OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
CONTRATO DE TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Sumário

I - Apenas determina o vício de omissão de pronúncia, a que alude a al. d), do nº1, do artigo 615º, do CPC, a não apreciação, na sentença, de “questões” a aí decidir, o que não acontece no caso de aí se não conhecer das concretas pretensões formuladas pelo Autor (pedido) e das respetivas causas de pedir, por se julgar procedente exceção perentória, com a consequente absolvição do Réu do pedido.
II - Não cumpre os ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, com a, inerente, consequência da imediata rejeição do recurso, nessa parte, a recorrente que se limita a impugnar em termos latos, genéricos e em bloco a matéria dada como não provada, por falta de prova, sem fazer concreta e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão de facto impugnada (v. nº1, al. b), do art. 640º, do CPC).
III - E na verificação de incumprimento dos ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos do direito fundado em responsabilidade pré-contratual, sempre o respetivo pedido improcede – cfr. nº1, do art. 342º, do Código Civil).
IV - O regime da prescrição, no âmbito de responsabilidade contratual por incumprimento de contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, tem de ser analisado com recurso ao específico regime aplicável a tal contrato (Convenção CMR) e não apenas com recurso ao regime geral constante do Código Civil:
V - O prazo de prescrição estabelecido no art. 32º, de tal Convenção, reportado ao transporte propriamente dito, designadamente às perdas e danos da mercadoria transportada, derrogando o prazo geral, constante do art 309º, do Código Civil (de 20 anos), é um curto prazo (1 ano) de aplicação no caso (situação de perda, parcial, da mercadoria transportada, geradora de incumprimento da obrigação - de resultado - de entrega da mercadoria).
VI - Assim, a respeitarem as vicissitudes ocorridas na relação contratual ao transporte das mercadorias, isto é, a existir relação entre o incumprimento e o transporte, e a ser tal incumprimento o facto jurídico de que emerge o direito da Autora, o prazo de prescrição é o especificamente estabelecido no artigo 32º da Convenção CMR, e, na procedência da exceção perentória da prescrição, tem a Ré de ser absolvida dos respetivos pedidos relacionados com tal incumprimento contratual.

Texto Integral

Apelação nº 2398/19.8T8OAZ.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juizo Local Cível de Oliveira de Azemeis

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Maria José Simões

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………

*
I. RELATÓRIO

Recorrente: F..., LDA
Recorrido: N..., UNIPESSOAL, LDA

F..., LDA, com sede na Rua ..., ..., ..., Oliveira de Azeméis, intentou ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra N..., UNIPESSOAL, LDA, com sede na Urbanização ..., Viseu, pedindo a condenação desta a pagar-lhe:
a) as importâncias de € 20.395,00, referente à mercadoria perdida, e € 5.567,50, referente ao transporte, importâncias estas acrescidas de juros vincendos;
b) a quantia de € 1.500,00, de indemnização pela má fé pré-contratual.
Alega, para tanto e em síntese, ter celebrado com esta um contrato de transporte de mercadorias de Portugal para Itália, de Itália para a Alemanha e deste país para Portugal e que, competindo à ré assegurar a segurança da mercadoria transportada durante o tempo em que esta se encontrava no interior do seu veículo, parte da mercadoria foi dele furtada em Itália, tendo sofrido danos nos referidos valores. Mais alega que, aquando da negociação de tal contrato, a Ré se comprometeu a celebrar um contrato de seguro a proteger as mercadorias contratadas e os riscos inerentes à sua perda e danos e que o não fez, cobrando, contudo.
A Ré, defende-se por exceção, invocando a prescrição do direito de ação da autora, e por impugnação, negando ter acordado com a autora a celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil por perdas e danos sobre a mercadoria e ser responsável pelo furto verificado, sequer por negligência no cuidado e segurança quanto à mercadoria transportada.
Requerida a intervenção da Companhia de Seguros X..., S.A, admitida, a interveniente contestou, invocando a prescrição do direito da autora e o contributo do legal representante do autor para a produção do evento lesivo, e, considerando a natureza da mercadoria e esta última circunstância, sustenta nenhuma responsabilidade lhe poder ser assacada.
*
Convidada a Autora a esclarecer como liquidou os 1.500,00 € de indemnização pela responsabilidade civil pré-contratual, a mesma esclareceu (cfr fls 107) e, na sequência disso, foi proferido, em audiência prévia, despacho (cfr. fls 108 e seg.) com o seguinte teor:
“Convidada a esclarecer o modo como liquidou a quantia de 1.500,00€, a Autora fê-lo, mas acrescentou factos que extravasam a sua alegação inicial e que excedem por isso mesmo o convite que lhe foi endereçado.
Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 590º, nº6, do CPC, se considera não escrita a factualidade agora alegada pela Autora (…) Admite-se assim e tão só, por ser uma mera concretização dos factos vertidos na PI, o alegado preço de seguro referente à mercadoria, no montante de 788,81€”.
*
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
*
Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelas razões de facto e de Direito acima expostas, decide este Tribunal julgar procedente, por verificada, a excepção peremptória de prescrição, em consequência do que, se absolve as rés do pedido contra estas deduzido pela autora.
*
Custas pela autora – cfr. art. 527º do CPC e art.6º do RCP”.
*
A Autora apresentou recurso de apelação, pugnando pela procedência do recurso e por que seja revogada a decisão, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
………………………………
………………………………
………………………………
*
A Ré apresentou resposta sustentando dever manter-se a decisão que julgou procedente, por verificada, a exceção perentória da prescrição e, caso assim não se entenda, a título subsidiário, deverá dar-se provimento ao pedido de ampliação do objeto do recurso, sub juditio com a consequente alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, apresentando as seguintes
Conclusões:
………………………………
………………………………
………………………………
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
*
II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da nulidade da decisão recorrida, por padecer do vício previsto na d), do nº1, do art. 615º, do CPC, omissão de pronúncia, dado não ter conhecido do mérito da causa;
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto e do incumprimento dos ónus impostos (falta de indicação especificada, por a impugnação ter sido efetuada em bloco, sem indicação especificada da prova em que se fundamenta o erro sobre cada concreto ponto).
3. Do erro da decisão de mérito: da improcedência da exceção da prescrição do direito da Autora e se os pedidos formulados na ação procedem.
4. A proceder a apelação, subsidiariamente, da pretensão formulada de ampliação do objeto do recurso.
*
II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. A ré N..., Lda foi citada para contestar a presente ação a 18.07.2019.
2. A ré Companhia de Seguros X..., S.A foi citada para contestar a presente ação a 22.11.2019.
3. A presente ação deu entrada em juízo a 27.06.2019 sem dedução de pedido de citação urgente.
4. A autora é uma sociedade que se dedica ao fabrico e venda de calçado de cerimónia e ao comércio de vestuário de cerimónia.
5. A ré N... dedica-se à prestação de serviços de transporte de mercadorias.
6. Em 02-04-2018, com vista a expor os seus artigos em duas feiras internacionais, uma em Itália e outra na Alemanha, a Autora solicitou à Ré o transporte de mercadorias de Portugal para Itália, de Itália para a Alemanha e da Alemanha novamente para Portugal.
7. Transporte, esse a realizar nas seguintes datas e locais:
a) Em 03-04-2018, levantamento das mercadorias na sede da Autora, em ..., Oliveira de Azeméis e entrega na Feira de Exposições “S...”, em ..., Itália;
b) Em 09-04-2018, levantamento da mercadoria na “S...” em ..., Itália e entrega em “...”, em ..., ..., Alemanha;
c) Em 16-04-2018, levantamento da mercadoria em ..., ..., Alemanha e entrega na sede da Autora em ..., Oliveira de Azeméis.
8. A ré acedeu a efetuar esses serviços de transporte para a autora.
9. As mercadorias que foram transportadas pela ré eram constituídas por calçado, vestuário, manequins, material publicitário e outros bens necessários ao equipamento do stand de exposições.
10. A autora preencheu os documentos respeitantes a este transporte, nomeadamente os CMR nº ..., ... e ... e a Guia de Transporte nº ....
11. A mercadoria da Autora foi levantada pela Ré, conforme o acordado, em 09.04.2018, na “...”, em ..., ..., em ..., Itália, pelas 20.18 horas, para ser transportada para a Alemanha.
12. Nesse mesmo dia, a mercadoria foi parcialmente furtada, vindo o motorista do veículo que transportava a mercadoria a encontrar o mesmo com a porta traseira aberta.
13. Essa ocorrência foi participada às autoridades policiais locais pela ré.
14. No circunstancialismo de tempo e lugar em que ocorreu esse furto, o motorista da ré AA encontrava-se acompanhado do legal representante da autora, em concreto, no momento em que aquele motorista estacionou o veículo no local onde veio a ocorrer o furto, estava acompanhado daquele legal representante.
15. A 09.04.2018 e após essa participação o transportador da ré seguiu de ... para ..., Alemanha.
16. Na Declaração de Expedição Internacional CMR nº ..., atinente ao transporte de mercadoria entre ... e ..., a autora fez constar a menção “Mercadoria parcialmente furtada”.
17. A entrega da mercadoria restante foi entregue à autora, em ..., em 18.04.2018.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS

Considerou o Tribunal de 1ª instância que nada mais se provou, designadamente que o furto tenha ocorrido devido à falta de cuidado e atenção do motorista da ré, este que não providenciou pela guarda segura da mercadoria, e que a autora tenha apresentado reclamação, por escrito ou verbalmente, junto da ré pela não restituição parcial da mercadoria em virtude desse furto.
*
II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Na consideração do disposto nos arts. 663º, n.º 2 , ex vi art. 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC - dos quais decorre que o acórdão conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, bem como a ratio legis que preside a estes comandos legais (razões de celeridade e economia processuais, pois que a proceder exceção dilatória se não entra na apreciação do mérito da causa (art. 576º, n.º2 do CPC) e, automaticamente ficará prejudicada a apreciação dos restantes fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes) – tendo sido suscitadas nulidades da sentença recorrida, cabe conhecer, de imediato, desses vícios, dado que, caso procedam, tal poderá determinar a devolução dos autos à 1ª Instância para que sane a alegada invalidade, com o consequente prejuízo do conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pelos apelantes[1].
Impõe-se, pois, começar por conhecer desse concreto fundamento de recurso invocado.

1- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Invoca o recorrente a nulidade da sentença imputando-lhe o vício constante da alínea d), do nº1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, concluindo que o Tribunal a quo se não pronunciou sobre questão a apreciar. Conclui que emitiu pronúncia sobre a prescrição, não tendo, contudo, decidido de mérito, nada tendo dito quanto a responsabilidade da Ré (pré-contratual e contratual), faltando fundamentação de facto e de direito.
A Apelada pronunciou-se pela não verificação de tal vício, pois a sentença julgou improcedente a ação, absolvendo a Recorrida do pedido com fundamento na verificação da exceção perentória da prescrição, sendo óbvio que o Tribunal ao conhecer da exceção perentória da prescrição (art. 304º do C.C.) - que importou a absolvição total dos pedidos por força da não prova dos factos alegados pela Recorrente – deixou prejudicados todos os pedidos formulados pela aqui Recorrente (art. 576º nº 3 do CPC.).
Analisemos da verificação do invocado vício.
O nº1, do art.º 615º, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
“… d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…”.
São, neste preceito, tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo as nulidades da sentença ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[2]. Sendo vícios intrínsecos, quanto à estrutura, limites e inteligibilidade da peça processual que é a própria decisão (error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito, são apreciados em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Sendo frequente a confusão entre a nulidade da decisão (que a proceder conduz à anulação da sentença) e a discordância do resultado obtido, cumpre reforçar e deixar claro que os vícios da sentença não podem ser confundidos com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa (que, na procedência conduz à alteração da decisão da matéria de facto e/ou à revogação da decisão).
E, efetivamente, as causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017, “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[3].
Para além da falta de assinatura do juiz, suprível oficiosamente em qualquer altura, contam-se, como vícios da sentença, uns que respeitam à sua estrutura e outros que se reportam aos limites da mesma. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum) .
Sustenta a apelante que a decisão recorrida é nula, nos termos da al. d), por omissão de pronúncia, aludindo a falta de fundamentação.
Estatui o artigo 154.º, no seu n.º 1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e no seu n.º 2 acrescenta que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”, sendo que o artigo 607.º consagra que o Tribunal deve expor de forma clara o percurso lógico para as conclusões que se extrai.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência da lei fundamental (v. art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, abreviadamente CRP) e da lei ordinária, que se apresenta a densificá-lo (cfr. arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b)), e impõe ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a sua decisão[4]. Tem por fim o convencimento da bondade da decisão, pois que destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (v. nº1, do art. 3º), esse conflito só logrará efetiva resolução com restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”[5]. A fundamentação legitima o poder soberano, constitucionalmente atribuído aos tribunais, para, em nome do povo, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1, da CRP). Visa salvaguardar os direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes o conhecimento da razão ou razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade de utilizarem os meios legalmente previstos para sindicar e impugnar essas decisões. E é essencial para que os tribunais superiores possam controlar as decisões dos tribunais inferiores, pois que as instâncias superiores necessitam de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão, que está a ser sindicada, ancorou a mesma a fim de poderem reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bem ou mal fundado da decisão[6]. Por isso, é que em termos de matéria de facto, se impõe ao juiz a obrigação de na sentença discriminar os factos que considera provados e não provados, devendo, de forma clara e especificada, analisar criticamente as provas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 3, 4 e 5), explicitando desse modo, não só a respetiva decisão como, também, quais os motivos que a determinaram. E em sede de fundamentação da matéria de direito, a lei faz impender sobre o juiz iguais obrigações, impondo-lhe o ónus de, na decisão, identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica ao caso concreto (n.º 3 daquele art. 607º).
Assim, “ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94, CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão[7].
Relativamente à falta de fundamentação de facto, diga-se que, integrando a sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto como a fundamentação dessa decisão (art. 607º, nº3 e 4), “deve considerar-se que a nulidade consagrada na alínea b), do nº1 (falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão) apenas se reporta à primeira, sendo à segunda, diversamente, aplicável o regime do art. 662, nºs 2-d e 3, alíneas b) e d) (ac. do TRP de 5.3.15, Aristides Rodrigues de Almeida, www.dgsi.pt.proc.1644/11, e ac. do TRP de 29.6.15, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, proc 839/13)”[8].
Relativamente à falta de fundamentação de direito, que é indispensável para se saber em que se fundou a sentença, não pode “ser feita por simples adesão genérica aos fundamentos invocados pelas partes (art. 154-2; mesmo ac. de 19.1.84); mas é admitida em recurso, quando a questão a decidir é simples e foi já objeto de decisão jurisdicional, a remissão para o precedente acórdão (art. 656 e 663-5 (…). Este vício da sentença tem a falta da causa de pedir como seu correspondente na petição inicial (art. 186-2-a)[9].
Não obstante a essencialidade reconhecida à fundamentação, entende a doutrina e a jurisprudência, só a absoluta falta de fundamentação, isto é, a omissão absoluta de motivação, determina a nulidade da decisão. Tal acontece, designadamente, nos casos de falta de discriminação dos factos provados, ou de genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou de meros conclusivos juízos de direito, e não apenas em situações de mera deficiência da mesma[10], de fundamentação alegadamente insuficiente e, ainda menos, de putativo desacerto da decisão [11].
Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, que apenas afetam o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada[12] atacáveis em via de recurso e não determinativos daquela invalidade.
A deficiente fundamentação, em que apenas se verifica uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou uma deficiente enunciação e interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas tão só mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso[13].
E nos casos em que o vício da deficiente fundamentação se coloque ao nível da decisão sobre a matéria de facto, esse vício tem de ser solucionado mediante as regras próprias enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º.
Revertendo para o caso, verifica-se que a sentença recorrida fundamentada se encontra de facto e de direito.
Na verdade, indicada vem a razão da decisão, pelo que fundamentada se mostra, tendo o tribunal a quo considerado os factos em causa não provados por falta de prova “total ausência de prova quanto à realidade da mesma” e, conhecendo da exceção perentória da prescrição do direito da Autora, fundada no específico contrato celebrado entre as partes, cujo regime convoca, que julgou procedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido, nada mais lhe cabia conhecer, estando o demais, (cfr., na sentença, as indicadas questões a decidir:“» Prescrição do direito invocado pela autora” e “» Apurar se a ré deve ser condenada a pagar à autora a quantia por esta peticionada, correspondente aos prejuízos sofridos com a execução do transporte, redução proporcional do preço deste e indemnização por responsabilidade pré-contratual”), prejudicado.
Relativamente ao vício de omissão de pronúncia, cumpre referir que devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir, das exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado”[14].
Assim, cabe distinguir “questões” das “razões ou argumentos”, pois que uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar e outra, diversa, é invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção. “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”[15].
A não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas determina a nulidade da sentença, não a sendo suscetível de determinar a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
A nulidade da sentença, por omissão ou excesso de pronuncia, há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2, do referido artigo 608º, do qual resulta o dever do juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras[16] e o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção[17].
O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[18].
Orienta-se a jurisprudência uniformemente no sentido de a nulidade por omissão de pronúncia supor o silenciar por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão escassamente fundamentada a propósito dessa questão[19] ou decisão que não acolha os argumentos do apelante e decida em sentido oposto ao que o mesmo se apresentou a propugnar, o caso.
A sentença deve, pois, “começar pelo conhecimento das questões processuais que podem conduzir à absolvição da instância, devendo nela ser consideradas todas as que as partes tenham deduzido, a menos que prejudicadas pela solução dada a questão anterior de que a absolvição tenha já resultado. Se, porém, puder ter lugar uma decisão de mérito inteiramente favorável à parte cujo interesse a exceção dilatória vise tutelar, o juiz deve proferi-la em vez de absolver o Réu da instância (nº5, do art. 278).
Não havendo lugar à absolvição da instância, segue-se a apreciação do mérito da causa (estando-se, ao conhecer de exceção perentória, como a prescrição, a apreciar do mérito da causa).
O juiz vai agora respondendo aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que, dependendo algum deles da solução dada a outro, a sua apreciação esteja prejudicada pela decisão deste, assim acontecendo quando procede o pedido principal, não havendo lugar à apreciação do pedido subsidiário (ver o nº2, do art. 554), quando, ao invés, não é atendido um pedido prejudicial relativamente a outro cumulativamente deduzido (ver o nº3 do art. 555) e quando identicamente, a procedência ou, ao invés, a improcedência do pedido principal acarreta a não apreciação do pedido reconvencional (…) O mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, se mais do que uma subsidiariamente fundar o pedido, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo Réu ou pelo autor reconvindo e àquelas de que deva tomar conhecimento oficioso. (…)“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas (Alberto dos Réis. CPC anotado cit., V. p. 143)”[20], até porque a sentença não é uma “obra doutrinária: o juiz tem de resolver um litígio concreto e não deve perder de vista que o deve fazer com economia processual”[21].
E caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, podendo é existir um mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, e, então, caso assista razão ao recorrente, ser de alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
No caso, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, é arguida, por falta de apreciação das questões referentes ao mérito da causa, decidido que foi pela procedência da arguida exceção da prescrição do direito da Autora, concluindo a apelante pela não pronúncia do Tribunal a quo sobre questão de que lhe cabia conhecer.
Porém, na verdade, tal não acontece. O Tribunal a quo pronunciou-se, fazendo o enquadramento jurídico da exceção e, ao decidir pela procedência da mesma e em consequência disso, absolveu a Ré do pedido, efetuando, assim, uma apreciação de mérito, prejudicado estando, de tal modo, o conhecimento do demais (pedidos e causas de pedir), face à decisão dada – a atender a defesa por exceção perentória.
E a decisão dada à exceção englobou todo o pedido formulado pela Autora. Não resulta o silenciar do Tribunal a quo sobre questão de cognição obrigatória; antes apreciou e decidiu o caso, segundo a sua convicção e efetuando, livremente, o enquadramento jurídico.
Destarte, não foi omitida pronúncia obrigatória, antes, e na procedência de exceção perentória deduzida pela parte contrária, a Ré foi absolvida dos pedidos formulados pela Autora. A questão foi, pois, apreciada e decidida em sentido contrário ao pretendido pela ora apelante (tendo a Ré sido absolvida da totalidade do pedido).
Não padece, pois, a decisão da apontada nulidade, que improcede.
*
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto: Incumprimento dos ónus pela apelante
Atendendo ao objeto do recurso, delimitado, como vimos, pelas conclusões das alegações, cumpre, agora, fixar a matéria de facto para que, de seguida, se possa entrar na apreciação da decisão de mérito. Para tal, e atenta a impugnação da matéria de facto, cabe analisar, da inobservância pela apelante, impugnante, dos ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, “1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
“a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a posição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[22].
Com efeito, com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador impôs o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes a possibilidade de impugnar a matéria de facto, passando o Tribunal de segunda instância a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando, desse modo, um duplo grau de jurisdição em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre do estatuído no nº1, do art. 662º, que consagra que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Verifica-se, assim, que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, sendo excecional, passou a função normal do Tribunal da Relação, elevado a, verdadeiro, Tribunal de substituição, preenchidos que se mostrem os referidos requisitos legais, conferindo-se às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a permitir-lhes reagir contra erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas e a alcançar maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e tal só é alcançado “perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados” por forma a permitir ao Tribunal da Relação “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”[23].
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, à Relação cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (nº5, do art. 607º).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das supra referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente[24]. Apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, continuando, por isso, o Tribunal da Relação, de 2ª instância, a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[25], não podendo conhecer de matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja objeto de impugnação.
E impõe-se, desde logo, por isso, ao recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[26].
É imposição da lei e entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente delimite o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o consagrado alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º [27], impondo-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) que impõem decisão diversa da impugnada;
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[28], critérios estes que têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça[29].
Este Tribunal Superior começou a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão, dos ónus secundários, que respeitam a requisitos formais e, quanto aos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1, do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso[30].
Contudo, vem-se a assistir na Jurisprudência, principalmente na do STJ, a um decréscimo da exigência de rigor, quando razões de proporcionalidade e razoabilidade a não imponham, passando a admitir a aprciação do recurso mesmo em casos de conclusões omissas quanto aos concretos pontos impugnados desde que os mesmos se encontrem devidamente especificados no corpo das alegações[31].
Assim, vem sendo entendido e decidido pelos vários Tribunais da Relação e foi-o em diversos acórdãos, designadamente em que a ora relatora foi adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães[32] e, também, em relatados pela ora relatora[33]. E, com efeito, o “ónus de impugnação especificada”, emergente do disposto no art. 640º, n.º 1, do C. P. Civil, prende-se em especial com a definição do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida)[34].
Destarte, cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º).[35].
Como de forma elucidativa considerou o Tribunal da Relação de Guimarães, ao rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, “deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex. officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1)”, mais referindo “Sabemos que o preceituado no citado artº 640 em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes - cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 124 e entre outros, os Acórdãos do STJ de 9.07.2015, P. 405/09.1TMCBR.C1. S1 e de 01.10.2015, P. 6626/09.0TVLSB.L1. S1 in dgsi.pt. e Acórdão do STJ proferido no processo nº 471/10. T1 CSSC.L1. S1 com data de 09.02.2017.
O acolhimento da pretensão da recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11 de abril de 2018 e proferido no processo nº 786/16.5T8VRL.G1. S1 consulta de todos in dgsi.pt.
(…) o escrutínio da matéria de facto por parte da Relação é seletivo não se confundindo com uma mais ou menos genérica, abstrata e difusa reapreciação dos factos e das provas- ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18.01.2018 e proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1: S2 in dgsi.pt
(…)Não apontam em concreto qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar provas – as que vão de encontro à sua pretensão - que avaliam de um certo modo – diferente do que o tribunal efectuou e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração das respostas de acordo com a sua versão.
Porém a impugnação da matéria de facto não pode fundar-se na simples discordância sobre a valoração de um meio de prova devendo ter por fundamento um erro de percepção desse meio de prova ou os meios de prova – por ex.: o tribunal, na fundamentação, refere que determinada testemunha afirmou este e aquele facto, e ela não produziu tais afirmações.
Na essência, os recorrentes limitam-se a fazer a sua própria apreciação de parte da prova que apresenta em sentido diferente daquele que foi sufragado pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador formou sobre cada um desses depoimentos.
Acontece que não compete a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido.
A credibilidade de um depoimento decorre directamente da imediação, ou seja, do contacto direto com a testemunha na audiência, da forma como a mesma encara e responde às questões que lhe são colocadas, elemento que tem uma clara dimensão subjetiva inerente à apreciação do juiz e que escapa à sindicância do tribunal de recurso, na falta de bases objetivas que lancem a dúvida sobre a razoabilidade da credibilidade inspirada- neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2018 proferido no processo nº 462/09.0TTBRP.L2.S1 in dgsi.pt
Pelo que pretendendo os recorrentes estribarem a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formaram sobre a credibilidade de alguns meios de prova, sem que sustentadamente mostrassem que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que dela se conheça. (…)
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção dos Recorrentes”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correta.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
«Pretende-se que o advogado apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se «impunha» a formação de uma convicção no sentido pretendido pelo recorrente.
Se o não fizer, ainda que de forma deficiente, salvo se o erro na apreciação da prova for ostensivo, o tribunal de recurso não tem uma questão de facto para decidir, ou seja, à argumentação do tribunal recorrido não se opõe qualquer outra argumentação alternativa.» - Acórdão do TRP, de 17.03.2014 (processo 3785/11.5TBVFR.P1, Relator Alberto Ruço)”[36].
“Nos termos do nº1, al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinga o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[37].
Assim, e como decidiu o STJ, “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou.” e “Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas”. Mais esclarece “A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”[38].
Das conclusões é exigível que, no mínimo, conste, de forma clara, quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto. E não observado o ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita a al. c) do nº 1 do artigo 640º por parte do recorrente é de rejeitar a reapreciação da decisão de facto[39].
É, pois, pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter além da indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, o concreto, específico, sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Assim, mesmo o “Supremo Tribunal de Justiça continua, de uma forma reiterada, a decidir que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
São, assim, dois os ónus que, em sede das conclusões do Recurso, impendem sobre o Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto.
O primeiro ónus é constituído pela indicação dos pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo Tribunal de Recurso.
O segundo ónus é constituído pela indicação da decisão alternativa que se pretende que o Tribunal de Recurso adopte.
Ora, é patente e manifesto que a Recorrente não cumpriu aqueles ónus, ao não indicar nas conclusões do Recurso, qual era a matéria de facto (provada e não provada) que pretendia, de uma forma especificada, impugnar.
Nessa medida, tem que se entender que a Recorrente, ao não cumprir esse ónus, acabou por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus tornaria, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição da impugnação na parte correspondente – e caso o presente Tribunal se pronunciasse poder-se-ia até entender que incorreria no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC como de uma forma precisa se conclui no recente ac. do STJ de 19.6.2019 (Relator: Helder Almeida) atrás citado”[40].
E a delimitação tem de ser concreta e específica. O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco por referência a “factos provados” ou “factos não provados” e, menos ainda, por referência aos factos alegados – com a menção “Resultam, assim, no essencial, provados os factos constantes dos itens 1º a 12º e 18º a 22º da peça processual impetrante”, sendo “de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efetuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado[41].
Analisando as conclusões das alegações da Apelante, constata-se que a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, não faz referência a concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto, de cada concreta e especificada questão e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ter sido proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações, formula a Ré Apelante as conclusões supra referidas, que, como se referiu, delimitam o objeto do recurso.
E, efetivamente, verifica-se que a recorrente, indicando pontos que considera incorretamente julgados:
- não especifica os meios probatórios que determinam/impõem decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos impugnados, analisando criticamente as provas no contexto da análise efetuada pela decisão impugnada.
Assim, e na verdade, o referido nas alegações e conclusões da alegação não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados. A falta de indicação por parte da apelante dos elementos probatórios a imporem a alteração de cada um desses pontos nos termos por ela propugnados, relativamente a cada facto concreto, situação esta que se verifica in casu, tem, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no nº3, do art. 639º[42].
E, como se decidiu a Relação de Lisboa “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas” e “Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo[43].
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, daí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
A recorrente faz comentários à análise probatória vertida na sentença recorrida em termos genéricos, omitindo o que impõe a, pretendida, decisão diversa, que não indica justificadamente. Não é efetuada análise crítica das provas nem análise contextualizada do, sobre elas, decidido, sequer são apontadas respostas que se imponham a cada um dos pontos impugnados.
Com efeito, insurge-se a apelante contra a decisão da matéria de facto e afirma deverem ser considerados “provados os Temas de Prova previstos nos pontos 1), 2) e 7), no sentido de se encontrar provado que houve um compromisso da ré perante a autora de celebrar um contrato de seguro, cujo âmbito de protecção fosse as mercadorias transportadas e os riscos inerentes à sua perda ou danos, a de se encontrar provada a essencialidade desse compromisso para a celebração do contrato de transporte, e de se encontrar provado que o valor do seguro referido em 1) incluído no preço do transporte” e, ainda, factos referentes a negligência da Ré, sem que, contudo, satisfaça os ónus de especificação impostos, designadamente especificada análise crítica das provas, por forma a fundamentar erro de julgamento, e sem que indique o que impõe decisão diversa da dada, que os considerou não provados, por ausência de prova, manifestando, sim, inconformismo, por ser outra a sua opinião.
Aponta erro do Tribunal a quo quanto a factos, mas não faz a análise crítica da decisão – assente na livre convicção formada pelo julgador e objetivamente revelada (falta de prova) -, sendo que, sequer, cabe dar respostas a temas de prova, mas, tão só, decidir se concretos factos alegados se provaram ou não.
Com efeito, sendo os temas de prova enunciados o objeto da instrução, não são eles o objeto da decisão da matéria de facto, tendo, sim, de ser analisados, para efeitos de serem considerados provados ou não provados, diretamente, os factos alegados pelas partes, nos articulados da causa, a densificar a causa de pedir, a matéria de exceção e a de contra exceção.
E na decisão da matéria de facto, com concreta e especificada exposição de factos provados e não provados, o juiz deve, sempre, garantir a recolha de todos os factos (cfr. art. , do CPC) que se mostrem relevância jurídica, acautelando anulações de julgamento, decretadas ao abrigo do art. 662º, nº2, al. c), do CPC.
Assim, o juiz nunca pode dar resposta de provado ou não provado a temas de prova, mas a concretos, específicos, determinados factos alegados, a densificar a causa de pedir ou a defesa apresentada, exceção ou, mesmo, contra exceção.
No caso presente, a apelante, que impugna a decisão da matéria de facto, faz menção, em bloco, a factos que entende incorretamente julgados, não satisfazendo as imposições supracitadas nas alíneas do nº1, do art. 640º, pois não indicou os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre especificados pontos da matéria de facto diversa da recorrida. E, na verdade, a lei não se contenta com que o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorretamente julgada, impondo-lhe, além disso, que a indique e que mencione os concretos meios probatórios que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Ora, a recorrente não menciona as razões porque decisão diversa da tomada se impõe, facto por facto e, na verdade, para que a decisão da matéria de facto possa ser impugnada necessário é que se especifique e fundamente o que impõe decisão diversa, não bastando mera convicção, opinião ou ato da vontade do recorrente de aceitar ou não aceitar, não bastando, pois o vão inconformismo da apelante.
Analisadas as conclusões de recurso bem como o corpo alegatório e no seguimento do que se referiu, constata-se a omissão pela recorrente do cumprimento do ónus estatuídos no nº1, do art. 640º, pelo que se impõe rejeitar o recurso, genérico, da matéria de facto interposto pela Ré Apelante, nesta parte, nenhuma alteração havendo a fazer à decisão, pois que se não impõe decisão diversa, antes a matéria de facto se mostra decidida no sentido de quanto aos factos em causa se não ter produzido prova que permita dar-lhes outra resposta que não a de não provados, segundo a livre convicção de julgador, e se mantém.
*
3. Do erro da decisão de mérito: da improcedência da exceção da prescrição do direito da Autora e da procedência da ação

Aponta a apelante à decisão recorrida erro de direito, sustentando ser aplicável ao caso, de responsabilidade civil pré-contratual e contratual, o prazo de prescrição geral, ordinário - de 20 anos -, ainda não decorrido, entendendo a apelada bem ter sido efetuada a subsunção jurídica.
Cumpre referir que, após dar como não provados os factos alegados a densificar responsabilidade civil pré-contratual, considerou o Tribunal a quo ser aplicável ao circunstancialismo do caso, que de, parcial, incumprimento de contrato, se trata, prazo especial de prescrição, não o prazo ordinário de vinte anos, estatuído no art. 309º, do Código Civil.
A questão a resolver é, assim, tão só, a de saber se o prazo de prescrição do direito da Autora é o geral (consagrado no referido artigo 309º) ou se bem foi aplicado o prazo específico, consagrado, expressamente, no artigo 32º, da Convenção CMR, para o Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada.

Cumpre, contudo, distinguir as duas situações com que nos confrontamos e a solucionar:
i) uma, a de, face ao decidido no despacho saneador[44] e, ainda, face à falta de prova dos factos alegados a densificar responsabilidade pré-contratual, estarmos perante pedido que, nessa parte e com esse fundamento, improcede por falta de cumprimento do ónus de alegação e de prova dos factos constitutivos do direito (cfr. nº1, do art. 342º, do CC), pelo que, mesmo que se não encontre prescrito o direito da Autora, nessa parte, sempre pedido formulado, com esse fundamento (o último), improcede (sendo, por isso, aquela análise inútil);
ii) outra, a de, provada a celebração do referido contrato e o incumprimento, parcial, do mesmo, no demais pretendido fazer valer na ação, ter, já, decorrido o prazo de prescrição do direito de que a Autora se arroga a fundamentar os restantes pedidos (fundados em responsabilidade contratual relacionada com o próprio transporte da mercadoria), como bem decidiu o Tribunal a quo e passamos a analisar.
Vejamos.
Menciona o Tribunal a quo que “a prescrição traduz-se na possibilidade de alguém se opor ao exercício de um direito em virtude de este não ter sido exercido durante um certo lapso de tempo”.
Começa por se referir que a prescrição, que tanto pode ser invocada por ação como por exceção, traduz a repercussão do tempo nas relações jurídicas, consequência do caráter de ordem pública de que se reveste o instituto, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico[45], “é frequentemente considerada contrária à justiça e à moral, sendo muitas vezes questionada a sua necessidade e oportunidade. (…) Distintas razões concorrem para a sua justificação: probabilidade de o dever ter já sido cumprido, presunção de renúncia do titular do direito, sanção da sua negligência, consolidação de situações de facto, proteção do devedor contra dificuldades de prova, promoção do exercício oportuno de direitos, etc.” Valores essenciais de segurança e certeza jurídicas falam mais alto, prevalecendo sobre a justiça, tensão que tem de ser temperada, surgindo a prescrição, de qualquer modo, “como uma forma de sanção da inércia ou negligência injustificada do titular que não exerce o direito em período razoável. A passividade sugere que já não está interessado na invocação do direito, por isso se considera que, em tais casos, deixa de merecer a tutela jurídica”[46].
Em função de ponderações efetuadas pelo legislador, são consagrados, conforme as diversas situações, distintos prazos de prescrição, como decorre da “Subsecção II”, arts 309º e segs, sendo que aquele artigo consagra o “Prazo ordinário”, que é de “vinte anos”, aplicável, sempre, independentemente da boa ou má fé de quem invoca a prescrição, na ausência de prazo especial.
Resulta, pois, a prescrição “de dois fatores: inércia do titular do direito e decurso do tempo. E o período necessário para produção do efeito prescricional será aquele que, para o caso, for fixado”[47].
Não podendo deixar de improceder o último pedido formulado, como vimos, por falta de prova, analisemos se o caso, no que concerne aos dois primeiros pedidos, se enquadra em alguma situação de prazo especial, em que será esse o aplicável, conforme o brocardo lex specialis derogat generalis, ou se, na falta dele, se subsume ao prazo geral, como a apelante pretende e se, não estando prescrito o direito de ação, tais pedidos procedem.
Qualificando, pacificamente e bem, o contrato em causa nos autos como de transporte internacional de mercadorias por estrada, por consubstanciar “transporte de mercadorias, feito por estrada, a título oneroso por meio de veículos, ocorrendo o carregamento da mercadoria e o lugar da entrega da mesma em países diferentes, sendo um deles, pelo menos, contratante da Convenção CMR” a que se aplica a “Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra em 19/05/1956, aprovada em Portugal pelo Decreto – Lei n.º 46235, de 18/03/1965, que entrou em vigor em 21/12/1969 e foi alterado pelo Protocolo de Emenda, aprovado pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro” considerou o Tribunal a quo em termos de responsabilidade civil contratual, decorrer do estatuído no artº 17º, n.º 1, da CMR, que “o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora na entrega.”.
Contudo, e por ter sido arguida a exceção da prescrição do direito da Autora, bem começou o Tribunal a quo por analisar a invocada exceção, a conduzir, na procedência, à absolvição dos pedidos de pagamento das importâncias referentes à mercadoria perdida e ao transporte.
Convocou o Tribunal a quo o específico regime do art. 32º, § 1º, da Convenção CMR que estatui que as ações que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à convenção prescrevem no prazo de um ano (a não ser em caso de dolo, em que o prazo é alargado para três anos), acrescentando, como analisa, que tal prazo é contado:
a) a partir do dia em que em que a mercadoria for entregue, no caso de perda parcial, avaria ou demora;
b) no caso de perda total a partir do 30º dia após a expiração do prazo ou se não tiver sido convencionado prazo, a partir do 60º dia após à entrega da mercadoria ao cuidado do transportador;
c) Em todos os outros casos, a partir do termo do prazo de três meses a contar da conclusão do contrato de transporte.
Assim, a situação de perda da mercadoria durante o transporte, a consubstanciar incumprimento do contrato de transporte, encontra-se especificamente acautelada pela Convenção CMR.
E a respeitarem as vicissitudes ocorridas na relação contratual estabelecida ao transporte das mercadorias, ou seja, a existir relação entre o incumprimento e o transporte efetuado e a ser tal incumprimento o facto jurídico de que emerge o direito da Autora, isto é, a ser o transporte a fundamentar a pretensão formulada, o prazo de prescrição é o especificamente estabelecido no artigo 32º da Convenção CMR.
Destarte, o prazo de prescrição estabelecido no art. 32º, da Convenção CMR, reporta-se ao transporte propriamente dito, designadamente às perdas e danos da mercadoria transportada[48], sendo ao regime específico que o caso, de transporte, se subsume, e não ao regime geral.
Afastada está, pois, a aplicação aos dois primeiros pedidos (relacionados com transporte) do regime geral da prescrição. E sendo aplicável o art. 32º, da Convenção CMR, consagra o § 2º, de tal artigo a possibilidade de suspensão do referido prazo em caso de reclamação, dispondo: “Uma reclamação escrita suspende a prescrição até ao dia em que o transportador rejeitar a reclamação por escrito e restituir os documentos que a esta se juntaram. No caso de aceitação parcial da reclamação a prescrição só retoma o seu curso para a parte da reclamação que continua litigiosa. A prova da recepção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete a parte que invoca esse facto. As reclamações posteriores com a mesma finalidade não suspendem a prescrição”.
Deste modo, e como se decidiu no Ac. RP de 2/12/2013, decorre do “artº 32º, § 1º, da CMR, que as acções que podem ser originadas pelos transportes sujeitos à convenção prescrevem no prazo de um ano (a não ser em caso de dolo, em que o prazo é alargado para três anos)” e “O § 2º, do normativo indicado, veio estabelecer a suspensão do prazo em caso de reclamação por escrito, bem como que a prova da recepção da reclamação ou da resposta e restituição dos documentos compete a parte que invoca esse facto”[49].
Entendeu, e bem, o Tribunal a quo não resultarem provados factos suscetível de subsumir o comportamento do motorista da 1ª ré a uma conduta dolosa, nem mesmo negligente, pois sequer resultou provado que ao estacionar naquele local e àquela hora, o motorista da 1ª ré tenha previsto o resultado ilícito bem como se não provou que o mesmo tenha violado quaisquer regras de transporte de mercadorias por estrada e regras da experiência comum dos transportadores ou deveres de cuidado, sendo que estava, até, acompanhado pelo legal representante da Autora. Não resultou, assim, ter sido cometida qualquer ilicitude, verificar-se dolo, sequer negligência.
Assim sendo, o prazo de prescrição aplicável ao concreto contrato, com regras específicas, dado que a situação de incumprimento se relaciona com o transporte da mercadoria, é de um ano e não o geral (de 20 anos), sequer outro mais alargado do que aquele, por não resultar atuação dolosa (sequer negligente) da 1ª Ré, sendo tal prazo (de 1 ano) contado do dia da entrega da mercadoria, no caso, de perda parcial (qualificação que a própria Autora atribui - cfr. arts. 31º e 35º da petição inicial).
Assim, tomou a Autora conhecimento do direito de petição de indemnização que lhe assistia pela mercadoria perdida na data em que a mercadoria restante foi entregue. E resultando provado ter-se a entrega verificado no dia 18.04.2018, tinha a autora de propor a ação até 19.04.2019, sendo que somente o fez no dia 27.06.2019, pelo que quando a ação chegou ao conhecimento das rés, para além do referido prazo de 1 ano, prescrito estava o direito da autora.
Com efeito, e apesar de se suspender o prazo de prescrição no momento em que for apresentada uma reclamação escrita ao transportador, verifica-se, contudo, que, no caso dos autos não se provou ter existido reclamação escrita da Recorrente à Recorrida, nos termos previstos no nº2, do art. 32º, da Convenção (CMR), não se configurando situação de suspensão da prescrição.
Na verdade, não resultou provado que a autora tenha efetuado qualquer reclamação escrita, bem entendendo o Tribunal a quo que o próprio email enviado à 1ª ré, para além de o ter sido em maio de 2019 (depois de já verificada a prescrição do direito), não contempla reclamação escrita dado sequer descrita ter sido “a mercadoria parcialmente perdida e o seu valor”. E exigindo o referido preceito reclamação escrita, necessária é, naturalmente, a menção do “perdido”, factos essenciais esses sem o que nenhuma reclamação se pode considerar apresentada por falta de objeto.
Nenhuma reclamação escrita com menção de artigos, quantidades, qualidades e valores dos objetos furtados resultando ter chegado à esfera jurídica da Recorrida até 19/4/2019, nada sendo detalhado, especificado, concretizado, sequer reclamação escrita efetuada dentro do prazo à transportadora resultando ter existido, nenhum prazo se suspendeu e nada se interrompeu, também, pois que nenhum direito da Autora foi por aquela conhecido ou reconhecido.
Destarte, reportando-se os dois primeiros pedidos ao transporte propriamente dito, concretamente relacionados com perdas de mercadoria transportada (parte), o caso não pode deixar de se subsumir ao mencionado artigo 32º da Convenção CMR. E sendo de 1 ano o prazo de prescrição, a contar a partir de 18.04.2018 e, por isso, a terminar a 19.04.2019, tendo a ação entrado em juízo a 27.06.2019, não provada causa de suspensão/interrupção da prescrição, verificada estava já a prescrição do direito, e, no exercício de faculdade sua, a Ré, validamente (cfr. art. 304º, do Código Civil), se opôs ao exercício do direito em causa.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
Assim, prejudicada fica a apreciação da ampliação do objeto do recurso, subsidiariamente deduzida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, absolvendo a Ré do pedido indemnizatório fundado em responsabilidade pré-contratual, por falta de prova, confirmam, no mais, a decisão recorrida, absolvendo a Ré dos demais pedidos.
*
Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 23 de maio de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Maria José Simões
______________
[1] Ac. RL de 29/10/2015, Proc. n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in base de dados da DGSI.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, abril /2014 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13, in dgsi.pt
[3] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
[4] Ac. RE de 3/11/2016, Proc. 1774/13.4TBLLE.E1.dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017, pág. 922
[5] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[6] Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735
[8] Ibidem, pág 736
[9] Ibidem, pág 736
[10] Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 906, e Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in dgsi.pt
[11] Ac. STJ de 2/6/2016, Processo 781/11 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, Almedina, pág. 737
[12] Ac. STJ de 5/4/2016, Processo 128/13, Sumários Abril/2016, pág 8, Abílio Neto, in Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., Março/2017; pág. 921
[13] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in dgsi.pt
[14] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 737
[15] Ibidem, págs. 55 e 143.
[16] Ac. do STJ, de 30/9/2014, proc. 2868/03: Sumários, setembro 2014, pág 39
[17] Ac. da RL de 17/3/2016, proc. 218/10: dgsi.net
[18] Ac. do STJ, de 20/10/2015, proc. 372/10: Sumários, 2015, p.555
[19] Acs. STJ. de 01/03/2007, proc. 07A091; 14/11/2006, proc. 06A1986; 20/06/2006 e proc. 06A1443, in dgsi.pt
[20] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 712-713
[21] Ibidem, pág 714
[22] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155 e seg.
[23] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[24] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
[25] Ibidem, pág. 153.
[26] Ibidem, pags 155 e seg e 159
[27] Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
[28] Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
[29] Acs. do STJ 12/5/2016: Proc. 324/10.9TTALM.L1.S1 e de 31/5/2016: Proc. 1184/10.5TTMTS.P1:S1, (Relatora: Ana Luísa Geraldes), ambos acessíveis in dgsi.net, onde, em ambos, se considerou: “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”, “ Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” e “O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado”.
[30] Acs. do STJ de 27/10/2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (Relator: Ribeiro Cardoso) e proc. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 (Relator: José Rainho), este onde se decidiu “Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões”, “ A rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório no quadro dos art.s 655º e 3º do CPCivil” e “A interpretação dos art.s 639º e 640º do CPCivil no sentido de a rejeição da impugnação da matéria de facto não dever ser precedida de um despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não viola o art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, ambos acessíveis in dgsi.net
[31] Acs. do STJ de 8/2/2018, proc. 8440/14.1T8PRT.P1.S1 (Relatora: Maria da Graça Trigo), onde se entendeu “De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal” e “Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, identificando e transcrevendo o depoimento testemunhal que, no seu entender, impõe decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações, ainda que de forma menos clara, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação referida em III, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC.” e de 6/6/2018, proc. 1474/16.3T8CLD.C1.S1 (Relator: Ferreira Pinto), onde se decidiu: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” e “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC”, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[32] Acs. RG de 31/10/2018, proc. 5151/16.7T8GMR-B.G1 e de 23/5/2019, proc.234/15.3T8AVV.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias), que seguimos.
[33] Ac da RG de 21/9/2017, proc. 8834/12.7TBBRG-A.G1, de 18/12/2017, proc. 4601/13.9TBBRG.G1, de 1/2/2018, proc. 1045/16.4T8BRG.G1 e Acs da RP de 13/1/2020, Proc. 2494/18.9T8VLG.P1 e de 18/11/2019, proc. 1592/13.0TBMTS-A.P1, este in dgsi, onde se decidiu “1-O apelante deve, nos termos do art. 639º, do CPC, apresentar a sua alegação concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, por forma a que as conclusões sejam um resumo preciso do que alegou e pretende seja apreciado, delimitando elas o objeto do recurso. 2- Ao impugnar a decisão de facto, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, definir o objeto fáctico da impugnação, não podendo deixar de indicar quais os concretos factos que deixa impugnados. As referidas faltas de indicação especificada por parte do apelante, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso”.
[34] Ac. RG de 24/4/2019, proc. 3966/17.8T8GMR.G1 (Relator: António Penha).
[35] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág.770
[36] Ac. RG de 14/3/2019, proc. 491/17.0T8BGC.G1 (Relatora: Maria Purificação Carvalho), in dgsi.pt
[37] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[38] Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2
[39] Acs da RP de 27/1/2020, proc. 192/17.0T8BAO.P1 e de 11/5/2020, proc. 4435/17.1T8VNG.P1 (Relatora M. Fátima Andrade, que a ora relatora subscreveu como adjunta), este onde se escreve “Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas.
Fazendo uma resenha alargada desta temática vide:
- Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg;
- Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, de 29/10/2015 Relator Lopes do Rego, de 06/12/2016 Relator Garcia Calejo (todos in www.dgsi.pt/jstj );
- Ac. STJ de 27/09/2018 Relator José Sousa Lameira, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”;
- e mais recentemente, Ac. STJ de 21/03/2019, Relatora Rosa Tching, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado)
“I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”,
se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal
“III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.””.
[40] Acs da RP de 18/11/2019, proc. 796/14.2T8VNG.P2 (Relator: Pedro Damião e Cunha, que subscrevemos como adjunta), onde se refere “Em cumprimento da obrigação de proceder à análise crítica da prova produzida, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
IV- Tal como se impõe que o tribunal faça esta análise critica das provas, também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da Impugnação da matéria de facto” e de 18/11/2019, processo151/14.4TBBAO.P1 onde se decidiu “Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelos Recorrentes quando não se deixa expressa a decisão que, no entender dos mesmos, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
[41] Acs. RG de 9/4/2019, proc. n.º 673/17.5T8PTL.G1 e de 13/6/2019, proc. n.º 12903/17.9YIPRT.G1 (Relator: Paulo Reis), acessíveis in dgsi.pt, onde se refere “tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) , «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado»”.
[42] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[43] Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.7TVLSB.L1-6 (Relator: Vitor Amaral), acessível in dgsi.Net
[44] “Admite-se assim e tão só, por ser uma mera concretização dos factos vertidos na PI, o alegado preço de seguro referente à mercadoria, no montante de 788,81€”.
[45] Sendo que “a prescrição não é, em rigor, uma causa de extinção das obrigações, atribuindo apenas ao devedor que a invoque “a faculdade de se recusar a cumprir ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” (neste sentido, p.ex., Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, 1988:67; Heinrich Ewald Hörster, 1992:214, e Pedro Pais de Vasconcelos, 2012: 328, para quem “a prescrição não extingue o direito nem a vinculação”; contra Brandão Proença, 2011:51, e Luís Carvalho Fernandes, 2010: 694, que define prescrição como “a extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido o seu cumprimento, como dever de justiça”). Com efeito, “o pagamento espontâneo da dívida prescrita é que gera o efeito extintivo que a prescrição não produziu” o que demonstra como mesmo depois da prescrição subsiste um débito e um devedor (Vitucci, 1980:30)” Júlio Gomes, anotação ao artigo 304º, com a epígrafe, “Efeitos da prescrição”, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 748 e seg.
[46] Rita Canas da Silva, Nota sobre a subsecção em geral em Anotação à “Subsecção I,- Disposições gerais” da “Secção II - Prescrição, in Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord), volume 1, Almedina, pág 374
[47] Ibidem, pág. 381
[48] Ac. RL de 13/9/2007, proc. 1318/07-2 (Relatora: ROSA TCHING), acessível in dgsi.pt
[49] Ac. RP de 2/12/2013, proc. 9522/11.7TBVNG.P1 (Relator: CAIMOTO JÁCOME), acessível in dgsi.pt