MANDATO
FACTO ILÍCITO E CULPOSO
RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE INDEMNIZAR
Sumário

I - A contradição lógica susceptível de inquinar a decisão à luz do art. 615º, nº 1, c) do CPC é a que se verifica entre a fundamentação de direito e a decisão final, não a contradição entre os factos julgados provados e o direito tido por aplicável
II - A existência de facto ilícito (incumprimento do mandato) culposo não é suficiente para se afirmar a existência de responsabilidade civil e o consequente dever de indemnizar do advogado, sendo ainda necessário que de tal actuação ilícita e culposa resulte, com nexo de causalidade adequada, um dano para o mandante.
III - A responsabilidade civil do mandatário forense pressupõe a verificação de um dano em resultado da perda de oportunidades radicadas no inadimplemento dos seus deveres profissionais.
IV - Resultando da análise da decisão proferida na causa frustrada que ainda que não tivesse ocorrido o culposo cumprimento defeituoso do mandato por parte do réu sempre a pretensão do autor seria improcedente, faltará um dos pressupostos para afirmar o dever de indemnizar – a existência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano (a perda patrimonial consubstanciada na perda da acção).

Texto Integral

Apelação nº 145/20.0T8CPV.P1

Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Apelante: AA (autor).
Apelados: BB (réu) e X..., Sucursal em Espanha (interveniente acessória provocada).
Juízo de competência genérica de Castelo de Paiva – T. J. Comarca de Aveiro.

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Intentou o autor a presente acção comum pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 10.164,00€ a título de danos patrimoniais sofridos em consequência de cumprimento defeituoso do mandato que lhe conferira para o patrocinar em acção no âmbito da justiça laboral.
Alega, em resumo, ter mandatado o réu, advogado, para instaurar acção laboral destinada à cobrança da indemnização que lhe era devida pela sua anterior entidade patronal em razão de resolução do contrato por justa causa por si promovida, acção que viria a ser julgada improcedente em razão do réu não ter junto a carta em que se procedera a tal resolução (a sentença que assim decidiu foi confirmada no recurso dela interposto) – tal documento não foi junto com a petição inicial ou com o articulado que, a convite do tribunal, o réu apresentou para a aperfeiçoar, tendo a junção de tal documento sido requerida após o encerramento da discussão da causa, junção que foi recusada por despacho que não foi objecto de recurso. Sustenta assim o autor o defeituoso cumprimento do contrato pelo réu, que se constituiu na obrigação de indemnizar o dano causado, correspondente ao valor indemnizatório que tinha direito de exigir à sua anterior entidade patronal por não pagamento da retribuição, culposo, por período que se prolongou por mais de sessenta dias, nos termos do art. 394º, nº 5 do Código do Trabalho (indemnização calculada em função dos onze anos e nove meses de duração do contrato de trabalho).
Contestou o réu, impugnando parcialmente os factos e sustentando que por efectuada para lá do prazo legal, estava extinto, por caducidade, o direito do autor à resolução do contrato de trabalho, o que sempre importaria a improcedência daquela acção e que significa, também, a improcedência desta. Conclui, assim, pela improcedência da acção.
Admitido incidente de intervenção acessória provocada suscitado pelo réu, apresentou-se também a contestar a chamada a X..., Sucursal (também argumentando que aquela causa estaria votada ao insucesso pois que, ainda que o autor lograsse provar toda a matéria que ali alegava, sempre se teria de considerar que quando remeteu a carta de resolução à sua entidade patronal já o direito à resolução do contrato havia caducado).
Findos os articulados, por entender que o estado do processo o permitia, sem necessidade da produção doutras provas, proferiu o tribunal decisão que conheceu do mérito da causa, julgando totalmente improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido.
Inconformado, apela o autor, pretendendo a revogação da decisão e substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente, terminando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
I- A questão dirimenda submetida para apreciação do tribunal a quo, consiste em apurar se o recorrido Dr. BB, ao não fazer junção da prova documental que detinha, mesmo notificado para aperfeiçoar a sua P.I, para sustentar o pedido e causa de pedir, nos autos de processo laboral, se agiu de acordo e/ou cumpriu com as regras de natureza ética, exercendo a sua profissão de acordo com a leges artis ou, se ao invés, cumpriu defeituosamente o contrato de mandato forense e, por conseguinte, se encontra na obrigação de indemnizar o recorrente.
II- O Meritíssimo Juiz a quo, explanou que a convicção do Tribunal assentou na prova documental (certidão das peças processuais, requerimento, despacho, sentença e acórdão), extraída dos autos do processo laboral n.º 2283/17.8T8VFR- Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira- J1.
III- Com o presente recurso visa o recorrente ver apreciada/declarada a nulidade da sentença, por Excesso de Pronúncia, na parte em que o tribunal a quo, conhece da caducidade do direito de crédito, quando teria que ser arguida pela parte a que aproveita, e dá como provados factos extraídos do documento de resolução do contrato de trabalho, desentranhado dos autos laborais, para concluir pela não verificação do pressuposto - dano pela perda de chance - de que faz depender o Instituto da Responsabilidade Civil.
IV- Bem como, visa, ver apreciada/declarada a nulidade da sentença, na parte em que o tribunal a quo, dá como provados factos relevantes – o despacho de desentranhamento e o requerimento que o motivou – e na sua decisão não os tem conta, conduzindo fatalmente, à nulidade da sentença, por ERRO DE RACIOCÍNIO LÓGICO consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto de direito e de que o juiz a quo se serviu a proferi-la.
V- Ora, o tribunal a quo, ao enveredar por este caminho, desvirtuou, o alcance probatório do despacho de desentranhamento, o que levou a beneficiar a conduta do agente incumpridor dos seus deveres de leges artis e, por conseguinte, a decidir de forma completamente contrária, à que levaria, caso não tivesse tido em conta o documento de resolução do contrato de trabalho, desentranhado.
VI- No mais, sempre se dirá que, a relação laboral entre o recorrente e a sua entidade patronal, à data da propositura da ação emergente de contrato de trabalho, encontrava-se cessada, pelo que, nada justificava que o trabalhador/recorrente não dispusesse livremente dos seus créditos laborais, quer salariais quer outros, emergentes da sua violação ou cessação, de acordo com o estatuído no art.º 1249º, a contrário, do Código Civil,
VII- Pelo que, mesmo que o tribunal a quo, por hipótese, o que não se concede, pudesse ter tido em conta o documento de resolução, sempre a caducidade do direito, teria que de ser invocada por aquele a quem aproveitava, de acordo com o estatuído nos conjugados artigos 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
VIII- Neste conspecto, o tribunal a quo, ao conhecer de factos extraídos de documento que nuca fez parte dos autos, apenas aparecendo na sequência do despacho que ordenou o seu desentranhamento, e, ao decidir como decidiu, pela improcedência da ação, violou as normas contidas nos artigos 303.º, 333.º, n.º 2 e 1249º, à contrário, todos do Código Civil e º 615º, n.º 1, al. c) primeira parte e al. d), segunda parte do CPC.
Contra-alegou o réu em defesa da decisão apelada e pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 5º, nº 3, 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, podem enunciar-se as questões decidendas como segue:
- apreciar da nulidade da sentença - por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão (conclusão IVª) e por excesso de pronúncia (conclusão IIIª);
- apreciar dos pressupostos da responsabilidade fundada na falta de cumprimento dos deveres de mandatário forense, mormente da probabilidade séria e real da ‘chance’ comprometida por cumprimento defeituoso do mandato.
Na apreciação dos pressupostos da obrigação de indemnizar pela perda da ‘chance’ processual cumprirá apreciar se a improcedência da acção intentada pelo aqui autor e patrocinada pelo aqui réu sempre ocorreria mesmo que não tivesse ocorrido cumprimento defeituoso do mandato, isto é, se a sorte da acção seria idêntica (improcedência) mesmo que tal incumprimento se não verificasse (por não ter sido lograda a prova de matéria apta a demonstrar a existência de justa causa para a resolução do contrato – circunstância sem qualquer ligação, em termos de nexo de causalidade adequada, com o acto ilícito imputado ao réu) – questão não expressamente aflorada na decisão recorrida nem abordada nas alegações do recurso, mas que as partes foram chamadas a debater, já nesta instância, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto
Na sentença recorrida consideraram-se como provados e com relevo para a decisão os seguintes factos:
1. O autor mandatou o réu, que exerce a profissão de advogado, para intentar acção destinada à cobrança da indemnização devida por resolução de contrato de trabalho por si efectuada, a quem, para o efeito do exercício das respectivas funções, passou procuração, em que lhe conferiu ‘os mais amplos poderes forenses permitidos por lei’.
2. O réu, na execução do acordado com o autor, deu entrada em 03/07/2017 de acção emergente de contrato individual de trabalho no Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 1, que originou o processo n.º 2283/17.8T8VFR, tendo aí corrido os seus termos.
3. Nessa acção, o réu peticionou a condenação de CC no pagamento da quantia de 10.164,00€ relativa à indemnização a que se refere o art. 396.º do Código do Trabalho, quantia a que deviam acrescer os juros legais desde a citação até integral pagamento, calculada do seguinte modo: 11 anos (desde 10-01-2005 a 10-01-2016), sobre o valor de €865,00, de que resulta o valor de €9 515,00; 9 meses de 2016 (de 11-01-2016 a 12-10-2016), sobre o valor de €865,00/12 mesesX9= €649,00.
4. O réu não juntou na petição inicial a carta enviada pelo autor à entidade patronal a resolver o contrato de trabalho.
5. Naqueles autos houve lugar a despacho para aperfeiçoamento da petição inicial, tendo o réu juntado petição inicial aperfeiçoada, onde alegou[1]:
a).
Quanto à referência feita em 9), de PI., no sentido de que a entidade empregadora deixou de pagar, pontualmente e na sua totalidade, o vencimento, a partir do início de 2016, vem, o Autor concretizar que a Ré, logo a partir de Janeiro de 2016, e nos meses seguintes, ia pagando em parcelas, ficando o valor restante a acumular para os meses seguintes que, foram, posteriormente pagos.
b).
Em 11, da respectiva PI., a referência «Com meses de vencimentos pendentes...» quer o Autor concretizar que, quando pôs termo ao contrato, em carta enviada à Ré, aos 10 de Outubro de 2016, se encontravam vencidos e não pagos os meses de Julho, Agosto e Setembro de 2016, no valor global de € 2.595,00(valor mensal de €865,00X3=€2 595,00) que, oportunamente, foram pagos.
c).
O Autor deitou mão do disposto no n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, invocando a resolução com justa causa, pela falta culposa do pagamento pontual da respectiva retribuição, nomeadamente quanto aos meses de Julho, Agosto e Setembro de 2016.
d).
A cessação do contrato de trabalho ocorreu aos 12 de Outubro de 2016, tendo, para tal, o Autor feito chegar, à Ré, carta registada com AR, pondo fim ao contrato, por resolução com justa causa, nos termos do já referido artigo 394.º do Código do Trabalho.
e).
O valor de €10 164,00 é devido a título de indemnização, pela resolução do contrato de trabalho, com justa causa, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art.º 396.º do Código do Trabalho, respeitante a 11 anos e nove meses, contados desde 10 de Janeiro de 2005 a 12 de Outubro de 2016. (cálculo feito em 18 da PI).
6. Também se realizou audiência prévia.
7. No entanto, em nenhum desses momentos o réu juntou a sobredita carta.
8. Face a tal facto, a mandatária da parte contrária, nas suas alegações finais, chamou a atenção que o autor não tinha junto aos autos qualquer documento probatório para sustentar os factos por si alegados, pelo que deveria improceder totalmente a acção.
9. Já depois de encerrada a audiência de discussão e julgamento, o réu requereu a junção aos autos do documento comprovativo de resolução do contrato de trabalho com justa causa.
10. Tendo o tribunal decidido pela inadmissibilidade da junção do documento, atenta a sua extemporaneidade e, por conseguinte, ordenado o seu desentranhamento:
Requerimento apresentado pelo A. a Fls. 42 e ss: Conforme resulta da acta que antecede, no passado dia 14/02/2018, teve lugar a Audiência de Julgamento deste processo, a qual terminou com as alegações das partes, dando-se por encerrada a audiência de julgamento, com a consequente determinação de que os autos fossem feitos conclusos para prolação de sentença.
Nos termos do disposto no Art. 63º do C.P.T., os meios de prova devem ser juntos com os respectivos articulados, sendo que após tal período, os meios de prova e quaisquer documentos têm, no limite, que ser sempre juntos até ao encerramento da audiência de julgamento.
O A. veio apresentar documentos no dia 15/02/2018, ou seja, após o encerramento da Audiência de Julgamento, o que resulta legalmente inadmissível, por manifestamente extemporâneo.
Assim, determino o desentranhamento do requerimento de Fls. 42 e ss e documentos que o acompanham, devendo ficar cópia apensa por linha’.
11. Sobre tal decisão o réu não interpôs recurso.
12. De seguida, foi proferida sentença, julgando totalmente improcedente aquela acção, dela constando o seguinte:
II – Fundamentação de facto:
Resultaram os seguintes FACTOS PROVADOS:
- O autor começou a trabalhar para o Réu em 10 de Janeiro de 2005.
- Com a categoria profissional de encarregado geral, cumprindo todas as directivas emanadas do Réu, recebendo ordens, quer quanto ao trabalho a realizar, quer quanto aos locais de prestação de serviço e ainda quanto ao zelo, na manutenção e guarda dos instrumentos de trabalho, quando fornecidos pelo mesmo.
- Auferindo, como retribuição mensal, o valor ilíquido de €865,00 (oitocentos e sessenta e cinco euros).
- Acrescida de um subsídio de refeição, no valor de €3.75 (três euros e setenta e cinco centimos), por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
- O autor iniciava as suas tarefas diárias, repartidas por oito (8) horas, de Segunda a Sexta-feira, perfazendo um horário semanal de 40 horas.
- No período compreendido entre o dia 10-01-2005 e 12-10-2016, ambos inclusivé.
- A partir do início do ano de 2016, a entidade empregadora (Réu) deixou de pagar, pontualmente e na sua totalidade, o vencimento, causando ao A. transtornos.
- Com reflexos na vida familiar, constituído pelo A., esposa e uma filha menor.
- O Réu pagou os meses de Julho, Agosto e Setembro de 2016, 12 dias do mês de Outubro de 2016, 6 dias de férias por gozar, proporcional dos subsídios de férias e de Natal.
- O contrato de trabalho entre A. e R. cessou em 12/10/2016.
(…)
Assim, para apreciação deste Tribunal apenas resta a questão de saber se o A. tem direito ao pagamento que reclama a título de indemnização por falta de pagamento pontual dos vencimentos, tendo para o efeito, segundo o A. alega, recorrido ao mecanismo previsto no Art. 394º do C.T.
Uma das obrigações do empregador é pagar pontualmente a retribuição ao trabalhador – cfr. art. 127º, nº 1, al. b) do C.T.
Resultou apurado que a Autor não terá recebido os salários, pelo menos a partir de Janeiro de 2016 atempadamente, tendo o seu pagamento sido efectuado na totalidade, ainda que com atrasos.
O Tribunal não logrou apurar a cadência de tais atrasos no pagamento, nem conseguiu provar quando é que os pagamentos foram efectivamente efectuados, ainda que com atraso em ralação ao momento previsto para o seu pagamento. Mas o tribunal não conseguiu obter tal prova porque o A. não alegou factos (muito menos provou) tendentes a enquadrar tal situação (mesmo com o oportuno convite ao aperfeiçoamento que foi feito ao A.).
O A., como acima vem referido, enquadra a situação dos autos na Falta Culposa de pagamento pontual da retribuição, concluindo assim que estamos perante uma situação de cessação de contrato de trabalho por Justa causa.
Ora, para que o A. possa lançar mão deste instituto (resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador – cfr. Art. 394º do C.T.), pois o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho, é necessário que estejam reunidos vários requisitos.
Começa por ser legalmente exigido (cfr. Art. 395º do C.T.), por quem quer lançar mão do mecanismo previsto no Art. 394º do C.T. que o faça por escrito. A lei, como procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador, exige que o trabalhador proceda á resolução do contrato de trabalho por escrito, mediante declaração de resolução que deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 60 dias subsequentes ao conhecimento desses factos ou da declaração do empregador– cfr. arts. 394º/1 e 5, e art. 395º/2, todos do Código do Trabalho.
Compulsados os autos verifica-se que o A. não juntou aos autos qualquer comprovativo de que resolveu o contrato de trabalho com recurso e em cumprimento do disposto no Art. 395º do C.T., não existe no processo qualquer prova de que o A. resolveu o contrato com invocação de justa causa e de que enviou tal resolução ao R., nos moldes exigidos pelo Art. 395º do C.T., por escrito, com indicação dos factos justificadores e no prazo do nº 2 do art. 395º do C.T., razão pela qual este tribunal não possui elementos para dar aferir se o A. deu cumprimento aos prazos estipulados por lei previstos no referido art. 395º ( cfr. ainda Art. 394º, nº 2 al. a) e 5 do C.T.).
Conforme resulta dos factos provados, o A. não provou que comunicou ao R., por escrito, a resolução do seu contrato de trabalho por falta de pagamento atempado, em 12/10/16, com efeitos àquela data.
Apenas se provou que havia atrasos no pagamento por parte do R., não se conseguindo apurar a duração dos atrasos, nem a que meses tais atrasos em concreto se referiam.
Por outro lado, resulta provado que o contrato de trabalho entre A. e R. cessou em 12/10/16 e que o R. pagou ao A. todos os salários, férias e proporcionais trabalhados.
O A., em 11º da petição alega que lançou mão do disposto no Art. 394º do CT., mas não carreou para os autos qualquer prova do ali alegado, inviabilizando a possibilidade do tribunal apreciar o cumprimento dos requisitos e do prazo do art. 395º do C.T., não podendo de igual modo o tribunal aferir da existência de justa causa para o A. colocar termo ao contrato de trabalho.
Assim, resulta incontornável que o A., não tendo feito prova de que lançou mão da justa causa de resolução do contrato por sua iniciativa e com motivos e em prazo para o fazer, não tendo demonstrado que deu cumprimento ao disposto nos arts. 394º e 395º do C.T., não tem direito a qualquer indemnização por resolução do contrato de trabalho por sua iniciativa, com justa causa, porquanto não a comprova.
O tribunal, por falta de prova por parte do A., não pode concluir que o A. deitou mão do mecanismo previsto no Art. 394º, nºs 1 e 2 , als a), b) e e), muito menos se o fez alicerçado e em cumprimento das exigências legais’.
13. Desta sentença o réu interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que veio a ser julgado improcedente nos seguintes termos:
Ou seja, na petição inicial nada tinha sido alegado pelo Autor sobre a forma como ocorrera a cessação do contrato de trabalho.
Foi só no articulado em que veio aperfeiçoar a petição inicial é que o Autor alegou que «A cessação do contrato ocorreu aos 12 de Outubro de 2016, tendo, para tal, o Autor feito chegar, à Ré, carta registada com AR, pondo fim ao contrato, por resolução com justa causa, nos termos do (..) artigo 394.º do Código do Trabalho».
Dúvidas se não nos suscitam de que a referenciada carta era um documento essencial atento o disposto no artigo 395.º do Código do Trabalho, o qual sob a epigrafe «Procedimento por resolução de contrato pelo trabalhador», preceitua no seu n°1 que «O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.».
Ainda que tal documento deveria ter sido junto com o articulado no qual o Autor veio aperfeiçoar a petição inicial, o que não foi efectuado por este.
Com efeito, consignando o principio geral relativamente ao momento da apresentação de prova por documentos, sob a epigrafe «Momento da apresentação», dispõe o artigo 423ª do Código de Processo Civil: (…).
Tratando-se de um documento essencial, impunha-se também à Mm.° Juiz a quo, uma vez constatada a sua não junção com o articulado em que o Autor veio aperfeiçoar a petição inicial, alegando ter efectuado a comunicação da resolução, por carta com aviso de receção, a determinação da notificação do Autor para apresentar a mesma carta.
E isto sem prejuízo de estarem as partes oneradas com a prova dos factos necessários à procedência das suas pretensões, como dispõe o artigo 342.º, n° 2 do Código Civil.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, ao actuar como se impunha - determinando a referida notificação - a Mmª Juiz não teria estado a ajudar o Autor em desfavor do Réu, a desvirtuar a regra do ónus da prova, nem tão pouco a violar o principio da igualdade das partes e da equidistância do julgador.
A ter procedido dessa forma, como deveria, a Mm.ª Juiz teria assegurado a gestão do processo como previsto na transcrita norma do artigo 590º n°3 do Código de Processo Civil, da qual resulta que a verificação de junção de documentos essenciais pelas partes é um controlo que deve ser assegurado pelo juiz, independentemente de qualquer solicitação de alguma das partes a pedir a sua intervenção, a esse respeito.
Assim não sucedeu, ou seja, não foi cabalmente assegurada a gestão processual necessária, tendo sido proferido despacho saneador e posteriormente realizada e concluída a audiência de julgamento.
Todavia, não foram só estes os trâmites processuais a que aqui temos de atender.
Na verdade, uma vez finda a audiência de julgamento, o Autor veio requerer a junção aos autos da carta registada com aviso de receção que, segundo o por si alegado, fez chegar à Ré, pondo fim ao contrato por resolução com justa causa.
Aduziu para tal ser indispensável que o Tribunal considerasse tais documentos relevantes, para o mérito da causa.
Tal requerimento foi indeferido na decisão proferida no despacho que incidiu sobre admissibilidade de tal junção, com fundamentação na respectiva manifesta extemporaneidade. Sobre tal decisão proferida relativamente à admissibilidade de um meio de prova, o Autor não reagiu, como podia tê-lo feito - artigo 644º n°2 alínea d) do Código de Processo Civil -, tendo o despacho em que a mesma decisão foi proferida transitado em julgado, o que não pode ser ignorado.
Ou seja, independentemente do fundamento pelo qual não foi admitida a junção do documento, em causa - a carta registada com aviso de receção que, segundo o alegado pelo Autor, o mesmo fez chegar à Ré, pondo fim ao contrato por resolução com justa causa -, certo é que ao não recorrer, com os fundamentos tidos por pertinentes, da decisão que indeferiu tal junção, o Autor conformou-se com essa realidade processual, traduzida na não admissão da junção aos autos do mesmo documento.
Não pode pois o Autor agora "voltar atrás" e uma vez proferida a sentença, alegando violação do dever de diligência por parte do Tribunal a quo, ao não determinar, em momento anterior, a notificação do Autor para juntar aos autos a mesma carta, pretender que a mesma decisão final seja revogada.
A inadmissibilidade da junção aos autos do documento em causa não pode deixar de se considerar como definitivamente decidida, já que a decisão assim proferida, como se referiu, transitou em julgado - artigo 621.º do Código de Processo Civil.
Situação diversa ocorreria se a junção da carta nunca tivesse sido requerida, ou seja, se tal pretensão não tivesse sido formulada, antes de proferida a sentença e não tivesse existido sobre a mesma uma decisão transitada em julgado.
Como tal, o recurso tem necessariamente que improceder.’
14. O autor remeteu a CC, que a recebeu em 12/10/2016, carta com o seguinte teor:
Assunto: Resolução do contrato de trabalho (artigo 394.º, n.º 5, do CT, aprovado pela Lei n.e 7/09 de 12/02)
AA, residente no lugar ..., freguesia ... do concelho de Castelo de Paiva, com a categoria profissional de Encarregado Geral e a retribuição mensal de 865,00€, ao serviço de CC, desde 10 de Janeiro de 2005, considerando que a falta de pagamento pontual da retribuição correspondente ao mês de Junho de 2016, vencida em 30/06/2016, se prolonga por um período de 60 dias sobre a data de vencimento, vem comunicar a V. Exa o propósito de resolver o contrato de trabalho a partir da data de recepção desta carta.
Mais informa que se encontram vencidos e não pagos os vencimentos dos meses de Agosto e Setembro de 2016, assim como os subsídios de férias e natal
(…)
Castelo de Paiva, 10 de Outubro de 2016’.
15. O CC respondeu a tal carta com a missiva do seguinte teor:
Assunto: V/carta de 10 de Outubro de 2016 - resolução do contrato de trabalho
Exmo. Senhor:
Os meus melhores cumprimentos.
Acuso a recepção da S/carta, datada de 10.10.2016, cujo teor me mereceu a melhor atenção e relativamente à qual me cumpre dizer o seguinte:
O contrato de trabalho entre nós celebrado considera-se cessado em 12.10.2016, data da recepção da carta dirigida por V. Exa., por resolução por sua iniciativa, nos termos do disposto no artigo 394.º, n.° 3, al. c) do Código do Trabalho - falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
Não se aceita, assim, a invocação da pretendida resolução com fundamento no invocado número 5 do citado artigo, por inobservância dos prazos previstos nos números 1 e 2 do artigo 395..º do Código do Trabalho, na medida em que o não pagamento da retribuição do mês de Junho de 2016 ( como refere na sua carta ), vencida em 30/06/2016, prolongando-se por período superior a 60 dias sobre a data de vencimento, deveria ter sido invocada até ao fim do mês de Setembro, findo o qual caducou esse direito.
Pelo exposto, e não conferindo a resolução do contrato de trabalho efectuada direito à indemnização, sou a informar que procederei de imediato à transferência das importâncias relativas aos meses de Junho, Agosto, Setembro de 2016 e subsidio de férias, efectivamente em atraso, como é referido nos 2º e 3º parágrafos da carta de V. Exa. de 10.10.2016.
E. de seguida, irei proceder ao cálculo de todos os demais créditos laborais vencidos e proceder ao seu pagamento’.
16. O autor respondeu a esta carta com a seguinte missiva, recebida em 21/10/2016 por CC:
AA, casado, nif. 2/47..., residente no lugar do Barreiro, unido das freguesias de ... e ..., concelho de Castelo de Paiva. com a categoria profissional de encarregado geral e a retribuição mensal de € 865,00, ao serviço de V.ª Exª, desde o dia 10 de Janeiro de 2005, muito embora reiterando o teor da carta, datada de 10 de Outubro do corrente mês, com efeitos a partir da data da recepção que se verificou aos 12 de Outubro de 2016, no tocante à resolução com justa causa, por falta de pagamento pontual, de harmonia com o preceituado na alínea a) do n° 2 e n° 5, ambos do art.° 394.º do Código do Trabalho, vem, em aditamento à mesma, rectificar a falta de pagamento pontual do vencimento, relativo ao mês de Julho de 2016 e não o mês de Junho, como por mero lapso, foi indicado.
Acresce ainda que, para total ressarcimento da minha parte, terá V.° Ex.° de liquidar os valares correspondentes às cédulas, a seguir indicadas:
- meses de Julho, Agosto, Setembro e 12 dias do mês de Outubro do corrente ano;
- o direito ao pagamento de 6(seis) dias de férias por gozar;
- o subsídio de férias;
- proporcional ao subsídio de férias;
- proporcional ao subsídio de Natal,
- a indemnização a que se refere o n.° 1 do art.° 396.° do Código do Trabalho:
- contraprestação devida pelo serviço prestado, na última vindima(2016), referente a 30 (trinta) horas’.
17. O CC respondeu a tal carta com a missiva do seguinte teor:
Assunto: S/ carta datada de 17 de Outubro de 2016
Ex.mo Senhor Acuso a recepção da S/carta, que, embora convenientemente datada de 17-10-2016, apenas me foi remetida em 20-10-2016, sendo recebida a 21-10-2016, como se alcança da consulta do sítio dos CTT.
Cumpre-me, assim, e relativamente ao teor da aludida missiva, informar que não poderei aceitar as consequências jurídicas com a mesma pretendidas.
De facto a primeira carta que V.Exª me dirigiu, em 10-10-2016, produziu os seus efeitos na data da sua recepção, por mim verificada em 12-10-2016, como, aliás, é por V. Exª reconhecido.
É, pois, esta a data que terá de ser considerada como sendo a da cessação do vínculo laboral.
Pelo que antecede, não poderei aceitar que, com data posterior à da cessação do contrato, e em momento em que havia já recepcionado a comunicação que lhe dirigi, à mesma pretenda reagir, invocando outros factos que não os inicialmente expostos, assim pretendendo indevidamente desencadear outros resultados que não os reconhecidos.
Nessa conformidade, reitero a rejeição já apresentada quanto à indemnização legal solicitada, por à mesma não ter direito, terminando, no que ao demais respeita, com a informação de que procederei ao pagamento de 12 (doze)dias do mês de Outubro, 6 (seis) dias de férias por gozar, proporcional do subsídio de férias, proporcional do subsídio de Natal e contraprestação devida pelo serviço prestado na última vindima, referente a 30 (trinta) horas, posto que o demais já lhe foi liquidado’.
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Fundamentação de direito
A. Da nulidade da sentença
A.1. Da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão (conclusão IVª).
Sustenta o apelante a nulidade da sentença (oposição entre a fundamentação e a decisão) por ter julgado provado facto relevante (o despacho de desentranhamento proferido no processo intentando pelo aqui autor contra a sua anterior entidade patronal, patrocinado pelo réu) que não considerou (tomou em conta) na decisão, o que importa nulidade por ter sido proferida decisão contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto e de direito de que o tribunal se serviu para a proferir.
Não padece a decisão recorrida do vício que lhe é imputado pelo apelante.
A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre nas situações de construção viciosa da sentença, por os fundamentos aduzidos conduzirem necessariamente a decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente da proferida[2] – trata-se de patologia que se consubstancia numa ‘contradição lógica: se na fundamentação da sentença o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença’[3]; é vício que se verifica quando a fundamentação exposta é contrariada pelo resultado final, ocorrendo violação do ‘chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão’[4].
Vício distinto do erro de julgamento, que ocorre quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que impõe solução jurídica diferente[5] – encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante vício subsumível à alínea c) do no nº 1 do art. 615º do CPC nas situações de erro na subsunção dos factos à norma ou de erro na interpretação desta: ‘quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento’; já quando ‘o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.’[6]
A contradição lógica susceptível de inquinar a decisão à luz do art. 615º, nº 1, c) do CPC (o erro lógico traduzido numa conclusão inesperada e adversa ao raciocínio adoptado na argumentação jurídica expendida para estribar aquela – a explicação anunciada induz logicamente a desfecho oposto ou pelo menos diferente do reconhecido) é a que se verifica entre a fundamentação de direito e a decisão final, não a contradição entre os factos julgados provados e o direito tido por aplicável – invocar uma tal contradição mais não é do que manifestar a não conformidade do impugnante com o sentido da decisão[7].
Não se mostra a decisão afectada por qualquer vício respeitante à compatibilidade lógica entre a argumentação (a fundamentação) e a conclusão (a decisão) – a (eventual) errada subsunção dos factos apurados ao direito (uma valorização dos mesmos em desconformidade com o direito) constitui erro de julgamento: a circunstância dos factos julgados provados não terem sido valorizados ou merecerem apreciação diversa da considerada na fundamentação jurídica exposta na sentença, conducente a diversa conclusão injuntiva (a decisão diversa), constitui, a verificar-se, erro de julgamento (erro que não respeita à estrutura da sentença em si considerada, enquanto vício formal, antes constituindo error in judicando, a corrigir através da valorização dos factos provados à luz do direito aplicável).
A decisão proferida – improcedência da acção – apresenta-se como conclusão lógica de toda a argumentação jurídica expendida, pois ainda que tenha considerado demonstrado o acto ilícito e culposo do réu (teve por demonstrado o cumprimento defeituoso do mandato por parte do réu, presumido culposo), não considerou demonstrado que dele tenha advindo dano ao autor (considerou que a preensão do autor, deduzida na acção patrocinada pelo réu, sempre seria improcedente, mesmo que se não tivesse verificado o defeituoso incumprimento do mandato, por se mostrar já caduco o direito do autor à resolução do contrato na data em que o mesmo emitiu a declaração com tal propósito).
Não se verifica, assim, o invocado vício (art. 615º, nº 1, c) do CPC).
A.2. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia (conclusão IIIª).
O invocado vício verifica-se, de acordo com o apelante, por a decisão ter conhecido da caducidade do direito autor sem que a excepção tivesse invocado pela parte a quem aproveita, além de ter considerado provada matéria extraída de documentos que foram desentranhados da acção laboral (que o aqui réu patrocinou como mandatário do aqui autor).
Manifesta e patente a improcedente a arguição – no âmbito dos presentes autos impunha-se ao tribunal apreciar, porque o réu o invocou na sua contestação (alegando os factos que para tanto teve por pertinentes), se o direito do autor à resolução do contrato de trabalho se encontrava ou não extinto por caducidade quando o levou a efeito (o que sempre importaria a improcedência de tal acção laboral), não podendo por isso considerar-se que, nos presentes autos, tenha ocorrido excesso de pronúncia.
A questão, porém, não se coloca como vício formal da sentença, tal qual perspectivado pelo o apelante, antes na vertente do erro de julgamento, a corrigir através da valorização dos factos provados à luz do direito aplicável – como adrede se apreciará, está em causa apreciar se na acção laboral a questão da caducidade poderia ser conhecida e ponderada para levar à improcedência da acção e, assim, para se ponderar na presente acção que não foi do cumprimento defeituoso do mandato por pare do aqui réu que adveio ao autor a perda daquela acção.
Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença.
B. Dos pressupostos da responsabilidade fundada na falta de cumprimento dos deveres de mandatário forense – da probabilidade séria e real da ‘chance’ comprometida por cumprimento defeituoso do mandato.
Funda o autor a sua pretensão no cumprimento defeituoso do mandato que conferiu ao réu para que este o patrocinasse em acção laboral, sustentando ser aquele defeituoso cumprimento causa directa da perda da acção (do seu dano) – alega que do inadimplemento dos deveres de diligência do réu no exercício do patrocínio forense (a não junção tempestiva de documento - essencial à demonstração do direito naqueles autos laborais -, com a petição e/ou com articulado apresentado na sequência de convite para a corrigir, e bem ainda, a não impugnação, por pertinente recurso, de despacho que indeferiu a sua junção já depois do encerramento do julgamento) lhe resultou a impossibilidade de obter a procedência de acção e, desse modo, obter a condenação da sua anterior entidade patronal no pagamento da indemnização devida por resolução do contrato por justa causa por si (trabalhador) promovida.
A decisão apelada reconheceu e afirmou o cumprimento defeituoso do mandato (o facto ilícito) e bem assim a culpa do réu, denegando a pretensão indemnizatório do autor por considerar que do facto ilícito culposo do réu não resultou para o autor, com o necessário nexo de casualidade, o dano, consubstanciado na improcedência da acção – afirma a decisão apelada dever concluir-se que mesmo ‘que o réu tivesse junto a carta de resolução tempestivamente ou tivesse recorrido do despacho que indeferiu a sua junção e, revogado este, depois a tivesse junto, a acção laboral sempre improcederia por caducidade do direito do autor’, configurando-se, pois, o cumprimento defeituoso do réu como ‘insusceptível de ser causa adequada da produção do dano de improcedência da acção’; a acção laboral sempre improcederia, mesmo que o réu tivesse cumprido ‘plenamente as suas obrigações, por caducidade do direito do autor, pelo que a probabilidade de sucesso é de 0%, inexistindo dano resultante de perda de chance neste conspecto.’
Fundamento que o autor apelante censura, alegando que a decisão recorrida conheceu de excepção peremptória (caducidade do direito do trabalhador à resolução do contrato de trabalho) dependente de arguição do interessado (no caso, a entidade patronal do autor), defendendo que nunca aquela acção laboral (e a sua pretensão) poderia, com base em tal excepção, improceder.
Não se questiona na apelação da verificação do facto ilícito (cumprimento defeituoso do mandato) e da culpa do réu – a decisão apelada, que nesse segmento não mereceu impugnação, reconheceu aquele e afirmou esta.
A existência de facto ilícito (incumprimento do mandato) culposo não é suficiente para se afirmar a existência de responsabilidade e o consequente dever de indemnizar do advogado (o réu), sendo ainda necessário que de tal actuação ilícita e culposa resulte, com nexo de causalidade adequada, um dano para o cliente (o autor).
A questão trazida em apelação centra-se neste requisito da responsabilidade civil – a verificação do nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano ou, dito de forma que nos aproxima do caso concreto, se o autor, ora apelante, como consequência directa e adequada do facto ilícito (cumprimento defeituoso) sofreu dano consubstanciado na perda de acção laboral e, consequentemente, a perda de direito à indemnização ou compensação devida ao trabalhador no caso de resolução de contrato por justa causa, prevista no art. 396º do Código do Trabalho.
A responsabilidade civil do mandatário forense pressupõe a verificação de um dano em resultado da perda de oportunidades radicadas no inadimplemento dos seus deveres profissionais, o que implica apurar se as ‘chances’ perdidas se iriam ou não traduzir numa diversa situação patrimonial do lesado (mandante)[8] – as ‘chances’ ou oportunidades perdidas só serão relevantes na medida em que se prove que o lesado teria obtido benefícios (ou evitado prejuízos) não fora a sua verificação[9], pois que nos casos de indemnização por ‘perda de chance’ processual o que se pede é uma indemnização pelo ganho (ou por uma parte do ganho) que se teria provavelmente obtido com a decisão favorável[10].
A afirmação da responsabilidade pressupõe, pois, se apure, em apreciação incidental, da probabilidade de procedência da pretensão do autor ver naquela acção reconhecido o seu direito indemnizatório por resolução do contrato por justa causa fundada no atraso do pagamento do seu salário (o ‘julgamento dentro do julgamento’), da consistência e seriedade concreta de obtenção de resultado positivo (favorável ao aqui autor) em tal acção[11] – a indemnização por perda de ‘chance’ ou de oportunidade processual exige a verificação duma ‘chance’ real e séria, a determinar num «julgamento dentro do julgamento» realizado incidentalmente pelo tribunal da indemnização para apurar como teria sido decidida a acção pelo respectivo tribunal[12], devendo o ‘lesado que pede o ressarcimento de um dano provocado pela perda de «chances» processuais’ fornecer ‘elementos para a prova de qual teria sido o resultado do processo frustrado’, cumprindo ao tribunal perante o qual é deduzido o pedido de indemnização ‘fazer uma apreciação ou prognose póstuma sobre o resultado desse processo frustrado, numa espécie de «julgamento dentro do julgamento» (um «trial within the trial»)’, prognose que, em conformidade com o seu objectivo deve ser ‘realizada a partir da perspectiva do tribunal que teria julgado a acção’[13].
O dano por perda de chance ou de oportunidade processual exige, pois, a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, segundo juízo de probabilidade tido por suficiente, a aferir casuisticamente, em função dos indícios factualmente apurados[14].
Tem de precisar-se e realçar-se que na determinação do dano por responsabilidade civil do advogado se impõe, ‘num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa’ e, num ‘segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.’[15]
Perante ‘cada hipótese concreta há que apurar qual o grau de probabilidade de sucesso’ da pretensão, ‘à luz de um desenvolvimento normal e típico, cabendo o ónus de prova de tal probabilidade sobre o lesado. A garantia dos princípios da certeza do dano e das regras da causalidade ficará, pois, assegurada pelo grau de consistência a conferir à vantagem ou prejuízo em causa, tal como sucede no domínio dos lucros cessantes ou dos danos futuros previsíveis’ – e, assim, uma vantagem perdida por decorrência de um facto lesivo (cumprimento defeituoso do mandato), desde que consistente e séria, deve ser qualificada como um dano, ‘segundo um juízo de probabilidade suficiente, nisto se traduzindo a perda de chance’[16].
Importa, pois, fazer o juízo sobre a decisão que, se o aqui réu tivesse cumprido o mandato com diligência e zelo (ou seja, se tivesse providenciado pela atempada junção aos autos do escrito demonstrativo da resolução do contrato de trabalho operada pelo autor nos termos dos arts. 394º e 395º do Código do Trabalho), o tribunal da acção intentada pelo autor teria tomado em atenção ao ‘estado da jurisprudência’ (essa ‘teria evidentemente sido a decisão jurisprudencial do processo a definir os direitos e obrigações das partes, e é dela que teria resultado, ou não, o sucesso ou o decaimento do lesado’)[17].
Numa primeira aproximação, afrontando o argumento do apelante, tem de reconhecer-se que não se mostra adquirida nos autos matéria que permita concluir que o tribunal da acção laboral pudesse ponderar da caducidade do direito do autor à resolução do contrato de trabalho – não resulta que a entidade patronal tivesse, nessa acção, invocado a caducidade, sendo que a caducidade estabelecia no art. 395º do Código do Trabalho, para ser conhecida pelo tribunal, necessita de ser invocada por aquela (arts. 303º e 333º, nº 2 do CC) e, por isso, se não pode considerar que tal excepção integrasse o poder cognitivo do tribunal (fizesse parte das questões que ao tribunal cabia apreciar para decidir do pedido indemnizatório do autor).
Tal constatação – a de que o prazo estabelecido no art. 395º do Código do Trabalho é um prazo de caducidade (art. 298º, nº 2 do CC) e que tal caducidade é estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes e, assim, que a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não pode ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita – corresponde à solução que, em consonância com o ‘estado da jurisprudência’ ao tempo da prolação da decisão, se impunha ao tribunal da acção laboral – a jurisprudência dos tribunais superiores assim vinha decidindo[18] – e que, com elevado índice de probabilidade (probabilidade real, séria e consistente) seria adoptada (evitando assim proferir decisão nula, por excesso e pronúncia).
Não se demonstrando (rectius – não podendo tal concluir-se da matéria provada nestes autos) que a entidade patronal (interessado a quem a mesma aproveita) haja invocado na referida acção laboral a caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho, não pode considerar-se que a sorte daquela demanda sempre seria determinada por tal caducidade, a implicar a improcedência da pretensão indemnizatória – apesar de não juntar o documento que o comprovasse, alegou o autor em tal acção laboral o facto concreto que demandaria do ali réu, em obediência aos princípios da concentração da defesa e da preclusão, a invocação da excepção em vista do seu conhecimento e apreciação (no articulado apresentado corrigindo a petição é expressamente alegada a data em que foi enviada a carta de resolução e bem assim os factos em que funda tal direito, designadamente os meses em que se verificara o atraso no pagamento do vencimento).
A procedência de tal argumentação do apelante (por não poder considerar-se que a pretensão deduzida na acção laboral sempre improcederia, por caducidade do direito, mesmo que aos autos tivesse sido junta, para ser considerada, a carta de resolução) não significa, todavia, a procedência da apelação – ou seja, não pode considerar-se que a acção laboral não teria sido julgada improcedente se o aqui réu, no diligente cumprimento do mandato, tivesse providenciado pela tempestiva junção do documento destinado a comprovar a efectivação da resolução e/ou tivesse impugnado, por recurso, o despacho que, depois do encerramento da causa, indeferiu a junção de tal documento, pois que a sentença considerou também que o autor não logrou aí demonstrar os factos que permitiriam concluir pela existência da justa causa de resolução do contrato.
A improcedência da acção laboral (pretensão indemnizatória com fundamento na resolução do contrato de trabalho por justa causa, à luz do art. 396º do CT) foi justificada pela decisão aí proferida com um duplo fundamento:
- não ter o autor logrado provar ter procedido à resolução do contrato de trabalho nos moldes e termos estabelecidos no art. 395º do CT,
- não ter o autor logrado provar a cadência e duração dos atrasos no pagamento das retribuições, assim impossibilitando o tribunal de ‘aferir da existência de justa causa para o autor colocar termo ao contrato de trabalho’, ou seja, por não ter provado que tinha motivo (justa causa) para a resolução do contrato.
Inquestionável que o primeiro fundamento para a improcedência da acção laboral tem a sua causa directa e necessária no acto ílicito e culposo do mandatário do autor, aqui réu.
O mesmo se não pode concluir quanto à segunda razão – não existe nexo de causalidade adequada entre o invocado acto ilícito do réu (e que, conformando a causa de pedir da presente acção, constitui limite objectivo ao poder cognitivo e decisório do tribunal) e a falta de prova dos factos necessários à demonstração da justa causa de resolução do contrato [nada permite concluir que foi o invocado cumprimento defeituoso do mandato a determinar a não prova destes – enquanto a prova da efectivação do resolução do contrato de trabalho nos moldes e termos estabelecidos no art. 395º do Código do Trabalho só poderia efectuar-se documentalmente (documento que não foi junto aos autos por não ter o réu actuado com o zelo e diligência devidas), já a prova dos factos necessários a demonstrar a veracidade dos factos invocados como justa causa da resolução (da invocada falta de pagamento tempestivo da retribuição) podia ser feita por qualquer meio].
Ponderou o tribunal da acção laboral que para a procedência da acção intentada pelo aqui autor contra a sua entidade patronal, para desta haver a indemnização por resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa, importava não apenas a demonstração (prova) da declaração de resolução, nos termos e moldes do art. 394º e 395º do Código do Trabalho, como também a demonstração de factualidade que sustentasse a invocada justa causa, tendo o tribunal concluído, a final, que o autor não lograra provar nem uma (realização da declaração de resolução) nem outra (a existência da justa causa).
Assim, concedendo que com toda a probabilidade o autor teria logrado provar, caso se não tivesse verificado o defeituoso cumprimento do mandato pelo réu, o envio de declaração de resolução do contrato à sua entidade patronal, já se não pode concluir que, mesmo feita tal prova, a decisão final fosse diversa – manter-se-ia, na ponderação feita pelo tribunal da causa na sentença então proferida, o outro fundamento para julgar a causa improcedente (a falta de prova de factos consubstanciadores da justa causa), donde resulta que a situação patrimonial do autor seria exactamente a mesma ainda que o cumprimento defeituoso do réu não tivesse ocorrido.
De forma mais incisiva – a prova da declaração de resolução não teria significado a procedência da acção laboral, pois que o tribunal a consideraria improcedente em atenção ao outro fundamento que aduziu; ainda que não tivesse ocorrido o culposo cumprimento defeituoso do mandato por parte do aqui réu, sempre o tribunal da acção laboral viria a julgar improcedente a acção, pois que para tanto também considerou (por isso, para lá e independentemente da questão da inexistência de prova do envio da comunicação de resolução) não ter sido demonstrada factualidade que permitisse concluir pela existência de justa causa de resolução do contrato.
Considerandos que evidenciam a improcedência da pretensão do autor apelante –do incumprimento dos deveres de zelo e diligência do réu apelado não resultou, para o autor apelante, a perda de qualquer oportunidade séria e consistente de ganho de causa na acção laboral que intentara contra a sua anterior entidade patronal, pois que a respectiva improcedência teve ainda um outro fundamento (autónomo e independente) não ligado por nexo de causalidade adequada a tal cumprimento defeituoso.
C. Síntese conclusiva.
Do que vem de se expor resulta a improcedência da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar (ainda que com diverso fundamento) a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.
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Porto, 8/06/2022
João Ramos Lopes
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues

(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Transcreve-se, ao abrigo dos art. 663º, nº 2 e 607º, nº 4, 2ª parte, do CPC o integral teor do requerimento apresentado pelo autor em tal acção – matéria que se mostra plenamente provada pela certidão junta com a petição inicial.
[2] Fernando Amâncio Ferreira, Manuel dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 56.
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª edição, p. 736.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotados, Vol. I, Parte Geral de Processo de Declaração, 2018, pp. 737/738.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código (…), p. 738.
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código (…), pp. 736/737.
[7] Acórdão do STJ de 8/09/2021 (Maria da Graça Trigo), no sítio www.dgsi.pt.
[8] P. ex., Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’, in RLJ, Ano 145, Março-Abril de 2016, p. 200 (primeira coluna).
[9] Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’ (…), p. 200 (segunda coluna).
[10] Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’ (…), p. 201 (primeira coluna).
[11] A propósito, Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’ (…), pp. 174 e segs., máxime pp 195 a 199. Na jurisprudência, v. g., os acórdãos do STJ de 16/12/2020 (Rosa Tching), de 19/09/2019 (Graça Amaral), de 14/03/2019 (Hélder Almeida), de 19/12/2018 (Fonseca Ramos), de 15/11/2018 (Rosa Tching) e de 17/05/2018 (Maria da Graça Trigo), todos no sítio www.dgsi.pt.
[12] Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’ (…), p. 199 (primeira coluna).
[13] Paulo Mota Pinto, ‘Perda de chance processual’ (…), p p. 198, primeira coluna (itálicos no original). Também, a propósito do ónus da prova da probabilidade de sucesso incumbir ao demandante (enquanto facto constitutivo da obrigação de indemnizar), os acórdãos do STJ de 16/12/2020 (Rosa Tching), já citado, e, também de 16/12/2020 (Tomé Gomes), este também no sítio www.dgsi.pt.
[14] Citado acórdão do STJ de 19/09/2019 (Graça Amaral).
[15] Citado acórdão do STJ de 15/11/2018 (Rosa Tching).
[16] Assim, Nuno Santos Rocha, A «Perda de Chance» Como uma Nova Espécie de Dano, Coimbra, Almedina, 2015, reimpressão, pp. 91/97.
[17] Paulo Mota Pinto, obra citada, p. 201 (transição da primeira para a segunda colunas).
[18] P. ex., os acórdãos do STJ de 8/11/2006 (Sousa Peixoto) e de 17/11/2016 (Ana Luísa Geraldes), no sítio www.dgsi.pt.