HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
EFEITOS DO RECURSO
PRISÃO ILEGAL
INDEFERIMENTO
Sumário


I - O requerimento de concessão da providência excecional de Habeas corpus fundou-se em prisão ilegal, alegando-se que, tendo interposto recurso para o TC, “após o tribunal da Relação de Lisboa ter declarado improcedente o seu recurso quanto à rejeição do requerimento de abertura de instrução, ao qual foi atribuído efeito suspensivo e com subida nos próprios autos, os autos deveriam ter aguardado em sede de instrução, ao invés de ter sido efetuado o julgamento e proferido acórdão”.
II - Invoca-se que, assim, o tribunal de julgamento “violou o disposto no n.º 1, do art.º 4.º, da LOSJ, não acatando uma decisão que impunha a suspensão dos autos, e que decorria inclusivamente da LOPTC designadamente no n.º 4, do art.º 78.º, e n.º 3, do art.º 408.º, do CPP”.
III - Da cronologia dos autos, resulta que, à data da admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, o processo encontrava-se em fase de audiência de discussão e julgamento.
IV - Prescreve o n.º 5, do art. 215.º, do CPP:
Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos n.ºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.
V - O acréscimo de prazo, assim determinado, opera independentemente do efeito do recurso e da fase do processo e deverá refletir-se no cômputo global do prazo de prisão.
VI - Como ensina Maia Costa “É indiferente que o recurso determine, ou não, a suspensão dos termos do processo ou provoque, ou não, algum atraso na sua tramitação, pois trata-se de um prazo adicional objetivamente fixado pelo legislador como sendo o adequado para compensar o "arrastamento" que o recurso de constitucionalidade normalmente envolve”.
VII - O acréscimo de 6 meses foi o segmento temporal que o legislador entendeu necessário e proporcional para reduzir o efeito negativo que a interposição do recurso para o TC poderia vir a gerar relativamente a qualquer das fases do processo.
VIII - Ou seja, a interposição pelo arguido de recurso para o TC, por aplicação do disposto no n.º 5, do art. 215.º, do CPP, fez acrescer 6 meses ao prazo de 1 ano e 6 meses, correspondente à fase do processo, à data – fase de audiência de discussão e julgamento-, remetendo o termo do prazo para 22 de outubro de 2022.
IX - Nessa medida, o prazo de prisão preventiva não se encontra excedido.

Texto Integral



Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, de 47 anos, arguido no processo n.º 588/20...., do Juízo Central Criminal ... – J..., e aí melhor identificado, alegando encontrar-se em situação de prisão ilegal, por se mostrar ultrapassado o termo do prazo máximo de prisão preventiva a que se encontra sujeito, vem, nos termos do art.º 31.º da Constituição da República Portuguesa e do art.º 222.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, intentar providência de habeas corpus, nos seguintes termos: (transcrição)

I.    Da cronologia e dos actos processuais em que sustenta a existência de uma situação de prisão preventiva ilegal motivadora da intervenção desse Colendo Tribunal no diferimento da providência de cariz extraordinário requerida.

1. Conforme decorre do disposto no n.º 2 do art.º 222.º do CPP a causa da ilegalidade da situação de prisão, relativamente ao cidadão por quem é requerido a providência em apreço, poderá assentar numa das situações taxativamente previstas nas alíneas a) a c) do referido inciso legal.

2. In casu, a presente providência de habeas corpus é motivada pela circunstância do arguido entender que se numa situação de prisão preventiva- medida de coação essa que lhe foi aplicada em sede de primeiro interrogatório judicial- cujo prazo máximo legalmente previsto na lei processual penal já se encontra manifestamente excutido. Senão vejamos,

3. O arguido na fase de inquérito uma vez detido em flagrante delito (detenção essa que ocorreu em 20.10.2020) foi submetido em 22.10.2020 a primeiro interrogatório judicial a que alude o art.º 141.º do CPP no âmbito do qual lhe foi aplicada a medida de coação mais gravosa, designadamente a da prisão preventiva.

4. Em 20.04.2021 foi declarado encerrado a fase de inquérito com a prolação por parte do Digno Titular da Acção Penal, do despacho de Acusação, imputando-lhe a prática (em co-autoria material) de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, 35.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A anexa ao mesmo diploma.

5. Concomitante à prolação do douto despacho proferido, e na sequência da promoção do titular da acção penal foram reexaminados pela Mma JIC os pressupostos que presidiram à primitiva aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao ora arguido, a qual veio a ser mantida.

6. Situação essa que se veio a verificar de igual modo em 19.07.2021

7. Regularmente notificado o arguido requereu (conjuntamente com outros dois co-arguidos, designadamente BB e CC) em 22.07.2021 a abertura da instrução (fls.2460 e ss).

8. Relativamente à pretensão dos arguidos, o MP pronunciou-se em 26.07.2021 (fls. 2469) tendo manifestado a sua não oposição à que fosse declarada aberta a referida fase processual, com os fundamentos nela expendidos.

9. Na sequência da promoção do MP foram os autos distribuídos à Secção Central, designadamente para efeitos de serem autuados e tramitados como instrução nesse Juízo. (cfr. fls.2470).

10. Em 29.07.2021 foi aberta conclusão dos autos e determinada (no que nesta sede releva) pelo Mmo Juiz de Instrução a devolução dos autos ao MP, uma vez que, à par dos arguidos supra identificados, foi de igual modo deduzida acusação pública contra outros três arguidos, designadamente DD, EE e FF, sendo que, relativamente a esta última arguida, uma vez que não havia sido dado cumprimento ao preceituado no n.° 3 do art.° 64.° do CPP, designadamente, à circunstância do momento em que o MP proferiu despacho de acusação não lhe ter oficiosamente, conforme decorre da lei processual penal, nomeado defensor.

11. Em 30.07.2021 os autos uma vez devolvidos ao MP para cumprimento do doutamente ordenado, foi devidamente reparada a mencionada nulidade e foi concomitantemente promovido a separação de processos relativamente à arguida FF.

12. A fls. 2483 (e 2489) o MP procedeu nomeação de defensor à arguida FF.

13. Em 02.08.2021 foram os autos distribuídos ao Juízo de Instrução Criminal para apreciação do pedido de separação de processos quanto à arguida FF, na sequência da promoção do MP;

14. Pedido esse que veio a merecer a anuência da Mma JIC por despacho de 03.08.2021 tendo em consequência do mesmo determinado a separação de processos relativamente àquela arguida.

15. Na sequência do despacho em apreço, os autos foram devolvidos ao MP em 04.08.2021 para que o mesmo exercesse o contraditório quanto à pretensão dos arguidos, no que tange ao requerimento da mencionada fase processual facultativa- instrução (não obstante a pronúncia já exercida em 26.07.2021 por parte deste sujeito processual) tendo o MP emitido pronúncia sobre o RAI pugnando para que que fosse declarada aberta a fase de instrução e pelo indeferimento das diligências instrutórias requeridas pelos arguidos.

16. Devolvidos os autos ao Juízo de Instrução ..., onde os mesmos já haviam sido distribuídos como AUTOS DE INSTRUÇÃO (inicialmente em 27.07.2021 cfr ref.ª citius ... -e posteriormente, na sequência da prolação do despacho do Mm JIC que determinou a devolução dos autos ao MP para cumprimento da nomeação de defensor à arguida FF, em 04.08.2021 cfr. ref.ª citius ...) em 06.08.2021 foi proferido pela Mma Juiz de Instrução Criminal despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução do arguido, ora requerente (e dos demais com que aquele a requereram) com os fundamentos concatenados no douto despacho, designadamente, na sua inadmissibilidade legal, por entender que não haviam sido devidamente especificadas as razões de facto e de direito a que alude o n.º 2 do art.º 287.º do CPP.

17. Notificado do douto despacho em 06.08.2021 o arguido (e os demais que com ele requereram a abertura da instrução) e por força da notificação do aludido despacho e após consulta dos autos concomitante à notificação em referência (realizada em 19.08.2022 cfr. cota ref.ª citius ...), através de requerimento apresentado em juízo suscitou diversas questões, designadamente, identificou atomisticamente e de forma singular especificou concretas circunstâncias que no seu entendimento consubstanciavam irregularidades e nulidades processuais atinentes à prática/ e ou omissões de actos processuais anteriores ao douto despacho que rejeitou a abertura da fase da instrução, tendo por via daquele meio processual- requerimento- suscitado e peticionado o seu conhecimento, por força a que o douto tribunal sobre as mesmas se pronunciasse, sendo que, no que concerne ao (de)mérito da decisão de rejeição do RAI impugnou-o por via recursória.

18. Com efeito, no que concerne às nulidades e irregularidades por si invocadas atinentes à prática e preterição de formalidades legais que ponham em causa a validade de actos processuais subsequentes, o tribunal não se pronunciou, acabando porém por admitir o RECURSO ordinário que veio a ser interposto em 15.09.2021 (ref.ª Citius ...),

19. Tendo o mesmo sido admitido por despacho proferido pela Mma JIC em 23.09.2021 (ref.ª citius ...).

20. O recurso veio a ser apreciado pela 3.ª secção Criminal do Venerando Tribunal da Relação ... em 02.12.2021, cujos termos correram sob o n.º 588/20.... (ref.ª citius ...) tendo sido o mesmo julgado improcedente.

21. Na sequência da prolação do douto acórdão pelo tribunal superior, veio o arguido, ali recorrente, arguir a nulidade do mesmo.

22. Tendo a referida arguição de nulidade sido julgada improcedente mantendo o tribunal ad quem o Acórdão proferido.

23. Após a prolação do acórdão referido em 21) e antes do referido em 22) a Mma JIC ordenou a remessa dos autos para distribuição para fase de julgamento.

24. O Arguido em sede de contestação suscitou como questão prévia, a pendência do incidente de arguição de nulidade do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ...,

25. Na sequência da qual a Mma Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, indeferiu a sua arguição por entender se encontrarem excutidos os meios impugnatórios ao dispor do arguido quanto à deliberação daquele Venerando Tribunal.

26. Notificado do Acórdão proferido pela 3.ª Secção do Tribunal da Relação ..., cujos termos correram sob o n.º 588/20.... o arguido, interpôs RECURSO para o Colendo Tribunal Constitucional, suscitando a fiscalização sucessiva concreta de determinada norma jurídica, cuja aplicação e interpretação realizada pelo tribunal a quo, e que perante aquele fora suscitado bem como perante tribunal de 1.ª instância, considerava desconforme aos parâmetros normativos constitucionais, ou seja, suscitou uma concreta questão atinente a juízo de inconstitucionalidade, reconduzível à aplicação de norma do disposto no n.º 2 do art.º 287.º do CPP por entender que a interpretação e aplicação sufragada pelas instâncias a quo, não se conformavam com os ditames e imperativos normativos-axiológicos constitucionais.

27. Por despacho (ref.ª citius ...) proferido pela Exma Sra Juíz Desembargadora-Relatora da 3.ª Secção criminal, proferido em 22.03.2022 no âmbito daqueles autos de recurso foi admitido o mencionado recurso o qual foi atribuído efeito suspensivo e com subida nos próprios autos.

28. Aquando da prolação do despacho referido em 27), a audiência de julgamento já se havia iniciada, e não foi em consequência da prolação daquele douto despacho proferido pelo Tribunal da Relação ... sobre uma decisão proferida em sede da fase de instrução SUSPENDIDO os autos, conforme ordenado por aquele Tribunal.

29. Tendo em consequência o Tribunal de julgamento violado o disposto no n.º 1 do art.º 4.º da LOSJ, não acatando uma decisão que impunha a SUSPENSÃO DOS AUTOS, e que decorria inclusivamente da LOPTC designadamente no n.º 4 do art.º 78.º e n.º 3 do art.º 408.º do CPP.

30. Em 19.04.2022 o Tribunal proferiu Acórdão condenatório do arguido numa pena de prisão de oito anos, mantendo a m.d.c de prisão preventiva.

31. O recurso a que se alude em 27) ainda se encontra pendente perante o Tribunal Constitucional.

32. Ora, salvo o devido e considerado respeito por opinião diversa decorre desde logo da circunstância do tribunal de julgamento não ter ordenado a suspensão dos autos em MARÇO de 2022, e a concomitante remessa ao juízo de instrução criminal, em data coincidente com a prolação do douto despacho da Exma Sra Juíza Desembargadora-Relatora, que atribui a pretensão recursiva do arguido EFEITO SUSPENSIVO dos autos, um não acatamento da decisão de um tribunal superior por parte de um tribunal inferior, que naquela concreta circunstância deveria suspender a tramitação dos autos.

33. Por outro lado, a circunstância de se encontrar pendente recurso perante o Tribunal da Relação ..., designadamente perante a 3.ª Secção Criminal, que visava apreciar a legalidade da decisão proferida pela Mma JIC ... do RAI, e do mesmo não obstante ter sido julgado improcedente, ter sido impugnado por via recursória por parte do arguido para o Colendo Tribunal Constitucional, a que foi atribuído efeito SUSPENSIVO, faz com que necessariamente os prazos para efeitos de cômputo máximo da medida de coação de prisão preventiva que se tenha que aferir sejam os prazos legalmente previstos para a fase de instrução já que foi por força do despacho proferido no âmbito daqueles autos atribuído ao recurso efeito suspensivo dos autos os quais se encontravam em fase de instrução e que como tal haviam sido previamente distribuídos.

34. Aliás, a tal conclusão não impede a circunstância dos autos terem sido distribuídos para julgamento, nem tampouco de ter sido proferido acórdão condenatório em 19.04.2022.

35. Destarte a tramitação dos autos, designadamente com a realização de audiência de julgamento por parte de um tribunal inferior, em desobediência a um despacho de um tribunal hierarquicamente superior, consubstancia um desvalor axiológico-constitucional incomportável para a sustentação e legitimação do próprio poder jurisdicional do tribunal de julgamento, cuja legitimidade decisória deixou de subsistir a partir do momento em que desrespeitou o teor decisório ínsito no douto despacho que atribuiu efeito suspensivo aos autos, aliás por decorrência da própria LOPTC.

36. E nessa medida, outra cominação não se impõe a que não seja, a de INEXISTÊNCIA JURÍDICA de todos os actos praticados, designadamente com a remessa dos autos para julgamento.

37. Entendimento normativo diverso do ora vertido não mais consubstancia uma violação do disposto do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no art.º 2.º da CRP, do princípio da independência dos tribunais e da sua subordinação à lei e ao Direito previsto no art.º 203.º da CRP e ainda do n.º 2 do art.º 205.º da CRP atinente ao carácter obrigatório das decisões dos tribunais hierarquicamente superiores que vinculam e devem ser acatadas e respeitadas pelos tribunais hierarquicamente inferiores em termos de estrutura e organização judiciária , e nesta medida deverão repercutir-se em termos processuais nos concretos processos em que sejam prolactadas.

38. Constituindo tal circunstância fundamento legal e tutelado constitucionalmente designadamente à luz dos n.ºs 1, 2, alínea b) do n.º 3 n.º 5 do art.º 27.º, n.º 4 do art.º 28 e n.º 1 do art.º 31.º todos da Lei Fundamental para interposição da providência de habeas corpus, como agora é requerida perante esse Colendo Tribunal, sob pena de assim não se entender, o que não se concebe que apenas por mero dever de patrocínio se concede perante a prudência jurisprudencial de V.ªas Ex.ªas Srs Juízes Conselheiros, que tal juízo interpretativo afigurar-se restritivo, na medida que materializando-se excludente dessa mesma situação como legitimadora do recurso à presente providência, ao não admitir como integrante da previsão do referido normativo a ilegalidade/vício e concomitante repercussões gravíssimas e intoleráveis (que põem em causa a própria fonte de legitimação do poder judicial) que poderão advir designadamente em termos da aferição do cumprimento e do cômputo dos prazos máximos de privação precária e cautelar da liberdade por força do decretamento da medida de coação de prisão preventiva, derivado do não acatamento de uma decisão de um tribunal superior perante o tribunal onde se encontra a ser tramitado o processo e à ordem do qual se encontra preso (ilegalmente na sua versão) ao ponto de se concluir não se demonstrar ser passível de integrar a previsão ínsita no disposto na al c) do n.º 2 do art.º 222 do CPP, DESCONFORME com os n.º 1 e n.º 5 do art.º 20 da CRP designadamente do direito de Acesso ao Direito e aos Tribunais e ao direito fundamental a um processo justo e equitativo, ao princípio de Estado de Direito Democrático ínsito no art.º 2.º da qual e para aqui releva, resulta a limitação da actuação dos poderes públicos, inclusive do jurisdicional a lei e ao “ bloco de juridicidade”, máxime à Grundorm, do princípio da prevalência e vinculação da actividade dos tribunais ao Direito, à Constituição e à lei conforme de onde se extrai hermenêuticamente para além do referido princípio do art.º 2.º da CRP também do preceito do art.º 203.º, da ºs 1, 2, alínea b) do n.º 3 n.º 5 do art.º 27.º, n.º 4 do art.º 28 e n.º 1 do art.º 31.CRP, e ainda demonstrando-se tal interpretação violadora do n.º 2 do art.º 18 da CRP, designadamente do princípio da proporcionalidade, na sua tríplice dimensão co-constitutiva por tal interpretação consubstanciar  materialmente uma restrição desproporcional, desadequada e excessiva do direito fundamental de direito de acesso ao direito e aos Tribunais ínsito no art.º 20 n.º 1 e n.º 5, do direito de recurso às providências expeditas à tutela de liberdade fundamentais perante exercício ilegítimo (ilegitimidade que se lhe assaca no não respeito do douto despacho a que fora atribuído EFEITO SUSPENSIVO aos autos) da função jurisdicional por parte do tribunal de julgamento afectando-se assim de forma desproporcional, desadequada e injustificada o núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos ínsitas nos n.º s1, 2, alínea b) do n.º 3 n.º 5 do art.º 27.º, n.º 4 do art.º 28 e n.º 1 do art.º 31.º e n.º 1 do art.º 29.º todos da CRP.

39. Juízo esse de inconstitucionalidade material que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.

40. Com efeito, foi precisamente por força do despacho proferido pelo Tribunal da Relação ..., designadamente pela 3.ª Secção Criminal, no âmbito do qual, se encontrava a ser escrutinada a legalidade da decisão da JIC relativamente a pretensão do arguido de requerer a fase de instrução, que foi atribuído EFEITO SUSPENSIVO AOS AUTOS,

41. E nessa medida impunha-se que os autos não avançassem em termos de tramitação, como de facto se veio a concretizar com a realização de julgamento,

42. Violando-se o dever de obediência dos tribunais hierarquicamente inferiores às decisões que sejam proferidas pelos tribunais superiores nos termos que resulta do disposto no n.º 1 do art.º 4.º da LOSJ e bem assim do e art.º 203.º da CRP.

43. Por conseguinte ante o desvalor axiológico anti-jurídico derivado da inobservância do douto despacho proferido pela 3.ª secção do Venerando Tribunal da Relação ..., outra consequência não se impõe que não seja a de considerar toda a actividade processual praticada afectada pelo vício de INEXISTÊNCIA JURÍDICA.

44. Por conseguinte e por força do douto despacho proferido pelo Tribunal da Relação ... que admitiu o Recurso da para o Colendo Tribunal Constitucional, em fase em que estavam a ser escrutinada uma decisão de rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução, ao qual foi atribuído efeito suspensivo, dever-se-á ter por relevante para efeitos de aferição do cômputo do prazo de prisão preventiva e concomitante estabelecimento máximo de duração da referida medida de coação privativa de liberdade os prazos previstos na al. b) do n.º 1 do art.º 215.º do CPP, isto é o prazo de oito meses, que in casu e atendo ao crime imputado ao arguido em sede de prolação de despacho de encerramento de inquérito, designadamente do despacho de acusação, de um crime de tráfico de estupefacientes elevar-se-á para 10 meses nos termos do n.º 2 do art.º 215.º do CPP.

