PROCESSO EXECUTIVO
EMBARGOS DE EXECUTADO
RECURSO
QUESTÃO NOVA
Sumário

Exceptuando os casos legalmente previstos, os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas.

Texto Integral

Processo nº2202/19.7T8AGD-B.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Águeda)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Por apenso aos autos de execução comum que o “Banco 1..., S.A.” contra si move, veio o executado AA deduzir oposição por embargos, pedindo que a execução seja julgada extinta.
Alegou para tal, em síntese, o seguinte:
- a ineptidão do requerimento executivo, por nele não ter sido alegada a relação subjacente à emissão da livrança exequenda;
- a inexigibilidade da quantia exequenda, dada a ausência da sua interpelação para pagamento: se não fosse a citação para os termos da execução desconhecia a pretensão da exequente ou a existência da alegada dívida, pois nunca foi notificado do vencimento e/ou incumprimento de uma qualquer obrigação garantida, da denúncia ou resolução da obrigação garantida, dos montantes que se encontram em dívida ou do preenchimento da livrança;
- que desconhece os contornos do contrato que estará na origem da livrança exequenda, a qual assinou como avalista apenas e só a pedido e para conforto da sua filha BB, nunca tendo tido qualquer contacto com a empresa I.... nem nada sabendo dos seus negócios, pelo que quando apôs a assinatura na livrança fê-lo com erro na declaração, que a fere de invalidade.
A Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.
Nesse sentido, alegou, em síntese:
- que não se verifica a invocada ineptidão, pois sendo a livrança um título de natureza cambiária, e por isso dotado das características da literalidade, autonomia e abstracção, dispensa a alegação da relação jurídica subjacente à sua emissão;
- quanto à invocada inexegibilidade, alega que é falso o desconhecimento do embargante quanto à pretensão da exequente e à existência da dívida, porquanto lhe enviou carta registada com aviso de receção em 15 de março de 2019, informando-o da resolução contratual e informando dos valores vencidas e não pagos, carta essa que não mereceu qualquer resposta ou pedido de esclarecimento ou até contestação por parte do embargante; alegou ainda que do pacto de preenchimento não resulta a obrigação para a exequente de comunicar ao embargante que iria preencher a livrança pelas quantias que então se achassem em dívida, no entanto, por boa-fé e lisura, enviou carta registada com aviso de receção datada de 5 de Setembro de 2019, dando conhecimento ao embargante do preenchimento da livrança, valor nela aposto e data de vencimento, a qual não mereceu qualquer resposta da sua parte;
- quanto à invalidade do título no que toca ao embargante, alegou que, sendo este empresário com experiência de vida e de negócios, tendo subscrito o pacto de preenchimento e tendo aposto a sua assinatura no verso da livrança como avalista, é destituído de sentido e falso o alegado erro na declaração, pois assumiu a sua obrigação de forma livre, consciente e esclarecida e dentro da sua mais completa autonomia da vontade.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador – em sede do qual foi julgada improcedente a invocada ineptidão do requerimento executivo – e subsequente despacho com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (fls. 36 e 37).
Após suspensão da instância para tentativa de resolução extrajudicial do litígio, que se frustrou, procedeu-se a julgamento.
Na sequência deste, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
De tal sentença veio o embargante interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões:
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A recorrida/embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela total negação de provimento ao recurso, nelas defendendo, designadamente, que as questões de nulidade do pacto de preenchimento da livrança e de violação do dever de comunicação e informação das cláusulas constantes dos artigos 22º, 23º e 24º do contrato de locação financeira são questões novas, só agora levantadas em sede de recurso, e, não sendo de conhecimento oficioso, não podem já ser conhecidas.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se há que proceder à alteração da decisão da matéria de facto da sentença recorrida quanto ao ponto 1 dos factos não provados;
b) – apurar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada, sendo nesta sede ainda de apurar do conhecimento das questões de nulidade do pacto de preenchimento da livrança e de violação do dever de comunicação e informação das cláusulas constantes dos artigos 22º, 23º e 24º do contrato de locação financeira subjacente à emissão da livrança.

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II – Fundamentação

É a seguinte a matéria de facto exarada na decisão recorrida:
Factos provados:
A)
Foi dada à execução a livrança, cujo original se encontra junto a fls. 25 dos autos principais.
B)
A livrança tem aposto como local de emissão Lisboa, como data de emissão 06.12.2004, o valor de 329.975,80€, a data de vencimento de 16.09.2019, encontrando-se subscrita por I..., Lda.
C)
No verso da livrança e a seguir às expressões “Nos termos e condições do Contrato de Locação Financeira e do Pacto de Preenchimento, e que são do meu conhecimento” e “Bom para aval ao(s) subscritor(es)” encontra-se aposta a assinatura da ora embargante.
D)
Subjacente à emissão da livrança em causa está o contrato de locação financeira celebrado em 6 de dezembro de 2004, entre o Banco 2..., SA e a sociedade I..., Lda. em que figura como mutuante o banco exequente, como mutuária CC e como avalista a ora embargante.
E)
O contrato supra referenciado tinha como objeto os seguintes bens imóveis:
- Prédio urbano sito na Zona Industrial, composto por armazém, destinado a actividade industrial, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº ..., Freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., dita Freguesia e Concelho de Salvaterra de Magos;
- Prédio urbano sito na Zona Industrial, lote ..., composto por edifício destinado a indústria, descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº ..., Freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ..., dita Freguesia e Concelho de Salvaterra de Magos; e,
- Fração autónoma designada pela letra “D”, armazém no primeiro piso com entrada pelos números ... e ... da Rua ..., área 523 m2, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ..., freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da mesma freguesia e Concelho.
F)
Foi celebrado pelo prazo de 15 anos ou 180 meses e com o valor residual de 303.525,00€, obrigando-se a locadora a proporcionar à locatária o gozo temporário dos supra indicados imóveis.
G)
A sociedade I..., Lda. obrigou-se a pagar à locadora, durante o prazo de execução do contrato, 180 rendas mensais e sucessivas, com início em 8 de janeiro de 2005 e no valor, cada uma, de 20.823,99€.
H)
A cláusula n.º 22 das condições gerais do contrato, com a epigrafe “Incumprimento e resolução do contrato”, tem o seguinte teor:
“1 – Se o locatário não cumprir pontualmente qualquer uma das suas obrigações, legal ou contratualmente previstas, poderá o locador resolver o contrato, judicial ou extrajudicialmente, após ter notificado aquele para, no prazo de 8 dias, satisfazer as obrigações legais ou contratuais em falta.
2 – Se o contrato for resolvido nos termos do presente artigo, o locatário deverá restituir de imediato o imóvel locado e pagar ao locador as importâncias determinadas no artigo 24.º das Condições Gerais.
3 – A notificação referida no número 1 do presente artigo pode ser efetuada por comunicação pessoal e direta, por meio de carta registada com aviso de receção dirigida à morada do locatário constante deste contrato, ou para outra que este venha a indicar expressamente por documento escrito. Se a carta para notificação for recusada ou devolvida por facto não imputável ao locador, não deixará de produzir os seus efeitos.”
I)
A cláusula n.º 8 da Condições Particulares do contrato, denominada de “Garantias”, prevê o seguinte:
“A sociedade locatária I..., Lda. (…) para garantia e caução do pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades, entrega uma livrança em branco, por si subscrita, à ordem da Banco 2..., SA (…) e avalizada por:
1- DD (…);
2- EE (…);
3- BB (…);
4- AA (…).”
J)
Foi celebrado pacto de preenchimento da livrança exequenda, com o seguinte teor:
“(…)
Assunto: Contrato de Locação Financeira nº ...
Pela presente somos a dar o nosso consentimento expresso e irrevogável, para que em caso de incumprimento e/ou resolução do contrato de Locação Financeira nrº 901.687, convosco celebrado, a livrança que junto se envia seja por V. Exas. preenchida pelo valor que for devido, fixando-lhe a data de emissão e vencimento, bem como o local de pagamento.
Assim, caso se verifique alguma das referidas situações, será tal livrança acionada, sendo o montante correspondente às rendas vencidas e não pagas, indemnização, juros, encargos decorrentes do preenchimento da mesma, outras despesas contratuais e tudo o mais que for devido, tal como previsto, nomeadamente nos artigos oitavo, vigésimo terceiro e vigésimo quarto das condições gerais

CARIMBO E ASSINATURA DA SOCIEDADE SUBSCRITORA “ I... LDA”
(…)
Na qualidade de avalistas damos o nosso acordo ao teor desta carta

(assinatura dos avalistas)
(…)”
K)
Em 15 de março de 2019, o exequente enviou carta registada com aviso de receção dirigida à sociedade subscritora da livrança, que foi rececionada, com o seguinte teor:
“(…)
Assunto: Contrato de Locação Financeira nº...
(…)
No seguimento das nossas anteriores solicitações e dado que V. Exas. ainda não procederam ao referido pagamento, vimos por este meio informá-los de que procedemos à resolução do vosso contrato n.º..., nos termos das condições gerais do contrato de locação financeira, com o consequente recurso à via judicial para recuperação do bem, objeto do contrato e, ainda, para obtenção do pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações devidas, nos termos das referidas cláusulas.
Mais informamos que os valores vencidos e não pagos ascendem a 240.179,44€ referentes às seguintes rendas:
Débito Vencimento Valor
159 08/02/2018 184.50 €
159 08/02/2018 8 582.83 €
I60 08/03/2018 184,50 €
160 08/03/2018 17 216.66 €
160 08/03/2018 1.57 €
161 08/04/2018 184.50 €
161 08/04/2018 17 216.66 €
161 08/04/2018 1.57 €
25/04/2018 17 215.87 €
162 08/05/2018 184.50 €
162 08/05/2018 17 216.66 €
162 08/05/2018 1.57 €
163 08/06/2018 184.50 €
163 08/06/2018 17 216.66 €
163 08/06/2018 1.57 €
164 08/07/2018 184.50 €
164 08/07/2018 17 216.66 €
164 08/07/2018 1,57€
25/07/2018 1 715.87 €
165 08/08/2018 184.50 €
165 8/08/2018 17 2I8.14€
165 08/08/2018 1.57€
166 08/09/2018 184.50 €
166 08/09/2018 17.218.14 €
166 08/09/2018 1.57€
167 08/10/2018 184.50 €
167 8/10/2018 17 220.25 €
167 08/10/2018 1.57€
168 8/11/2018 184.50 €
168 08/11/2018 I7 270.25 €
168 08/11/2018 1.57€
25/11/2018 1 715.87 €
169 08/12/2018 184.50 €
169 08/12/2018 17 220.25 €
169 08/12/2018 1,57€
170 08/01/2019 184.50 €
170 08/01/2019 17 221,26 €
170 08/01/2019 1.57 €
171 08/02/2019 184.50 €
171 08/02/2019 17 221.26 €
171 08/02/2019 1.57 €
172 08/03/2019 184.50 €
172 08/03/2019 17 221.26€
172 08/03/2019 1.57 €
Caso não seja efetuado o respetivo pagamento, deverão V. Exas. proceder à entrega do equipamento, objeto do contrato, no prazo de 8 dias, sem prejuízo da competente ação judicial com vista à cobrança dos valores contratualmente exigíveis.
(…)”
L)
Na mesma data, enviou carta registada com aviso de receção dirigida ao embargante, que foi rececionada, nos seguintes termos:
“(…)
Assunto: Contrato de Locação Financeira nº...
(…)
No seguimento das nossas anteriores solicitações junto do locatário e dado que ainda não procedeu ao referido pagamento, vimos por este meio informá-lo, na qualidade de avalista, de que procedemos à resolução do contrato n.º..., nos termos das condições gerais do contrato de locação financeira, com o consequente recurso à via judicial para recuperação do bem, objecto do contrato e, ainda, para obtenção do pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações devidas, nos termos das referidas cláusulas.
Mais informamos que os valores vencidos e não pagos ascendem a 240.179,44€ referentes às seguintes rendas:
Débito Vencimento Valor
159 08/02/2018 184.50 €
159 08/02/2018 8 582.83 €
I60 08/03/2018 184,50 €
160 08/03/2018 17 216.66 €
160 08/03/2018 1.57 €
161 08/04/2018 184.50 €
161 08/04/2018 17 216.66 €
161 08/04/2018 1.57 €
25/04/2018 17 215.87 €
162 08/05/2018 184.50 €
162 08/05/2018 17 216.66 €
162 08/05/2018 1.57 €
163 08/06/2018 184.50 €
163 08/06/2018 17 216.66 €
163 08/06/2018 1.57 €
164 08/07/2018 184.50 €
164 08/07/2018 17 216.66 €
164 08/07/2018 1,57€
25/07/2018 1 715.87 €
165 08/08/2018 184.50 €
165 8/08/2018 17 2I8.14€
165 08/08/2018 1.57€
166 08/09/2018 184.50 €
166 08/09/2018 17.218.14 €
166 08/09/2018 1.57€
167 08/10/2018 184.50 €
167 8/10/2018 17 220.25 €
167 08/10/2018 1.57€
168 8/11/2018 184.50 €
168 08/11/2018 I7 270.25 €
168 08/11/2018 1.57€
25/11/2018 1 715.87 €
169 08/12/2018 184.50 €
169 08/12/2018 17 220.25 €
169 08/12/2018 1,57€ 170 08/01/2019 184.50 €
170 08/01/2019 17 221,26 €
170 08/01/2019 1.57 €
171 08/02/2019 184.50 €
171 08/02/2019 17 221.26 €
171 08/02/2019 1.57 €
172 08/03/2019 184.50 €
172 08/03/2019 17 221.26€
172 08/03/2019 1.57 €
Caso não seja efetuado o respetivo pagamento, deverão V. Exas. proceder à entrega do equipamento, objeto do contrato, no prazo de 8 dias, sem prejuízo da competente ação judicial com vista à cobrança dos valores contratualmente exigíveis.
(…)”
M)
Em 5 de setembro de 2019, o exequente envia carta registada com aviso de receção ao embargante, que foi rececionada, com a seguinte informação:
“Assunto: Interpelação para pagamento de dívida(s) vencida(s) e não paga(s)/ livrança(s)
(…)
Mostra(m)-se vencida(s) e não paga(s) as obrigações(s) emergentes da(s) operação(ões), abaixo identificada(s), com os montantes em dívida, também abaixo identificado(s), de que V. Exa.(s) é(são) responsável(eis) pela liquidação, atenta a posição contratual que tem(êm) na(s) mesma(s).
Pela presente, V. Exa.(s) fica(m) interpelado(s) para o pagamento das responsabilidades em causa, ao Banco 1..., S.A.(Banco 1...), com os respetivos juros, impostos e despesas.
O Banco 1... informa, ainda, que recorre, desde já, à LIVRANÇA em branco, entregue para titular/garantir tais responsabilidades, que aglutina no seu valor os montantes em dívida, pelo que V. Ex.a(s) fica(m) interpelado(a)(s) para o pagamento da mesma, com o valor e a data de vencimento infra referidos.
Em caso de não pagamento, o Banco 1... aguardará 10 dias e depois será forçado a recorrer aos meios de recuperação previstos na lei, nomeadamente à via judicial.
OPERAÇÃO(ÕES)
Contrato Leasing ...
Capital em dívida
Mutuários I..., Lda
Garantes (…) AA (…)
Data 06/12/2004

LIVRANÇA
Subscritores I..., Lda VALOR
329.975,80€
Avalistas (…) AA (…) Data de venc. 2019/09/16
(…)”
*
Factos Não Provados:
1 – O embargante não foi notificado do vencimento e/ou incumprimento de uma qualquer obrigação garantida, da denúncia ou resolução da obrigação garantida, dos montantes que se encontram em dívida ou do preenchimento da livrança.
2 – O embargante apôs a sua assinatura apenas e só a pedido e para conforto da sua filha BB.
3 – Nunca tendo tido qualquer contacto com a sociedade I....
4 – Nem nada sabendo dos seus negócios.
*
Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
O recorrente pretende que seja dada como provada a matéria constante do ponto 1 dos factos não provados, suportando essa sua pretensão no depoimento da testemunha FF, cujo excertos que entende pertinentes transcreve na sua motivação.
É manifesto que tal pretensão não pode ter cabimento.
Efectivamente, a factualidade dada como não provada sob aquele ponto 1 dos factos não provados (cujo conteúdo consta acima referido) só como tal podia ser considerada, pois, como consta provado sob as alíneas L) e M) dos factos provados (cujo conteúdo também consta acima transcrito), a exequente/embargada, em 15 de Março de 2019, enviou ao embargante carta, por este recebida, a comunicar-lhe, na qualidade de avalista, a resolução do contrato de locação e o anúncio do recurso à via judicial para, nomeadamente, a obtenção do pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações devidas (cujos montantes parcelares e total, por referência àquela altura, ali também indicou), e, em 5 de Setembro de 2019, enviou-lhe carta, também por si recebida, a interpelá-lo para pagamento (utiliza esta expressão no campo “Assunto” e no próprio texto), onde lhe anuncia que vai recorrer à livrança por si subscrita, dando-lhe conta do preenchimento da mesma com a quantia em dívida e da sua data de vencimento.
Como tal, a não prova da não notificação vertida sob o nº1 dos factos não provados não é mais do que a decorrência óbvia, como seu reverso, da factualidade provada sob aquelas alíneas.
Ainda que a testemunha referida pelo recorrente algo pudesse ter dito num qualquer sentido de possível questionamento do conteúdo daquele ponto 1 dos factos não provados – e até não disse, sendo que dos excertos do seu depoimento transcritos pelo recorrente nada resulta no sentido de uma qualquer não efectivação da notificação ali referida –, tal soçobraria perante os elementos probatórios de natureza documental juntos aos autos (fls. 17-verso a 20-verso) que levaram a dar como provado o conteúdo de cada uma da alíneas dos factos provados que se referiram, as quais, note-se, não se mostram impugnadas no recurso.
Assim, improcede esta questão recursória.

Passemos para as questões enunciadas supra sob a alínea b).
O recorrente invoca a nulidade do pacto de preenchimento da livrança e a violação por parte da exequente/embargada do dever de comunicação e informação das cláusulas constantes dos artigos 22º, 23º e 24º do contrato de locação financeira subjacente à emissão da livrança.
Como se vê dos autos – e a embargada pertinentemente o faz notar nas suas contra-alegações –, só nesta sede de recurso é que o embargante levanta tais questões (a sua petição de embargos é completamente omissa quanto a qualquer delas, não tendo ali sido sequer alegados quaisquer factos que com elas pudessem ter atinência).
Assim, conclui-se, são, para efeitos do recurso, questões novas, pois não foram suscitadas no tribunal recorrido.
Ora, exceptuando os casos legalmente previstos [verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC), existência de questão de conhecimento oficioso (artigos 608º, nº 2, 2ª parte e 663º, nº 2 do CPC), alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 264º do CPC) ou a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada (artigo 5º, nº 3, do CPC)], os recursos destinam-se à reponderação de questões que hajam sido colocadas e apreciadas pelo tribunal recorrido, não se destinando ao conhecimento de questões novas (sobre esta matéria, veja-se, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2020, 6ª edição, Almedina, págs. 139 a 141, anotação 5 ao art. 635º; Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, Almedina 2009, páginas 153 a 158; João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 131).
Como tal, abstém-se este tribunal de conhecer de tais questões.

Aqui chegados, dada a não alteração da matéria de facto considerada na sentença recorrida, que as questões da nulidade do pacto de preenchimento da livrança e da violação do dever de comunicação e informação das cláusulas constantes dos artigos 22º, 23º e 24º do contrato subjacente a tal livrança, como se decidiu, não são de conhecer nesta sede de recurso, e que o recurso interposto apenas ataca a decisão de mérito da decisão recorrida no pressuposto da procedência de qualquer daquelas questões, não se pondo pois em causa a construção jurídica efectuada com base na factualidade provada e não provada ali feita constar, não compete fazer qualquer reparo a tal decisão.
Como tal, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente, porque nele decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
***
Porto, 23/5/2022.
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim