] interpelou novamente a companhia de seguros M2..., S.A, tendo obtido como resposta a confirmação do anteriormente decidido.
3.2.1.40
A 2.ª ré não integrava à data os quadros da sociedade de advogados, ora autora.
3.2.1.41
Não era sócia da autora, nem tampouco associada, ou sequer alguma vez celebrara ou mantinha qualquer contrato de trabalho com esta.
3.2.1.42
Esta apólice de seguro do ramo Responsabilidade Civil Geral[13], com início em 22.03.1995, titulado pela apólice n.º ... começou por ser titulada pelo Exmo. Senhor Dr. FF, tendo início em 04.10.1995[14].
3.2.1.43
Ao longo dos já longos anos da sua vigência, foi sofrendo sucessivas vicissitudes, seja em termos de alteração e designação do respetivo tomador, seja por via do aumento do capital máximo seguro.
3.2.1.44
Em 17.03.2003, o tomador e segurado deixou de ser um advogado pessoa singular e em prática isolada, para passar a ser a sociedade de advogados, aqui autora.
3.2.1.45
Foram preenchidos e remetidos à seguradora 1.ª ré, os questionários identificativos dos Advogados que integravam a referida sociedade, e para efeitos de análise de risco e fixação das pessoas integrantes da sociedade de advogados e cuja responsabilidade estaria a coberto pelo âmbito da apólice de seguro.
3.2.1.46
A partir desse momento, de acordo com a indicação que lhe foi prestada pela aqui autora, a seguradora 1.ª ré integrou no âmbito de cobertura da apólice de responsabilidade civil profissional os Exmos. Senhores Advogados:
- GG;
- DD;
- FF;
- HH.
3.2.1.47
Na versão vigente à data do sinistro dos autos, a apólice de seguro aqui em causa vigorava com as seguintes condições:
- Tomador: “L..., Sociedade de Advogados de Responsabilidade Limitada”;
- Limite máximo do capital seguro: 160.000,00€, por anuidade/sinistro;
- Listagem de Advogados que integram a sociedade:
- GG;
- DD;
- FF;
- HH.
3.2.2 Factos não provados
3.2.2.1
Conforme a informação que a então X..., SA transmitiu à ora autora, o seguro em causa garante a responsabilidade civil pelos danos patrimoniais que possam ser causados a terceiros em consequência de erro ou falta profissional decorrente do exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados estagiários, agentes ou mandatários.
3.2.2.2
Foi com base na sobredita informação que a autora celebrou com a ré o mencionado contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., que tinha por principal objeto a garantia da cobertura dos riscos associados à atividade profissional da autora.
3.2.2.3
De acordo com a lista do 129º do CIRE apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência, em 22.02.2013, a mandatária subscritora da reclamação de créditos informou o Banco, no sentido de que ao crédito do Banco e, relativamente aos imóveis dados de hipoteca ao Banco e apreendidos nessa insolvência, apenas preferia o crédito de IMI no montante de €3.065,15, ou seja, para efeitos de graduação de créditos, o crédito do Banco deveria ser graduado atrás das custas do processo e do IMI, mas à frente dos restantes credores, face às garantias existentes.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de pedido de condenação solidária da ré subsidiária com a sua seguradora e por contradição dos fundamentos com a decisão (questões da apelação da ré subsidiária)
A recorrente ré subsidiária imputa à decisão recorrida as nulidades decorrentes do proferimento de uma condenação sem pedido e por contradição dos fundamentos com a decisão.
A nulidade por falta de pedido derivaria de não ter sido formulado o pedido de condenação solidária da recorrente com a sua seguradora e, ao invés, a ré subsidiária deduziu o pedido de intervenção das suas seguradoras de responsabilidade civil profissional, a fim de a substituírem na eventualidade de se concluir ser a mesma responsável face ao Banco 1... SA, intervenção que foi admitida.
A contradição entre os fundamentos e a decisão resultaria de nos fundamentos da sentença recorrida se reconhecer a transferência da responsabilidade da ré para as suas seguradoras, seguros obrigatórios, apenas estando em causa a determinação da seguradora concretamente responsável e depois em sede de decisório terminar pela condenação solidária da ré subsidiária com a seguradora M....
Cumpre apreciar e decidir.
O artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
O vício previsto na primeira parte da alínea em análise verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, inopinadamente, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício na construção da sentença, um vício lógico nessa peça processual distinto do erro de julgamento que ocorre quando existe errada valoração da prova produzida, errada qualificação jurídica da factualidade provada ou errada determinação ou interpretação das normas legais aplicáveis.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, decorrente da eliminação do fundamento de esclarecimento da sentença previsto anteriormente na alínea a), do nº 1, do artigo 669º do Código de Processo Civil, na redação que vigorava antes da vigência do atual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade, torne a decisão ininteligível.
Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente.
Verifica-se obscuridade, sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável.
Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm que se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, insuscetível de ser apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes e comprometendo a sua própria execução por força de tais vícios.
Nos termos do disposto na alínea e), do nº 1, do artigo 615 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Esta previsão visa assegurar uma conformidade quantitativa e qualitativa entre aquilo que é pedido pelas partes e aquilo que é decidido pelo tribunal. É uma decorrência necessária do princípio do pedido (artigo 3º, nº 1, do Código de Processo Civil), bem como do princípio do dispositivo, na vertente da conformação da sentença (artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As passagens dos fundamentos da sentença que a recorrente destaca e que, na sua perspectiva, se acham em contradição com o dispositivo são as seguintes:
Rejeitada – como se procurou demonstrar – a tese da responsabilidade da autora pelos danos causados ao seu cliente Banco 1... SA, inevitável é concluir que foi por causa da actuação negligente da 2.ª ré, no exercício da sua actividade profissional de advogada, que o cliente da autora sofreu os correspondentes danos.
Assim sendo, e uma vez que esta demandada tinha a sua responsabilidade civil profissional garantida por seguros abrangendo tal responsabilidade, importa apurar qual das seguradoras chamadas deve assumir o pagamento da indemnização devida ao Banco 1... SA.
A nosso ver, não resulta das passagens transcritas que o tribunal a quo entendeu que por efeito da existência de seguro de responsabilidade civil a ré subsidiária ficava exonerada de qualquer responsabilidade perante o Banco 1... SA, mas apenas que face à existência de tais contratos de seguro havia que determinar que seguradora respondia.
Admite-se que a formulação do tribunal recorrido não é a mais feliz mas o que é certo é que em lado algum da sentença recorrida se afirma que a ré subsidiária, por efeito dos contratos de seguros de responsabilidade civil profissional de que beneficia, não é sujeito passivo da obrigação de indemnizar o Banco 1... SA e deve por isso ser absolvida do pedido.
Por isso, não se configura uma oposição dos fundamentos da sentença recorrida com a decisão determinante da sua nulidade, improcedendo esta arguição de nulidade da sentença recorrida.
Apreciemos agora a nulidade da sentença recorrida por não ter sido deduzido pedido de condenação solidária da ré subsidiária com a sua seguradora.
A ação iniciou-se com um pedido de condenação da ré AA, a título subsidiário e para a eventualidade de não proceder o pedido deduzido a título principal.
A ré AA assumiu assim a posição de ré subsidiária, tal como previsto no artigo 39º do Código de Processo Civil.
Na sua contestação a ora recorrente requereu, entre outras, a intervenção principal do lado passivo das seguradoras Companhia de Seguros T..., S.A. e M..., S.A
Para fundamentar o incidente de intervenção principal passiva por si deduzido a ré subsidiária alegou o seguinte:
38º
Nos termos do disposto no artigo 316º CPC “qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”
39º
Considerando que o pedido formulado subsidiariamente contra a aqui 2ª Ré, se encontra coberto por seguro de responsabilidade profissional.
40º
Que essa responsabilidade foi transferida, por via contratual, para as companhias de seguro M.../A... ou/e T.../M1.... – Conforme for fixada a data que define a responsabilidade (data do sinistro ou data da participação do sinistro).
41º
E considerando ainda que existe a possibilidade de a aqui 2ª Ré poder vir a repercutir, sobre as chamadas, o sacrifício patrimonial que lhe venha eventualmente a ser exigido.
42º
Deduz o presente incidente de intervenção provocada por se encontrarem preenchidos os requisitos legais para a sua admissão.
Terminou a sua contestação do seguinte modo:
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exa. suprirá, deve a acção que ora se contesta ser julgada parcialmente improcedente e em consequência ser a 2ª Ré absolvida do pedido;
Mais se requer que o incidente de intervenção provocada deduzido contra a companhia de seguros M... com sede na ... Lisboa e a companhia de seguros A... com sede na Avenida ... ... Lisboa, a companhia de seguros T... com sede na ... Lisboa e a companhia de seguros M1... com sede na ... ... ... ... Lisboa, seja admitido e caso venha a verificar-se a condenação da 2ª Ré no pedido, sejam estas chamadas a assumir essa responsabilidade junto do Banco 1... SA, por força do contrato de seguro com estas contratado.
Ouvida a autora sobre os pedidos de intervenção principal requeridos pela ré subsidiária nenhuma oposição foi deduzida, sendo admitidas as intervenções principais do lado passivo requeridas pela ré subsidiária, vincando-se que as intervenientes admitidas a intervir seriam associadas dos réus[15].
É inequívoco do que antes se transcreveu que a ré subsidiária não deduziu o pedido de intervenção das suas seguradoras de responsabilidade civil profissional, a fim de substituírem a ora recorrente na eventualidade de se concluir ser a mesma responsável face ao Banco 1... SA e, pelo contrário, expressamente referiu que “existe a possibilidade de a aqui 2ª Ré poder vir a repercutir, sobre as chamadas, o sacrifício patrimonial que lhe venha eventualmente a ser exigido”.
Aliás, essa pretensão seria ilegal porque em caso algum os incidentes de intervenção de terceiros se destinam à substituição de partes e muito menos o incidente de intervenção principal do lado passivo que pressupõe, ao menos, uma situação de litisconsórcio voluntário (veja-se o nº 2 do artigo 316º do Código de Processo Civil e a alínea a) do nº 3 do artigo que se acaba de citar).
O que formalmente se poderia questionar era se as intervenientes admitidas a intervir podiam ser condenadas sem que o autor ou o interveniente do lado ativo tivessem formulado contra elas um pedido, questão que não vem suscitada no recurso[16], mas nunca a condenação da ré subsidiária pois foi formulado um pedido de condenação contra a mesma, ainda que a título subsidiário.
Sublinhe-se que a recorrente ré subsidiária verdadeiramente não se insurge contra a solidariedade da sua condenação com a seguradora M... mas sim contra a sua condenação, entendendo que a partir da admissão da intervenção principal passiva, se acaso se concluísse ser sujeito passivo da obrigação de indemnizar com base em responsabilidade civil profissional, essa obrigação incidiria apenas sobre a seguradora que se concluísse ser aquela para que se transferira essa obrigação de indemnizar com base em seguro obrigatório[17].
Ora, como é bom de ver, o réu, ainda que por meio de um incidente de intervenção principal passiva, não tem a faculdade de impor ao autor a eliminação de um dos pedidos que aquele deduziu, pelo que nunca poderia pretender com a dedução e admissão de um tal incidente a eliminação do pedido de condenação que o autor deduziu contra a ré subsidiária.
Assim, face ao que precede, conclui-se que não ocorre a nulidade da sentença por ter proferido condenação da recorrente ré subsidiária sem pedido, improcedendo assim na totalidade as arguições de nulidade da sentença recorrida suscitadas pela recorrente ré subsidiária.
4.2 Da inclusão da conduta da ré subsidiária na garantia do seguro da autora
A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida porque, na sua perspetiva, desconsiderou o que se acha previsto na alínea) d) da Cláusula) 2ª do supra referido contrato/anexo (documento 10 junto com a contestação da 1ª ré), que refere expressamente que a apólice abrange ainda a responsabilidade emergente da atuação de advogado substabelecido pelo tomador em caso de impedimento deste – neste caso, impedimento dos sócios da sociedade tomadora do seguro[18].
Cumpre apreciar e decidir.
Analisados os fundamentos jurídicos da sentença recorrida não resulta da mesma que tenha ponderado a aplicação da previsão contratual que a ré subsidiária agora invoca, previsão que em boa verdade ninguém expressamente referiu nos articulados[19], sendo certo que sendo a fonte do pedido principal acionado pela autora o contrato de seguro, o tribunal tem o dever de o analisar em todas as vertentes, independentemente do enquadramento jurídico que as partes lhe dão (artigo 5º, nº 3 do Código de Processo Civil).
Porém, face à factualidade provada e atendendo ao que foi alegado pelas partes, não existe matéria de facto que permita preencher a integralidade desta previsão contratual.
De facto, ressalta da aludida cláusula que o seguro contratado com a ré principal abrange também o advogado substabelecido em caso de impedimento dos sócios da sociedade autora, seja por férias, doença ou outro impedimento. Isto é, para que esta cláusula possa operar, na sua literalidade, tem que resultar que o substabelecimento teve como causa uma situação de impedimento dos sócios da sociedade segurada por férias, doença ou por outra causa, não sendo bastante a simples vontade de substabelecer para que se preencha a referida previsão contratual.
Anote-se que esta previsão contratual foi elaborada, o mais tardar, em 2003 (vejam-se os pontos de facto provados nºs 3.2.1.44 a 3.2.1.46), numa data em que ainda não era obrigatório o seguro de responsabilidade civil das sociedades de advogados, pois que no decreto-lei nº 513-Q/79 de 26 de dezembro, alterado pelo decreto-lei nº 237/2001 de 30 de agosto, no seu artigo 20º nº 3, apenas se previa um seguro de responsabilidade civil facultativo.
Só com a entrada em vigor do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro e por força do disposto no artigo 37º deste diploma legal, passou a ser obrigatório o seguro de responsabilidade civil das sociedades de advogados para cobrir os riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários[20].
Por isso importa determinar se a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil das sociedades de advogados de responsabilidade limitada, como sucede com a autora, a partir da entrada em vigor do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro e por força do disposto no artigo 37º deste diploma, tem alguma projeção ou impacto sobre o contrato de seguro facultativo anteriormente celebrado pela autora e pela ré principal.
Atente-se que o risco assumido pelo contrato de seguro facultativo fica muito aquém dos riscos cobertos pelo seguro obrigatório, sendo que as normas que prescrevem o seguro obrigatório têm natureza imperativa e dispondo sobre o conteúdo de uma relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem, aplicam-se às relações jurídicas já constituídas (segunda parte do nº 2, do artigo 12º do Código Civil)
A partir da entrada em vigor do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, a autora inobserva a obrigação legal de transferir para seguradora a sua responsabilidade civil, nos termos legalmente previstos e sendo celebrado ou mantendo-se em vigor um contrato de seguro facultativo que não cumpra a obrigação legal ou contenha exclusões contrárias à natureza do contrato, a partir de 01 de janeiro de 2009[21], não se considera cumprido o dever de cobrir os riscos por via de um seguro obrigatório (artigo 146º, nº 5, da Lei do Contrato de Seguro aprovada pelo decreto-lei nº 72/2008 de 06 de abril[22]).
Dessa violação da obrigação de celebração de um contrato de seguro que observe as prescrições legais resulta a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período de incumprimento do dever de celebração do contrato de seguro (artigo 37º, nº 4, do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados aprovado pelo decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, que vigorava quando foi alegadamente praticado o ilícito profissional objeto destes autos).
Na atualidade, por força do disposto no artigo 213º, nº 14 do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 145/2015 de 09 de setembro, tratando-se de sociedade de responsabilidade limitada, apenas a sociedade responde pelas dívidas sociais, até ao limite do seguro de responsabilidade civil obrigatório, sendo que a responsabilidade por dívidas sociais inclui as geradas por ações ou omissões imputadas a sócios, associados e estagiários, no exercício da profissão[23].
Deste modo, afigura-se-nos que a entrada em vigor de regras jurídicas que determinam a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil dos riscos de certa atividade profissional não implica a eventual invalidação ou reconformação de cláusulas limitativas da responsabilidade da seguradora em contrato de seguro facultativo, pois que isso traduzir-se-ia numa interferência nos riscos assumidos pelos contraentes e na remuneração correspondente ao risco assumido, propiciando-se um desequilíbrio contratual injustificado.
Aliás, como já se viu, a lei prevê consequências jurídicas nos casos de inobservância da obrigação de celebrar seguro obrigatório que cabe aplicar no caso em apreço.
O que é inequívoco é que a factualidade provada sobre as condições em que foi outorgado o substabelecimento com reserva à ré subsidiária não é suficiente para preencher a previsão da alínea d) do artigo 2º da condição especial, profissional, da Apólice de Responsabilidade Civil Geral, já que dos mesmos não resulta que tal substabelecimento tenha decorrido de uma situação de impedimento dos sócios da autora.
Por isso, improcede este fundamento desta questão recursória da recorrente subsidiária.
No entanto, importa não perder de vista que o tribunal é livre na aplicação do direito (artigo 5º, nº 3 do Código de Processo Civil) e que sendo a pretensão da recorrente subsidiária de absolvição do pedido contra ela deduzido e de revogação da condenação proferida pelo tribunal recorrido contra ela, pode e deve seguir-se uma via jurídica diversa da identificada pelo recorrente para eventual satisfação da mesma[24].
Vejamos.
A autora instaurou a presente ação afirmando-se titular de um direito de indemnização[25], a título principal, contra a sua seguradora de responsabilidade civil e, a título subsidiário, contra a ré subsidiária, tendo por força de incidente de intervenção de terceiros sido admitida a intervir, além de outras entidades, a ré M....
Ora, como se viu anteriormente, o contrato de seguro que a autora celebrou não obedece àquilo que era legalmente exigido no momento em que foram praticados os factos de que emerge a responsabilidade profissional[26], sendo que da não contratação de seguro obrigatório de responsabilidade civil nos termos legalmente exigidos, decorre a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios da autora[27]. Dito por outras palavras: não sendo cumprido o dever legal de segurar a responsabilidade civil da sociedade de advogados de responsabilidade limitada para cobrir os riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários, tal como previsto no nº 1 do artigo 37, do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, a responsabilidade pela não cobertura desse risco passa a recair, de forma ilimitada, sobre os sócios da sociedade inadimplente.
Por isso, o Banco 1... SA na qualidade de lesado por perda de uma chance processual decorrente, alegadamente, da conduta de mandatária da sua mandatária, na falta de seguro obrigatório, tem direito de ação contra os sócios da sociedade de advogados que constituiu sua mandatária.
E por isso também, a autora, que não cumpriu o dever de celebrar um contrato de seguro que observasse o que legalmente era exigido, não pode fazer repercutir em terceiros o dever que violou pois que legalmente são responsáveis, de forma ilimitada, por tal inadimplemento os seus sócios.
Assim, neste quadro, a autora não tem qualquer direito que possa exercer contra a ré subsidiária e por isso, com estes fundamentos jurídicos, procede o recurso de apelação da ré subsidiária.
4.3 Da inexistência de relação jurídica do Banco 1... SA com a ré subsidiária e consequente impossibilidade de responsabilização da recorrente por via reflexa (questão da interveniente M...)
A recorrente M... pugna pela revogação da decisão recorrida porque o Banco 1... SA não tem qualquer vínculo jurídico com a ré subsidiária mas sim e apenas com a autora, a qual sempre assumiu o controlo e a responsabilidade perante aquele banco por todas as ações e omissões no âmbito do mandato forense que lhe foi outorgado pelo referido banco e que substabeleceu, com reserva, na ré subsidiária, tendo a autora continuado a ser notificada de todos os atos processuais inerentes ao processo judicial em curso, mantendo-se como exclusiva mandatária, cujas orientações e instruções lhe eram exclusivamente transmitidas pelo aludido banco, pelo que na eventualidade de o mandante sofrer danos em consequência do patrocínio forense assumido pela autora e ainda que com recurso a substabelecimento com reserva, sempre recairá sobre a autora a obrigação de indemnizar tais danos e não podendo ser responsabilizada a ré subsidiária, necessariamente, também não pode ser responsabilizada a seguradora da sua responsabilidade civil.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais recordemos os normativos essenciais para a dilucidação desta questão recursória.
Nos termos do artigo 1165º do Código Civil, o mandatário pode na execução do mandato fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.
De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 264º do Código Civil, o procurador só pode fazer-se substituir por outrem se o representado o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.
“A substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário” (artigo 264º, nº 2, do Código Civil).
“Sendo autorizada a substituição, o procurador só é responsável para com o representado se tiver agido com culpa na escolha do substituto ou nas instruções que lhe deu” (artigo 264º, nº 3, do Código Civil).
“O procurador pode servir-se de auxiliares[28] na execução da procuração, se outra coisa não resultar do negócio ou da natureza do ato que haja de praticar” (artigo 264º, nº 4, do Código Civil).
Em sede de mandato forense prevê-se no nº 2 do artigo 44º do Código de Processo Civil que nos poderes que a lei presume conferidos ao mandatário está incluído o de substabelecer o mandato.
Em complemento da previsão legal que se acaba de citar, estabelece-se no nº 3 do artigo 44º do Código de Processo Civil que o substabelecimento sem reserva implica a exclusão do anterior mandatário. Daqui se pode retirar, não obstante a conhecida falibilidade do argumento a contrario sensu, que o substabelecimento com reserva não implica a exclusão do primitivo mandatário.
Neste quadro normativo, pode afirmar-se, com alguma segurança, que de facto num caso de submandato ou subprocuração não se estabelece uma relação jurídica entre o primitivo mandante ou procurador e o submandatário ou subprocurador.
Porém, desde há longo tempo a doutrina e a jurisprudência tem-se vindo a questionar se entre os referidos sujeitos situados em polos opostos e cujo contacto é sempre mediado por um terceiro sujeito intermédio se pode estabelecer uma relação jurídica ao abrigo do denominado direito de ação direta ou, noutro enquadramento, do direito de sub-rogação[29].
Daí que num tal quadro dogmático e jurisprudencial não é indiscutível que não obstante a inexistência de uma relação jurídica direta entre o primitivo mandante e o submandatário não possa o primitivo mandante responsabilizar directamente o submandatário nalguns casos.
No caso em apreço, esta hipótese verdadeiramente não se coloca na medida em que a ação é instaurada pelo primitivo mandatário contra o submandatário, aderindo o Banco 1... SA à petição do primitivo mandatário e que formulou um pedido de pagamento de certa importância em dinheiro ao primitivo mandante.
No entanto, tal como já se analisou relativamente à ré subsidiária, a questão que se coloca é a de saber se a autora ou a interveniente do lado ativo têm algum direito que possam exercer contra a seguradora da responsabilidade civil da ré subsidiária, num circunstancialismo em que a autora omitiu o dever legal de celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos derivados do exercício da atividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários, tal como previsto no nº 1 do artigo 37, do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro, já que, nesse circunstancialismo, a responsabilidade pela não cobertura desse risco passa a recair, de forma ilimitada, sobre os sócios da sociedade inadimplente, autora nestes autos.
Evitando repetições escusadas que artificialmente engrossam as decisões, dificultando algumas vezes a sua compreensão, remete-se para o que antes se afirmou na análise da precedente questão recursória suscitada pela ré subsidiária, relativamente à não titularidade de qualquer direito por parte da autora e bem assim da interveniente do lado ativo contra a ré subsidiária e, consequentemente, contra a seguradora da sua responsabilidade civil.
De facto, se a segurada não se constitui em responsabilidade civil face àqueles sujeitos, necessariamente a sua seguradora de responsabilidade civil não é chamada a cobrir um risco pela qual a sua segurada não pode ser demandada.
Pelo exposto conclui-se que com este fundamento jurídico procede o recurso de apelação interposto pela interveniente M..., ficando prejudicado o conhecimento das questões enunciadas para serem conhecidas de seguida e suscitadas por esta recorrente.
4.4 Da ampliação da decisão da matéria de facto (questão suscitada em sede de ampliação do âmbito do recurso formulado pelo Banco 1... SA)
O Banco 1... SA na resposta ao recurso interposto pela M... recorreu subordinada e subsidiariamente, prevenindo a hipótese de o recurso interposto pela interveniente M... vir a ser julgado procedente, pugnou por que com base na prova documental oferecida pela ré subsidiária e não impugnada, se dê como provada a data da interpelação desta interveniente.
Este recurso subordinado subsidiário foi admitido como ampliação do âmbito do recurso tal como previsto no artigo 636º, do Código de Processo Civil.
Ainda que o Banco 1... SA não o refira de forma inequívoca, parece evidente que a esta pretensão de ampliação do âmbito de recurso pressupõe a improcedência de todas as questões recursórias, com exceção da questão relativa ao termo inicial da mora da recorrente interveniente do lado passivo.
Cumpre apreciar e decidir.
Uma vez que o recurso da interveniente passiva M... procedeu por se ter entendido que a responsável cuja responsabilidade civil profissional cobria mediante seguro obrigatório não podia ser responsabilizada diretamente nem pela autora nem pelo interveniente do lado ativo e, consequentemente, igualmente sucedia relativamente a tal recorrente, poder-se-ia sustentar que neste contexto, não fazia sentido o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso do banco interveniente do lado ativo.
Porém, à luz das soluções plausíveis das diversas questões de direito e tendo ainda em atenção que a solução do litígio ainda não se acha estabilizada, afigura-se-nos que se justifica o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso, quanto mais não seja, prevenindo a eventualidade de revogação das decisões tomadas por este Tribunal da Relação relativamente ao recurso da ré interveniente passiva M....
Assim, tendo em conta o teor do documento nº 3 oferecido pela ré subsidiária, não impugnado, deve o ponto 3.2.1.37 dos fundamentos de facto passar a ter a seguinte redação:
- Participado o sinistro pela 2ª ré em 09 de fevereiro de 2017, a Companhia de Seguros M2..., S.A Seguros informou que não poderia regularizar os danos reclamados por terceiro (Banco 1... SA) por ficarem expressamente excluídas da cobertura da apólice as reclamações: “a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.
Pelo exposto, procede a ampliação do âmbito do recurso ainda que sem qualquer possibilidade de permitir a reversão das decisões tomadas por este tribunal relativamente aos recursos de apelação interpostos pela ré subsidiária e pela interveniente do lado Passivo M..., S.A
As custas do recurso de apelação da ré subsidiária são da responsabilidade da recorrente por não ter havido resposta legalmente admissível a tal recurso e ser a recorrente quem tira proveito do mesmo (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil); as custas do recurso de apelação interposto pela interveniente M... são da responsabilidade do recorrido Banco 1... SA por ter ficado vencido na resposta ao recurso; as custas da ação são da responsabilidade da autora e do banco interveniente do lado ativo, a meias, pois que a ação improcede totalmente, sendo todas as rés e a interveniente do lado passivo M... absolvidas dos pedidos contra elas deduzidos.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em indeferir as reclamações para a conferência deduzidas por G..., S.A. e M..., S.A e em julgar procedentes os recursos de apelação interpostos por AA e por M2..., S.A e ainda a ampliação do âmbito do recurso em sede estritamente factual requerida pelo Banco 1... SA e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida proferida em 27 de outubro de 2021 e absolvem-se AA e M2..., S.A dos pedidos contra ambas deduzidos.
As custas das reclamações para a conferência são da responsabilidade das reclamantes, por terem decaído, enquanto as do recurso de apelação da ré subsidiária são da responsabilidade desta recorrente por não ter havido resposta legalmente admissível a tal recurso e ser a recorrente quem tira proveito do mesmo (artigo 527º, nº 1, do Código de Processo Civil); as custas do recurso de apelação interposto pela interveniente M... são da responsabilidade do recorrido Banco 1... SA por ter ficado vencido na resposta ao recurso; as custas da ação são da responsabilidade da autora e do banco interveniente do lado ativo, a meias, pois que a ação improcede totalmente, sendo todas as rés e a interveniente do lado passivo M... absolvidas dos pedidos contra elas deduzidos, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, às taxas de justiça dos recursos.
***
O presente acórdão compõe-se de quarenta e cinco páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
Porto, 27 de junho de 2022
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
__________________________________________________
[1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida.
[2] De facto, por requerimento de 22 de março de 2021, veio esta seguradora dar conta de fusão por incorporação da G..., S.A. na K... S.A. e da adoção da denominação social “G..., S.A.”, indicando o código de certidão permanente para comprovação destes factos.
[3] Porém, no último parágrafo da petição inicial formula-se o pedido de que sempre seja admitida a intervenção acessória provocada do Banco 1... SA para, além do mais, intervir na causa como parte principal, como se uma parte acessória pudesse ser uma parte principal e olvidando as condições legais em que pode ser deduzida a intervenção acessória e as suas finalidades (vejam-se os artigos 321º e 323º, nº 4, ambos do Código de Processo Civil).
[4] Acrónimo com que doravante se designará o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[5] Se bem lemos e interpretamos o disposto no artigo 596º, nº 2, do Código de Processo Civil, as partes apenas podem reclamar do despacho que identifica o objeto do litígio e enuncia os temas da prova. Independentemente disso, esta reclamante foi julgada parte legítima no despacho saneador pelo que relativamente à decisão que recaiu sobre esta exceção dilatória apenas podia reagir como previsto no nº 3 do artigo 644º do Código de Processo Civil.
[6] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 27 de outubro de 2021.
[7] Uma vez que no sistema atual de recursos em processo civil não há recursos com subida diferida, não tem sentido afirmar que o recurso sobe imediatamente, pois que todos sobem imediatamente.
[8] Recorde-se a firma da autora: L .... - Sociedade de Advogados, SP, RL. Trata-se por isso de uma sociedade de advogados de responsabilidade limitada.
[9] Desta apólice de seguro de responsabilidade civil geral destacam-se nas suas condições gerais as seguintes cláusulas: “ARTIGO 2º OBJECTO DO CONTRATO 1. O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual, que nos termos da lei civil, seja imputável ao Segurado, somente enquanto na qualidade ou no exercício da actividade expressamente referida nas Condições Especiais e Particulares desta apólice. (…) ARTIGO 5º EXCLUSÕES 1. Não ficam garantidos em caso algum, ainda que o Segurado possa ser civilmente responsável: (…) m) Prejuízos ou danos que resultem do incumprimento ou cumprimento defeituoso de obrigações de qualquer natureza, emergentes de contratos celebrados pelo Segurado; (…) ARTIGO 14º COEXISTÊNCIA DE CONTRATOS (…) 2. Existindo, à data do sinistro, mais de um contrato de seguro com o mesmo objecto e garantia, a presente apólice apenas funcionará em caso de inexistência, nulidade, ineficácia ou insuficiência de seguros anteriores. Na condição especial relativa à responsabilidade civil profissional sublinham-se as seguintes cláusulas: “ARTIGO 1º OBJECTO DO CONTRATO Fica expressamente convencionado que a cobertura concedida por esta apólice se limita a garantir, nos termos e limites das Condições Gerais, Particulares e da presente Condição Especial, a responsabilidade civil legal imputável ao Segurado que derive exclusivamente do exercício da sua actividade profissional. ARTIGO 2º ÂMBITO DO CONTRATO A Garantia deste contrato abrange (…) a) Os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados aos clientes em consequência de erros, omissões ou negligência cometidos pelo Segurado no exercício da sua profissão e no âmbito de vigência do presente contrato; (…) c) Os actos ou omissões de auxiliares e empregados quando ao seu serviço e no exercício das suas funções; d) A responsabilidade legal do Segurado, derivado da sua substituição em férias, doença ou outro impedimento, por outro profissional legalmente habilitado.” Na nota anexa à apólice nº ... consta, além do mais, o seguinte: “Para além das exclusões referidas nas Condições Gerais da Apólice, este seguro não garante ainda: (…) Perdas ou danos decorrentes da responsabilidade das pessoas que não tenham com o Segurado uma relação de dependência laboral, ainda que actuem por ele ou por conta dele”.
[10] Este segmento da parte final deste ponto da factualidade julgada provada pelo tribunal a quo integra matéria de direito devendo como tal considerar-se excluído dos fundamentos de facto que, por definição, integram apenas matéria de facto (veja-se a primeira parte do nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil).
[11] Manter-se “válido” é uma afirmação de cariz jurídico que não devia constar dos factos provados, discutindo-se inclusivamente, ao menos, a validade de algumas cláusulas contratuais. Por isso, por não constituir matéria de facto, se desconsiderará este segmento deste ponto de facto (veja-se o nº 4, do artigo 607º do Código de Processo Civil que delimita o que deve constar da fundamentação de facto da sentença).
[12] A participação foi enviada como anexo em mensagem de correio eletrónico em 09 de fevereiro de 2017 como bem se vê do documento nº 3 oferecido pela ré subsidiária com a sua contestação.
[13] Este ponto de facto refere-se de novo à ré seguradora demandada a título principal.
[14] Este ponto de facto contém elementos incompatíveis no que respeita ao início do contrato, reproduzindo acriticamente o que consta do artigo 7º da contestação de K... S.A., pois que ou bem que o contrato teve início em 22 de março de 1995, data da proposta ou em 04 de outubro de 1995, data que figura num dos dois carimbos da X... apostos na proposta, tendo o outro carimbo a data de 10 de outubro de 1995. O aviso de cobrança de 13 de outubro de 1995 oferecido pela ré K... S.A. indica como data de início do contrato o dia 22 de março de 1995 e também nas Condições Particulares do contrato de seguro se indica como data de início do contrato o dia 22 de março de 1995, pelo que é esta data que se deve relevar.
[15] Aqui com evidente impropriedade de expressão do tribunal recorrido pois que nenhuma relação existe entre as intervenientes e a ré principal.
[16] A ré subsidiária nem sequer teria legitimidade para suscitar essa questão mas sim e apenas a seguradora afetada por tal condenação.
[17] A circunstância de existir um seguro obrigatório apenas faculta ao lesado o direito de ação direta (artigo 146º, nº 1da Lei do Contrato de Seguro aprovada pelo decreto-lei nº 72/2008 de 16 de abril) mas não lhe retira o direito de demandar o lesante, nos termos gerais (que responderá solidariamente com a seguradora para a qual foi transferida a obrigação de indemnizar, tratando-se de solidariedade imprópria na medida em que o lesante poderá fazer repercutir na seguradora o que for obrigado a cumprir e dentro da cobertura do seguro). Nos seguros obrigatórios, nada obsta e ressalvado o caso do seguro obrigatório automóvel por força de lei expressa (veja-se o artigo 64º, nº 1, alínea a) do decreto-lei nº 291/2007 de 21 de agosto), a que o lesado demande o responsável civil e a sua seguradora.
[18] Esta cláusula tem o seguinte teor: “A Garantia deste contrato abrange (…) d) A responsabilidade legal do Segurado, derivado da sua substituição em férias, doença ou outro impedimento, por outro profissional legalmente habilitado.”
[19] Atenta esta realidade processual poderia ser-se tentado a ver aqui uma questão nova. No entanto, não cremos que seja caso disso pois que quer a autora, quer as rés remeteram para o conteúdo do contrato de seguro a definição dos termos em que a ré principal respondia, o que se nos afigura bastante para que o tribunal conhecesse da aludida cláusula e dos seus reflexos no caso em apreço.
[20] No que respeita aos advogados pessoas singulares, apenas com o Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de janeiro se passou a prever a obrigatoriedade de celebração de um contrato de seguro de responsabilidade profissional (veja-se o artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26 de janeiro).
[21] Veja-se o artigo 7º do decreto-lei nº 72/2008 de 06 de abril.
[22] A recorrente M... convoca esta previsão legal como uma das violadas pela decisão recorrida mas com um alcance diferente do que se segue neste acórdão, pretendendo retirar desse normativo um efeito invalidante de algumas das cláusulas contratuais resultantes de seguro facultativo e em virtude de não cumprirem cabalmente as exigências do seguro obrigatório de responsabilidade civil das sociedades de advogados.
[23] Anote-se que o nº 1 do artigo 37º do decreto-lei nº 229/2004 de 10 de dezembro era mais abrangente pois o seguro obrigatório cobria os riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos sócios, associados, advogados estagiários, agentes e mandatários da sociedade de advogados.
[24] A este propósito leia-se o que escreve o Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes na 7ª Edição actualizada de Recursos em Processo Civil, Almedina 2022, página 171, último parágrafo da anotação 3 ao artigo 638º do Código de Processo Civil: “Considerando também que relativamente à integração jurídica o tribunal não está condicionado pelas alegações das partes, nem pelas posições que concretamente assumiram, o eventual acordo de ambas quanto a uma determinada solução jurídica não o vincula. O consenso das partes deve materializar-se no processo através dos meios a que a lei atribui relevo para efeitos de composição consensual do litígio (confissão, desistência ou transação).”
[25] Sublinhe-se que mesmo independentemente dos reflexos da inobservância do dever legal de celebração de um contrato de seguro que cubra os riscos da actividade profissional de uma sociedade de advogados, ao menos na questão do dano, o direito afirmado pela autora não existe, pois que a perda de chance verifica-se na esfera jurídica do Banco 1... SA Por outro lado, este banco, não tem um direito paralelo ao da autora, mas um direito próprio em virtude de por força da conduta de uma Sra. Advogada substabelecida por um associado da autora ter sofrido na sua esfera jurídica a perda de chance de alteração da decisão de verificação e graduação de créditos proferida em 21 de março de 2013.
[26] O dano da perda de chance verificou-se no momento em que transitou em julgado a sentença de verificação de créditos proferida em 21 de março de 2013. Sublinhe-se que não existe nos autos prova documental a quem foi notificada essa sentença, embora a autora tenha afirmado que a ré subsidiária foi notificada da mesma (artigo 73º da petição inicial), facto não impugnado pela ré subsidiária, mas impugnado por desconhecimento pela então K... S.A., no artigo 3º da sua contestação.
[27] Pode questionar-se se a responsabilidade pessoal e ilimitada dos sócios é direta e imediata ou se é apenas subsidiária, respondendo sempre em primeiro lugar a sociedade pelas forças dos seus bens sociais e, excutidos estes, os sócios pessoalmente e ilimitadamente.
[28] Sobre a distinção entre auxiliares e substituto em sede de procuração e por remissão no domínio do mandato, escreve Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume III, Contratos em Especial, 5ª Edição, Almedina 2008, o seguinte: “Em face deste regime [refere-se ao regime do artigo 264º do Código Civil], convém distinguir a substituição da utilização de auxiliares. Fala-se em substituição do mandatário, quando ele encarrega outro mandatário de praticar os mesmos actos jurídicos de que foi encarregado pelo mandante, havendo assim um subcontrato de mandato, ou seja, um submandato [segue a nota de rodapé nº 901, com o seguinte conteúdo: “Sobre o submandato, cfr. ROMANO MARTINEZ, O subcontrato, pp. 33 e ss.”]. Já a utilização de auxiliares não implica que estes pratiquem os actos jurídicos de que o mandatário foi encarregado, limitando-se a dar-lhe colaboração nas suas tarefas. Em termos simples, ocorrendo um submandato, estabelece-se uma relação de mandato entre o mandatário e o submandatário, enquanto que o vínculo que o mandatário estabelece com os seus auxiliares constitui antes uma relação de trabalho subordinado ou um contrato de prestação de serviços.” Anote-se que em geral, para efeitos do âmbito de aplicação do artigo 800º do Código Civil, tem-se entendido que os auxiliares tanto podem ser dependentes como independentes (assim vejam-se Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade, António Pinto Monteiro, Coimbra 1985, páginas 290 e 291; Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 2ª Edição (Revista e Atualizada), Universidade Católica Portuguesa, José Carlos Brandão Proença, páginas 318 e 319; Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Portuguesa 2018, página 1113, anotação III e Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, coordenação de António Menezes Cordeiro, CIDP, ..., página 1028, anotação 9, § 14, anotação da responsabilidade do coordenador da obra; em sede de trabalhos preparatórios, sobre esta questão veja-se Boletim do Ministério da Justiça nº 72, estudo da autoria do Sr. Professor Adriano Paes da Silva Vaz Serra, intitulado “Responsabilidade do devedor pelos factos dos auxiliares dos representantes legais ou dos substitutos”, páginas 271 a 276).
[29] Sobre esta problemática, em sede de subcontrato, veja-se II na obra intitulada “O Subcontrato”, Almedina 1989, páginas 155 a 159; em sede de subempreitada veja-se Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, João Cura Mariano, 7ª Edição Revista e Aumentada, Almedina 2020, páginas 235 a 252.