45. Concluindo-se que esse prazo já se tem por excutido desde 22 DE AGOSTO DE 2021!

46. Ou seja desde de 22 de Agosto de 2021, smo, o requerente já se encontra numa situação de privação ilegal de liberdade, por se encontrar excedido o prazo máximo de prisão preventiva.

47. E isto porque o vício de inexistência jurídica derivada da inobservância do douto despacho que admitiu o recurso interposto em fase de instrução afecta todo o julgamento e faz com que os autos se reportam à fase de instrução.

48. Entendimento diverso do ora sufragado, não mais equivalerá à uma substração da legitimidade, validade e eficácia das decisões proferidas pelos tribunais superiores, as quais deverão ser acatadas no seu estrito conteúdo pelos tribunais que em termos hierárquicos se lhe antecedem.

49. Não se poderá pois considerar irrelevante a existência da mencionada decisão sob pena de tal entendimento normativo se afigurar desconforme aos preceitos constitucionais já supra referidos, redundando uma situação de inconstitucionalidade material, a qual ora se invoca para os devidos efeitos legais.

50. Com efeito isso mesmo decorre da imposição constitucional de um processo justo e equitativo- n. 5 do art.º 20 da CRP (o due process), pois que, em matérias que se circunscrevem directamente com o núcleo essencial de direitos liberdade e garantias fundamentais, como seja o direito ao recurso (n.º 1 do art.º 29.º da CRP), o direito à liberdade (n.º 1 do art.º 27.º da CRP) impõe-se extrair tal conclusão, de modo a salvaguardar e conservar o seu núcleo essencial, sob pena de se verificar uma supressão (e não já uma restrição sequer) daqueles, pois que, a pretexto da uma inobservância do conteúdo decisório de uma decisão do tribunal superior, ainda que a decisão seja interlocutória, não deixa de conter em si mesmo um “ comando dirigido ao tribunal recorrido”, o tribunal à ordem se encontra preso oblitera-a, logrando-se “invalidamente” manter-se e criar-se condições e circunstâncias processuais que possam legitimar uma situação de privação de liberdade “ aparentemente” conforme com a lei, designadamente com os prazos nela previstos.

51. Ora, tal situação, conduz à uma frustração das legítimas expectativas e da confiança processual, fazendo recair sobre o arguido, as consequências de uma situação processual criada pelo tribunal a quo, que não acatou uma decisão do tribunal de recurso, e que apenas ao referido tribunal à ordem do qual está preso pode ser imputável.

52. Essa afectação dos seus direitos e garantias processuais do arguido, causada por uma inobservância de uma decisão do tribunal ad quem, é em si mesma contrária ao princípio da proteção da confiança corolário do principio do Estado de Direito Democrático previsto no art.º 2.º da CRP.

53. Ainda que assim não se entenda, e considere-se que não obstante atenta à fase em que foi proferido o despacho por parte da Exma Sra Juiz-Desembargadora- Relatora a que supra se aduz, os autos em sede de primeira instância já se encontravam em fase de julgamento (cuja prime ira sessão iniciou-se em 15 de Fevereiro de 2022, concluindo-se em 19 de Abril com a prolação do Acórdão condenatório), e nessa medida deva ater-se como marco processual relevante para aferição do cômputo do prazo de prisão preventiva o que se encontra legalmente previsto para a fase de julgamento, sempre se dirá que esse mesmo prazo já se encontra excutido.

54. Com efeito, tendo sido o douto despacho proferido em fase em que os autos se encontravam a decorrem em primeira instância, na fase de audiência de julgamento (março de 2022) e antes da prolação do acórdão condenatório e apenas pela circunstância de não ter sido observada e respeitada a decisão do tribunal superior por parte do tribunal de julgamento à ordem do qual o arguido se encontra preso preventivamente,

55. Dever-se-á considerar que por força do efeito atribuído pelo douto despacho ao recurso interposto- efeito suspensivo- o qual decorre do normativo da LOPTC supra referido e com subida nos próprios autos-toda a actividade processual do tribunal de julgamento praticada após essa data, inquinada, pelas razões já supra expostas, pelo vício de INEXISTÊNCIA JURÍDICA, sob pena de se afigurar materialmente inconstitucional a interpretação do disposto no n.º 1 do art.º 4.º da LOSJ que tenha por irrelevante a decisão proferida por tribunal de recurso (hierarquicamente superior ao tribunal de julgamento), proferido designadamente no âmbito de sindicância de admissibilidade e controlo prévio que se lhe impõe do requerimento de interposição de recurso que venha a ser apresentado pelo arguido, e o qual se cinja objectivamente à deliberação/acórdão que haja proferido, e no âmbito do qual fixa o regime de subida e efeito de recurso, conforme decorre do poder-dever funcional legalmente previsto, por violação do princípio do Estado de Direito Democrático ínsito no art.º 2, do qual decorre a vinculação da actividade jurisdicional ao bloco de juridicidade, designadamente à Constituição, ao Direito, e à Lei e bem assim o princípio da prevalência da lei; violação do disposto no art.º 203.º da CRP; violação do n.º 1 e n.º 5 do art.º 20 da CRP designadamente a garantia de acesso ao Direito e aos Tribunais e ao processo justo e equitativo, a violação do princípio da legalidade processual penal que se extrai de igual modo do art.º 29. Da CRP, violação do n.º 1 do art.º 30.º da CRP, designadamente da garantia constitucional ao recurso (pois que, se o tribunal recorrido não acata a decisão que venha a ser proferida pelo tribunal a que se recorre, ainda que de uma decisão interlocutória se trate e que com sinais e repercussões materiais na marcha e nos direitos processuais do arguido, esvazia-se o núcleo essencial do referido direito liberdade e garantia fundamental, violando-se concomitantemente o n.º 2 do art.º 18.º da CRP, designadamente o princípio da proporcionalidade, esvaziando-se de conteúdo útil o direito de recurso e os efeitos que possam derivar de uma decisão proferida de uma instância recursiva relativamente à instância de que se recorre, reitera-se ainda que se trate de uma mera decisão interlocutória mas com sinais repercussões materiais nos estatuto processual do arguido).

56. Ora sendo juridicamente INEXISTENTE o acto processual em causa (julgamento), o prazo relevante para aferição será o que se encontra consignado na alínea c) do n.º 1 do art.º 215.º do CPP, isto é de 1 ano e 2 meses (um ano e dois meses) prazo esse que se elevará por força do previsto no n.º 2 do referido inciso legal para um ano e seis meses.

57. Prazo esse que se excutiu em 22 de Abril de 2022.

58. Pelo que desde então considera-se verificar uma situação se prisão ilegal, por se ter excedido o prazo máximo legalmente previsto quanto à medida de coação de prisão preventiva, violando-se o disposto no aludido normativo.


A Sra. Juíza titular prestou a Informação a que se refere o n.º 1, do art 222º do Código de Processo Penal: (transcrição)

O arguido AA com os sinais dos autos que se encontra preso no Estabelecimento Prisional ..., à ordem destes autos, veio requerer a 23.05.2022, concessão da providência excepcional de habeas corpus, por entender encontrar-se em prisão ilegal, com o fundamento de ter sido ultrapassado os prazos fixados pela lei para a sua prisão preventiva, nos termos da alínea c), do n.º 2, do artigo 222.º, do Código de Processo Penal, pugnando assim pela sua libertação imediata.

Alega em suma que o prazo de duração máxima da prisão preventiva é o previsto na alínea b), do n.º 1 e no n.º 2, do artigo 215.º, do Código de Processo Penal, isto é, 10 meses, por entender que, tendo interposto recurso para o Tribunal Constitucional, após o Tribunal da Relação ... ter declarado improcedente o seu recurso quanto à rejeição do requerimento de abertura de instrução, ao qual foi atribuído efeito suspensivo e com subida nos próprios autos, os autos deveriam ter aguardado em sede de instrução, ao invés de ter sido efetuado o julgamento e proferido acórdão.

Mais invoca que o Tribunal de julgamento violou o disposto no n.º 1 do art.º 4.º da LOSJ, não acatando uma decisão que impunha a suspensão dos autos, e que decorria inclusivamente da LOPTC designadamente no n.º 4 do art.º 78.º e n.º 3 do art.º 408.º do Código de Processo Penal.

A Digna magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de não estarem preenchidos os pressupostos previstos no art. 222.º, nº2, al. c), do Código de Processo Penal.

Há que ter em consideração a seguinte factualidade:

1) 22.10.2020 – foi o arguido AA sujeito à medida de coação de prisão preventiva – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 288 a 309;

2) 21.01.2021 – revisão da aludida medida de coação, no sentido da sua manutenção – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 1129 a 1132;

3) 20.04.2021 – despacho de encerramento do inquérito com a dedução de acusação – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2054 a 2066;

4) 20.04.02021 - revisão da prisão preventiva, no sentido da sua manutenção – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2069 e 2070;

5) 19.07.2021 - revisão da prisão preventiva, no sentido da sua manutenção – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2429 e 2430;

6) 22.07.2021 (registo CTT) – Requerimento abertura de instrução – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2460 a 2463;

7) 04.08.2021 – Remessa dos autos à distribuição como instrução - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2497 a 2500;

8) 06.08.2021 - Rejeição do requerimento de abertura de instrução - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2506 a 2509;

9) 13.09.2021 (registo CTT) – Interposição de recurso do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2589 a 2619;

10)     23.09.2021 – Despacho de admissão do recurso - cfr. ref.ª citius ..., fls. 2620;

11)     08.10.2021 – Resposta do Ministério Público ao aludido recurso - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2661 a 2670;

12)    15.10.2021 – Despacho que determinou a subida do recurso, em separado e com efeito não suspensivo - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2672;

13)     20.10.2021 - Revisão da prisão preventiva, no sentido da sua manutenção – cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2689 e 2690;

14)    02.12.2021 – Acórdão do Tribunal da Relação ..., 3.ª Secção, que decidiu julgar não procedente o recurso do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2758 a 2781 (apenso D);

15)     12.12.2021 – Despacho que determinou a remessa dos autos à distribuição para julgamento - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2793;

16)     23.12.2021 – Despacho a que alude o artigo 311.º, do Código de Processo Penal e designou o dia 15.02.2022, pelas 10h30, para realização da audiência de julgamento e que procedeu à revisão da prisão preventiva, no sentido da sua manutenção - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2805 e 2806;

17)     19.01.2022 - Acórdão do Tribunal da Relação ..., 3.ª Secção, que decidiu da reclamação para a conferência apresentada pelo arguido do aludido Acórdão de 02.12.2021 (descrito em 14)) e julgou não provida a reclamação apresentada - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2847 a 2849;

18)     27.01.2022 – Contestação arguido - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2857 a 2939;

19)       15.02.2022 – início da audiência de discussão e julgamento – ref.ª Citius ....

20)     22.03.2022 - Admissão pelo Tribunal da Relação ... de recurso interposto pelo arguido, tendo sido atribuído efeito suspensivo – ref.ª Citius ..., fls. 3447.

21)      19.04.2022 – Acórdão condenatório – ref.ª Citius ..., de fls. 3291 a 3337.

22)      01.04.2022 – Decisão sumária proferida pelo Tribunal Constitucional no sentido de não tomar conhecimento do recurso interposto pelo arguido, por legalmente inadmissível – ref.ª Citius ..., fls. 3479 a 3486.

O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido. O seu fim exclusivo e último é, assim, estancar casos de detenção ou de prisão ilegais (Código de Processo Penal Anotado”, Simas Santos e Leal Henriques, 1999, I vol., págs. 1063 e 1064).

Daí que os seus fundamentos estejam taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal e, assim, a ilegalidade da prisão deve provir de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial. (fundamento invocado pelo arguido)

Ao recurso por si interposto do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, foi atribuído efeito não suspensivo (e não poderia ter sido outro o efeito atendendo ao estatuído no n.º 1, do artigo 408.º, do Código de Processo Penal), a 23.09.2021, razão pela qual, os autos continuaram o seu curso na 1.ª instância.

O Tribunal da Relação ... decidiu julgar não procedente o recurso do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por acórdão de 02.12.2021.

O arguido, reclamou desse Acórdão para a conferência, tendo o Tribunal da Relação ... julgado não provida a reclamação, a 19.01.2022.

Veio o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, tendo aquele recurso sido admitido com efeito suspensivo pelo Tribunal da Relação ..., por despacho de 22.03.2022.

O Tribunal Constitucional decidiu não tomar conhecimento do recurso por entender que o mesmo não era sequer admissível.

Tal como bem refere a Digna magistrada do Ministério Público, o recurso para o Tribunal Constitucional não tem reflexos no processado, porquanto, à data da sua interposição já o julgamento se tinha iniciado (a 15.02.2022) e ao recurso do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução foi atribuído efeito não suspensivo, razão pela qual se entende, que os prazos de duração máxima da prisão preventiva são os previstos na alínea d), do n.º 1 e nos n.ºs 2 e 5, do artigo 215.º, do Código de Processo Penal, os quais não se encontram ultrapassados.

Efectivamente, se por um lado, o arguido não interpôs recurso do despacho que determinou a remessa dos autos à distribuição para julgamento - cfr. ref.ª Citius ..., fls. 2793, nem sequer dos despachos que sucessivamente e até este momento, apreciaram os pressupostos da prisão preventiva a que o arguido se encontra sujeito, nem trouxe aos autos o conhecimento do despacho que admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional (alias, nem o Tribunal da Relação ... ou o Tribunal Constitucional o fizeram), independentemente da bondade da decisão de prosseguimento dos autos, os mesmos encontram-se agora na fase de julgamento com acórdão proferido.

Assim sendo, os prazos máximos de prisão preventiva são os que correspondem a esta fase e não a qualquer outra anterior, como o arguido pretende.

(Refira-se ainda -se bem que nem sequer constitua fundamento para a providência em causa- que o Tribunal de julgamento não violou o disposto no n.º 1 do art.º 4.º da LOSJ, da LOPTC, no seu n.º 4 do art.º 78.º e n.º 3 do art.º 408.º do Código de Processo Penal, pela singela razão que a decisão de admissão de recurso proferida pelo Tribunal da Relação ... não configura decisão a que este tribunal deva obediência nos termos daqueles preceitos legais. Na verdade, nem vincula o Tribunal Constitucional, como veio mesmo a ser ali a ser referido, tendo decidido não tomar conhecimento do recurso, por o não admitir).

Não se verifica assim, qualquer um dos pressupostos de que a lei faz depender a procedência da providência requerida, nomeadamente, aquele que vem invocado pelo arguido, pois que os prazos de duração máxima da prisão preventiva, que se aplicam ao presente caso dada a fase processual em que se encontram, são os previstos na alínea d), do n.º 1 e nos n.ºs 2 e 5, do artigo 215.º, do Código de Processo Penal e não se mostram ultrapassados.

Por todo o exposto, entendo que deverá ser mantida a sujeição à medida de coacção de prisão preventiva, do arguido AA, medida essa que foi revista e mantida a 19.04.2022 com a prolação do acórdão.


A providência vem instruída com os elementos pertinentes.

Foi junto o Acórdão 413/22 do Tribunal Constitucional, proferido em 26.05.22.


Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Defensor do Requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP):


II. Fundamentação

Dos elementos que instruem o processo, com interesse para a decisão do pedido de habeas corpus, extraem-se os seguintes:

a. Factos:

Dos elementos constantes dos autos, destacamos os seguintes factos:

1. O arguido foi sujeito a medida de coação de prisão preventiva em 22.10.2020;

2. A medida foi revista e mantida, sempre no prazo legal;

3. Notificado da acusação, o arguido requereu abertura de instrução em 22.07.2021;

4. Em 06.08.2021 a M.ma juíza de Instrução proferiu despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução;

5. O arguido interpôs recurso, para o Tribunal da Relação ..., do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, em 13.09.2021;

6. Em 23.09.2021, foi proferido o seguinte despacho de admissão do recurso “Por estar em tempo, ter legitimidade, ter efectuado o pagamento de taxa de justiça e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pelos arguidos CC, BB e AA, nos termos dos art.º 399.º, 400.º a contrario, 411.º, n.º 1 e 401.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal. O recurso sobe em separado, imediatamente e com efeito não suspensivo, nos termos dos art.ºs 407.º n.º 2, alínea a), 406.º, n.º 2 e 408.º a contrario, todos do mesmo diploma legal” (itálico nosso);

7. Em 02.12.2021, foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação ... que decidiu julgar não procedente o recurso do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução;

8. Em 12.12.2021, foi proferido o seguinte despacho que determinou a remessa dos autos à distribuição para julgamento “Tomei conhecimento do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ... de fls. 2758 e ss. Uma vez que não se afigura que a decisão proferida seja susceptível de qualquer reacção por parte dos recorrentes que possa suspender os efeitos da mesma, e considerando ainda que os autos respeitam a arguidos detidos, sendo o prazo máximo a prisão preventiva aplicada aos arguidos AA e EE - sem que tenha sido proferido Acórdão em 1.ª instância - 20 de Abril de 2022, cumprido o despacho que antecede, remeta os autos à distribuição para julgamento.” (itálico nosso)

9. A 19.01.2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação ... que decidiu da reclamação para a conferência apresentada pelo arguido do aludido Acórdão de 02.12.2021 e julgou não provida a reclamação apresentada;

10. Em 15.02.2022 teve início a audiência de discussão e julgamento;

11. Em 22.03.2022, foi proferido, no Tribunal da Relação ..., o seguinte despacho a admitir recurso do arguido para o Tribunal Constitucional “Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto para o TC, o qual sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.” (itálico nosso)

12. Em 01.04.2022, o Tribunal Constitucional proferiu a Decisão Sumária n.º 272/2022, no sentido de não tomar conhecimento do recurso interposto pelo arguido, por legalmente inadmissível;

13. Em 19.04.2022 foi proferido Acórdão condenatório, sendo o arguido condenado na pena de 8 anos de prisão;

14. Reclamada pelo arguido, o TC veio a confirmar a Decisão, em 26.05.22, através do Acórdão 413/22.

b. Do Direito

A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31° da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220° e 222° do CPP, que estabelecem os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional.

No caso, importa o artigo 222° do CPP que se refere aos casos de prisão ilegal e em cujos termos a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de a mesma

- ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

- ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

- ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222° do CPP.

A providência em causa, com previsão constitucional no art. 31.º, assume, assim, uma natureza excecional, constituindo o remédio a ser utilizado quando falham as demais garantias de defesa do direito de liberdade, consagrado este nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, para pôr termo a situações de detenção ou de prisão ilegais.

Em jurisprudência constante, tem vindo este Supremo Tribunal de Justiça a considerar que a providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência, perante as ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, sem lei ou contra a lei, referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, não se mostra numa relação de continuidade com os recursos admissíveis que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

Como este tribunal tem reafirmado, «(…) a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei.» [acórdão de 19.0.22, no proc. n.º 57/18.8JELSB-D.S1; e também, entre outros, os acórdãos de 02.02.22, no proc. 13/18.6S1LSB-G, de 04.05.22, no proc. 323/19.5PBSNT-A.S1, 02.11.2018, de 04.01.2017, no proc. n.º 78/16.5PWLSB-B.S1, e de 16-05-2019, no proc. n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1, em www.dgsi.pt].

Como se tem sublinhado, «no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a discussão que os actos processuais possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo)»; na providência de habeas corpus «não se pode decidir sobre actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso dos actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos ou dos modos processualmente disponíveis e admissíveis de impugnação, pois que «a medida não pode ser utilizada para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação» (acórdão de 5 de maio de 2009, proc. n.º 665/08.5JAPRT-A.S1, citado no acórdão de 26.07.2019, proc. n.º 2290/10.1TXPRT-M.S1.

Os motivos de ilegalidade da prisão, como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Como se afirmou, entre outros, no acórdão de 22.1.2020 (proc. 4678/18.0T8LSB-B.S1, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/02/criminal_sumarios-2020.pdf), o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar:

- se a prisão, em que o peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível,

- se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e

- se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (cfr. também, os acórdãos de 26.07.2019 e de 09.01.2019, proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1, em www.stj.pt/wpcontent/uploads/2019/06/criminal_ sumarios_ janeiro_ 2019 .pdf).

c. No caso

1. O arguido, encontra-se sujeito a prisão preventiva, desde 22.10.2020, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, mostrando-se os prazos máximos de prisão preventiva aplicáveis definidos no n.º 2 do art. 215.º, por força do disposto na al. m) do art. 1.º, ambos do CPP.

Tendo havido condenação em 1.ª Instância sem trânsito em julgado, o prazo máximo de prisão preventiva seria, quanto ao arguido, por ora, de 2 anos.

Alega o arguido que o processo não poderia ter prosseguido para julgamento, por, ao recurso que, no Tribunal da Relação ..., interpôs para o Tribunal Constitucional, ter sido atribuído efeito suspensivo, sendo “inexistentes” todos os atos praticados desde então e mostrando-se, assim, ultrapassados todos os prazos de prisão preventiva.

2. Para a ponderação sobre o alegado excesso de prisão preventiva e, portanto, sobre a legalidade desta, são suficientes os seguintes elementos da cronologia do processo:

- Em 15.02.2022 teve início a audiência de discussão e julgamento;

- Em 22.03.2022, foi proferido, no Tribunal da Relação ..., despacho a admitir recurso do arguido para o Tribunal Constitucional.

Ou seja, à data da admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, o processo encontrava-se em fase de audiência de discussão e julgamento.

Era, então, no que ao prazo de prisão preventiva respeita, aplicável o disposto na al. c) do n.º 1 e n.º 2 do art. 215.º, por força do disposto na al. m) do art. 1.º, ambos do CPP, correspondendo a um prazo de 1 ano e 6 meses.

Em fase de audiência e julgamento, foi, como vimos, interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

3. Prescreve o n.º 5 do artigo 215.º do Código de Processo Penal:

Os prazos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1, bem como os correspondentemente referidos nos n.ºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial.

O acréscimo de prazo, assim determinado, opera independentemente do efeito do recurso e da fase do processo e deverá refletir-se no cômputo global do prazo de prisão.

Em anotação ao art. 215.º do CPP, esclarece Maia Costa[1]:

“A lei permite ainda (nº 5) que os prazos previstos nas als. c) e d) do nº 1 sejam "acrescentados" de 6 meses, em caso de recurso para o Tribunal Constitucional; ou ainda se o processo tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial. É indiferente que o recurso determine, ou não, a suspensão dos termos do processo ou provoque, ou não, algum atraso na sua tramitação, pois trata-se de um prazo adicional objetivamente fixado pelo legislador como sendo o adequado para compensar o "arrastamento" que o recurso de constitucionalidade normalmente envolve.

No caso de recurso para o Tribunal Constitucional, o aditamento repercute-se apenas no prazo de prisão preventiva do recorrente, mas já não no dos coarguidos não recorrentes. A ampliação do prazo só pode ocorrer uma vez em relação ao mesmo arguido, independentemente do número de recursos por ele sucessivamente interpostos. Sobre toda esta matéria, ver o acórdão do Tribunal Constitucional nº 2/2008, abaixo sumariado.” (destacado nosso)


O citado Acórdão do Tribunal Constitucional, com o n.º 2/2008, de 04.01, no proc. 1087/07, pronunciou-se sobre a ratio da norma do n.º 5, do art. 215.º do CPP, no que se refere ao recurso para o TC, e sobre a constitucionalidade da sua interpretação no sentido de que todo e qualquer recurso interposto para o Tribunal Constitucional é fundamento para o acréscimo de 6 meses no prazo máximo de prisão preventiva.

“Como se verifica, os prazos de duração máxima de prisão preventiva são pré-determinados segundo a fase processual, a gravidade do tipo legal de crime e a complexidade do procedimento.

Diferentemente, por efeito do disposto no n.º 5 do artigo 215º do CPP, a lei não pré-determina o prazo total de prisão preventiva a considerar quando tenha sido interposto um recurso para o Tribunal Constitucional, mas estabelece um acréscimo de 6 meses, quando tenha havido esse recurso, aos prazos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 desse artigo e aos correspondentemente referidos nos n.ºs 2 e 3.

Note-se que a norma não distingue entre recursos de decisão condenatória ou recursos de decisão interlocutória, nem quanto ao efeito e regime de subida do recurso, limitando-se a fixar um acréscimo temporal único sempre que  tenha havido recurso para o Tribunal Constitucional, o que significa que o legislador ponderou esse prazo como sendo o suficiente para resolver, em processo de fiscalização concreta, as questões de constitucionalidade, independentemente da fase processual em que se suscitem e das vicissitudes ou complexidade do processado.

Estimando a lei um prazo que, consoante as circunstâncias do caso, se entende adequado para que, em processo penal com réu preso, seja proferida decisão final e sejam apreciados os recursos admissíveis na ordem jurisdicional comum – e considerando esse como o prazo razoável para a duração da prisão preventiva -, o acréscimo de 6 meses a esse limite temporal, decorrente da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, visa suprir o retardamento processual que sempre resulta da utilização desse meio recursório, que, por vezes, tem um mero intuito dilatório.

E sublinhe-se que o prazo acrescido é único independentemente das circunstâncias do caso, e independentemente de ter sido interposto um ou vários recursos de constitucionalidade.

(…)

Como se viu, o acréscimo do prazo de prisão preventiva por efeito de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional tem como objectivo contrariar a dilação que decorre do simples facto de ter sido interposto um recurso desse tipo, visto que essa é uma consequência que se encontra desligada de qualquer outra específica vicissitude processual, e, designadamente, do eventual efeito suspensivo dos termos do processo.

Se se tratar de um recurso de constitucionalidade que incida sobre a decisão condenatória proferida, em sede de recurso, pelo tribunal da relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, naturalmente que esse recurso vai impedir que a condenação transite em julgado, determinando um protelamento da resolução do processo. Mas o recurso interposto de qualquer decisão interlocutória, como seja a decisão instrutória ou a decisão sobre um incidente processual, mesmo que deva subir em separado e não produza efeito suspensivo do processo (artigos 406º e 408º do CPP), implica sempre um retardamento processual que resulta da tramitação e expedição do recurso, da necessária prolação do despacho de admissão do recurso e da fixação do respectivo efeito e regime de subida, e que obriga, subindo o recurso em separado, a que o juiz averigue se o mesmo se mostra instruído com todos os elementos necessários à boa decisão da causa, determinando, se for caso disso, a extracção e junção de certidão das pertinentes peças processuais (artigo 414º do CPP). Nestes termos, o recurso desencadeia sempre uma actividade processual autónoma que perturba o andamento do processo e que, em maior ou menor medida, poderá retardar a prolação da decisão final.

Mas, para além de tudo isso, o aditamento do prazo de seis meses ao limite máximo aplicável de prisão preventiva, sempre que seja introduzido em juízo um recurso de constitucionalidade, destina-se a permitir que esse recurso seja decidido no Tribunal Constitucional e que, em consequência, os tribunais de instância possam reformar, em conformidade com o juízo de constitucionalidade que tenha sido adoptado, a decisão recorrida.

Esse é o prazo que o legislador considerou, em abstracto, como sendo suficiente para a apreciação, pelo tribunal competente, da questão de constitucionalidade suscitada e para a eventual subsequente reformulação do processado ou prolação de uma nova decisão, independentemente do circunstancialismo concreto que seja aplicável ao caso. Trata-se de um prazo que é considerado normalmente adequado para solucionar todas as questões que são supervenientemente colocadas por via do recurso de constitucionalidade, independentemente das consequências práticas que ele tenha produzido no desenvolvimento do processo. Sendo, por isso, também, indiferente, do ponto de vista da finalidade da lei, que o recurso tenha ou não determinado a suspensão dos termos do processo ou um efectivo atraso na sua prossecução. 

Nestes termos, o acréscimo do prazo de prisão preventiva previsto no n.º 5 do artigo 215º do CPP mostra-se justificado, segundo a razão de ser da lei, não apenas pelo eventual protelamento do trânsito em julgado da decisão condenatória, mas também pela possível demora produzida na emissão de uma decisão em primeira instância. Ou seja, a prorrogação do prazo de prisão preventiva é legitimada pelo potencial efeito dilatório do recurso de constitucionalidade, quer porque com a interposição desse recurso se evitou que o processo chegasse ao seu termo com o trânsito em julgado da decisão condenatória, quer porque esse recurso se poderá repercutir de algum modo no julgamento da causa.

É, por outro lado, irrelevante que se não encontre já pendente o recurso para o Tribunal Constitucional quando opera a dilação ao prazo máximo de prisão preventiva aplicável por força das disposições conjugadas da alínea c) do n.º 1 e dos n.ºs 2 e 3 do artigo 215º. Justamente porque o aumento do prazo se destina a suprir o efeito negativo que a interposição do recurso poderá vir a gerar relativamente a qualquer das fases do processo, segundo o momento processual em que o recurso seja interposto, e deverá reflectir-se necessariamente no cômputo global do prazo de prisão preventiva.

Reconhecendo-se ao legislador, como se deixou vincado, uma certa margem de conformação quanto à fixação dos prazos de prisão preventiva, por efeito do disposto no artigo 28º, n.º 4, da Constituição, não parece que o acréscimo de seis meses ao limite máximo da prisão preventiva por via da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, tal como prevê o n.º 5 do artigo 215º do CPP, represente uma restrição desproporcionada ou excessiva em relação aos fins que se pretendem obter. Isso porque – como se anotou -, essa prorrogação do prazo é aplicável por uma única vez, ainda que o interessado – como é o caso – tenha interposto mais do que um recurso de constitucionalidade. E também porque se traduz num acréscimo temporal que se mostra ser ajustado às possíveis incidências processuais que poderão resultar da interposição de um recurso desse tipo.

Não se verifica, pois, qualquer violação do disposto nos artigos 27º, 28º, n° 2, e 18º, n° 2, da CRP, por efeito da interpretação dada à referida norma do artigo 215º, n° 5, do Código de Processo Penal.”

Ou seja, a interposição pelo arguido de recurso para o Tribunal Constitucional, por aplicação do disposto no n.º 5 do art. 215.º do CPP, fez acrescer 6 meses ao prazo de 1 ano e 6 meses, correspondente este à fase do processo, à data – fase de audiência de discussão e julgamento-, remetendo o termo do prazo para 22 de outubro de 2022.

O acréscimo de 6 meses foi o segmento temporal que o legislador entendeu necessário e proporcional para reduzir o efeito negativo que a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional poderia vir a gerar relativamente a qualquer das fases do processo.

Nessa medida, o prazo de prisão preventiva não se mostrava, nem mostra como se verá, excedido.

4. Contudo, e considerando que a procedência do pedido de habeas corpus pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido[2], sempre se dirá que, dada a prolação de acórdão condenatório entretanto ocorrida, o prazo de prisão preventiva é, agora, de 2 anos e 6 meses, por aplicação conjugada das disposições dos n.ºs 1, al. d), 2 e 5 do art. 215.º do CPP, mostrando-se longe do seu termo.

5. Como se afirmou no acórdão de 16.05.2019, no processo n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1 (em www.dgsi.pt) e é jurisprudência constante deste Tribunal (indicada no ponto b) supra), “a providência de habeas corpus não é o meio próprio para arguir ou conhecer de eventuais nulidades, insanáveis ou não, ou de irregularidades, cometidas na condução do processo ou em decisões nele proferidas (artigos 118.º a 123.º do CPP)”.

A matéria objeto do requerimento e o fundamento do peticionado reportam-se a eventuais irregularidades ou nulidades de atos processuais, que, como vimos, não relevam para a apreciação da legalidade da prisão preventiva, em relação com a alínea c) do n.º 2 do art. 222.º do CPP.

A ilegalidade da prisão pressuposta nos fundamentos da providência de habeas corpus corresponde a uma violação direta, substancial e patente da lei, através, no caso da alínea c), de verificação material do excesso de prazo.


Ora, face ao exposto, não se vislumbra a prática de ilegalidade que possa conduzir à viabilidade da pretensão do arguido, no que aos prazos de prisão preventiva respeita.


Perante os elementos processuais disponíveis, não se verifica, pois, qualquer dos pressupostos de que a lei faz depender a procedência da providência requerida.


III. Decisão:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal, decidindo nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 223.º do CPP, delibera:

- indeferir, por falta de fundamento, a petição de habeas corpus, apresentada pelo Requerente.

- condenar o Requerente a pagar as custas da providência, fixando-se a taxa de justiça em 4UCs (art. 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).


Supremo Tribunal de Justiça, 31 de maio de 2022


Teresa de Almeida (Relatora)

Lopes da Mota (Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Código de Processo Penal Comentado, António Henriques Gaspar e outros, Edições Almedina, 2021, 3.ª Edição Revista, p. 387.
[2] Acórdãos deste Tribunal de 22.1.2020, no Proc. 1249.16.0JAPRT.AD.S1, de 21.11.2012, no Proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1 – 3.ª Secção, de 09.02.2011, no Proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1 – 3.ª Secção), de 11.02.2015, no Proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1 – 3.ª Secção, e de 17-03-2016, no Proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção.