MANDATO FORENSE
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
INEXISTÊNCIA DO RISCO
Sumário

I – Em sede de responsabilidade contratual no âmbito da execução de mandato forense, não logrando o autor/mandante provar a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta ilícita de incumprimento e o dano, a responsabilização do réu/mandatário, em termos de gerar obrigação de indemnizar, por via do chamado “dano de perda de chance processual”, só opera se semelhante dano for consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.
II – O contrato de seguro em que a Ordem dos Advogados (AO) assume a qualidade de tomador, por via do qual a seguradora garante ao segurado (advogado inscrito na AO) a cobertura da sua responsabilidade económica, emergente de qualquer reclamação de responsabilidade civil de âmbito profissional, pode qualificar-se como um contrato de seguro de grupo, de danos, na modalidade de responsabilidade civil, e de caráter obrigatório.
III – No seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a subscrevam atendendo ao momento: a) da prática do facto gerador da responsabilidade (action commited basis); b) da manifestação do dano (loss occurrence basis); ou da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato.
IV – A cláusula inserta no contrato, no sentido de que “ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”, nada de diferente estabelece relativamente ao estatuído no art. 44.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (inexistência do risco), traduzindo-se numa regra delimitadora do âmbito de garantia da apólice.

Texto Integral

PROCESSO N.º 761/19.3T8PVZ.P1
[Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 4]

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:


I.
RELATÓRIO
1.
AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra CC, K ... - CORRETORES DE SEGUROS, S. A. e W ... , SUCURSAL EN ESPAÑA.
Alegaram, em síntese:
. A 1.ª Ré integra a associação profissional Ordem dos Advogados, na qualidade de advogada, beneficiando do seguro de responsabilidade civil profissional que a Ordem dos Advogados subscreve.
. Atendendo a que vão peticionar a responsabilização da 1.ª Ré por atos praticados no âmbito da sua atividade profissional de advogada, interpõem a ação também contra as 2.ª e 3.ª Rés, mediadora e seguradora, respetivamente, do seguro de responsabilidade civil profissional subscrito pela Ordem dos Advogados.
. Foram colegas de trabalho na R..., S.A., onde exerciam funções de motorista de transporte coletivo de pesados de passageiros, e que ambos resolveram unilateralmente os contratos de trabalho que mantinham com a referida sociedade a 12.02.2016. Mantinham, no entanto, vários créditos sobre a entidade empregadora, relativos a trabalho suplementar não pago, subsídio de agente único não pago e horas de formação não prestadas e não pagas. Deste modo, após a cessação do contrato de trabalho tentaram junto da “R ...” que esta lhes pagasse os montantes em divida.
. Volvidos alguns meses sem que a “R ...” se disponibilizasse para o efeito, contactaram a 1.ª Ré, primeiro o Autor BB, em abril de 2016, mais tarde a Autora AA, em agosto de 2016.
. A 1.ª Ré analisou a situação laboral que os Autores mantiveram com a “R ...”, tendo indicado que entendia que estes tinham créditos a reclamar e que o poderiam fazer por meio de ação judicial a interpor contra a sua ex-entidade empregadora. Para esse efeito, entre a 1.ª Ré e os Autores foi convencionado o pagamento de honorários: provisão de 600,00€ antes da interposição da ação e 10% sobre o que efetivamente viessem a receber da sua ex-entidade empregadora na ação a interpor. Cada um dos Autores procedeu ao pagamento da provisão de 600,00€ de honorários à 1.ª Ré e, entretanto, remeteram-lhe todos os documentos que esta lhes solicitou bem como a procuração forense devidamente assinada.
. A Autora AA pediu e obteve apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo. Por seu lado, o Autor BB pagou as taxas de justiça que a 1.ª Ré lhe apresentou para pagar, tendo, a meio do processo, solicitado apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo.
. Volvido uns meses após a contratação dos serviços da 1.ª Ré, e após esta ter assegurado que estavam a correr os respetivos processos, os Autores começaram a ter dificuldades em contactá-la, já que não se disponibilizava para os receber presencialmente e raramente lhes atendia as chamadas ou respondia a mensagens. Muito embora os Autores tenham sabido da improcedência dos pedidos em 1.ª instância e da interposição dos recursos, não lhes era explicado ou dado a conhecer o conteúdo das decisões proferidas, nomeadamente das sentenças, assegurando a 1.ª Ré que tudo se resolveria no recurso que ia mostrar que a decisão da 1.ª instância não estava correta. Nem mesmo quando o Autor BB recebeu uma carta da mandatária da “R ...” a reclamar custas de parte esta lhe explicou o que se passava, pelo que só mais tarde é que o Autor BB soube que as custas eram efetivamente devidas à época e que o processo já tinha transitado em julgado. Ao invés, a 1.ª Ré deu indicações expressas ao Autor BB para não fazer o pagamento, uma vez que o processo ainda estava a decorrer e por isso não havia custas para pagar.
. Mais tarde, face às respostas evasivas da 1.ª Ré e ao facto de as tentativas de a contactarem resultarem frustradas, os Autores começaram a desconfiar que algo não estaria bem. Assim, cada um dos Autores, no início de julho de 2018, contactou o tribunal onde foi proposto o seu processo, tendo-lhes sido comunicado que o mesmo já tinha sido decidido e transitado em julgado. O processo n.º 723/17.5T8MTS, no qual o Autor BB figurava como autor, segundo a informação prestada, já havia transitado há quase dois meses, enquanto o processo n.º 1263/17.8T8VNG, no qual a Autora AA figurava como autora, segundo a informação prestada, já tinha transitado há mais de meio ano. Com estas informações que os apanharam de surpresa, tentaram os Autores exigir esclarecimentos junto da 1.ª Ré, sem sucesso, uma vez que esta não os recebia nem atendia os seus contactos. Nestas condições, foram os Autores consultar os processos e perceberam que os mesmos improcederam, não lhes sendo reconhecidos quaisquer créditos.
. O processo n.º 1263/17.8T8VNG, relativo à Autora AA, foi despoletado pela 1.ª Ré a 10.02.2017. De modo incompleto, pois por despacho proferido a 13.02.2017 a petição foi indeferida liminarmente, atendendo a que não vinha acompanhada de comprovativo de pagamento da taxa de justiça ou de documento comprovativo da concessão de apoio judiciário ou, pelo menos, do seu requerimento; havia falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, bem como contradição entre os factos alegados como causa de pedir e os pedidos formulados, o que gerava ineptidão da petição; e, não vinha acompanhada de procuração à subscritora nem de quaisquer outros documentos a que se reporta e que deveriam ter sido juntos para a realização da citação.
. A 15.02.2017 a 1.ª Ré juntou nova petição inicial, documentos, procuração e comprovativo do deferimento do apoio judiciário e, nesse mesmo dia, solicitou a citação urgente por mandatário judicial, oferecendo-se para ser ela, na qualidade de advogada, a praticar o referido ato. Por despacho de 15.02.2017 foi admitida a apresentação da nova petição e a citação urgente por mandatário. Ainda nesse dia, a 1.ª Ré juntou certidão de citação negativa da entidade empregadora, requerendo, em simultâneo, que fosse o tribunal a proceder à citação urgente da entidade patronal. Por despacho de 20.02.2017 foi ordenada a citação por funcionário judicial.
. A 16.03.2018 realizou-se a audiência de partes, onde esteve presente a Autora AA, a 1.ª Ré e a mandatária da entidade empregadora. Na referida diligência, as mandatárias solicitaram a suspensão da instância por 15 dias com vista a um eventual acordo, o que foi concedido. Durante a diligência, a 1.ª Ré comunicou à Autora AA que poderia haver possibilidade de acordo, com o pagamento pela entidade empregadora à autora de 7.000,00€, aconselhando-a a aceitar. Nesse sentido, inclinada a aceitar, a Autora contactou por diversas vezes a 1.ª Ré, no período de suspensão, para saber como é que estava a decorrer a tentativa de acordo. A 1.ª Ré foi dizendo que a mandatária da entidade empregadora nada lhe dizia e que ela nada ia fazer, porque entendia que a interessada em fazer acordo era a entidade empregadora, tendo de ser eles a tomar a iniciativa.
. A 19.04.2017 a entidade empregadora apresentou contestação, invocando a prescrição dos créditos reclamados e deduzindo, à cautela, impugnação ao peticionado na petição inicial. A 1.ª Ré não respondeu à contestação apresentada.
. A 11.05.2017 foi proferida sentença que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pela entidade empregadora, concluindo pela absolvição da mesma dos pedidos formulados pela Autora e condenando esta última em custas. Notificada da sentença, a Autora solicitou à 1.ª Ré que lhe explicasse o seu teor, tendo esta afirmado que se tratava de uma interpretação errada do tribunal e que tinham de apresentar recurso da mesma, assegurando que o tribunal de recurso não iria entender daquela forma e que iria conceder provimento ao pedido da Autora. Nesse sentido, a Autora concordou que se apresentasse recurso da sentença. A 19.06.2017 a 1.ª Ré apresentou recurso daquela sentença, per saltum, para o Supremo Tribunal de Justiça, peticionando a nulidade da mesma ou, se assim não se entendesse, a sua revogação, determinando-se o prosseguimento dos autos. Por despacho de 07.09.2017 o tribunal recorrido não admitiu o recurso, considerando-o intempestivo.
. A 03.11.2017 foi a 1.ª Ré notificada da dispensa de elaboração da conta pelo tribunal.
. A 1.ª Ré não comunicou à autora que o recurso não havia sido admitido, assegurando, sempre que questionada e até ao momento em que ainda atendia os telefonemas à cliente, que o processo continuava em curso e que aguardavam a decisão do recurso.
. O processo n.º 723/17.5T8MTS, relativo ao Autor BB, foi despoletado pela 1.ª Ré a 11.02.2017. Uma vez mais a 1.ª Ré solicitou a citação urgente da entidade empregadora.
. Nessa petição a 1.ª Ré não discriminou mensalmente as horas extraordinárias realizadas pelo Autor, apesar de dispor de documentação idêntica à da Autora AA.
. Por despacho proferido a 14.02.2017 foi determinado: “Não obstante ter sido requerida a citação urgente da ré constata-se que a Ex.ma mandatária subscritora da petição inicial não juntou aos autos procuração, o que obsta para já à apreciação e deferimento daquela pretensão. Nesta conformidade, determino a notificação da requerida subscritora da p.i. para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos procuração outorgada a seu favor pelo(a) Autor(a)(es), com ratificação de todo o processado, sob cominação prevista no n.º 2 do art. 48º do Código de Processo Civil.” Nesse mesmo dia 14.02.2017 a 1.ª Ré juntou um documento em falta e a procuração forense, sendo que por despacho proferido a 15.02.2017 foi considerado regularizado o patrocínio judiciário, determinada a citação urgente do réu e marcada a data de audiência de partes. A referida audiência realizou-se a 14.03.2017, na qual estiveram presentes o autor, a 1.ª Ré e a mandatária da entidade empregadora, não se logrando a conciliação das partes.
. A entidade empregadora apresentou contestação a 03.04.2017, na qual invocou a prescrição dos créditos reclamados, deduzindo, à cautela, impugnação ao peticionado pelo autor, tendo ainda deduzido reconvenção, no valor de 1.288,82€, pelo incumprimento do prazo de aviso prévio aquando da denúncia do contrato de trabalho.
. A 1.ª Ré foi notificada da contestação e da reconvenção e não se pronunciou.
. A 29.05.2017 foi proferido saneador-sentença que considerou procedentes quer a exceção de prescrição quer a reconvenção, condenando o Autor BB a pagar à entidade empregadora 1.288,82€.
. O Autor foi notificado da sentença, tendo contactado a 1.ª Ré para que lhe explicasse o seu conteúdo. Também neste caso a 1.ª Ré realçou a má interpretação do tribunal de 1.ª instância, garantindo que em sede de recurso a questão ficaria resolvida. Nesse sentido, a 1.ª Ré apresentou recurso para o Tribunal da Relação, o que fez a 23.06.2017, no 1.º dia de multa. Por despacho de 19.09.2017 o recurso foi admitido. Posteriormente, foi a 1.ª Ré notificada para sintetizar as conclusões apresentadas e juntar comprovativo de notificação à parte contrária das conclusões sintetizadas. A 08.01.2018 foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que confirmou a sentença da 1.ª instância, com exceção do pedido reconvencional. Posteriormente, a 1.ª Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por despacho de 14.05.2018, não foi admitido, porquanto se entendeu que “não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”.
. Embora tenha sido notificada do despacho de não admissão de recurso, a 1.ª Ré assegurou ao autor que o processo continuava em curso, aguardando-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Só mais tarde, face à impossibilidade de contacto com a 1.ª Ré, o Autor descobriu que o processo já tinha transitado em julgado. No entanto, a 1.ª Ré insistia que o processo se encontrava a correr e que não eram devidas custas de parte à entidade patronal.
. A 1.ª Ré já acompanhava os autores há sensivelmente meio ano quando interpôs as ações.
. Quando intentou a ação relativa à Autora AA a 1.ª Ré já detinha a respetiva procuração forense, sendo que a concessão do apoio judiciário requerido pela mesma Autora remonta a 16.10.2018 e foi, de imediato, remetida à 1.ª Ré.
. Relativamente ao Autor BB, quando a ação foi interposta a 1.ª Ré não detinha a respetiva procuração forense, uma vez que só lhe solicitou a sua outorga a 13.02.2017, devolvendo-a o Autor nessa mesma data assinada. A taxa de justiça a pagar pela interposição da ação foi também paga assim que tal lhe foi solicitado pela 1.ª Ré, tendo-lhe de imediato sido remetido o comprovativo de pagamento.
. Só a atuação negligente da Autora justifica que tenha apresentado inicialmente petições incompletas e desinstruídas e, depois, a perda do prazo de interposição da ação.
. Igualmente não se compreende porque não respondeu a 1.ª Ré à exceção de prescrição invocada nas contestações a ambas as ações, na medida em que, conforme referiu nos recursos que interpôs, entendia que a mesma não podia operar, e à própria reconvenção deduzida na ação intentada pelo autor BB, quando esta última era facilmente rebatível, como a 1.ª Ré bem sabia, pois o aí peticionado já tinha sido pago pelo Autor, tendo esse montante sido deduzido no seu último vencimento.
. A 1.ª Ré, com a sua conduta negligente na condução dos processos, causou-lhes prejuízos, inviabilizando a apreciação dos seus créditos laborais.
. Estão em causa créditos que no caso da Autora AA ascendem ao valor global de 74.133,66€ e, no caso do Autor BB, ao valor global de 79.844,08€. A esses valores acrescem os 600,00€ que cada um dos Autores adiantou a título de provisão para honorários e despesas.
. No caso do Autor BB acrescem ainda os danos resultantes do pagamento de custas de parte no valor de 1.632,00€ e taxas de justiça no valor de 1.275,00€.
. Para além dos prejuízos patrimoniais, os Autores sofreram também danos morais pelos quais devem ser compensados em valor nunca inferior a 2.500,00€ para cada um.
Pediram:
a) que seja reconhecido o incumprimento e/ou cumprimento defeituoso pela 1.ª Ré, das obrigações a que estava vinculada;
b) que seja declarada a responsabilidade contratual da 1.ª Ré pelos atos praticados e omitidos;
c) que sejam condenadas solidariamente a 1.ª Ré e as 2.ª e 3.ª Rés na medida da responsabilidade transferida pela 1.ª Ré, a indemnizar os Autores pelos danos causados e, bem assim, a pagar:
- à Autora AA, a título de danos patrimoniais, a quantia de 74.733,66€;
- à Autora AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 2.500,00€;
- ao Autor BB, a título de danos patrimoniais, a quantia de 83.351,08€;
- ao Autor BB, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 2.500,00€.
Se tal não se entender,
d) que seja declarada a responsabilidade da 1.ª Ré ao abrigo do disposto no artigo 483º e ss. do Código Civil.
e) que sejam condenadas a 1.ª Ré e as 2.ª e 3.ª Rés na medida da responsabilidade transferida pela 1.ª Ré, a indemnizar os Autores pelos danos causados e, bem assim, a pagar:
- à Autora AA, a título de danos patrimoniais, a quantia de 74.733,66€;
- à Autora AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 2.500,00€;
- ao Autor BB, a título de danos patrimoniais, a quantia de 83.351,08€;
- ao Autor BB, a título de danos não patrimoniais, a quantia de 2.500,00€.
2.
As Rés contestaram.
2.1.
A Ré “K… Portugal” invocou a sua ilegitimidade passiva, alegando para o efeito que no exercício da sua atividade de corretagem de seguros é somente mediadora na celebração de contratos de seguro, recebendo uma comissão pela prestação dos seus serviços. Assim, não celebrou qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil, não se verificando qualquer responsabilidade no pagamento das quantias peticionadas; impugnou, na sua generalidade, a factualidade invocada pelos Autores.
2.2.
A Ré “W ...” invocou a ineptidão da petição Inicial por falta de causa de pedir, referindo que a mesma não contém qualquer factualidade da qual decorra que era real, séria e considerável a probabilidade de obtenção de ganho de causa nos processos laborais objeto dos presentes autos; invocou ter celebrado com a Ordem dos Advogados um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ..., através do qual segura a «Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro», entre outros riscos, com uma franquia de 5.000,00€ por sinistro; de acordo com esse contrato, constituía ónus da segurada a participação do sinistro à ora Ré. No caso dos autos, a corresponder à verdade o alegado pelos Autores, os factos imputados à 1.ª Ré terão sido consciencializados em 11.05.2017 e 29.05.2017, aquando da notificação das sentenças nos processos 1263/17.8T8VNG e 723/17.5T8MTS, respetivamente; assim, a 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização antes do dia 01.01.2018; contudo, não comunicou à Ré esses factos que só teve conhecimento dos mesmos em 17.05.2019, com a sua citação para a presente ação; ora, essa falta de comunicação por parte da 1.ª ré constitui causa de exclusão das coberturas da apólice; para além disso, os factos alegadamente geradores de responsabilidade encontram-se fora do âmbito de cobertura temporal da apólice; impugnou, na sua generalidade, a factualidade invocada pelos Autores na petição inicial.
2.3.
A Ré CC invocou, também ela, a ineptidão da petição inicial por inexistência da causa de pedir, porquanto entende que não se mostram alegados quaisquer factos suscetíveis de demonstrar que caso as ações laborais subjacentes aos presentes autos tivessem decorrido nos respetivos prazos o resultado previsivelmente obtido teria sido considerado procedente; impugnou igualmente, no essencial, a factualidade alegada pelos Autores.
3.
Notificados, os Autores pugnaram pela improcedência das exceções invocadas.
4.
Foi proferido despacho saneador, no qual foram consideradas improcedentes a nulidade decorrente de ineptidão da petição inicial e a exceção de ilegitimidade acima assinaladas, concluindo-se, quanto ao mais, pela validade e regularidade da instância, após o que se procedeu á fixação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
5.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Face ao exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
a) condenam-se as rés CC e “W ..., Sucursal em España”, solidariamente, no pagamento, a título de indemnização:
- à autora AA, do valor de 3.100,00€ - sendo 600,00€ a título de danos patrimoniais e 2.500,00 € a título de danos não patrimoniais -, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento;
- ao autor BB, do valor de 3.100,00€ - sendo 600,00€ a título de danos patrimoniais e 2.500,00 € a título de danos não patrimoniais -, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
b) absolvo a ré “K... Portugal - Corretores de Seguros, S.A.” dos pedidos contra ela formulados.
Custas pelos autores e pelas rés CC e “W ...” na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à ré CC.
6.
Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
[I.O presente recurso é interposto da Douta Sentença proferida pelo Mm.º Juiz “a quo”, que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência condenou as rés CC e “W ..., Sucursal em España”, solidariamente, no pagamento, a título de indemnização: - à autora AA, do valor de 3.100,00€ - sendo 600,00 € a título de danos patrimoniais e 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais -, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento;- ao autor BB, do valor de 3.100,00€ - sendo 600,00 € a título de danos patrimoniais e 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais -, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento.”
II. Absolvendo as Rés CC e “W ..., Sucursal em España” do demais peticionado.
III. Decidindo deste modo, salvo o devido e muito respeito, o Tribunal recorrido:
- Julgou incorrectamente a matéria de facto, pois os meios probatórios constantes do processo e reproduzidos em audiência de julgamento impunham decisão diversa da recorrida (art.º. 640, n.º 1 do C.P.C.);
- Fez uma incorrecta interpretação dos factos e por via disso, uma incorrecta aplicação do Direito, e simultaneamente faz uma incorrecta interpretação e aplicação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão (art.º 639, n.º 2 do C.P.C).
IV. A Apelante está convicta que V.as Ex.as reapreciando os meios probatórios constantes do processo e produzidos em audiência de julgamento, reapreciando a matéria de facto e subsumindo-a nas normas legais, doutrina e jurisprudência aplicáveis, não deixarão de revogar a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.
V. Do incorrecto julgamento da matéria de facto (art.º 640.º do C.P.C.); Salvo o devido e muito respeito, e atenta a prova carreada para os autos, complementarmente ao facto provado 1.89, deveria ter sido dado como provado que:
“O R. BB pagou custas de parte, no âmbito do processo 723/17.5T8MTS que correu seus termos no Juízo de trabalho de Matosinhos do Tribunal judicial da Comarca do Porto, Juiz 1, interposto pelo A. BB contra a R..., S.A, no valor de €1 632,00 (mil seiscentos e trinta e dois euros)”.
VI. O referido facto resulta dos documentos juntos com os n.ºs 68, 19 e dos documentos juntos no requerimento apresentado a 01/12/2020 (acordo de pagamento das custas de parte e documentos comprovativos das transferências bancárias para pagamento). Ora, este facto deveria constar da factualidade provada, sendo o mesmo relevante para o apuramento dos danos patrimoniais sofridos e peticionados pelo A. BB.
VII. Mais, Deveria, salvo o devido e muito respeito, ter sido dado como provado que:
“Os AA. entregaram toda a documentação (na versão original) relacionada com a relação laboral que mantiveram com a R..., S.A, nomeadamente contrato de trabalho, mapas de horários de trabalho, fichas de registo de horário de trabalho, discos e leituras do cartão de motorista com registos de horários de trabalho e recibos de vencimento)”.
“A R. CC não restituiu aos AA. A documentação (versão original) que havia solicitado para instruir as acções a interpor.”.
VIII. A entrega dos originais da documentação pelos AA. à R. CC, bem como da sua não restituição aos AA. até à data, decorre do testemunho, que o Douto Tribunal “a quo” considerou como credível, da testemunha DD. Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20201202100129_15442351_2871560, entre os 04:58 – 06:24, 07:03 – 09:24, 11:11 – 13:02; 28:46 – 32:40, 01:04:07 – 01:05:00, 01:11:43 – 01:12:55 e 01:18:24 a 01:18:42.
IX. Também das declarações prestadas pela A. AA, consideradas como claras e credíveis pelo Insigne Tribunal “a quo”, resultam demonstrados estes factos. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20210505133608_15442351_2871560, entre 06:13 – 08:45, 33:39 – 33:59.
X. Também das declarações prestadas pelo A. BB decorrem estes factos evidenciados. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20210505141246_15442351_2871560, entre 42:40 – 42:53.
XI. Os AA. entregaram toda a documentação original que detinham à R. CC para que a mesma pudesse calcular os créditos laborais em dívida, redigir a competente acção e instruí-la com a documentação necessária.
XII. Documentação essa que não mais foi devolvida aos AA., porquanto, como os mesmos explicam, deixaram de conseguir contactá-la por qualquer meio, contacto telefónico, email ou sequer encontrá-la no escritório.
XIII. Motivo pelo qual essa mesma documentação não foi junta aos presentes autos, nem permitiu fazer nesta acção todo o trabalho que terá sido feito pela R. CC para calcular os créditos laborais em dívida.
XIV. Sendo que, não podem os aqui AA. ser impedidos de ver a presente acção de responsabilidade civil devidamente apreciada, fazendo-se um juízo de prognose sobre a procedência das acções interpostas pela Ré CC se o direito nelas reclamado pelos AA. não tivesse sido considerado prescrito, apenas porque lhes foi sonegada pela Ré CC, cuja responsabilidade civil nestes autos se discute, a documentação laboral que detinham.
XV. Se assim fosse, denegar-se-ia aos AA. o direito que lhes assiste de ver sindicada a actuação da ex-mandatária bem como ver indemnizados os danos sofridos, por uma visão, salvo o devido e muito respeito, “cega” e “redutora” de que a apreciação desta acção está intrinsecamente dependente de se conseguir “julgar” as primitivas acções de reclamações de créditos laborais.
XVI. Os AA. juntaram aos presentes autos as petições iniciais interpostas (com contrato de trabalho), que incluem as tabelas com os cálculos dos créditos laborais em dívida que a Ré CC elaborou munida de toda a documentação que lhe permitiria fazê-lo.
XVII. Bem como as demais peças processuais relevantes para melhor entendimento da actuação da Ré CC e da posição assumida nos autos pela ex-entidade empregadora dos AA., R..., S.A.
XVIII. Neste sentido, atentemos ao peticionado pelos AA. a título de créditos laborais nas primitivas acções de reclamação de créditos:
“No caso da A. AA tratou-se de créditos que ascendem a €74.133,66, sendo:
1 - €62.953,35 a título de trabalho suplementar prestado no horário semanal e em dia de descanso obrigatório, complementar ou feriado;
2 - €9.580,93 a título de proporcionais de subsídio de agente único referente aos meses de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, bem como as diferenças remuneratórias do mesmo.
3 - acrescido de juros de mora que são devidos desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento;
4 - €1 599,38 a título de formação não prestada;
5 - os juros de mora desde o vencimento de cada quantia supra indicada, até efectivo e integral pagamento.”
“No caso do A. BB tratam-se de créditos que ascendem a €79.844,08, sendo:
1 - €2.065,17 a título de créditos laborais por cessação do contrato de trabalho;
2 - €52.936,35 a título de retroativos referente ao trabalho suplementar prestado em horário semanal, a título de trabalho suplementar prestado em dias de descanso obrigatório, complementar ou feriado bem como trabalho efectuado em dias de descanso e trabalho nocturno;
3 - €8.907,50 a título de retroactivos relativos ao pagamento do diferencial das ajudas de custo diárias de refeições e deslocação;
4 - €13.767,86 a título de proporcionais de agente único referente aos meses de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, bem como às diferenças remuneratórias do mesmo, acrescida de juros de mora que são devidos desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento; 5 - €2.167,20 a título de formação não prestada e juros de mora que se venceram desde a citação até efectivo e integral pagamento.”
XIX. Sendo certo que não estão juntos os autos, porque os AA. destes não dispõem, todos os recibos de vencimento dos anos trabalhados, estão juntos aos autos os contratos de trabalho e as contestações da R..., SA, pelo que salvo o devido e muito respeito, deveria o Tribunal “a quo” ter dado como provado que:
“O A. BB iniciou funções ao serviço da R..., SA a 01/04/2005 como motorista, como uma retribuição base de €552,70.” “A A. AA iniciou funções ao serviço da R..., SA a 01/11/2010 como motorista, com uma retribuição base de €596,57”.
XX. Factos esses comprovados pelos contratos de trabalho juntos com a petição inicial (cfr. docs 46 e 52) e pelas contestações da R..., SA, que não contesta este facto nem os contratos de trabalho (cfr. docs n.º 47 e 57).
XXI. Atenta a dificuldade de prova dos AA., aqui Recorrentes, desprovidos da documentação laborar reunida durante os vários anos de trabalho, sempre se diga que da prova produzida em audiência de julgamento resulta provado que:
“Os AA. trabalhavam, pelo menos, 12 horas diárias durante cinco dias por semana, não lhes sendo pagas as horas de trabalho suplementar que excedem as 8 horas de trabalho diárias do período normal de trabalho”.
XXII. São os próprios AA. que o explicam. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20210505133608_15442351_2871560, entre 21:45-27:29. - Cfr. registo aúdio gravado sob o n.º 20210505141246_15442351_2871560, entre 25:14 – 38:43.
XXIII. Facto igualmente evidenciado pelas testemunhas DD, EE, FF, GG e HH. - Cfr. registo aúdio gravado sob o n.º 20201202100129_15442351_2871560, entre as 09:26 – 29:39. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20210505095303_15442351_2871560, entre 01:35 – 11:57. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20210505101045_15442351_2871560, entre 00:58-07:52. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20201202122244_15442351_2871560, entre 05:21 – 19:04. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20201202112248_15442351_2871560, entre 01:25-20:27.
XXIV. Dos vários depoimentos supra transcritos resulta claramente evidenciado que havia um padrão comum nas condições de trabalho entre os ex-colegas motoristas que trabalharam na R..., SA: a) os motoristas eram contratados para fazerem pelo menos 12 horas diárias de trabalho; b) o trabalho suplementar efectuado após as 8 horas de trabalho diárias não era pago; b) os motoristas, independentemente do tipo de serviços efectuados (urbanos, turismo ou expressos), tinham uma remuneração fixa e os recibos mensais iam sendo alterados para contemplar as diversas variáveis que a entidade empregadora havia de contemplar na retribuição, como os pagamentos em dias feriado ou diuturnidades. Sendo que o valor final a receber era idêntico ao longo dos meses, sendo apenas pago por fora o trabalho em dia de folga que os ex-trabalhadores cifram em €30/€40 e as viradas (quando no serviço expressos faziam viagens de longa duração e regressavam no mesmo dia ao ponto de origem) que cifram em € 40; c) os motoristas eram chamados para trabalhar frequentemente em dias de folga; d) havia dois mapas de horário de trabalho (um registo oficial com oito horas de trabalho e um mapa efectivo para cumprimento com os horários de pelo menos 12 horas de trabalho) e um mapa de registo de assiduidade oficial, em que os trabalhadores registavam oito horas de trabalho (que não tinha correspondência como o número de horas trabalhadas); c) os subsídios de férias e de natal eram pagos apenas por referência ao salário base; d) não era fornecida ou paga formação; e) no serviço urbanos era padrão os motoristas fazerem todas a linha de uma carreira diária, que se iniciaria entre 06h e terminaria pelas 21h, fazendo apenas pausa para almoço.
XXV. Há um relato claro de um padrão de actuação da entidade empregadora, que impunha condições de trabalho violadoras dos direitos laborais que assistem aos trabalhadores.
XXVI. E se os depoimentos não nos permitem apurar a globalidade dos valores de créditos reivindicados pelos AA. nas primitivas acções, permitem, sem margem para dúvidas concluir pelo trabalho diário de pelo menos 12 horas de trabalho, não sendo pago o trabalho suplementar pela diferença entre as oito horas de trabalho diárias do período normal de trabalho e as horas efectivamente prestadas.
XXVII. Decorre do contrato de trabalho dos AA. junto aos AA. (Cfr. docs 46 e 52 juntos com a PI) que os mesmos foram contratados para trabalhar 40 horas semanais em cinco dias ou cinco dias e meio, com o máximo de oito horas por dia.
XXVIII. Referem os AA. que, não obstante o previsto no contrato, foram desde o início informados de que teriam de cumprir, pelo menos, 12 horas diárias com um salário fixo, sem retribuição adicional por este acréscimo de horário.
XXIX. Aliás, na fundamentação do Insigne Tribunal “a quo” é expressamente considerado que:
“As seguintes seis testemunhas [Referindo-se a HH, II, JJ, GG, FF e KK] que irão ser mencionadas foram colegas de trabalho dos autores na “R ...”, onde exerceram as funções de motoristas. Todas relataram a sua experiência profissional pessoal, decorrendo dos seus depoimentos que a mesma correspondia a um padrão comum a todos os motoristas, incluindo os autores”.
XXX. Pelo que, salvo o devido e muito respeito, deveria o Tribunal “a quo” ter dado como provado, que:
“Os AA. trabalhavam, pelo menos, 12 horas diárias durante cinco dias por semana, não lhes sendo pagas as horas de trabalho suplementar que excedem as 8 horas de trabalho diárias do período normal de trabalho”.
XXXI. Acresce que, atentos os depoimentos dos ex-colegas de trabalho motoristas dos AA., que demonstram, de igual modo, um padrão dos ex-trabalhadores de reclamarem créditos junto da R..., SA, aquando da cessação do contrato, uma vez que era sabido que lhe eram sonegados vários direitos laborais, deveria o Tribunal “a quo” ter dado como provado que:
“Colegas de trabalho dos AA., com condições de trabalho idênticas, viram reconhecidos créditos laborais após a cessação do contrato de trabalho.”
XXXII. Como evidenciam os depoimentos de II, JJ, HH e EE. - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20201202114400_15442351_2871560, entre 08:52 – 11:11; - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20201202115633_15442351_2871560, entre as 20:30 – 22:56; - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20201202112248_15442351_2871560, entre 16:11-17:11; - Cfr. registo áudio gravado sob o n.º 20210505095303_15442351_2871560, entre 12:10 – 16:29.
XXXIII. Resumidamente:
- A testemunha II relata que iniciou funções de motorista na R ... a 03/01/2005 e saiu a 12/01/2016 (período idêntico ao A. BB), tendo interposto após a cessação do contrato de trabalho uma acção de reclamação de créditos laborais, no âmbito da qual fez um acordo com a ex-entidade empregadora que lhe pagou uma compensação de €20.000,00;
- A testemunha JJ relata que iniciou funções de motorista na R ... em 2005 e saiu em 2016 (período idêntico ao A. BB), tendo interposto após a cessação do contrato de trabalho uma acção de reclamação de créditos laborais, no âmbito da qual fez um acordo com a ex-entidade empregadora que lhe pagou uma compensação de €10.000,00;
- A testemunha HH relata que iniciou funções de motorista na R ... em 2010 e saiu em 2015, tendo interposto após a cessação do contrato de trabalho uma acção de reclamação de créditos laborais, no âmbito da qual fez um acordo com a ex-entidade empregadora que lhe pagou uma compensação de €13.500,00 (onde apenas peticionou as horas extraordinárias);
- A testemunha EE relata que iniciou funções de motorista na R ... em 2009 e saiu em 2015, tendo interposto após a cessação do contrato de trabalho uma acção de reclamação de créditos laborais, no âmbito da qual fez um acordo com a ex-entidade empregadora que lhe pagou uma compensação de €12.000,00;
- O ex-colega, GG, como refere a sentença de que ora se recorre, “Também intentou uma ação contra a “R ...” e também recorreu para esse efeito à 1ª ré, a quem entregou toda a documentação. Entretanto recorreu a outro advogado e pediu a documentação à 1ª ré, que lha entregou. No entanto, o advogado disse-lhe que já não ia a tempo”;
- O ex-colega, FF, como refere a sentença de que ora se recorre, “Também contactou a 1ª ré para intentar uma ação em tribunal contra a “R ...”. Era sua intenção pedir 15.000,00€ porque era o valor que os colegas com os mesmos anos diziam que estavam a receber. No entanto, a 1ª ré não chegou a dar entrada do processo e nunca mais lhe atendeu o telefone ou lhe respondeu aos emails. Assim, não recebeu nada”.
XXXIV. Em resumo, pugna-se pelas seguintes alterações à matéria de facto dada como provada:
- complementarmente ao facto provado 1.89, deveria ter sido dado como provado que:
- “O R. BB pagou custas de parte, no âmbito do processo 723/17.5T8MTS que correu seus termos no Juízo de trabalho de Matosinhos do Tribunal judicial da Comarca do Porto, Juiz 1, interposto pelo A. BB contra a R..., S.A, no valor de €1.632,00 (mil seiscentos e trinta e dois euros)”.
- “Os AA. entregaram toda a documentação (na versão original) relacionada com a relação laboral que mantiveram com a R..., S.A, nomeadamente contrato de trabalho, mapas de horários de trabalho, fichas de registo de horário de trabalho, discos e leituras do cartão de motorista com registos de horários de trabalho, registos de agente único e recibos de vencimento)”.
- “A R. CC não restituiu aos AA. a documentação (versão original) que havia solicitado para instruir as acções a interpor.”.
- “O A. BB iniciou funções ao serviço da R..., SA a 01/04/2005 como motorista, como uma retribuição base de €552,70”
- “A A. AA iniciou funções ao serviço da R..., SA a 01/11/2010 como motorista, com uma retribuição base de €596,57”
- “Os AA. trabalhavam, pelo menos, 12 horas diárias durante cinco dias por semana, não lhes sendo pagas as horas de trabalho suplementar que excedem as 8 horas de trabalho diárias do período normal de trabalho”
- “Colegas de trabalho dos AA., com condições de trabalho idênticas, viram reconhecidos créditos laborais após a cessação do contrato de trabalho.”
XXXV.II – Da incorrecta aplicação do direito, por via da incorrecta interpretação dos factos e simultaneamente da incorrecta interpretação e aplicação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão (art.º 639, n.º 2 do C.P.C).
Muito embora o Tribunal “a quo” refira que os AA. “lograram demonstrar a ilicitude da conduta da 1ª ré, sendo que a culpa, conforme referimos, se presume”, considera que “Cremos, porém, que os factos a este respeito trazidos à presente lide pelos autores e a prova que neles foi produzida não nos permitem concluir pela existência de um nexo causal certo entre o cumprimento defeituoso dos contratos de mandato por parte da 1ª ré e os danos acima assinalados.
É certo que se a 1ª ré tivesse intentado tempestivamente as ações em causa, iria permitir que a situação, dentro dos limites definidos pelos articulados apresentados pelas partes, fosse objeto de apreciação. Todavia, ainda assim, não era absolutamente certo que os autores viessem, por essa via, a obter a condenação da ré no pagamento, total ou parcial, dos valores peticionados e relativos aos créditos laborais invocados. É que, como se sabe, o êxito de uma ação depende de múltiplos elementos que são estranhos ao cumprimento ou incumprimento das obrigações do mandatário judicial. Da confluência desses fatores exógenos, que atribuem ao resultado da atividade do advogado uma certa aleatoriedade, resulta a dificuldade, na maioria dos casos, de uma formulação do juízo de condicionalidade e uma efetiva impossibilidade do cliente satisfazer o ónus de demonstrar, em concreto, com a certeza exigível, que a ação teria procedido. A existência de uma mera hipótese de êxito, dependendo de a 1ª ré ter agido diligentemente, não constitui um fator suficiente para concluirmos pela existência do referido nexo causal.
Mas, se não se pode afirmar o nexo de causalidade adequada entre a atuação ilícita e culposa da 1ª ré pelo dano sobrevindo para os autores das decisões que absolveram a ré dos pedidos contra ela formulados, tal não pode conduzir, irremediavelmente, a isentar de responsabilidade o profissional que violou, nas circunstâncias apontadas, os seus deveres para com o cliente, sob pena de tal implicar, intoleravelmente, a existência de muitas infrações sem sanção, com a consequente dificuldade de responsabilizar o advogado perante o cliente, por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato.
Poder-se-ia equacionar a hipótese de estarmos aqui perante danos que a doutrina e a jurisprudência denominam como “danos por perda de chance”.
[…]
Neste âmbito, considerando o concreto enquadramento jurídico dado aos danos patrimoniais em análise (recorde-se que não estando demonstrado o nexo causal entre a conduta ilícita e culposa da 1ª ré e os danos invocados, resta-nos averiguar se estamos perante uma perda de chance real e séria), importa salientar que o tribunal se depara com uma dificuldade. É que nada é alegado pelos autores no sentido de demonstrarem, nesta ação, a existência do direito que nas ações que mandataram a 1ª ré para intentar pretendiam ver reconhecidos. E, mesmo que o tribunal pretendesse proceder à análise das petições iniciais na origem das respetivas ações - como é evidente, sempre no confronto com as contestações que se lhes seguiram -, a verdade é que as mesmas não foram instruídas com documentos tendentes a demonstrar a existência dos concretos créditos que nelas são invocados. Ou seja, a consideração dessas petições em si mesmas e das respetivas contestações nada permite concluir.
Neste contexto, não poderá o tribunal concluir pela existência de uma chance substancial, séria, de procedência, parcial ou total, das ações intentadas pela 1ª ré, caso a mesma as tivesse intentado a tempo de evitar a prescrição dos direitos que através das mesmas os autores pretendiam ver reconhecidos.”
XXXVI. Ora, atenta a prova carreada e produzida em audiência de julgamento, pugnamos pelo reconhecimento de uma relação de causalidade adequada entre a actuação da R. CC e o dano infligido aos AA.. Estando o Tribunal “a quo” munido da informação necessária para fazer um juízo de prognose ou probalibilidade séria de êxito, ainda que parcial, da acção.
XXXVII. Ainda que, atentos os factos provados, e os que supra peticionamos aditar, se pudesse apenas prever a procedência parcial da acção, teria o Insigne Tribunal “a quo”, salvo o devido e muito respeito, de ter considerado a séria e elevada probabilidade de os AA. virem a ver reconhecidos créditos pelo trabalho suplementar prestado e não pago, designadamente correspondente à diferença diária entre as 12 horas de trabalho (pelo menos) efectivamente prestadas e as 8 horas de trabalho do período normal de trabalho (e que decorrem do contrato de trabalho junto).
XXXVIII. E não podendo o Tribunal “a quo” dar como provado a globalidade do peticionado pelos AA. a este título porque não está, como refere, munido de toda a documentação necessária (mapas de horário de trabalho, fitas de registo de hora, discos ou registos resultantes do cartão de motorista), de que os AA. também não dispõem, sempre deveria, salvo o devido e muito respeito, ter recorrido à equidade para fixar o valor a indemnizar.
XXXIX. Sabendo que, para tal, e atento, por defeito, o valor base da retribuição definido no primitivo contrato de trabalho, apuraria um valor hora de retribuição de €3,20, no caso do A. BB (por referência à retribuição base inicial de € 552,70 e em conformidade com o cálculo previsto no artigo 271.º, n.º 1 do Código do Trabalho) e um valor hora de retribuição de € 3,44, no caso da A. AA (por referência à retribuição base inicial de €596,57 e com o cálculo previsto no artigo 271.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
W .... Por defeito, e nos termos do artigo 268.º, n.º1, alíneas a) e b) do Código de Trabalho, pela 1.ª hora de trabalho suplementar seria devido o valor hora + 25%, pela 2.ª hora e seguintes seria devido o valor hora + 37,50%.
XLI. Pelo que, por cada dia de trabalho com acréscimo de quatro horas diárias deveriam os AA. ter recebido trabalho suplementar no valor de: no caso do A. BB €17,60 e no caso da A. AA €18,49. Por cinco dias de trabalho/semana, seria devido ao A. BB a quantia de €88,00 e à A. AA a quantia de €92,45.
XLII. O que tendo por referência 48 semanas de trabalho por ano (retirado o período de férias – 4 semanas) teríamos um valor anual estimado para o A. BB de €4224,00 e para a A. AA um valor estimado de €4437,60.
XLIII. Se considerarmos por defeito, que o A. BB trabalhou 10 anos, estariam em dívida ao mesmo, a título de trabalho suplementar (4 horas diárias nos cinco dias de trabalho semanais) €42.240,00.
XLIV. Se considerarmos por defeito, que a A. AA trabalhou 5 anos, estariam em dívida à mesma, a título de trabalho suplementar (4 horas diárias nos cinco dias de trabalho semanais) €22.188,00.
XLV. Poderia ainda, salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” ter tomado por referência os valores alcançados pelos ex-colegas dos AA., em transação, que receberam montantes de créditos laborais entre os €10.000,00 e os €20.000,00.
XLVI. Pelo que se pugna junto de V.as Ex.as pelo reconhecimento do direito dos AA. de uma indeminização por danos patrimoniais, pelo trabalho suplementar diário não pago (diferença entre o horário normal de trabalho (oito horas diárias) e as 12 horas de trabalho efectivamente prestadas), calculada com base na equidade, em valor nunca inferior a €10.000,00 (dez mil euros).
XLVII. Sem prescindir, Mais se pugna pelo reconhecimento de que os valores pagos a título de taxa de justiça e de custas de parte pagas pelo A. BB tem relação de causalidade adequada com a actuação da R. CC. O A. pagou taxas de justiça com a interposição da acção e com a interposição do primeiro recurso, quando a R. CC já sabia que não estava em prazo para apresentar a acção e que o reconhecimento da prescrição do direito aos créditos laborais era um risco sério e provável, nunca de tal facto tendo alertado o A. BB, não tendo este podido decidir pagar ou não os valores de taxas de justiça em causa.
XLVIII. Despendeu o A. BB €1.275,00 (€816,00 (taxa de justiça inicial com a petição inicial) + €459,00 (taxa de justiça com o recurso)) em taxas de justiça, com uma acção inútil, sendo condenado em custas atento o reconhecimento da prescrição, o que implicou o pagamento de €1.632,00 a título de custas de parte, pelo que devem estes danos ser considerados, sendo o A. BB indemnizado em igual montante.
XLIX. Sem prescindir, Mais, considerou o Tribunal “a quo” que:
“Tal conduta da 1ª ré, face a toda a negligência demonstrada no exercício dos mandatos que os autores lhe confiaram, assume, a nosso ver, especial gravidade. Igualmente se provou que os autores consideravam a 1ª ré uma profissional competente e responsável e que ficaram, compreensivelmente, abalados com a sua atuação.
Sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, face às indicações da 1ª ré, de recuperar os valores peticionados.
Ficaram tristes, desiludidos, angustiados e perderam o sono. A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo. Foram igualmente conhecendo o desfecho de ações judiciais de antigos colegas de trabalho que reclamaram judicialmente à mesma ex-entidade empregadora créditos laborais similares, as quais terminaram por transação.
Neste contexto, entendemos que os danos sofridos pelos autores assumem gravidade suficiente para justificar a atribuição de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, a qual, recorrendo a critérios de equidade e considerando todos os contornos da presente situação se fixa no montante peticionado de 2.500,00€ para cada autor, valor que se considera atualizado com referência à presente data.”
L. Ora, atenta a especial gravidade considerada pelo Insigne Tribunal “a quo”, e o que se logrou demonstrar no que respeita à actuação da R. CC para com os AA., em conformidade com os factos provados 1.91 a 1.97, poderia e deveria o Tribunal “a quo” ter decido por uma indemnização superior ao valor mínimo peticionado de €2.500,00, uma vez que esta indemnização estaria apenas limitada pelo pedido de indemnização global apresentado, e não pelo peticionado a título de danos não patrimoniais, conforme entendimento jurisprudencial consolidado.
LI. Atento o longo período volvido, e os factos provados sob os n.ºs 1.91 e 1.97, julgamos, salvo melhor opinião, que seria adequada uma indemnização por danos patrimoniais muito superior ao decido e nunca inferior a €5 000,00 (cinco mil euros) para cada um dos AA..
LII. Atento o acima exposto, requer-se a V.as Ex.as a revisão da sentença do Tribunal “a quo”, condenando-se em conformidade a R. CC, e a R. “W ..., Sucursal em España”, atenta a transferência de responsabilidade no âmbito do contrato de seguro, a pagar as indemnizações peticionadas, por danos patrimoniais e não patrimoniais, aos AA., aqui Recorrentes.]
7.
A Ré W ... COMPANY SE contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso dos Autores.
8.
Também a Ré W ... COMPANY SE apresentou recurso de apelação, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
[Da alteração da matéria de facto quanto à autora AA
1.ª – O facto identificado no ponto 1.93 dos factos provados foi incorrectamente julgado, devendo dar-se o mesmo como como não provado, face à contradição entre as declarações de parte da autora e a factualidade dele constante, inexistindo qualquer outro meio de prova que a sustente.
2.ª – Os factos constantes dos pontos 1.94, 1.95 e 1.96 da matéria considerada provada devem ser julgados como não provados, porquanto a facticidade deles constante não foi confirmada pela autora nas suas declarações de parte, inexistindo qualquer prova objectivável dos mesmos.
3.ª – A matéria de facto provada elencada sob os pontos 1.14, 1.44 a 1.46 deve ser julgada não provada, uma vez que o único meio probatório que a sustenta são as declarações de parte da autora, inexistindo qualquer outro meio de prova que corrobore essa factualidade.
4.ª – Os factos provados n.ºs 1.11, 1.12, 1.42 e 1.43 devem igualmente ser julgados não provados por inexistir prova que os sustente, nomeadamente qualquer meio de prova adicional às declarações de parte da autora, que as corrobore.
5.ª – Também o facto constante do ponto 1.92 da matéria de facto provada deve ser dado como não provado por inexistência de prova que o sustente, nomeadamente por o depoimento da testemunha DD não corroborar as declarações de parte da autora.
Da alteração da matéria de facto quanto ao autor BB
6.ª – Do documento junto com a petição inicial sob o n.º 4 não resulta comprovada a factualidade levada ao ponto 1.13 dos factos provados, nem tão-pouco a mesma resulta do depoimento da testemunha DD e das declarações de parte, dos quais não resulta a data e o autor do pretenso pagamento, pelo que o facto 1.13 dos factos provados deve ser julgado como não provado.
7.ª – Os factos elencados sob os pontos 1.92 a 1.96 da matéria de facto provada devem ser julgados como não provados na medida em que assentam nas declarações de parte do autor e no depoimento da testemunha DD, que tem um interesse na procedência da acção e foi parte envolvida no litígio em discussão, pelo que não se mostra como um depoimento idóneo a corroborar as declarações do autor.
Da reapreciação da matéria de facto quanto a ambos os autores
8.ª – Da documentação junta aos autos, nomeadamente dos documentos n.ºs 49 e 60 juntos com a petição inicial, resulta que o facto provado sob o n.º 1.108 deverá ser alterado, por forma a dele passar a constar que: A 1.º ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem assim como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à autora AA se refere, pelo menos em 19.JUN.2017, com a interposição do recurso da decisão de 1.ª instância; e, no que ao autor BB se refere, pelo menos em 23.JUN.2017, aquando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª instância.
Da reapreciação do direito aplicado
9.ª – Do facto provado n.º 1.108, resulta que à data da vigência inicial do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados, a ré advogada tinha consciência dos factos que lhe são imputados e de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização.
10.ª – Como tal, o presente sinistro encontra-se excluído do âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados.
11.ª – Ao não ter o tribunal a quo julgado a responsabilidade pelos factos alegados na petição inicial excluídos do âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados, violou o disposto nos artigos 405.º, n.º 1 do Código Civil, o artigo 44.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, e o artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil” do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados.
Por outro lado,
12.ª – A restituição dos honorários decorrente de incumprimento contratual só à ré advogada pode ser reclamada.
13.ª – A restituição das quantias pretensamente pagas a título de honorários não consubstancia qualquer indemnização ou compensação, abrangida pelas garantias contratadas através da apólice dos autos.
14.ª – Como tal, não pode a ora recorrente deixar de ser julgada parte ilegítima quanto ao pedido de devolução dos honorários pagos.
15.ª – Assim, ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 473.º e 483.º do Código Civil, 128.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e artigo 2.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” do contrato de seguro celebrado entre a apelante e a Ordem dos Advogados.
Acresce que,
16.ª – Encontra-se assente sob os pontos 1.103 e 1.104 a contratualização de uma franquia no montante de €5.000,00, por sinistro.
17.ª – Franquia pela qual é a ré advogada a única responsável pelo respectivo pagamento e a quem a mesma é oponível.
18.ª – Ao não ter condenado a 1.ª ré no pagamento da franquia por cada um dos dois sinistros dos autos, o tribunal recorrido violou o disposto no n.º 3 do artigo 49.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, e no ponto 15 do artigo 1.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” do contrato de seguro dos autos.]
9.
Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso da Ré W ... COMPANY SE.
10.
Também a Ré CC apresentou recurso de apelação, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
[1.ª – O presente recurso é interposto da Douta Sentença proferida pelo Mm.º Juiz “a quo”, que julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência condenou as rés CC e “W ..., Sucursal em España”, solidariamente, no pagamento, a título de indemnização: - à autora AA, do valor de 3.100,00€ - sendo 600,00€ a título de danos patrimoniais e 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais -, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento;- ao autor BB, do valor de 3.100,00€ - sendo 600,00€ a título de danos patrimoniais e 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais -, acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal de juro civil desde a presente data até efetivo e integral pagamento.
2.ª – Decidindo deste modo, salvo o devido e muito respeito, o tribunal recorrido: julgou incorretamente a matéria de facto, pois os meios probatórios constantes do processo e reproduzidos em audiência de julgamento impunham decisão diversa da recorrida, para além de que, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação dos factos e por via disso, uma incorreta aplicação do Direito.
Ora vejamos.
DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO À AUTORA AA
3.ª – No tocante ao facto constante do ponto 1.12 dos factos provados, o tribunal a quo considerou, para além das declarações de parte da autora, o teor do doc. n.º 3 junto com a petição inicial que considera consubstanciar um comprovativo de transferência bancária efetuada pela autora para a conta titulada pela 1.ª ré, no valor de €600,00. Pelo que, não pode a aqui recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo.
4.ª – Ademais, para que os Autores tivessem efetuado tal alegação e se demonstrasse nesta ação, então outro obstáculo à sua procedência se colocaria: a compensação daquele valor entregue a título de honorários, de uma provisão de 600,00€, pois “não há almoços grátis”, ou seja, à prestação de um serviço há-de corresponder o pagamento do respetivo valor. Sem prescindir, nesse caso, tal documento também se encontra impugnado, não resultando dos autos qualquer prova relativamente à sua veracidade (nomeadamente, qual a motivação utilizada pelo Tribunal a quo para atribuir aos Autores credibilidade).
5.ª – Porém, para que a Autora pudesse obter indemnização fundada nesse ato, necessário seria que o tivesse demonstrado inequivocamente e não apenas demonstrado superficialmente tal facto, donde não fosse possível transmutar agora tal factualidade para que obtenham ganho de causa com base em não demonstrado fundamento (que inclusive tal documento foi impugnado, e não resultando dos autos qualquer prova relativamente à sua veracidade).
6.ª – Já no ponto 1.92 “Os autores ficaram abalados com a atuação da 1ª ré” deve ser dado como não provado, uma vez que dos factos dados como provados pelo tribunal a quo não se evidencia prova quanto aos mesmos.
7.ª – O mesmo se diga, em relação ao ponto 1.93 “Os autores sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, face às indicações da 1ª ré, de recuperar os valores peticionados”, tal resulta das declarações prestadas pela Autora, e do depoimento da testemunha DD.
8.ª – Note-se que, as declarações da Autora são contrárias a essa factualidade.
Pois esta refere que, “nem foi pelo valor monetário”, mas antes pela perda de confiança em face da ligação de proximidade que os autores tinham em relação a algumas pessoas, o que é demonstrativo do facto de a Autora nunca demonstrar/abordar sentimento negativo referente à perda da recuperação das referidas quantias monetárias.
9.ª – Em relação ao ponto 1.94 “os autores ficaram tristes, desiludidos e angustiados.”, 1.95 “A situação tirou-lhes o sono”, 1.96 “A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo”, tal não foi ficou demonstrado nas declarações prestadas pela Autora. Ficou patente, das declarações prestadas pela Autora que, não gostou da forma como foi tratada, pelo que tal facto devia ter sido dado como não provado. Salvo opinião, não resultou da prova produzida nos autos, cujo ónus incumbia à aqui Autora a existência de danos não patrimoniais, ao contrário da factualidade que o Tribunal a quo forçosamente dá como provado (vide pontos dos factos dados como provados: 1.94, 1.95 e 1.96).
10.ª – Esta ressalva mais não parece do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que claramente não evidencia danos suscetíveis de serem ressarcidos.
11.ª – E, utilizar o “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, claramente aponta para a inexistência de uma oportunidade de ganhar, consistente, plausível, que se perdeu pela omissão cometida pela Ré CC, enquanto mandatária da Autora na referida ação. Para além de que, a convicção do julgador resulta tão só do seu “livre arbítrio”.
12.ª – Sendo a prova apreciada no equilíbrio das regras da experiência e a livre convicção do julgador, aquelas servem de limite à discricionariedade desta. Os pontos 1.94 a 1.96 da matéria de facto deve ser alterada, por forma a ser considerada não provada, por inexistência de provas objetivas de tais factos.
13.ª – Em relação à factualidade que o tribunal a quo deu como provado: “Ficaram tristes, desiludidos, angustiados e perderam o sono. A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo.” Tais factos, demonstram insuficiências ou imprecisões na exposição e na sua concretização. Logo, tal factualidade deve ser tida como não provada, por inexistência de provas objetivas, por parte do Tribunal a quo.
DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO AO AUTOR BB
14.ª – Resulta dos pontos 1.13 “O autor BB procedeu, de igual modo, ao pagamento da provisão de 600,00 € por meio de transferência bancária com data de 13.10.2016 para o IBAN indicado pela 1.ª ré.” Note-se que, não resulta provado que a transferência tenha sido realizada para a conta da aqui Ré CC.
15.ª – Ademais, para que os Autores tivessem efetuado tal alegação e se demonstrasse nesta ação, então outro obstáculo à sua procedência se colocaria: a compensação daquele valor entregue a título de honorários, de uma provisão de 600,00€, pois “não há almoços grátis”, ou seja, à prestação de um serviço há-de corresponder o pagamento do respetivo valor. Sem prescindir, nesse caso, tal documento também se encontra impugnado, não resultando dos autos qualquer prova relativamente à sua veracidade.
16.ª – Porém, para que o Autor pudesse obter indemnização fundada nesse ato, necessário seria que o tivesse demonstrado inequivocamente e não apenas demonstrado superficialmente tal facto, donde não fosse possível transmutar agora tal factualidade para que obtenham ganho de causa com base em não demonstrado fundamento (que inclusive tal documento foi impugnado, e não resultando dos autos qualquer prova relativamente à sua veracidade).
17.ª – Em relação aos pontos 1.92. Os autores ficaram abalados com a atuação da 1ª ré. 1.93. Os autores sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, face às indicações da 1ª ré, de recuperar os valores peticionados.1.94. Os autores ficaram tristes, desiludidos e angustiados. e 1.95. A situação tirou-lhes o sono. 1.96. A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo.
Nestes pontos, não se aceita a valoração da prova efetuada pelo Tribunal a quo, pois a prova testemunhal colhida resulta do depoimento prestado pela sua esposa DD (na medida em que, tem um interesse na procedência da causa). Logo, tal testemunha está destituída de credibilidade.
18.ª – Em relação ao ponto 1.92 “Os autores ficaram abalados com a atuação da 1ª ré”, tal facto deve ser dado como não provado, pois não pode o Tribunal a quo socorrer-se da prova parcial e interessada como da testemunha acima mencionada. Encontrando-se, esta desprovida de credibilidade bastante para corroborar as declarações do Autor marido, quanto à factualidade dos pontos 1.92 a 1.96 dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo.
19.ª – Em relação ao concreto ponto 1.93 “Os autores sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, face às indicações da 1ª ré, de recuperar os valores peticionados”.
20.ª – O ponto 1.94, refere ainda que, “os autores ficaram tristes, desiludidos e angustiados.”, 1.95 “A situação tirou-lhes o sono”, 1.96 “A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo”, tal não foi ficou demonstrado nas declarações prestadas pelo Autor, nem tais factos foram corroborados pelas declarações da testemunha esposa, do aqui Autor, pois esta não disponha da credibilidade bastante já que tinha interesse na procedência da ação. Pelo que o Tribunal a quo, ao dar como provado que: “… sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, (…), de recuperar os valores peticionados.”
21.ª – Fazer um “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, claramente aponta para a inexistência de uma chance de ganhar, consistente, séria e plausível, que se perdeu pela omissão cometida pela Ré, enquanto mandatário do Autor na referida ação. Assim sendo, a factualidade dos pontos 1.94 a 1.96 deve ser alterada, por forma a ser considerada não provada, por inexistência de provas objetivas de tais factos.
22. Em relação à factualidade que o tribunal a quo deu como provado (pontos 1.94 a 1.96 deve ser alterada): “Ficaram tristes, desiludidos, angustiados e perderam o sono. A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo.” Tais factos, demonstram insuficiências ou imprecisões na exposição e na sua concretização. Logo, tal factualidade deve ser tida como não provada, por inexistência de provas objetivas, por parte do Tribunal a quo.
DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO APLICADA
23.ª – O contrato de seguro identificado em 1.99 da sentença foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 00:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2020 - ponto 10 das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”. Através do referido contrato de seguro a 3ª ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro (…).”- ponto 6. A. das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil.
24.ª – Quer isto dizer que, a haver algum montante a liquidar aos Autores, tal montante deverá ficara a cargo única e exclusivamente sobre a terceira Ré, pois, o contrato de seguro em apreço celebrado entre a 3ª ré e a “Ordem dos Advogados”, através do qual estão segurados todos os advogados inscritos na “Ordem dos Advogados” e do qual são beneficiários os respetivos clientes, é um contrato de seguro obrigatório (seguro de grupo). Senão, de outra forma era desnecessário fazer seguro de responsabilidade civil profissional.
25.ª – A norma estatutária contida no artigo 104º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro, tendo por finalidade a realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente do advogado ante uma eventual insolvabilidade deste profissional e de assegurar a efetividade do direito de indemnização do cliente/lesado perante atuação do advogado geradora de responsabilidade, consagra, no seu nº1, a obrigatoriedade de o Advogado celebrar um contrato de c/ apoio judiciário seguro (individual) de responsabilidade civil profissional por forma a cobrir os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia.
26.ª – Mas, para além deste contrato de seguro individual, consagra ainda, no seu nº 3, a existência de um seguro de grupo, igualmente obrigatório, mas com carácter supletivo. Trata-se do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é acionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual previsto no nº 1 do citado artigo 104º.
27.ª – Dispondo o ponto 7 das Condições particulares da apólice deste contrato de seguro que: “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, estamos perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made”, segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base.
28.ª – A norma imperativa do artigo 101, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL nº 72/2008, de 16 de abril prevalece sobre a cláusula contratual da exclusão de pré-conhecimento do sinistro, prevista na alínea a), do artigo 3º, das Condições Particulares desta mesma apólice, que exclui da cobertura do contrato de seguro em causa as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.
29.ª – Vale isto por dizer que, por força do disposto no art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, não são oponíveis aos lesados beneficiários as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos nºs 1 e 2 do citado artigo.
30.ª – E, neste contexto legal, concluiu que «a cláusula de pré-conhecimento prevista no art.º 3.º al. a) das condições particulares da apólice não é oponível à Ré CC, beneficiária do contrato de seguro obrigatório, podendo ser acionada a apólice à primeira reclamação, embora o facto gerador do dano tenha tido lugar em momento anterior, nos termos do art.º 7.º das condições particulares e ainda que o segurado tenha tido conhecimento anterior de tal facto, como foi o caso», pelo que, deve ser alterada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que determinou que, por força do contrato de seguro celebrado, está a ré CC e a seguradora obrigadas solidariamente a indemnizar a autora pelos prejuízos causados pela conduta do réu BB, no valor de €6.200,00 (seis mil e duzentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
31.ª – É contra este entendimento que reage a aqui recorrente CC, isto porque, a referida cláusula contratual, impropriamente designada de “exclusão de pré-conhecimento”, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice, limitando o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que, tendo sido cometidos em data anterior ao termo do período de vigência da apólice, sejam desconhecidos do segurado em data anterior ao início do período de vigência dessa mesma apólice.
32.ª – E, não sendo aplicável à “exclusão” prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições particulares da apólice, o disposto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL nº 72/2008 de 16 de Abril) bem como a inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes ao terceiro é irrelevante para a sua aplicação a pretensa natureza obrigatória do contrato de seguro.
33.ª – Daí que, sendo inequívoco que, no caso dos autos, a ré advogada teve conhecimento dos factos e circunstâncias suscetíveis de gerar a sua responsabilização civil perante os autores lesados ou tornavam provável a sua reclamação, em data anterior à do início da vigência do contrato de seguro, sempre será de concluir, por aplicação da cláusula contratual prevista no artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais da Apólice e do estabelecido no n.º 2 do artigo 44.º da Lei do Contrato de Seguro, pela impossibilidade de responsabilização da ora recorrente pelos danos presumivelmente decorrentes da atuação profissional da advogada CC, no âmbito do patrocínio assumido perante os Autores.
34.ª – Não há dúvida resultar do quadro factual dado como assente e supra descrito, estarmos no âmbito de uma ação de indemnização pelos danos causados pela ré, advogada, aos autores pelo não cumprimento das obrigações integradas no mandato forense que a mesma lhe conferiu, pelo que, para efeitos de responsabilização da ré seguradora, importa caracterizar o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados.
35.ª – Estamos, pois, perante uma norma estatutária que, com vista à realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente do advogado ante uma eventual insolvabilidade deste profissional e de assegurar a efetividade do direito de indemnização do cliente/lesado perante atuação do advogado geradora de responsabilidade, consagra, no seu nº 1, a obrigatoriedade de o Advogado celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional por forma a cobrir os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia, pois como refere o Acórdão do STJ, de 14.12.2016 (processo nº 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1), quer o elemento filológico de interpretação tirado do uso do termo “deve” (está obrigado), quer a “ratio” que superintendeu à redação deste texto normativo apontam no sentido de que este seguro tem natureza imperativa.
36.ª – Por outro lado, contempla o nº 3 deste mesmo art. 104º, a existência de um seguro de grupo, igualmente obrigatório, mas com carácter supletivo.
37.ª – Trata-se do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é acionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual.
38.ª – Dito de outro modo, estamos perante um contrato de seguro de grupo base, de que beneficiam, sem quaisquer custos adicionais, todos os advogados inscritos e representados pela OA, que, através desta sua intervenção de natureza cautelar, não só protege o advogado dos riscos em que pode incorrer no exercício da sua atividade, como garante a proteção do cliente contra a falta de zelo do seu advogado no cumprimento do mandato forense.
39.ª – E a este respeito diremos, desde logo, que uma tal cláusula não pode deixar de ser conjugada com o regime previsto na Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, cujo art. 100º, nº 1 faz impender sobre o segurado e/ou beneficiário o dever de participação do sinistro «no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento», estabelecendo o art. 101º, a propósito da “falta de participação do sinistro”, no seu nº 4, que as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos seus nºs 1 e 2 do citado artigo, não são oponíveis aos lesados «em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efetuar, com os limites referidos naqueles números».
40.ª – Ora, assente, em face do disposto no art. 104º, nº 1 do citado EOA, a natureza obrigatória do seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados, temos por certo, tal como se afirmou no recente Acórdão do STJ, de 16.05.2019 (processo nº 236/14.7TBLMG.C1.S1), que, no confronto da cláusulas contratual prevista no artigo 3º, al. a) das Condições Particulares da Apólice nº ..., com a norma imperativa do art. 101, nº 4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL nº 72/2008, de 16 de abril, prevalece esta última.
41.ª – Daí a cláusula de exclusão invocada pela recorrente W ... , SUCURSAL EN ESPAÑA para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir os Autores pela ocorrência do risco coberto pelo contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, não opera no caso dos autos, pelo que, a haver responsabilidade no pagamento, deverá ser a W ... , SUCURSAL EN ESPAÑA condenada no respetivo pagamento.]
11.
Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso da Ré CC.
II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, as questões estruturais a decidir nos presentes recursos, são as seguintes:
a) Alteração da decisão da matéria de facto, por erro de julgamento;
b) Pressupostos da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade contratual e, mais especificamente, no âmbito de contrato de mandato forense; e
c) Âmbito de cobertura do contrato de seguro.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1.
Factos julgados provados
1.1. A 1.ª Ré integra a associação profissional “Ordem dos Advogados”, na qualidade de advogada.
1.2. Os Autores foram colegas de trabalho na “R..., S.A.”, com sede em Matosinhos, onde ambos exerciam funções de motorista de transporte coletivo de pesados de passageiros.
1.3. Ambos resolveram unilateralmente os contratos de trabalho que mantinham com a “R ...” por cartas datadas de 12 de fevereiro de 2016, dirigidas à entidade empregadora e juntas a estes autos a fls. 30 verso e 31, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nas quais referiam que a mesma “(…) terá efeito a partir do próximo dia 12 de Fevereiro (…)”.
1.4. Entendiam os Autores que, à data da cessação do contrato de trabalho, mantinham créditos sobre a entidade empregadora, não pagos, relativos a trabalho suplementar, subsídio de agente único e horas de formação não prestadas.
1.5. Volvidas semanas sobre a resolução do contrato de trabalho sem que a “R ...” se tivesse disponibilizado a pagar os créditos que entendiam estar em dívida ou a negociar o seu pagamento com os Autores, estes entenderam que deviam pedir ajuda especializada a um advogado.
1.6. Nesse sentido, contactaram a 1.ª Ré, que conheciam por ser casada com um motorista que trabalhou na empresa em que os Autores trabalharam e que sabiam que já tinha auxiliado juridicamente outros colegas de profissão.
1.7. O primeiro a estabelecer contacto com a 1.ª Ré foi o Autor BB, em abril de 2016, tendo reunido no escritório que esta tinha na ..., junto à Câmara Municipal ....
1.8. Depois desse contacto, o Autor BB acompanhou a autora AA ao escritório da 1.ª Ré, à época na ....
1.9. Nessas reuniões, a 1.ª Ré analisou a situação laboral que os Autores mantiveram com a “R ...”, tendo indicado aos Autores que entendia que estes tinham créditos a reclamar e que o poderiam fazer por meio de ação judicial a interpor contra a sua ex-entidade empregadora.
1.10. Os Autores indicaram à 1.ª Ré que queriam avançar com a referida ação.
1.11. Entre as partes – 1.ª Ré e autores - foi acordado o pagamento, a título de honorários, de uma provisão de 600,00€ antes da interposição de cada uma das ações e 10% sobre o que efetivamente viessem a receber da sua ex-entidade empregadora nas ações a interpor.
1.12. A Autora AA procedeu, tal como acordado, ao pagamento à 1.ª Ré da provisão no montante de 600,00€, o que fez por meio de transferência bancária com data de 28.09.2016 para o IBAN indicado pela 1.ª Ré.
1.13. O Autor BB procedeu, de igual modo, ao pagamento da provisão de 600,00€ por meio de transferência bancária com data de 13.10.2016 para o IBAN indicado pela 1.ª Ré.
1.14. Os Autores remeteram à 1.ª Ré todos os documentos que esta lhes solicitou, relacionada com a relação laboral que mantiveram com a “R ...”, nomeadamente contrato de trabalho, escalas de trabalho, discos e leituras do cartão de motorista com registos de horários de trabalho e recibos de vencimento[1].
1.15. Os Autores remeteram à 1.ª Ré, quando a 1.ª Ré as solicitou, as procurações forenses devidamente assinadas, juntas a estes autos a fls. 135 e 199 verso.
1.16. A Autora AA prestou as informações necessárias para o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo, o qual foi formulado em 28.09.2016 e lhe foi concedido por decisão proferida em 12.10.2016. junta a estes autos a fls. 131 a 134.
1.17. O Autor BB pagou as taxas de justiça que a 1.ª Ré lhe apresentou para pagar.
1.18. No decurso da respetiva ação, por requerimento datado de 02.02.2012, junto aos autos a fls. 292 verso a 294, o Autor BB solicitou apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, por conselho da 1.ª Ré.
1.19. Os Autores deixaram a situação entregue à 1.ª Ré, com quem reuniram umas três ou quatro vezes, presencialmente, nos escritórios que esta teve na ... e depois em Matosinhos.
1.20. Meses após os Autores terem acordado com a 1.ª Ré a prestação por esta dos seus serviços, e após a 1.ª Ré ter assegurado que estavam a correr os respetivos processos, os Autores começaram a ter dificuldades em contactá-la, já que não se disponibilizava para os receber presencialmente e raramente lhes atendia as chamadas ou respondia a mensagens.
1.21. A 1.ª Ré já não dava conta aos Autores do andamento dos processos, nem lhes explicava o que efetivamente se passava com eles.
1.22. Os Autores souberam da improcedência das ações em 1.ª instância e da interposição dos recursos, mas não lhes foi explicado o conteúdo das decisões proferidas, nomeadamente, das sentenças proferidas em 1ª instância.
1.23. A 1.ª Ré disse aos Autores que tudo se resolveria nos recursos interpostos nos respetivos processos que iam mostrar que a decisão da 1.ª instância não estava correta.
1.24. A 1.ª Ré ia sossegando as inquietações dos Autores, pedindo-lhes que ficassem descansados pois iriam ver reconhecidos os seus créditos.
1.25. O Autor BB recebeu uma carta da mandatária da “R ...”, datada de 16.02.2018, junta aos autos a fls. 299 verso a 300, a reclamar custas de parte no valor de 1.632,00€, carta essa que não compreendeu, pelo que de imediato entrou em contacto com a 1.ª Ré.
1.26. Nessa ocasião a 1.ª Ré deu indicação expressa ao Autor BB para não fazer o pagamento, uma vez que o processo ainda estava a decorrer e por isso não havia custas para pagar, deixando-o descansado.
1.27. Mais tarde, face às respostas evasivas da 1.ª Ré e, a determinada altura, à dificuldade que sentiam em contactá-la, começaram os autores a desconfiar que algo não estaria bem com os processos.
1.28. No início de julho de 2018, cada um dos Autores contactou o tribunal onde foi proposto o seu processo, tendo-lhes sido comunicado que os processos já tinham decisão transitada em julgado.
1.29. Com estas informações que os apanharam de surpresa, os Autores tentaram obter esclarecimentos junto da 1.ª Ré, sem sucesso, uma vez que, apesar de terem conseguido contactá-la, esta mostrou-se desagrada por entender que estavam a desconfiar de si e, posteriormente, não os recebia nem atendia os seus contactos.
1.30. Nestas condições, os Autores foram consultar os processos, tendo percebido que os mesmos foram julgados improcedentes e que não lhes foram reconhecidos quaisquer créditos.
1.31. Ainda tentaram contactar a 1.ª Ré e chegaram a marcar uma reunião, mas esta, no dia agendado, avisou que não podia comparecer, não mais tendo respondido aos Autores.
1.32. Porque necessitavam de apoio técnico para compreender o andamento e as decisões proferidas no processo, os Autores contactaram o escritório de advogados do aqui mandatário subscritor.
1.33. O processo n.º 1263/17.8T8VNG, em que é autora a aqui Autora AA, foi despoletado pela 1.ª Ré junto do Juízo de Trabalho de Vila Nova de Gaia, via plataforma Citius, a 10.02.2017, através da apresentação da petição inicial junta a estes autos a fls. 34 a 55, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
1.34. A 13.02.2017 foi proferido nesse processo o despacho junto a estes autos a fls. 56 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta:
“Nos termos do art. 54º, nº 1, do CPT, conjugado com o art. 590º do CPC, decide-se indeferir liminarmente a petição apresentada pelos seguintes fundamentos:
- não vem acompanhada, quer de comprovativo de pagamento de taxa de justiça, quer de documento comprovativo da concessão de apoio judiciário ou, pelo menos, do seu requerimento, quando a falta deste é motivo de recusa da petição pela própria secretaria e mesmo em casos de urgência – cfr. arts. 552º, nºs 3 e 5, e 558, al. f), do CPC;
- passa do art. 43º para o 74º, sem incluir qualquer descrição de trabalho suplementar após maio de 2008 que justifique o pedido global de 62.953,35 euros que a A. formula a final a este título; e sem se referir aos subsídios e diferenças remuneratórias que reclama pelo valor global de 9.580,93 euros; havendo assim uma falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, bem como uma contradição entre os factos alegados como causa de pedir e os pedidos formulados, o que gera ineptidão da petição, nos termos e com os efeitos do art. 186º, nºs 1 e 2, als. a) e b, do CPC; e
- não vem também acompanhada de procuração à subscritora nem de quaisquer outros documentos a que se reporta e que deveriam ter sido juntos para a realização da citação, nos termos do art. 227º, nº 1, do CPC.
Custas pela A.”
1.35. A 15.02.2017 a 1.ª Ré juntou, por meio de requerimento, junto a estes autos a fls. 57 a 136, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nova petição inicial, documentos, procuração e comprovativo do deferimento do apoio judiciário.
1.36. Nesse mesmo dia de 15.02.2017, por meio de requerimento, junto a estes autos a fls. 137 a 138, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a 1.ª Ré solicitou que “devido à premência da Citação da Ré para interrupção do prazo de prescrição que se encontra a decorrer, tornasse urgente que o referido ato seja praticado com a máxima celeridade. Assim sendo, vem (…) Requerer que a Citação Urgente da Ré seja promovida por mandatário judicial (…)”, oferecendo-se para ser ela, na qualidade de advogada, a praticar o referido ato.
1.37. Por despacho proferido no referido processo em 15.02.2017, junto a estes autos a fls. 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi admitida a apresentação da nova petição e deferida a citação urgente por mandatário.
1.38. Por requerimento desse mesmo dia 15.02.2017, junto a estes autos a fls. 139 verso a 141, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a 1.ª Ré juntou ao processo a certidão de citação negativa da entidade empregadora “em virtude do citando se ter recusado a assinar e a receber o duplicado da Petição Inicial” e requereu, em simultâneo, que “seja o Tribunal a proceder à Citação com carácter Urgente” da entidade patronal.
1.39. Por despacho proferido a 20.02.2017, junto a estes autos a fls. 141 verso, foi deferido o requerimento da 1.ª Ré, ordenando a citação por funcionário judicial.
1.40. A 16.03.2018 realizou-se a audiência de partes, cuja ata consta a fls. 142 verso destes autos, na qual esteve presente a Autora AA, a 1.ª Ré e a mandatária da entidade empregadora.
1.41. Na referida diligência, as mandatárias solicitaram a suspensão da instância por 15 dias com vista a um eventual acordo, o que foi deferido.
1.42. Durante a diligência, a 1.ª Ré comunicou à Autora AA que poderia haver possibilidade de acordo, com o pagamento pela entidade empregadora à autora de 7.000,00€.
1.43. A Autora AA ficou relutante com o valor proposto porque era distante do valor peticionado, mas a 1.ª Ré aconselhou-a a aceitar.
1.44. Atento o conselho da 1.ª Ré, a Autora AA estava inclinada a aceitar, tendo contactado a 1.ª Ré no período de suspensão para saber como é que estava a decorrer a tentativa de acordo.
1.45. A 1.ª Ré foi dizendo à Autora AA que a mandatária da entidade empregadora nada lhe dizia quanto à possibilidade de acordo e que ela nada ia fazer porque entendia que a interessada em fazer acordo era a entidade empregadora, pelo que tinham de ser eles a tomar a iniciativa.
1.46. Ficou a Autora AA descansada quanto à probabilidade de obter procedência na ação, uma vez que se o interesse no acordo era da entidade empregadora tudo estaria bem encaminhado para si naquele processo.
1.47. A 19.04.2017 a entidade empregadora apresentou contestação, junta a estes autos a fls. 143 a 153, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando a prescrição dos créditos reclamados e deduzindo impugnação ao alegado na petição inicial.
1.48. A 1.ª Ré não respondeu à contestação apresentada.
1.49. A 11.05.2017 foi proferida sentença no referido processo, junta a estes autos a fls. 154 a 155, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual julgou “procedente por provada a exceção de prescrição suscitada pela Ré R..., S.A, absolvendo-se a mesma do(s) pedido(s) formulado(s) pela Autora AA. Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (…).”
Consta dessa sentença que:
“Sucede que, segundo alegava a própria A. no art. 11º e conforme foi reconhecido pela R. no art. 1º da contestação - pelo que se trata de facto assente (art. 574, nº2, do CPC) – o trabalho de trabalho em causa cessou por iniciativa unilateral do trabalhador (denúncia) mediante carta remetida à empregadora em 12/02/2016.
Mais: tal carta tinha o teor da cópia junta pela R. a fls. 201, já que tal documento (particular) não foi impugnado pela A. e, como tal, face ao disposto nos arts. 374º, nº 1, e 376º do Cód. Civil, é de dar por assente igualmente que a cessação do contrato ocorreu na data ali indicada, ou seja, o próprio dia 12/02/2016.
Ora, a ação apenas foi apresentada no tribunal em 10.02.2017, com a petição de fls. 4 a 44, tendo sido indeferida liminarmente pelas falhas/omissões - todas imputáveis à própria A./subscritora - apontadas no despacho de 13/02/2017, constante de fls. 45 e que aqui se dá por reproduzido.
Aproveitando da faculdade concedida pelo art. 560º do CPC, a A. apresentou nova petição, na qual supriu as aludidas falhas/omissões, em 15/02/2017, com o teor de fls. 47 a 174.
Nesta decorrência e ainda que tenha sido deferida a citação urgente da R., esta apenas veio a ocorrer em 23/02/2017, conforme se alcança da certidão de fls. 188.”
1.50. Notificada da sentença, a Autora AA solicitou à 1.ª Ré que lhe explicasse o seu teor.
1.51. A 1.ª Ré foi perentória em afirmar que se tratava de uma interpretação errada do tribunal e que tinham de apresentar recurso da mesma, afirmando que o tribunal de recurso não iria entender daquela forma.
1.52. Nesse sentido, a Autora AA concordou que se apresentasse recurso da sentença.
1.53. A 19.06.2017 a 1.ª Ré apresentou recurso “per saltum” para o Supremo Tribunal de Justiça da sentença proferida em 1.ª instância, o qual consta destes autos a fls. 156 a 176, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, peticionando que se reconhecesse a nulidade da sentença ou, se assim não se entendesse, que revogasse na íntegra a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
1.54. Por despacho proferido a 07.09.2017 e notificado à 1.ª Ré, junto a estes autos a fls. 177, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o tribunal recorrido não admitiu o recurso, referindo:
“O despacho saneador-sentença de fls. 214 e segs. Foi notificado às partes por carta registada a 15/05/2017, sendo como tal a notificação de dar por efetivada em 18/05/2017, segundo o art. 249º, nº 1, do CPC.
Ora, o prazo para recurso era de 20 dias, segundo o art. 80º, nº 1 do CPT.
Contudo, o recurso interposto pela R. a fls. 217 e segs. apenas o foi em 19/06/2017, muito pois além do sobredito prazo e até além dos 3 dias suplementares a que alude o art. 139º, nº 5, do CPC.
Como tal e por intempestivo, não se admite o recurso em causa”.
1.55. A 03.11.2017 foi expedida notificação para a 1.ª Ré, junta a estes autos a fls. 178 a 178 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido a comunicar que foi dispensada a elaboração da conta.
1.56. A 1.ª Ré nunca comunicou à Autora AA que o recurso não havia sido admitido.
1.57. Sempre que questionada e até ao momento em que ainda atendia os telefonemas à Autora AA, a 1.ª Ré afirmou que o processo continuava em curso e que aguardavam a decisão do recurso.
1.58. O processo n.º 723/17.5T8MTS, em que é autor o aqui Autor BB, foi despoletado pela 1.ª Ré junto do Juízo de Trabalho de Matosinhos, via plataforma Citius, a 11.02.2017, pelas 0h27m, através da petição inicial junta a estes autos a fls. 179 a 195, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
1.59. Nessa petição inicial a 1.ª Ré solicitou a citação urgente da entidade empregadora.
1.60. Nessa petição inicial a 1.ª Ré não discriminou mensalmente as horas extraordinárias realizadas pelo Autor BB, apesar de dispor de documentação que lhe permitiria fazê-lo.
1.61. Do despacho proferido nesse processo em 14.02.2017, junto a estes autos a fls. 196, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta:
“Não obstante ter sido requerida a citação urgente da Ré constata-se que a Ex.ma mandatária subscritora da petição inicial não juntou aos autos procuração, o que obsta para já à apreciação e deferimento daquela pretensão.
Nesta conformidade, determino a notificação da referida subscritora da p.i. para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos procuração outorgada a seu favor pelo(a) Autor(a)(es), com ratificação de todo o processado, sob a cominação prevista no n.º 2 do art. 48º do Código de Processo Civil.”
1.62. Nesse mesmo dia 14.02.2017, a 1.ª Ré, por requerimento, junto a estes autos a fls. 198 a 200, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, juntou um documento e a procuração forense.
1.63. Por despacho proferido a 15.02.2017, junto a estes autos a fls. 201 a 201 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi considerado regularizado o patrocínio judiciário relativamente ao autor, foi deferida a requerida citação urgente da ré, a efetuar por carta registada com A/R, e foi marcada data para audiência de partes.
1.64. A audiência de partes realizou-se a 14.03.2017, encontrando-se a respetiva ata junta a estes autos a fls. 203 a 203 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual estiveram presentes o autor BB, a 1ª ré e a mandatária da entidade empregadora.
1.65. Nessa audiência de partes não se logrou a conciliação das partes.
1.66. A entidade empregadora apresentou contestação a 03.04.2017, junta a estes autos a fls. 204 a 217, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual invocou a prescrição dos créditos reclamados e impugnou o alegado pelo autor na petição.
1.67. Deduziu também reconvenção, pedindo a condenação do Autor no pagamento do valor de 1.288,82€, pelo incumprimento do prazo de aviso prévio aquando da denúncia do contrato de trabalho.
1.68. A 1.ª Ré foi notificada da contestação e da reconvenção apresentada e não se pronunciou.
1.69. A 29.05.2017 foi proferida sentença, junta a estes autos a fls. 220 a 227 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se decidiu:
“- Julgar procedente, por provada, a invocada exceção (perentória) de prescrição invocada pela Ré (…) e, em consequência, absolvo-a dos pedidos contra si formulados pelo Autor (…).
- Julgar procedente, por provada, a reconvenção intentada pela R./reconvinte (…) contra o A./reconvindo (…) e, em consequência, condeno este no pagamento àquela da quantia de €1.288,82 (…)
Custas da ação e da reconvenção a cargo do Autor (…).”
1.70. Consta dessa sentença:
“Tendo o contrato de trabalho cessado no dia 12 de fevereiro de 2016, o termo do prazo prescricional de um ano previsto no n.º 1 do art. 337º ocorreu às 24 horas do dia 13 de fevereiro de 2017.
Constata-se, porém, que o autor não requereu a citação com, pelo menos, cinco dias antes do fim do prazo de prescrição, pois quando foi apresentada a petição inicial e requerida a citação (11/02), faltavam apenas 2 (dois) dias para a verificação daquele termo.
Não pode, pois, o Autor beneficiar do regime consagrado no citado art. 323.º, n.º 2 do Código Civil, visto que era pressuposto a citação ter sido requerida antes de cinco dias do termo do prazo prescricional.
Deste modo, considerando que a ação foi proposta (em 11/02/2017) com menos de cinco dias de antecedência em relação ao termo do prazo prescricional (13/02/2017) e porque a citação não se fez antes de completado este prazo, não pode verificar-se a interrupção da prescrição, mesmo que o retardamento da citação para além dos cinco dias não fosse imputável ao autor.
De qualquer modo quanto a este último ponto sempre se imporia salientar que o retardamento na efetivação da citação da ré se ficou a dever a motivo imputável à parte, dada a necessidade de prévia regularização do patrocínio judiciário, por não ter sido desde logo junta aos autos a respetiva procuração forense, sendo certo que não foi aduzida qualquer causa justificativa para essa omissão e a Ex.ma mandatária também não invocou atuar, no interesse e por conta do autor, a título de gestão de negócios.”
1.71. O Autor BB foi notificado da sentença tendo de imediato contactado a 1.ª Ré para que lhe fosse explicado o seu conteúdo.
1.72. A 1.ª Ré realçou a má interpretação do tribunal de 1.ª instância, afirmando que em sede de recurso a questão ficaria resolvida, sendo os créditos reclamados apreciados pelo tribunal.
1.73. A 1.ª Ré apresentou recurso de apelação para o Tribunal da Relação a 23.06.2017, junto a estes autos a fls. 230 a 251, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no 1.º dia de multa.
1.74. Por despacho proferido a 19.09.2017, junto a estes autos a fls. 252, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi o recurso interposto admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
1.75. Posteriormente, foi a 1.ª Ré notificada para sintetizar as conclusões das alegações apresentadas.
1.76. Em 08.01.2018 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, junto a estes autos a fls. 254 verso a 263 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se decidiu:
“Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na parcial procedência do recurso, mantendo-a quanto ao mais, em alterar a decisão recorrida no que se refere ao pedido reconvencional, sendo nessa parte substituída por este Acórdão, nos termos seguintes:
Na procedência da reconvenção, decide-se considerar já efetuada a compensação, por dedução pela Reconvinte no valor que pagou ao Reconvindo aquando da cessação do contrato, da quantia de €1.288,82 (…) devida por este a título de indemnização por falta de aviso prévio.
Custas do recurso a cargo do Autor.”
1.77. Do teor desse Acórdão resulta que:
“Por sua vez, a Ré, na sua contestação, assim no artigo 1.º, alegou que o “A. reclama créditos emergentes do contrato de trabalho que cessou por iniciativa unilateral do trabalhador em 12.02.2016, feita por escrito por carta dirigida à R. (doc.1)”, sendo que o documento para que remete (doc. 1), não impugnado pelo Autor, se traduz na comunicação de denúncia do contrato do Autor à Ré, documento esse, acrescente-se, do qual consta, designadamente, como declaração, “venho informar a minha intenção de rescisão contratual” e que “a rescisão terá efeito a partir do próximo dia 12 de Fevereiro, no qual deixarei de exercer toda e qualquer atividade laboral”. Ou seja, a Ré na contestação, na defesa que apresentou por exceção, assim da prescrição, separadamente diga-se, invoca expressamente o dia 12 como tendo sido o da cessação do contrato - e não pois 15, como alegado pelo Autor na p.i. -, apresentando ainda documento, que junta, como sendo o da carta que esse lhe enviou, documento esse que, estando assinado, e cuja autoria àquele é atribuída, faz prova plena das declarações que contém, como resulta do disposto nos artigos 374.º, n.º 1, e 376.º do CC, pois que não foi pelo mesmo impugnado, o qual, do mesmo modo, sequer apresentou depois resposta à contestação, em particular à matéria de exceção nessa invocada, assim, desde logo, a data nessa indicada como sendo a cessação do contrato, coincidente afinal com a que consta no documento a que se faz referência.
Do exposto resulta, quer por aplicação dos citados normativos quer ainda, face à não apresentação de resposta à contestação por parte do Autor, do regime que resulta do disposto no artigo 60.º, n.º 4 do CPT, e 574.º, n.º 2 do CPC - correspondente no novo CPC ao anterior 490.º -, até porque a matéria de exceção foi deduzida separadamente pela Ré na contestação (artigo 572.º, al. c), do CPC - Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação), que de devem considerar admitidos por acordo, ou seja, que deve ter-se por assente que a data indicada pela ré, assim 12 de Fevereiro de 2016, corresponde àquela em que a declaração de denúncia do contrato por parte do Autor produziu os seus efeitos, pois que não foi contrariada por este ao não ter apresentado resposta a esta matéria (de exceção), sendo que, importando verificar se havia sido contrariada na petição inicial, a conclusão a que se chega é negativa, face à alegação aí constante, pois que nessa apenas referiu, como se disse antes, que “cessou o seu contrato de trabalho com a R., por meio de carta registada com aviso de receção, informando que a partir de 15 de Fevereiro cessaria as suas funções”, sendo que, face à prova plena quanto às declarações que constam do documento junto e que consubstancia tais declarações, resulta não essa data e sim, diversamente, a de 12 de fevereiro, ou seja, precisamente a indicada pela Ré.
(…)
Por decorrência do exposto, não poderemos deixar de concluir, como o Tribunal a quo, muito embora com fundamentos não totalmente coincidentes, que, iniciando-se o prazo de prescrição no dia 13 de fevereiro de 2016 (dia seguinte ao da cessação do contrato), o seu termo ocorreu em 13 de Fevereiro de 2017, razão pela qual, tendo a presente ação sido proposta em 11/02/2017, ou seja apenas dois dias antes, esta não o foi com a antecedência dos cinco dias previstos no citado n.º 2 do artigo 227.º do CC, não podendo pois o Autor aproveitar do regime no mesmo previsto e que se faz referência”.
1.78. Posteriormente, a 1.ª Ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, junto a estes autos a fls. 265 verso a 295, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
1.79. Em 15.05.2018 foi proferido despacho pelo tribunal recorrido, junto a estes autos a fls. 295 verso a 296, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual, designadamente, consta que “não se admite o recurso de revista interposto pelo Autor, considerando-se ainda extemporânea a sua eventual convolação para requerimento de reforma do acórdão ou arguição de nulidades.”
1.80. Embora tenha sido notificada do despacho identificado em 1.79., de não admissão de recurso, a 1.ª Ré disse ao Autor que o processo continuava em curso, aguardando-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça.
1.81. Só mais tarde, na ocasião a que se alude em 1.28., veio o Autor BB, face à impossibilidade de contacto com a 1.ª Ré que não atendia telefonemas nem recebia o autor no seu escritório, a descobrir que o seu processo já tinha transitado em julgado.
1.82. A procuração forense outorgada pela Autora AA tinha aposta a data de 02.02.2017.
1.83. A decisão identificada em 1.16., logo que notificada à Autora AA foi de imediato remetida à 1.ª Ré.
1.84. Quando a ação identificada em 1.58. foi interposta, a 1.ª Ré não detinha a procuração forense datada de 09.02.2017, uma vez que só solicitou a sua outorga ao autor BB, por email, a 13.02.2017.
1.85. Nesse mesmo dia o Autor BB devolveu a procuração assinada à 1.ª Ré.
1.86. A taxa de justiça devida pela interposição da ação foi paga assim que o seu pagamento foi solicitado pela 1.ª Ré ao Autor BB, sendo que o respetivo DUC, junto a fls. 194, no valor de 816,00€, foi emitido no dia 09.02.2017, pelas 20:41:42 horas, e o pagamento foi efetuado por homebanking, no mesmo dia, pelas 23:36:32 horas, tendo o autor, de imediato, remetido o comprovativo de pagamento à 1.ª Ré.
1.87. A 1.ª Ré sabia que o processo identificado em 1.58. já tinha decisão transitada em julgado a 01.06.2018, tendo sido notificada do termo de apresentação a exame em 14.06.2018, onde está aposta a data do trânsito em julgado.
1.88. A 26.06.2018 a 1.ª Ré foi notificada da junção aos autos da nota de custas discriminativa e justificativa de custas de parte via Citius pela mandatária da ex-entidade empregadora do Autor BB, perante a qual a 1.ª Ré nada disse.
1.89. O Autor BB, à data da petição, ainda tinha o montante da nota de custas para pagar, tendo, entretanto, negociado o seu pagamento em prestações e procedido ao pagamento das mesmas, no valor de 1.632,00€ (mil seiscentos e trinta e dois euros)[2].
1.90. A taxa de justiça paga pelo Autor com referência ao recurso de apelação a que se alude em 1.73. ascendeu ao valor de 459,00€.
1.91. Os Autores consideravam a 1.ª Ré uma profissional competente e responsável.
1.92. Os Autores ficaram abalados com a atuação da 1.ª Ré.
1.93. Os Autores sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, face às indicações da 1.ª Ré, de recuperar os valores peticionados.
1.94. Os Autores ficaram tristes, desiludidos e angustiados.
1.95. A situação tirou-lhes o sono.
1.96. A situação ainda lhes causa mal-estar, ansiedade e nervosismo.
1.97. Os autores vêm conhecendo o desfecho de ações judiciais de antigos colegas de trabalho que reclamaram judicialmente à mesma ex-entidade empregadora créditos laborais similares, as quais terminaram por transação.
1.98. A 2.ª Ré mediou o contrato de seguro identificado em 1.99.
1.99. Entre a 3.ª Ré e a “Ordem dos Advogados” foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ..., a qual se rege pelas condições particulares, especiais e gerais do “Seguro de Responsabilidade Civil” juntas aos autos a fls. 380 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
1.100. Através do referido contrato de seguro a 3.ª Ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro (…).”- ponto 6. A. das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”.
1.101. Consta do Artigo 2.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros (…).”
1.102. O contrato de seguro identificado em 1.99. foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 00:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2020 - ponto 10 das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”.
1.103. Através do contrato de seguro identificado em 1.99. foi acordada a franquia de 5.000,00€ “por sinistro, não oponível a terceiros lesados” - ponto 9 das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”.
1.104. Consta do ponto 15 do artigo 1.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Franquia: Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições Particulares.”
1.105. Consta do artigo 8.º, n.º 1 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Notificação de Reclamações ou Incidências: O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”
1.106. Consta do artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…).”
1.107. Consta do Artigo 10.º, da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”:
“1. O segurado, nos termos definidos no ponto 1. do artigo 8.º desta Condição Especial, deverá comunicar ao corretor ou ao segurador, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer reclamação efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação.
2. A comunicação referida em 1, dirigida ao corretor ou ao segurador ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais intervenientes de modo tal que o conhecimento da reclamação possa chegar ao segurador no prazo improrrogável de oito dias.”
1.108. A 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à Autora AA se refere, pelo menos em 19.JUN.2017, com a interposição do recurso da decisão de 1.ª instância; e, no que ao autor BB se refere, pelo menos em 23.JUN.2017, quando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª instância[3].
1.109. A 1.ª Ré não comunicou à 3.ª Ré, diretamente ou através da 2.ª Ré, os factos que lhe são imputados.
1.110. A 2.ª Ré só teve conhecimento dos factos alegados na petição em 17.05.2019, na sequência da sua citação para a presente ação judicial.
1.2.
Factos julgados não provados
O Tribunal de que vem o recurso não especificou quaisquer factos julgados não provados, com relevância para a decisão da causa.
1.3.
Apreciação da impugnação da matéria de facto
1.3.1.
Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”[4].
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.
A modificabilidade da decisão de facto é ainda suscetível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do CPCivil.
1.3.2.
A prova é “a atividade realizada em processo tendente à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos”[5], tendo “por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CCivil) – a demonstração da correspondência entre o facto alegado e o facto ocorrido.
Sendo desejável, em prol da realização máxima da ideia de justiça, que a verdade processual corresponda à realidade material dos acontecimentos (verdade ontológica), certo e sabido é que nem sempre é possível alcançar semelhante patamar ideal de criação da convicção do juiz no processo de formação do seu juízo probatório.
Daí que a jurisprudência que temos por mais representativa acentue que a “verdade processual, na reconstrução possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica”, não podendo sequer ser distinta ou diversa “da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos”, os quais são muitas vezes encontrados nas chamadas “regras da experiência”[6].
Movemo-nos no domínio do que a doutrina considera como standard de prova ou critério da suficiência da prova, que se traduz numa regra de decisão indicadora do nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira[7].
Para LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, “pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”[8].
Os meios de prova, enquanto “modos por que se revelam os factos que servem de fonte das relações jurídicas”[9], encontram no Código Civil os seguintes tipos: a confissão (arts. 352.º a 361.º); a prova documental (arts. 362.º a 387.º); a prova pericial (arts. 388.º e 389.º); a prova por inspeção (arts. 390.º e 391.º); e a prova testemunhal (arts. 392.º a 396.º). O art. 466.º do CPCivil acrescenta a “prova por declarações de parte”.
Nos termos do preceituado no art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
O cit. normativo consagra o chamado princípio da livre apreciação da prova, que assume carácter eclético entre o sistema de prova livre e o sistema de prova legal.
Assim, o tribunal aprecia livremente a prova testemunhal (art. 396.º do CCivil e arts. 495.º a 526.º do CPCivil), bem como os depoimentos e declarações de parte (arts. 452.º a 466.º do CPCivi, exceto na parte em que constituam confissão; a prova por inspeção (art. 391.º do CCivil e arts. 490.º a 494.º do C.PCivil); a prova pericial (art. 389.º do CCivil e arts. 467.º a 489.º do CPCivil); e ainda no caso dos arts. 358.º, nºs 3 e 4, 361.º, 366.º, 371.º, n.ºs 1, 2ª parte e 2, e 376.º, n.º 3, todos do CCivil.
Por sua vez, estão subtraídos à livre apreciação os factos cuja prova a lei exija formalidade especial: é o que acontece com documentos ad substantiam ou ad probationem; também a confissão quando feita nos termos do art. 358.º, nºs 1 e 2 do CCivil; e os factos que resultam provados por via da não observância do ónus de impugnação (art. 574.º, n.º 2, do CPCivil).
O sistema de prova legal manifesta-se na prova por confissão, prova documental e prova por presunções legais, podendo distinguir-se entre prova pleníssima, prova plena e prova bastante”[10].
A prova pleníssima não admite contraprova nem prova em contrário. Nesta categoria integram-se as presunções iuris et de iure (art. 350.º, n.º 2, in fine do CCivil).
Por sua vez, a prova plena é aquela que, para impugnação, é necessária prova em contrário (arts. 347.º e 350.º, n.º 2, ambos do CCivil). Assim será com os documentos autênticos que fazem prova plena do conteúdo que nele consta (art. 371.º, n.º 1, do CCivil), sem prejuízo de ser arguida a sua falsidade (art. 372.º, n.º 1, do CCivil), e também com as presunções iuris tantum (art. 350.º, n.º 2, do CCivil).
Por último, a prova bastante carateriza-se por bastar a mera contraprova para a sua impugnação, ou seja, a colocação do julgador num estado de dúvida quanto à verdade do facto (art. 346.º do CCivil). Assim se distingue prova em contrário de contraprova – aquela, mais do que criar um estado de dúvida, tem de demonstrar a não realidade do facto[11].
1.3.3.
Da impugnação dos Autores
Sob a conclusão XXXIV, os Autores/Apelantes, com fundamento em meios de prova que deixaram especificados, resumem a sua pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, assim:
[ - complementarmente ao facto provado 1.89, deveria ter sido dado como provado que:
- “O R. BB pagou custas de parte, no âmbito do processo 723/17.5T8MTS que correu seus termos no Juízo de trabalho de Matosinhos do Tribunal judicial da Comarca do Porto, Juiz 1, interposto pelo A. BB contra a R..., S.A, no valor de €1.632,00 (mil seiscentos e trinta e dois euros)”.
- “Os AA. entregaram toda a documentação (na versão original) relacionada com a relação laboral que mantiveram com a R..., S.A, nomeadamente contrato de trabalho, mapas de horários de trabalho, fichas de registo de horário de trabalho, discos e leituras do cartão de motorista com registos de horários de trabalho, registos de agente único e recibos de vencimento)”.
- “A R. CC não restituiu aos AA. a documentação (versão original) que havia solicitado para instruir as acções a interpor”.
- “O A. BB iniciou funções ao serviço da R..., SA a 01/04/2005 como motorista, com uma retribuição base de €552,70”.
- “A A. AA iniciou funções ao serviço da R..., SA a 01/11/2010 como motorista, com uma retribuição base de €596,57”.
- “Os AA. trabalhavam, pelo menos, 12 horas diárias durante cinco dias por semana, não lhes sendo pagas as horas de trabalho suplementar que excedem as 8 horas de trabalho diárias do período normal de trabalho”.
- “Colegas de trabalho dos AA., com condições de trabalho idênticas, viram reconhecidos créditos laborais após a cessação do contrato de trabalho”.]
Em sede de contra-alegações a Ré W ... , SUCURSAL EN ESPAÑA, pugnou pela improcedência do recurso, nesta parte, desde logo porque a matéria em questão ou é inútil (primeiro segmento), ou então não foi sequer alegada pelos Autores, sendo que em todo o caso não resultou provada (restantes segmentos).
Vejamos.
Sob a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”, dispõe assim o art. 5.º do CPCivil: “1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 – (…)”.
Complementar ou concretizar algo supõe, por definição, que algo exista que o justifique.
Da leitura conjugada do n.º 1 com a al. b) do n.º 2 do cit. art. 5.º, tendo por linha de conta o princípio do dispositivo, o que se retira é que a complementação ou concretização, por via da instrução da causa, respeita necessariamente a factos essenciais, ou seja, a todos os factos de que depende a procedência da ação ou da exceção, ou na expressão de ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO[12], os factos “absolutamente indispensáveis à consistência da ação ou da defesa”.
Como se deixou bem sintetizado no acórdão da RC de 07.11.2017[13], “para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a ação procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
Partindo destas noções, a pretensão dos Apelantes/Autores merece-nos a decisão que segue:
a) Com referência ao ponto 1.89 do elenco dos factos provados, julgamos que se justifica apenas concretizar o valor pago a título de custas de parte, que decorre dos documentos indicados pelos Recorrentes, passando o mesmo a constar nos seguintes termos:
- “1.89. O autor BB, à data da petição, ainda tinha o montante da nota de custas para pagar, tendo, entretanto, negociado o seu pagamento em prestações e procedido ao pagamento das mesmas no valor de 1.632,00€ (mil seiscentos e trinta e dois euros)”.
b) Quanto à “entrega da documentação” pelos AA. à 1.ª Ré, julgamos que o ponto 1.14 do elenco dos factos julgados provados – “Os Autores remeteram à 1.ª Ré todos os documentos que esta lhes solicitou” – é também passível de concretização, com fundamento nos depoimentos indicados pelos Recorrentes, objeto de transcrição, cujo sentido não é contrariado pela produção de qualquer outro meio de prova relevante, passando o mesmo a constar nos seguintes termos:
“1.14. Os Autores remeteram à 1.ª Ré todos os documentos que esta lhes solicitou, relacionada com a relação laboral que mantiveram com a “R ...”, nomeadamente contrato de trabalho, escalas de trabalho, discos e leituras do cartão de motorista com registos de horários de trabalho e recibos de vencimento”.
c) Relativamente à alegada factualidade complementar - “não restituição da documentação pela 1.ª Ré”, julgamos que só assumiria utilidade se os Autores tivessem alegado que solicitaram à referida Ré a devolução de tal documentação, o que não se verificou.
Assim, nada justifica a pretensão dos autores, nesta parte.
d) Relativamente à restante matéria que os Apelantes qualificam como “complementar”, julgamos que a mesma não se apresenta de modo algum adequada a completar ou concretizar o que quer que seja quanto a factos essenciais provados ou sequer alegados.
Na verdade, tal matéria, a ter-se em consideração na decisão, assumir-se-ia antes como factualidade “alternativa” ou “substitutiva” de factualidade essencial não alegada, o que temos por inadmissível.
Como tal, improcede também neste segmento a pretensão dos Apelantes.
Concluímos, pois, pela parcial procedência do recurso dos Autores em matéria de facto.
1.3.4.
Da impugnação da Ré W ... COMPANY SE
1.3.4.1.
Pretende a Ré “W ...” obter a modificação da decisão da matéria de facto, de modo a que os factos julgados provados e descritos sob os respetivos pontos 1.11 a 1.14, 1.42 a 1.46 e 1.92 a 1.96, passem a considerar-se não provados, ao passo que o descrito sob o ponto 1.108“A 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à Autora AA se refere, pelo menos em 03.11.2017, com a notificação identificada em 1.55.; e, no que ao Autor BB se refere, pelo menos em 14.06.2018, com a notificação identificada em 1.87” –, deverá ser alterado, passando a assumir a seguinte redação: “A 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem assim como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à autora AA se refere, pelo menos em 19.JUN.2017, com a interposição do recurso da decisão de 1.ª instância; e, no que ao autor BB se refere, pelo menos em 23.JUN.2017, aquando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª instância”.
Invoca, para tanto, que os meios de prova tidos em conta pelo Tribunal a quo, e que especifica, com relevo para as declarações de parte dos Autores, do depoimento da testemunha DD e de certos documentos, não se apresentam adequados e suficientes para justificar o juízo probatório alcançado pela 1.ª instância, sendo que a alteração que defende relativamente ao ponto 1.108 encontra fundamento na leitura que faz dos documentos nºs 49 e 60 juntos com a petição inicial.
Escutados integralmente os depoimentos atinentes e analisado o correspondente acervo documental existente nos autos, passamos seguidamente a tratar especificamente das questões suscitadas pela Apelante.
1.3.4.2.
Quanto ao ponto 1.108
Começando por apreciar a matéria respeitante ao ponto 1.108, importa ter presente que a decisão sob recurso expressou assim o seu juízo probatório: “No que à factualidade elencada em 1.108 se refere, considerou o tribunal que, considerando os fundamentos subjacentes às decisões proferidas nos dois processos em causa, bem como a sua conduta na condução dos mesmos (onde nem sequer apresentou contestação), a 1.ª ré não podia ignorar a possibilidade de vir a ser responsabilizada pelos seus atos a partir do momento em que esses processos findaram”.
Neste âmbito, julgamos assistir razão à Apelante.
Com efeito, “considerando os fundamentos subjacentes às decisões proferidas nos dois processos em causa”, bem como a conduta assumida na condução dos mesmos pela 1.ª Ré, é perfeitamente razoável admitir que esta não podia ignorar a possibilidade de vir a ser responsabilizada pelos seus atos, pelo menos a partir do momento em que interpôs recurso das referidas decisões, 19.06.2017 e 23.06.2017 (cf. documentos nºs 49 e 60 juntos com a petição inicial), recursos que tiveram o desfecho previsível e inquestionado de que se dá conta no elenco dos factos provados.
Termos em que, julgando procedente a pretensão da Apelante nesta parte, decidimos alterar o ponto 1.108 do elenco dos factos julgados provados, passando o mesmo a assumir a seguinte redação:
- “1.108. A 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à autora AA se refere, pelo menos em 19.JUN.2017, com a interposição do recurso da decisão de 1.ª instância; e, no que ao autor BB se refere, pelo menos em 23.JUN.2017, quando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª instância”.
1.3.4.3.
Quanto aos pontos 1.11 a 1.14
O juízo probatório alcançado pela 1.ª instância relativamente à matéria descrita nos pontos 1.11 – “Entre as partes - 1ª ré e autores - foi acordado o pagamento, a título de honorários, de uma provisão de 600,00€ antes da interposição de cada uma das ações e 10% sobre o que efetivamente viessem a receber da sua ex-entidade empregadora nas ações a interpor” -, 1.12 – “A Autora AA procedeu, tal como acordado, ao pagamento à 1.ª Ré da provisão no montante de 600,00€, o que fez por meio de transferência bancária com data de 28.09.2016 para o IBAN indicado pela 1.ª Ré” –, 1.13 – “O Autor BB procedeu, de igual modo, ao pagamento da provisão de 600,00€ por meio de transferência bancária com data de 13.10.2016 para o IBAN indicado pela 1.ª Ré” – e 1.14 – “ Os autores remeteram à 1ª ré todos os documentos que esta lhes solicitou” –, resultou da ponderação de prova documental - [os comprovativos das transferências bancárias efetuadas por cada um dos autores para conta titulada pela 1ª ré, no valor, cada uma delas, de 600,00€, juntos a fls. 31 verso e 32, com base nos quais foi considerada como provada a factualidade contida em 1.12. e 1.13.] – em conjugação com o sentido das declarações prestadas pelos Autores em audiência de julgamento, e ainda pelo depoimento da testemunha DD, mulher do Autor BB, que qualificou de “sincero e objetivo”, quanto à matéria dos pontos 1.11, 1.13 e 1.14 (no que se refere ao Autor BB), sendo certo que a matéria contida nos pontos 1.11 a 1.13 foi aceite pela 1.ª Ré no âmbito da contestação que apresentou.
Com base nos apontados meios de prova, o nosso juízo probatório não diverge em nada do que foi alcançado pela Exma. Juíza de Direito.
Não obstante as declarações de parte, enquanto meio de prova, tenham naturalmente de ser merecedoras de exigências acrescidas em matéria de aferição da credibilidade, seriedade e isenção, encontram-se sujeitas ao princípio da livre apreciação pelo tribunal. E compreendendo-se a regra de que a sua atendibilidade exirá, tendencialmente, a corroboração por outros meios de prova, não fica afastada, de modo algum, a possibilidade de tal meio de prova, por si só, fundamentar um juízo decisório. Tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente do tipo de relações pessoais estabelecidas, em razão do maior ou menor círculo de pessoas envolvidas, assim como do grau de convencimento alcançado pelo juiz.
No caso, não obstante a Ré/Apelante “W ...” tenha impugnado os mencionados documentos, a verdade é que o sentido das ditas declarações de parte, assim como do referido depoimento testemunhal, também para nós merecedores de juízo de credibilidade bastante, não posto em causa pela produção de qualquer outro meio de prova relevante, antes confirmado, em parte, pela posição assumida pela co-Ré CC em sede de contestação, não nos deixam margem para dúvidas quanto à maior probabilidade de os factos em questão terem ocorrido.
Improcede, pois, nesta parte, a pretensão da Recorrente.
1.3.4.4.
Quanto aos pontos 1.42 a 1.46 e 1.92 a 1.96
Para decidir como o fez neste âmbito factual, o Tribunal fundou-se na valoração que fez das declarações prestadas por ambos os Autores, que qualificou de “sinceras”, sendo que, no que concerne especificamente à matéria elencada em 1.94 a 1.96, deu também nota de que “a mesma decorre ainda das regras da normalidade e experiência comum, as quais conferem credibilidade, no que à mesma se refere, às declarações prestadas pelos autores”, e, no respeitante à matéria contida nos pontos 1.42 e 1.43., foi a mesma aceite expressamente pela 1.ª Ré na contestação que apresentou. Mas também se levou em consideração na decisão recorrida, relativamente à matéria dos itens 1.92 a 1.96 (no que se refere ao Autor BB), o depoimento da testemunha DD, mulher do Autor, que qualificou de “sincero e objetivo”.
Por razões idênticas às que deixámos apontadas nos pontos que antecedem, não podemos deixar de acompanhar o juízo probatório alcançado pela 1.ª instância.
Nada do que a Apelante invoca nas suas conclusões de recurso assume relevância bastante para contrariar tal juízo, fundado no princípio da livre apreciação da prova.
Ao invés do sustentado pela Apelante, as declarações de parte da Autora não contrariam de modo algum o sentido essencial do que se mostra descrito sob o ponto 1.93: “Os Autores sofreram com a notícia de perderem a possibilidade de verem apreciados os créditos laborais invocados nas respetivas ações, atentas as expectativas que tinham, face às indicações da 1.ª Ré, de recuperar os valores peticionados”.
O que a Autora não deixou de transmitir, por tudo quanto escutámos, foi um evidente sentimento de “revolta”, que embora justificado com maior ênfase na “quebra de confiança” da relação estabelecida com a Ré Advogada, não pode deixar de estar associado à convicção, por demais compreensível, à luz da normalidade do acontecer, de uma perda patrimonial relevante, afinal a verdadeira razão de ser tudo quanto envolve a presente ação.
E já agora, em abono do esclarecimento da Apelante, que vale também para as objeções postas em torno da factualidade vertida nos pontos 1.94 a 196, para que um facto possa ser julgado provado e descrito em certos termos, não se exige uma absoluta correspondência entre aqueles “termos” e os termos da verbalização das declarações ou depoimentos correspondentes.
Importante e indispensável é que o que se deixa vertido em sede de descrição factual, para além de relevante segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, não extravase o sentido essencial do conteúdo declaratório, também com referência às regras da experiência comum ou da normalidade do acontecer.
Ora, foi isso exatamente que aconteceu no presente caso. Tudo o que de relevante se deixou descrito nos pontos da matéria de facto questionados pela Apelante, traduzem o sentido do que de essencial foi declarado em sede de produção de meios de prova, por via de valoração também conjugada com as ditas regras da experiência comum ou da normalidade do acontecer, que nos permitem afirmar, a título de exemplo, que quando alguém se confronta com os problemas que caíram sobre a cabeça dos aqui Autores, o sentimento verbalizado de “revolta” se traduza afinal em “tristeza”, “desilusão”, “angústia”, “perda de sono”, “ansiedade”, “nervosismo”, etc..
Improcede, pois, também nesta parte, a pretensão recursiva.
1.3.5.
Da impugnação da Ré CC
Também a Ré CC impugnou a factualidade julgada provada e descrita sob os itens 1.11 a 1.14, 1.42 a 1.46 e 1.92 a 1.96, pugnando pela alteração da decisão recorrida, de modo a que a referida factualidade passe a considerar-se não provada.
Considerando que a argumentação da Ré CC segue a mesma linha da adotada pela da Ré “W ...”, nada mais se nos impõe que não seja dar aqui por reproduzido tudo quanto deixámos expendido no ponto que antecede em torno da matéria questionada, sem necessidade de outras considerações, mantendo-se por isso as conclusões a que chegámos.
E assim sendo, julgamos improcedente o recurso em matéria de facto.
2.
OS FACTOS E O DIREITO
2.1.
No caso que nos ocupa, não existe controvérsia acerca da qualificação dos contratos que integram a causa de pedir: dois contratos de mandato forense, figurando como mandante, num deles a autora AA, e no outro o autor BB, e como mandatária, em ambos, a 1.ª Ré, advogada.
Acolhemos por inteiro as considerações genéricas vertidas na sentença sob recurso, que passamos a transcrever, em jeito de introdução.
[O contrato de mandato encontra-se definido no art.º 1157º do CC como aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outra.
A especificidade do mandato forense é a de que os atos a praticar são atos judiciais, a terem lugar no âmbito de processos judiciais (art.º 44º, nº 1, do CPC). Tal mandato é representativo, como resulta desta norma, à semelhança daquele que é constituído por procuração, nos termos do art.º 262, nº 1, do CC.
Cabe ao mandatário a prática dos atos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, nos termos do art.º 1161, a), do CC.
No caso do mandato forense, a definição dos procedimentos e do conteúdo e forma dos atos a praticar na sua execução insere-se já numa esfera de autonomia profissional e independência técnica e estratégica, impostas pela tecnicidade da matéria, que deve reconhecer-se ao mandatário. É, de resto, essa tecnicidade, em conexão com a relevância axiológica ou económica das situações jurídicas, que justifica a necessidade, por vezes incontornável, da assistência de um mandatário forense na prática de determinados atos judiciais.
A prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios e não uma obrigação de resultado: o que ao advogado compete é atender os interesses do mandante, seu cliente, e utilizar os meios possíveis e ajustados para a sua realização.
Mas não se obriga ao sucesso da demanda.
A este propósito, Paulo Correia, em estudo publicado na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (julho – Setembro de 2009), com o título “Da Responsabilidade Civil do Advogado pelo Incumprimento dos Deveres de Competência e de Zelo”, afirma que aquilo que o advogado “pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão. O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu corretamente no patrocínio da mesma”.
Assim, não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respetivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, para com os clientes. Impõe-se-lhe o estudo e o tratamento zeloso da situação jurídica em que representa o mandante, devendo usar todos os recursos da sua experiência, saber e atividade. Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também em função das especificidades inerentes ao tipo de mandato e às circunstâncias em que é executado.
Será em sede desse vínculo contratual que se situará uma eventual responsabilidade do mandatário, no caso de incumprimento da respetiva obrigação, de que resultem danos para o mandante. Estaremos, por isso, perante uma hipótese de responsabilidade contratual.
Tal como se referiu no Acórdão da RL de 22.05.2012, proc. n.º 289/10.7TVLSB.L1-7, in www.dgsi.pt, “a preterição desses seus deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (art. 92º, nº 1, final, do EOA); sendo, segundo cremos, corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado. Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (art. 798º do C. Civil); o juízo de censura presumir-se-á (art. 799º, nº 1, do C. Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (art. 563º do C. Civil)”.]
Nos termos do art. 798.º do CCivil, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Pressupostos da responsabilidade contratual, enunciados naquele artigo, são: “(1) o facto: ausência de cumprimento; (2) a culpa “culposamente”; (3) a causalidade; “que causa”; (4) o dano: o prejuízo”[14].
A inexecução da obrigação contratual pode envolver dimensões diversas: a) a pura e simples omissão da prestação; b) a atuação contrária à prestação negativa; c) a má ou defeituosa execução da prestação: cumprimentos retardados, parciais, insuficientes ou, simplesmente, desconformes com o previsto[15].
Tais pressupostos encontram-se igualmente presentes na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, com previsão normativa no art. 483.º, n.º 1, do CCivil: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
O art. 483.º menciona a “ilicitude da violação do direito de outrem”, pressuposto que temos por equivalente ao facto gerador de incumprimento na responsabilidade contratual.
[Em linguagem de responsabilidade, “faltar a um cumprimento” – pressupõe-se que voluntariamente, ou já não haveria uma ação humana imputável ao devedor – implica, só por si, a ilicitude][16]
Vejamos cada um dos pressupostos da responsabilidade civil, na síntese formulada por DANIELA GOMES COSTA[17]:
a. [Facto
Importa à responsabilidade civil um facto humano que seja dominável ou controlável pela vontade. Pode ele consistir numa ação, mas também numa omissão, sempre que exista um dever jurídico de agir;
b. Ilicitude
Em sentido amplo, ilicitude significa contrariedade ao direito”. Contudo, neste domínio, importa distinguir entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, a fim de apurarmos as formas de ilicitude.
Assim, no âmbito extracontratual, e de acordo com o art. 483.º do Código Civil, a ilicitude pode consistir na violação de direitos absolutos (direitos reais, direitos de personalidade), ou na violação de normas destinadas a proteger interesses alheios. Existe ainda uma “cláusula residual de ilicitude”, o abuso de direito, o qual figura na parte geral do Código Civil, mais precisamente no art. 334.º.
Já no que respeita à responsabilidade contratual, “[a] ilicitude resulta (…) da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado”.
c. Culpa
“(…) [É] a pedra angular do nosso direito da responsabilidade Civil (…)”. “Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo”. A culpa é um juízo de censura que assenta no nexo psicológico existente entre o facto praticado e a vontade do lesante. Pode revestir duas formas distintas: o dolo ou a negligência, e, em qualquer uma delas, assenta na omissão de um dever de diligência reprovável.
O Código Civil determina que a culpa deve ser apreciada em abstracto, e não em concreto, pelo que a conduta do agente é avaliada por referência a um modelo abstracto e objectivo, que se abstrai da personalidade daquele – modelo do bónus pater famílias, do homem razoável, prudente e diligente (cfr. arts. 487.º, n.º 2, e 799.º, n.º 2, do Código Civil).
d. Dano
Por dano entenda-se, lesão a um bem ou interesse juridicamente protegido. Sem dano não há responsabilidade civil, não existindo no nosso direito civil os chamados delitos de perigo abstracto.
Os danos sofridos podem ser de duas categorias diferentes, patrimoniais e não patrimoniais (art. 496.º do Código Civil), consoante o interesse lesado tenha ou não carácter patrimonial. No âmbito dos danos patrimoniais distingue-se, de acordo com a configuração do prejuízo suportado, entre dano emergente (aqueles que infringem uma perda ou diminuição para os bens ou direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão) e lucro cessante (os benefícios que se deixam de obter em virtude da lesão, cfr. art. 564.º, n.º 1, do Código Civil).
e. Nexo de causalidade
O art. 563.º do Código Civil dispõe que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A lei exige, portanto, para que haja obrigação de indemnização, que entre o facto e o dano exista uma ligação, que o primeiro seja causa do segundo.
A propósito do nexo de causalidade a doutrina socorre-se da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa. O ponto de partida é o postulado segundo o qual, para a afirmação do nexo de causalidade não se revela suficiente que determinado facto seja condição sine qua non do dano. “A condição não será causa do dano, sempre que “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequado para este dano”.]
A regra de que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, estabelecida pelo art. 799.º, n.º 1, do CCivil, constitui a “peça-chave” do que distingue a responsabilidade obrigacional da aquiliana.
Estamos perante uma presunção de culpa que, no entendimento do Prof. MENEZES CORDEIRO, objeto de acolhimento crescente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a que nos juntamos, “envolve uma presunção de ilicitude. Não é possível presumir a censura se não se presumir, igualmente, a violação de uma regra jurídica. Uma censura suspensa no vazio não faria sentido. Em termos práticos, quando o devedor não concretize a prestação, isto é, o resultado da conduta devida, por força da obrigação, temos um incumprimento. E concomitantemente: (1) presume-se que esse incumprimento é ilícito; (2) presume-se, igualmente, que ele é censurável”[18].
2.2.
Centrando agora a nossa atenção na factualidade julgada provada, dúvida alguma subsiste de que os Autores lograram provar o incumprimento contratual ilícito e culposo por parte da 1.ª Ré, como se deixou profusamente demonstrado na sentença sob recurso:
[(…) os autores foram colegas de trabalho na “R..., S.A.”, onde exerciam funções de motorista de transporte coletivo de pesados de passageiros. Ambos fizeram cessar unilateralmente os contratos de trabalho que mantinham com a “R ...” por cartas datadas de 12 de fevereiro de 2016, dirigidas à entidade empregadora, nas quais referiam que a cessação “(…) terá efeito a partir do próximo dia 12 de Fevereiro (…)”.
Entendiam os autores que, à data da cessação do contrato de trabalho, mantinham créditos sobre a entidade empregadora, não pagos, relativos a trabalho suplementar, subsídio de agente único e horas de formação não prestadas. Assim, volvidas semanas sobre a resolução do contrato de trabalho sem que a “R ...” se tivesse disponibilizado a pagar os créditos que entendiam estar em dívida ou a negociar o seu pagamento com os autores, estes decidiram que deviam pedir ajuda especializada a um advogado. Nesse sentido, contactaram a 1ª ré, advogada, que conheciam por ser casada com um motorista que também trabalhou na “R ...” e que sabiam que já tinha auxiliado juridicamente outros colegas de profissão.
O primeiro a estabelecer contacto com a 1ª ré foi o autor BB, em abril de 2016, tendo reunido no escritório que esta tinha na .... Depois desse contacto o autor BB acompanhou a autora AA ao referido escritório da 1ª ré. Nessas reuniões, a 1ª ré analisou a situação laboral que os autores mantiveram com a “R ...”, tendo-lhes indicado que entendia que tinham créditos a reclamar e que o poderiam fazer por meio de ação judicial a interpor contra a sua ex-entidade empregadora. Por seu lado, os autores indicaram à 1ª ré que queriam avançar com a referida ação.
Entre as partes - 1ª ré e autores - foi acordado o pagamento, a título de honorários, de uma provisão de 600,00 € antes da interposição das respetivas ações e 10% sobre o que efetivamente viessem a receber da sua ex-entidade empregadora na ação a interpor.
A autora AA procedeu, tal como acordado, ao pagamento á 1ª ré da provisão no montante de 600,00€, o que fez por meio de transferência bancária com data de 28.09.2016 para o IBAN indicado pela 1ª ré.
O autor BB procedeu, de igual modo, ao pagamento da provisão de 600,00 € por meio de transferência bancária com data de 13.10.2016 para o IBAN indicado pela 1.ª ré.
Ambos os autores remeteram à 1ª ré todos os documentos que esta lhes solicitou.
Remeteram-lhe igualmente, quando a 1ª ré as solicitou, as procurações forenses devidamente assinadas.
A autora AA prestou as informações necessárias para o pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo, requerido em 18.09.2016, o qual lhe foi concedido por decisão proferida em 12.10.2016, sendo que logo que essa decisão lhe foi notificada a autora de imediato a remeteu à 1ª ré.
O autor BB pagou as taxas de justiça que a 1ª ré lhe apresentou para pagar, sendo que no decurso da respetiva ação, por requerimento datado de 02.02.2012, solicitou apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que fez por conselho da 1ª ré.
Os autores deixaram a situação entregue à 1ª ré, com quem reuniram umas três ou quatro vezes, presencialmente, nos escritórios que esta teve na ... e depois em Matosinhos.
Meses após os autores terem acordado com a 1ª ré a prestação por esta dos seus serviços, e após a 1ª ré ter assegurado que estavam a correr os respetivos processos, os réus começaram a ter dificuldades em contactá-la, já que não se disponibilizava para os receber presencialmente e raramente lhes atendia as chamadas ou respondia a mensagens. A 1ª ré já não dava conta aos autores do andamento dos processos, nem lhes explicava o que efetivamente se passava com eles. É certo que os autores souberam da improcedência das ações em 1.ª instância e da interposição dos recursos mas não lhes foi explicado o conteúdo das decisões proferidas, nomeadamente, das sentenças proferidas em 1ª instância. No que se reporta a estas últimas, a 1ª ré disse-lhes que tudo se resolveria nos respetivos recursos interpostos que iam mostrar que a decisão da 1ª instância não estava correta. A 1ª ré ia sossegando as inquietações dos autores, pedindo-lhes que ficassem descansados pois iriam ver reconhecidos os seus créditos.
O autor BB recebeu uma carta da mandatária da “R ...”, datada de 16.02.2018, a reclamar custas de parte no valor de 1.632,00 €, carta essa que não compreendeu, pelo que de imediato entrou em contacto com a 1ª ré. Nessa ocasião, a 1ª ré deu indicação expressa ao autor BB para não fazer o pagamento, uma vez que o processo ainda estava a decorrer e por isso não havia custas para pagar, deixando-o descansado.
Mais tarde, face às respostas evasivas da 1ª ré e, a determinada altura, à dificuldade que sentiam em contactá-la, começaram os autores a desconfiar que algo não estaria bem com os processos. Assim, no início de julho de 2018, cada um dos autores contactou o tribunal onde foi proposto o seu processo, tendo-lhes sido comunicado que os processos já tinham decisão transitada em julgado. Com estas informações que os apanharam de surpresa, os autores tentaram obter esclarecimentos junto da 1ª ré, sem sucesso, uma vez que, apesar de terem conseguido contactá-la, esta mostrou-se desagrada por entender que estavam a desconfiar de si e, posteriormente, não os recebia nem atendia os seus contactos.
Nestas condições, os autores foram consultar os processos, tendo percebido que os mesmos foram julgados improcedentes e que não lhes foram reconhecidos quaisquer créditos. Ainda tentaram contactar a 1ª ré e chegaram a marcar uma reunião, mas esta, no dia agendado, avisou que não podia comparecer, não mais tendo respondido aos autores.
Relativamente ao processo n.º 1263/17.8T8VNG, em que é autora a aqui autora AA, o mesmo foi despoletado pela 1ª ré junto do Juízo de Trabalho de Vila Nova de Gaia, via plataforma citius, a 10.02.2017, através da apresentação da petição inicial junta aos autos a fls. 34 a 55, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
A 13.02.2017 foi proferido nesse processo o despacho junto a estes autos a fls. 56 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta:
“Nos termos do art. 54º, nº 1, do CPT, conjugado com o art. 590º do CPC, decide-se indeferir liminarmente a petição apresentada pelos seguintes fundamentos:
- não vem acompanhada, quer de comprovativo de pagamento de taxa de justiça, quer de documento comprovativo da concessão de apoio judiciário ou, pelo menos, do seu requerimento, quando a falta deste é motivo de recusa da petição pela própria secretaria e mesmo em casos de urgência – cfr. arts. 552º, nºs 3 e 5, e 558, al. f), do CPC;
- passa do art. 43º para o 74º, sem incluir qualquer descrição de trabalho suplementar após maio de 2008 que justifique o pedido global de 62 953,35 euros que a A. formula a final a este título; e sem se referir aos subsídios e diferenças remuneratórias que reclama pelo valor global de 9 580,93 euros; havendo assim uma falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, bem como uma contradição entre os factos alegados como causa de pedir e os pedidos formulados, o que gera ineptidão da petição, nos termos e com os efeitos do art. 186º, nºs 1 e 2, als. a) e b, do CPC; e
- não vem também acompanhada de procuração à subscritora nem de quaisquer outros documentos a que se reporta e que deveriam ter sido juntos para a realização da citação, nos termos do art. 227º, nº 1, do CPC.
Custas pela A.”
A 15.02.2017 a 1ª ré juntou a esse processo, por meio de requerimento, junto a estes autos a fls. 57 a 136, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nova petição inicial, documentos, procuração e comprovativo do deferimento do apoio judiciário.
Nesse mesmo dia de 15.02.2017, por meio de requerimento, junto aos autos a fls. 137 a 138, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a 1ª ré solicitou que “devido à premência da Citação da Ré para interrupção do prazo de prescrição que se encontra a decorrer, tornasse urgente que o referido ato seja praticado com a máxima celeridade.
Assim sendo, vem (…) Requerer que a Citação Urgente da Ré seja promovida por mandatário judicial (…)”, oferecendo-se para ser ela, na qualidade de advogada, a praticar o referido ato.
Por despacho proferido no referido processo em 15.02.2017, junto a estes autos a fls. 139, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi admitida a apresentação da nova petição e deferida a citação urgente por mandatário.
Por requerimento desse mesmo dia 15.02.2017, junto a estes autos a fls. 139 verso a 141, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a 1ª ré juntou ao processo a certidão de citação negativa da entidade empregadora “em virtude do citando se ter recusado a assinar e a receber o duplicado da Petição Inicial” e requereu, em simultâneo, que “seja o Tribunal a proceder à Citação com carácter Urgente” da entidade patronal.
Por despacho proferido a 20.02.2017, junto a estes autos a fls. 141 verso, foi deferido o requerimento da 1ª ré, ordenando-se a citação por funcionário judicial.
A 16.03.2018 realizou-se a audiência de partes, cuja ata consta a fls. 142 verso destes autos, na qual esteve presente a autora AA, a 1ª ré e a mandatária da entidade empregadora. Na referida diligência, as mandatárias solicitaram a suspensão da instância por 15 dias com vista a um eventual acordo, o que foi deferido. Durante essa diligência, a 1ª ré comunicou à autora AA que poderia haver possibilidade de acordo, com o pagamento pela entidade empregadora à autora de 7.000,00€. Apesar de a autora ficar relutante com o valor proposto porque distante do valor peticionado, a 1ª ré aconselhou-a a aceitar, atento o que estava inclinada a aceitá-lo, tendo contactado a 1ª ré no período de suspensão para saber como é que estava a decorrer a tentativa de acordo. A 1ª ré foi-lhe dizendo que a mandatária da entidade empregadora nada lhe dizia quanto à possibilidade de acordo e que ela nada ia fazer porque entendia que a interessada em fazer acordo era a entidade empregadora, pelo que tinham de ser eles a tomar a iniciativa. Ficou a autora descansada quanto à probabilidade de obter procedência na ação, uma vez que se o interesse no acordo era da entidade empregadora tudo estaria bem encaminhado para si naquele processo.
A 19.04.2017 a entidade empregadora apresentou contestação, junta a estes autos a fls. 143 a 153, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, invocando a prescrição dos créditos reclamados e deduzindo impugnação ao alegado na petição inicial.
A 1ª ré não respondeu a essa contestação.
A 11.05.2017 foi proferida sentença no referido processo, junta a estes autos a fls. 154 a 155, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual julgou “procedente por provada a exceção de prescrição suscitada pela Ré R..., S.A, absolvendo-se a mesma do(s) pedido(s) formulado(s) pela Autora AA.
Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (…).”
Consta dessa sentença que:
“Sucede que, segundo alegava a própria A. no art. 11º e conforme foi reconhecido pela R. no art. 1º da contestação - pelo que se trata de facto assente (art. 574, nº2, do CPC) – o trabalho de trabalho em causa cessou por iniciativa unilateral do trabalhador (denúncia) mediante carta remetida à empregadora em 12/02/2016.
Mais: tal carta tinha o teor da cópia junta pela R. a fls. 201, já que tal documento (particular) não foi impugnado pela A. e, como tal, face ao disposto nos arts. 374º, nº 1, e 376º do Cód. Civil, é de dar por assente igualmente que a cessação do contrato ocorreu na data ali indicada, ou seja, o próprio dia 12/02/2016.
Ora, a ação apenas foi apresentada no tribunal em 10.02.2017, com a petição de fls. 4 a 44, tendo sido indeferida liminarmente pelas falhas/omissões - todas imputáveis à própria
A./subscritora - apontadas no despacho de 13/02/2017, constante de fls. 45 e que aqui se dá por reproduzido.
Aproveitando da faculdade concedida pelo art. 560º do CPC, a A. apresentou nova petição, na qual supriu as aludidas falhas/omissões, em 15/02/2017, com o teor de fls. 47 a 174.
Nesta decorrência e ainda que tenha sido deferida a citação urgente da R., esta apenas veio a ocorrer em 23/02/2017, conforme se alcança da certidão de fls. 188.”
Notificada dessa sentença a autora solicitou à 1ª ré que lhe explicasse o seu teor, a qual foi perentória em afirmar que se tratava de uma interpretação errada do tribunal e que tinham de apresentar recurso da mesma, afirmando que o tribunal de recurso não iria entender daquela forma. Nesse sentido, a autora concordou que se apresentasse recurso da sentença.
A 19.06.2017 a 1ª ré apresentou recurso “per saltum” para o Supremo Tribunal de Justiça da referida sentença proferida em 1ª instância, o qual consta destes autos a fls. 156 a 176, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, peticionando que se reconhecesse a nulidade da sentença ou, se assim não se entendesse, que revogasse na íntegra a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Por despacho proferido a 07.09.2017, notificado à 1ª ré, junto a estes autos a fls. 177, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o tribunal recorrido não admitiu o recurso, referindo: “O despacho saneador-sentença de fls. 214 e segs. foi notificado às partes por carta registada a 15/05/2017, sendo como tal a notificação de dar por efetivada em 18/05/2017, segundo o art. 249º, nº 1, do CPC.
Ora, o prazo para recurso era de 20 dias, segundo o art. 80º, nº 1 do CPT.
Contudo, o recurso interposto pela R. a fls. 217 e segs. apenas o foi em 19/06/2017, muito pois além do sobredito prazo e até além dos 3 dias suplementares a que alude o art. 139º, nº 5, do CPC.
Como tal e por intempestivo, não se admite o recurso em causa”.
A 03.11.2017 foi expedida notificação para a 1ª ré, junta a estes autos a fls. 178 a 178 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido a comunicar que foi dispensada a elaboração da conta.
A 1ª ré nunca comunicou à autora que o recurso não havia sido admitido. E sempre que questionada - até ao momento em que ainda atendia os telefonemas à autora – afirmou que o processo continuava em curso e que aguardavam a decisão do recurso.
Quanto ao processo n.º 723/17.5T8MTS, em que é autor o aqui autor BB, o mesmo foi despoletado pela 1ª ré junto do Juízo de Trabalho de Matosinhos, via plataforma citius, a 11.02.2017, pelas 0h27m, através da petição inicial junta a estes autos a fls. 179 a 195, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual solicitou a citação urgente da entidade empregadora.
Nessa petição inicial a 1ª ré não discriminou mensalmente as horas extraordinárias realizadas pelo autor BB, apesar de dispor de documentação que lhe permitiria fazê-lo.
Do despacho proferido nesse processo em 14.02.2017, junto a estes autos a fls. 196, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta: “Não obstante ter sido requerida a citação urgente da ré constata-se que a Ex.ma mandatária subscritora da petição inicial não juntou aos autos procuração, o que obsta para já à apreciação e deferimento daquela pretensão.
Nesta conformidade, determino a notificação da referida subscritora da p.i. para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos procuração outorgada a seu favor pelo(a) Autor(a)(es), com ratificação de todo o processado, sob a cominação prevista no n.º 2 do art. 48º do Código de Processo Civil.”
Nesse mesmo dia 14.02.2017, a 1ª ré, por requerimento, junto a estes autos a fls. 198 a 200, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, juntou um documento e a procuração forense.
Por despacho proferido a 15.02.2017, junto a estes autos a fls. 201 a 201 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi considerado regularizado o patrocínio judiciário relativamente ao autor, foi deferida a requerida citação urgente da ré, a efetuar por carta registada com A/R, e foi marcada data para audiência de partes.
A audiência de partes realizou-se a 14.03.2017, encontrando-se a respetiva ata junta a estes autos a fls. 203 a 203 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual estiveram presentes o autor BB, a 1ª ré e a mandatária da entidade empregadora.
Nessa audiência de partes não se logrou a conciliação das partes.
A entidade empregadora apresentou contestação a 03.04.2017, junta a estes autos a fls. 204 a 217, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual invocou a prescrição dos créditos reclamados e impugnou o alegado pelo autor na petição. Deduziu também reconvenção, pedindo a condenação do autor no pagamento do valor de 1.288,82€, pelo incumprimento do prazo de aviso prévio aquando da denúncia do contrato de trabalho.
A 1ª ré foi notificada da contestação e da reconvenção apresentada e não se pronunciou.
A 29.05.2017 foi proferida sentença, junta a estes autos a fls. 220 a 227 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se decidiu:
“- Julgar procedente, por provada, a invocada exceção (perentória) de prescrição invocada pela Ré (…) e, em consequência, absolvo-a dos pedidos contra si formulados pelo Autor (…).
- Julgar procedente, por provada, a reconvenção intentada pela R./reconvinte (…) contra o A./reconvindo (…) e, em consequência, condeno este no pagamento àquela da quantia de €1.288,82 (…)
Custas da ação e da reconvenção a cargo do Autor (…).”
Consta dessa sentença: “Tendo o contrato de trabalho cessado no dia 12 de fevereiro de 2016, o termo do prazo prescricional de um ano previsto no n.º 1 do art. 337º ocorreu às 24 horas do dia 13 de fevereiro de 2017.
Constata-se, porém, que o autor não requereu a citação com, pelo menos, cinco dias antes do fim do prazo de prescrição, pois quando foi apresentada a petição inicial e requerida a citação (11/02), faltavam apenas 2 (dois) dias para a verificação daquele termo.
Não pode, pois, o Autor beneficiar do regime consagrado no citado art. 323.º, n.º 2 do Código Civil, visto que era pressuposto a citação ter sido requerida antes de cinco dias do termo do prazo prescricional.
Deste modo, considerando que a ação foi proposta (em 11/02/2017) com menos de cinco dias de antecedência em relação ao termo do prazo prescricional (13/02/2017) e porque a citação não se fez antes de completado este prazo, não pode verificar-se a interrupção da prescrição, mesmo que o retardamento da citação para além dos cinco dias não fosse imputável ao autor.
De qualquer modo quanto a este último ponto sempre se imporia salientar que o retardamento na efetivação da citação da ré se ficou a dever a motivo imputável à parte, dada a necessidade de prévia regularização do patrocínio judiciário, por não ter sido desde logo junta aos autos a respetiva procuração forense, sendo certo que não foi aduzida qualquer causa justificativa para essa omissão e a Ex.ma mandatária também não invocou atuar, no interesse e por conta do autor, a título de gestão de negócios.”
O autor foi notificado dessa sentença tendo de imediato contactado a 1ª ré para que lhe fosse explicado o seu conteúdo, perante o que a 1ª ré realçou a má interpretação do tribunal de 1.ª instância, afirmando que em sede de recurso a questão ficaria resolvida, sendo os créditos reclamados apreciados pelo tribunal.
A 23.06.2017 a 1ª ré apresentou recurso de apelação para o Tribunal da Relação, o qual está junto a estes autos a fls. 230 a 251 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no 1º dia de multa.
Por despacho proferido a 19.09.2017, junto a estes autos a fls. 252, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi o recurso interposto admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Posteriormente, foi a 1ª ré notificada para sintetizar as conclusões das alegações apresentadas.
Em 08.01.2018 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, junto a estes autos a fls. 254 verso a 263 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se decidiu: “Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na parcial procedência do recurso, mantendo-a quanto ao mais, em alterar a decisão recorrida no que se refere ao pedido reconvencional, sendo nessa parte substituída por este Acórdão, nos termos seguintes:
Na procedência da reconvenção, decide-se considerar já efetuada a compensação, por dedução pela Reconvinte no valor que pagou ao Reconvindo aquando da cessação do contrato, da quantia de €1.288,82 (…) devida por este a título de indemnização por falta de aviso prévio.
Custas do recurso a cargo do Autor.”
Do teor desse Acórdão resulta que: “Por sua vez, a Ré, na sua contestação, assim no artigo 1.º, alegou que o “A. reclama créditos emergentes do contrato de trabalho que cessou por iniciativa unilateral do trabalhador em 12.02.2016, feita por escrito por carta dirigida à R. (doc.1)”, sendo que o documento para que remete (doc. 1), não impugnado pelo Autor, se traduz na comunicação de denúncia do contrato do Autor à Ré, documento esse, acrescente-se, do qual consta, designadamente, como declaração, “venho informar a minha intenção de rescisão contratual” e que “a rescisão terá efeito a partir do próximo dia 12 de Fevereiro, no qual deixarei de exercer toda e qualquer atividade laboral”. Ou seja, a Ré na contestação, na defesa que apresentou por exceção, assim da prescrição, separadamente diga-se, invoca expressamente o dia 12 como tendo sido o da cessação do contrato - e não pois 15, como alegado pelo Autor na p.i. -, apresentando ainda documento, que junta, como sendo o da carta que esse lhe enviou, documento esse que, estando assinado, e cuja autoria àquele é atribuída, faz prova plena das declarações que contém, como resulta do disposto nos artigos 374.º, n.º 1, e 376.º do CC, pois que não foi pelo mesmo impugnado, o qual, do mesmo modo, sequer apresentou depois resposta à contestação, em particular à matéria de exceção nessa invocada, assim, desde logo, a data nessa indicada como sendo a cessação do contrato, coincidente afinal com a que consta no documento a que se faz referência.
Do exposto resulta, quer por aplicação dos citados normativos quer ainda, face à não apresentação de resposta à contestação por parte do Autor, do regime que resulta do disposto no artigo 60.º, n.º 4 do CPT, e 574.º, n.º 2 do CPC - correspondente no novo CPC ao anterior 490.º -, até porque a matéria de exceção foi deduzida separadamente pela Ré na contestação (artigo 572.º, al. c), do CPC - Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação), que de devem considerar admitidos por acordo, ou seja, que deve ter-se por assente que a data indicada pela ré, assim 12 de Fevereiro de 2016, corresponde àquela em que a declaração de denúncia do contrato por parte do Autor produziu os seus efeitos, pois que não foi contrariada por este ao não ter apresentado resposta a esta matéria (de exceção), sendo que, importando verificar se havia sido contrariada na petição inicial, a conclusão a que se chega é negativa, face à alegação aí constante, pois que nessa apenas referiu, como se disse antes, que “cessou o seu contrato de trabalho com a R., por meio de carta registada com aviso de receção, informando que a partir de 15 de Fevereiro cessaria as suas funções”, sendo que, face à prova plena quanto às declarações que constam do documento junto e que consubstancia tais declarações, resulta não essa data e sim, diversamente, a de 12 de fevereiro, ou seja, precisamente a indicada pela Ré.
(…)
Por decorrência do exposto, não poderemos deixar de concluir, como o Tribunal a quo, muito embora com fundamentos não totalmente coincidentes, que, iniciando-se o prazo de prescrição no dia 13 de fevereiro de 2016 (dia seguinte ao da cessação do contrato), o seu termo ocorreu em 13 de Fevereiro de 2017, razão pela qual, tendo a presente ação sido proposta em 11/02/2017, ou seja apenas dois dias antes, esta não o foi com a antecedência dos cinco dias previstos no citado n.º 2 do artigo 227.º do CC, não podendo pois o Autor aproveitar do regime no mesmo previsto e que se faz referência”.
Posteriormente, a 1ª ré interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, junto a estes autos a fls. 265 verso a 295, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Em 15.05.2018 foi proferido despacho pelo tribunal recorrido, junto a estes autos a fls. 295 verso a 296, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual, designadamente, consta que “não se admite o recurso de revista interposto pelo Autor, considerando-se ainda extemporânea a sua eventual convolação para requerimento de reforma do acórdão ou arguição de nulidades.”
Embora tenha sido notificada desse despacho de não admissão de recurso, a 1ª ré disse ao autor que o processo continuava em curso, aguardando-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. Só mais tarde, quando consultou o processo, veio o autor, face à impossibilidade de contacto com a 1.ª ré que não atendia telefonemas nem o recebia no seu escritório, a descobrir que o seu processo já tinha transitado em julgado.
Quando a ação relativa ao autor BB foi interposta, a 1ª ré não detinha a procuração forense datada de 09.02.2017, uma vez que só solicitou a sua outorga ao autor, por email, a 13.02.2017, sendo que nesse mesmo dia o autor a devolveu assinada à 1ª ré.
A taxa de justiça devida pela interposição da ação foi paga pelo autor assim que o seu pagamento lhe foi solicitado pela 1ª ré, sendo que o respetivo DUC, junto a fls. 194, no valor de 816,00€, foi emitido no dia 09.02.2017, pelas 20:41:42 horas, e o pagamento foi efetuado por homebanking, no mesmo dia, pelas 23:36:32 horas, tendo o autor, de imediato, remetido o comprovativo de pagamento à 1ª ré.
A taxa de justiça paga pelo autor com referência ao recurso de apelação ascendeu ao valor de 459,00€.
A 1ª ré sabia que a ação relativa ao autor BB já tinha decisão transitada em julgado a 01.06.2018, tendo sido notificada do termo de apresentação a exame em 14.06.2018, onde está aposta a data do trânsito em julgado.
E a 26.06.2018 a 1ª ré foi notificada da junção aos autos da nota de custas discriminativa e justificativa de custas de parte, via citius, pela mandatária da ex-entidade empregadora do autor, perante a qual a 1ª ré nada disse.
Sendo esta a factualidade a considerar, constata-se que a ação relativa à autora AA, à qual corresponde o n.º 1263/17.8T8VNG, foi intentada a 10.02.2017, quando faltavam menos de 5 dias para o termo do prazo de prescrição dos créditos que nela eram reclamados (que se completava a 13.02.2017) e através de uma petição inicial que, para além de incompleta, seguiu desacompanhada de procuração forense e do comprovativo da concessão à autora do pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça. Essas falhas foram expressamente evidenciadas no despacho proferido em 13.02.2017 que, com base nas mesmas, a indeferiu liminarmente. Saliente-se que todas as falhas apontadas nesse despacho à petição inicial são imputáveis à aqui 1ª ré, sendo que a mesma, considerando a proximidade do termo de prazo de prescrição, não podia ignorar a necessidade de elaborar e instruir devidamente essa petição, por forma a evitar quaisquer delongas na concretização da citação, ainda que urgente, com o consequente risco de prescrição. Saliente-se ainda que, tendo a 1ª ré sido contactada havia meses pela autora (seguramente em data anterior a 18.09.2016, data em que foi apresentado o seu pedido de apoio judiciário), igualmente não se compreende - e a 1ª ré não explica -, o motivo pelo qual aguardou até ao dia 10.02.2017 para intentar a ação. Acresce que, se tivesse lido atentamente a carta a que alude no artigo 11º da petição em causa - e que não junta nem com essa petição nem com a nova petição que apresenta no dia 15.02.2017 -, facilmente concluiria que o prazo de prescrição se completava a 13.02.2017, pois da mesma consta expressamente que os efeitos da cessação do contrato de trabalho operam a 12.02.2016.
Posteriormente, face à contestação apresentada pela ré, na qual é invocada a exceção de prescrição - uma vez que a sua citação apenas terá ocorrido em 23.02.2017 - e junta a carta através da qual a autora fez cessar o seu contrato de trabalho, a 1ª ré não responde à referida exceção (o que, considerando a redação do art.º 60 do CPT em vigor à data, podia fazer) e não impugna esse documento.
Depois, face à sentença proferida nesse processo - a qual considerou verificada a referida exceção de prescrição e absolveu a ré dos pedidos contra ela formulados -, a 1ª ré interpôs recurso da mesma mas fora de prazo, como foi considerado no despacho proferido em 07.09.2017, do qual foi expedida notificação para a 1ª ré em 07.09.2017. Nesse recurso defende que não se verifica a invocada exceção de prescrição, expondo os fundamentos da sua posição, não se compreendendo porque motivo, se assim entendia, não respondeu à contestação.
Por outro lado, a 1ª ré não explicou à autora o conteúdo da sentença objeto de recurso e nunca lhe comunicou que o recurso interposto não havia sido admitido, afirmando, sempre que questionada - até ao momento em que ainda atendia os telefonemas à autora - que o processo continuava em curso e que aguardavam a decisão do recurso, ou seja, omitindo deliberadamente o desfecho da ação e as suas causas. Repare-se que até início de julho de 2018 a autora desconhecia que a referida sentença já tinha transitado em julgado, o que, há meses, era do conhecimento da 1ª ré.
Neste enquadramento, conclui-se que a 1ª ré, atenta a forma negligente como exerceu o mandato que lhe foi conferido, não só não logrou intentar a ação no prazo de que a autora dispunha para exercer os seus direitos, como não respondeu à exceção de prescrição invocada pela ré na contestação (pese embora entendesse que havia fundamento para o fazer) e, depois, também não logrou sequer cumprir o prazo para interposição de recurso da sentença proferida em 1ª instância, na qual expunha, então, os fundamentos com base nos quais entendia não se verificar a dita exceção de prescrição. A tudo acresce a ausência de informação sobre o verdadeiro estado do processo, que a 1ª ré conhecia e omitia, pese embora a mesma lhe tenha sido solicitada pela autora.
Com a sua conduta a 1ª ré incumpriu com as obrigações que para si decorriam do contrato de mandato, plasmadas no art.º 1161º, n.º 1, a), b) e c), do CC. Incumpriu igualmente com as regras deontológicas plasmadas nos artigos 81, n.º 1, 97, n.ºs 1 e 2, 98, n.º 2 e 100, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto da Ordem dos Advogados. Tal conduta da 1ª ré traduz assim um facto ilícito e culposo (já que a 1ª ré não atuou, seguramente, com a diligência devida), salientando-se, no que concerne à culpa, que esta se presume e que a 1ª ré não logrou ilidir essa presunção.
À semelhança do que se passou com a ação relativa à autora AA, também no caso da ação referente ao autor BB, à qual corresponde o n.º 723/17.5T8MTS, a mesma foi intentada a 11.02.2017, ou seja, a menos de 5 dias do termo do prazo de prescrição dos créditos que nela eram reclamados (que se completava a 13.02.2017) e, neste caso, através de uma petição inicial desacompanhada de procuração forense. Essa falta foi assinalada no despacho proferido em 14.02.2017 que, previamente à apreciação do pedido de citação urgente nela contido, determinou a sua junção pela 1ª ré, com, se necessário, a respetiva ratificação do processado. Saliente-se que a falta dessa procuração é imputável à 1ª ré, sendo que a mesma, considerando a proximidade do termo de prazo de prescrição, não podia ignorar a importância da sua obtenção tempestiva e junção ao dito articulado, por forma a evitar quaisquer entraves à concretização da citação urgente, com o inerente risco de prescrição. Também aqui a 1ª ré tinha sido contactada pelo autor havia meses (reportando-se o primeiro contacto a abril de 2016), não se compreendendo - e a 1ª ré não aponta qualquer explicação para o facto -, porque motivo aguardou até momento posterior ao da apresentação da petição para a obter. Acresce que, também aqui, se tivesse lido atentamente a carta a que alude no artigo 14º da petição em causa - e que não junta com essa petição -, teria concluído que o prazo de prescrição se completava a 13.02.2017, pois da mesma consta expressamente que os efeitos da cessação do contrato de trabalho operam a 12.02.2016.
Posteriormente, face à contestação com reconvenção apresentada pela ré, na qual é invocada a exceção de prescrição - uma vez que a sua citação apenas terá ocorrido em 17.02.2017 - e junta a carta através da qual o autor fez cessar o seu contrato de trabalho, a 1ª ré não apresentou resposta, nem à exceção, nem à reconvenção, e não impugnou esse documento. Depois, face à sentença proferida nesse processo - a qual considerou verificada a referida exceção de prescrição e absolveu a ré dos pedidos contra ela formulados, condenando o autor no pedido reconvencional -, a 1ª ré interpôs recurso de apelação, o que fez no 1º dia útil posterior ao termo do prazo de que dispunha para o efeito. Mais uma vez a 1ª ré manifestou dificuldade em cumprir prazos. Nesse recurso defende que não se verifica a invocada exceção de prescrição e que o crédito reconhecido em sede de reconvenção foi objeto de compensação, expondo os fundamentos da sua posição. Não se compreende, também aqui, porque motivo, se assim entendia, não respondeu à contestação e ao pedido reconvencional.
O acórdão proferido no seguimento desse recurso manteve a sentença proferida em 1ª instância no que à exceção de prescrição se refere, alterando-a quanto ao pedido reconvencional, porquanto considerou já efetuada a compensação do crédito reclamado nessa sede. Desse acórdão a 1ª ré interpôs recurso de revista, sobre o qual recaiu o despacho proferido em 15.05.2018, que não o admitiu, despacho esse do qual foi expedida notificação à 1ª ré em 17.05.2018.
Embora tenha sido notificada desse despacho de não admissão do recurso de revista, a 1ª ré disse ao autor que o processo continuava em curso, aguardando-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça. A 1ª ré sabia que a ação relativa ao autor BB já tinha decisão transitada em julgado a 01.06.2018. No entanto, omitiu-lhe esse facto, transmitindo-lhe uma informação que sabia não ser verdadeira. Só mais tarde, em julho de 2018, o autor descobriu, não pela 1ª ré mas por informação obtida junto do tribunal, que o seu processo já tinha transitado em julgado.
Perante toda esta factualidade, é forçoso concluir que também relativamente ao autor BB a 1ª ré exerceu o mandato forense que este lhe conferiu de forma manifestamente negligente, pois não só não logrou intentar a ação no prazo de que o autor dispunha para exercer os seus direitos, como não respondeu à exceção de prescrição invocada pela ré na contestação e ao pedido reconvencional nela deduzido (pese embora entendesse, conforme resulta do recurso de apelação que apresentou, que havia fundamento para o fazer). Acresce a ausência de informação verdadeira sobre o estado do processo, que a 1ª ré bem conhecia, apesar de a mesma lhe ter sido solicitada pelo autor.
Com a sua conduta a 1ª ré incumpriu, mais uma vez, com as obrigações que para si decorriam do contrato de mandato, plasmadas no art.º 1161º, n.º 1, a), b) e c), do CC.
Incumpriu igualmente com as regras deontológicas plasmadas nos artigos 81, n.º 1, 97, n.ºs 1 e 2, 98, n.º 2 e 100, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto da Ordem dos Advogados. Tal conduta da 1ª ré traduz assim, também aqui, um facto ilícito e culposo (já que a 1ª ré não atuou, seguramente, com a diligência devida), salientando-se, no que concerne à culpa, que esta se presume e que a 1ª ré não logrou ilidir essa presunção.]
2.3.
A obrigação de indemnizar com fundamento em responsabilidade contratual exige também, como vimos, a ocorrência de um dano/prejuízo, assim como a existência de nexo de causalidade adequada entre o dano e a conduta ilícita de incumprimento.
2.3.1.
Do recurso dos Autores
Começando pelos danos patrimoniais, importa ter presente que os Autores invocaram, em primeira linha, o prejuízo equivalente ao benefício que deixaram de retirar da procedência que contavam obter das ações que intentaram, e que resultou gorado pelo facto de a 1.ª Ré não as ter intentado tempestivamente, dano esse que fizeram corresponder a 100% do valor global peticionado nas respetivas ações, ou seja, 74.133,66€ no caso da autora AA e 79.844,08€ no caso do autor BB, sendo que este último também invocou o dano correspondente ao valor das custas de parte por si devidas face ao decaimento na respetiva ação, no valor de 1.632,00€, o qual não seria devido caso tivesse obtido ganho de causa, bem como os valores pagos a título de taxas de justiça relativas à petição inicial e ao recurso de apelação, os quais somam 1.275,00€.
Neste âmbito, concluiu a sentença sob recurso que os factos julgados provados não permitem afirmar a existência de um nexo causal certo entre o cumprimento defeituoso dos contratos de mandato por parte da 1.ª Ré e os danos assinalados, assim como concluiu pela não verificação dos pressupostos para atribuir aos Autores, com referência aos danos em apreço, a indemnização pretendida ou outra, com fundamento no instituto de génese doutrinal e jurisprudencial denominada por “perda de chance processual”.
A ausência de prova quanto à existência de um nexo causal certo entre o cumprimento defeituoso dos contratos de mandato pela 1.ª Ré e os danos em questão apresenta-se-nos como uma evidência.
Como é por demais sabido, o êxito de uma ação judicial depende de múltiplos e variados fatores extrínsecos ao cumprimento ou incumprimento das obrigações do mandatário judicial. Da confluência dessas variáveis, que atribuem ao resultado da atividade do advogado uma certa aleatoriedade, resulta a dificuldade, na maioria dos casos, de uma formulação do juízo de condicionalidade e uma efetiva impossibilidade do cliente satisfazer o ónus de demonstrar, em concreto, com a certeza exigível, que a ação teria procedido. A existência de uma mera hipótese de êxito, dependendo de a 1.ª Ré ter agido diligentemente, não é suficiente para podermos afirmar o dito nexo de causalidade.
Independentemente de todas as controvérsias, como se deixou assinalado na decisão sob recurso, pode definir-se o dano conhecido pela “perda de chance” ou de oportunidade, como aquele que ocorre quando uma ação ou omissão ilícita e culposa faz perder a alguém a sorte ou a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto, com a atuação negligente da 1.ª Ré, que ao não intentar tempestivamente as ações para que foi mandatada privou os Autores da “chance” de obter um resultado favorável, isto é, de conseguir obter, nas mesmas, ganho de causa, o que representa um dano ou prejuízo autónomo para os Autores. De notar que este dano consistente na frustração das expectativas de obtenção de ganho de causa é coisa bem distinta da perda dos concretos benefícios almejados. O que aqui se tutela é a expectativa ou a chance processual perdida e não a perda do beneficio em si.
Ostentando a sentença recorrida a data de 18.07.2021, importa aqui dar nota de que entretanto foi prolatado e publicado um aresto de enorme importância no âmbito da temática da “perda de chance processual”.
Falamos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022[19] (AUJ), que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”.
O sentido da jurisprudência firmada radica na seguinte síntese conclusiva: “Assim, em casos como o do Acórdão fundamento, após o incidental “julgamento dentro do julgamento”, concluindo-se que “se não pode estabelecer (no caso) o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, sem afastar, inclusive, a sua improcedência”, a conclusão imediata e “automática” será a de, então, dizer que não se provou a consistência e seriedade da perda de chance, ou seja, que não se provou um dano de perda de chance suscetível de indemnização, não se podendo assim passar, justamente por não se ter provado o requisito (da responsabilidade civil) do dano, à fixação duma indemnização com base na equidade (nos termos do art. 566.º/3 do C. Civil).
É quanto basta para, concluindo, afirmar:
Que — respondendo à proposta de uniformização constante do Parecer do M. P — não é ao lesante que cabe provar que a chance não era consistente e séria, uma vez que, repete -se, a consistência e seriedade da oportunidade perdida é que permite dizer que há dano da perda de chance suscetível de indemnização, ou seja, a consistência e seriedade preenche um dos requisitos exigidos pelo instituto jurídico (responsabilidade civil) em que o lesado alicerça o seu direito, sendo constitutivo (não é impeditivo) do direito invocado.
Que — respondendo ao recorrente — para haver dano da perda de chance suscetível de indemnização, não basta a prova da conduta ilícita do advogado, não basta a prova do ato/facto lesivo (a verificação do ilícito não contém já em si o dano a indemnizar), uma vez que, repete -se, segundo o instituto jurídico invocado não há reparação sem estar também provada a existência dum dano e causado por tal ato/facto ilícito.
Que a solução acolhida no Acórdão recorrido — em que se concluiu que a prova da probabilidade de sucesso do recurso de apelação (não interposto) dependia, sobretudo, da prova dos montantes efetivamente mutuados pelo aqui A. (ou seja, que os 8 cheques identificados no ponto 12 dos factos provados exprimiam o reembolso de valores efetivamente mutuados), prova esta que não foi feita nestes autos pelo aqui A./recorrente e em que, por isso, se terminou a dizer que, sem isso, sem tal prova da probabilidade de sucesso, não havia sido feita “prova da perda de chance processual” e se negou a revista — é, para as situações jurídicas geradas pela inobservância dos deveres decorrentes do mandato forense, a adequada de jure condito (é a que respeita a interpretação e aplicação das normas substantivas convocáveis: arts. 798.º e 562.º e ss. do C. Civil) e por isso impõe-se confirmar tal acórdão e uniformizar a jurisprudência no sentido seguido no mesmo”.
Ainda assim, o AUJ contou com voto de vencida da Exma. Conselheira ANA PAULA BOULAROT, podendo nele ver-se uma síntese dos termos essenciais da controvérsia em torno do instituto em apreço: “A problemática solvenda, deveria ter sido colocada em sede de responsabilidade contratual por violação da obrigação de meios decorrente do contrato de mandato havido entre as partes e não em sede de dano autónomo proveniente de perda de chance — figura esta de configuração discutível quer a nível doutrinário, quer a nível jurisprudencial, para além da sua difícil inclusão legislativa, face à impossibilidade do confronto entre a situação existente e a situação actual hipotética, onde a chance não se conseguirá reflectir, tendo em atenção os critérios constantes dos artigos 562.º e 566.º do CCivil — , chegando -se, através daquele instituto, à mesma decisão obtida no Acórdão recorrido, já que o Autor não logrou provar que embora o Réu não tenha interposto recurso, quando podia e devia tê-lo feito, a falta cometida lhe tenha causado algum dano, através do apelo à causalidade probabilística, cfr neste sentido Júlio Gomes, Em Torno Do Dano Da Perda De Chance — Algumas Reflexões, Ars Judicandi, Estudos Em Homenagem Ao Prof Doutor António Castanheira Neves, Volume II: Direito privado, 289/327; Paulo Mota Pinto, Perda De Chance Processual, Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos, Volume II, 2016, 1283/1323; Rui Cardona Ferreira, A perda de chance revisitada (a propósito da responsabilidade forense), in ROA, ano 73, n.º 4 (Out -Dez 2013), 1301/1329”.
Na sentença sob recurso acolheu-se o sentido da jurisprudência que acabou por prevalecer no cit. AUJ e, por isso, se considerou como essencial a avaliação pelo tribunal dos “requisitos de seriedade, consistência e plausibilidade das ações intentadas para concluir se estamos ou não perante uma perda de chance real e séria”.
Na análise que levou a cabo, a Exma. Juíza de Direito começou desde logo por salientar uma “dificuldade”, assente no seguinte: “É que nada é alegado pelos autores no sentido de demonstrarem, nesta ação, a existência do direito que nas ações que mandataram a 1.ª Ré para intentar pretendiam ver reconhecidos. E, mesmo que o tribunal pretendesse proceder à análise das petições iniciais na origem das respetivas ações - como é evidente, sempre no confronto com as contestações que se lhes seguiram -, a verdade é que as mesmas não foram instruídas com documentos tendentes a demonstrar a existência dos concretos créditos que nelas são invocados. Ou seja, a consideração dessas petições em si mesmas e das respetivas contestações nada permite concluir”.
A conclusão a que chegou o Tribunal a quo, no sentido de não se poder “concluir pela existência de uma chance substancial, séria, de procedência, parcial ou total, das ações intentadas pela 1.ª Ré, caso a mesma as tivesse intentado a tempo de evitar a prescrição dos direitos que através das mesmas os Autores pretendiam ver reconhecidos”, não pode deixar de merecer o nosso acolhimento.
Com efeito, o conjunto dos factos provados não legitima, de modo algum, “um julgamento dentro do julgamento” no sentido de se poder concluir pela existência de “um dano de chance processual consistente e sério”, com referência aos danos patrimoniais em apreço.
Note-se que nas ditas ações, a aí Ré, na contestação que apresentou, para além de excecionar a prescrição do direito pretendido fazer pelos Autores, impugnou a essencialidade dos factos integrantes da causa de pedir, ficando por isso em aberto todas as possibilidades quanto à prova ou não prova da existência do direito de crédito dos Demandantes.
Tudo quanto deixámos exposto leva-nos a concluir pela improcedência das conclusões XXXVI a XLVIII do recurso dos Autores, não existindo tão pouco fundamento para considerar a procedência parcial da pretensão indemnizatória em matéria de “trabalho suplementar diário não pago”, em montante a determinar com recurso à “equidade”, por ausência dos pressupostos fundamentais do direito a indemnização a que nos referimos.
2.3.2.
Tendo a 1.ª instância atribuído aos Autores indemnização por danos patrimoniais, no montante de 2.500,00€ para cada um, defendem aqueles em sede de recurso que se justifica antes, em razão dos factos julgados provados descritos sob os respetivos pontos 1.91) a 1.97), elevar o dito valor para pelo menos 5.000,00€, nada obstando a tal o facto de haver sido peticionado a tal título apenas o montante mencionado em primeiro lugar.
O montante fixado pela sentença recorrida, considerando a apontada factualidade e os critérios estabelecidos no art. 496.º, nºs 1 e 4 do CCivil, parece-nos equitativo e conforme à “bitola” que vem sendo seguida pela nossa jurisprudência mais representativa, equidade e adequação também conforme ao próprio sentimento assumido pelos próprios Autores quando instauraram a presente ação.
Não vemos, pois, razões para censurar a decisão recorrida, pelo que também neste particular improcedem as conclusões do recurso dos Autores.
2.4.
Do recurso da Ré W ... COMPANY SE
2.4.1.
A sentença sob recurso atribuiu a cada um dos Autores indemnização no valor global de 3.100,00€, sendo 2.500,00€ a título de danos não patrimoniais, e 600,00€ a tútulo de danos patrimoniais, equivalente ao valor dos honorários que os Autores haviam adiantado à 1.ª Ré, indemnização que julgou devida “pela 1.ª Ré e, solidariamente com ela, a 3.ª Ré”, esta por via do “contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º ...,em vigor à data da participação dos factos, o qual cobre a responsabilidade civil profissional dos advogados com inscrição em vigor na “Ordem dos Advogados”, como é o caso da 1.ª ré, sendo o limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência ou “período seguro” (0:00 horas do 01 de Janeiro de 2019 às 0:00 de 01 de Janeiro de 2020) fixado em 150.000,00€”.
Defende a Apelante “W ...”:
- “Do facto provado n.º 1.108, resulta que à data da vigência inicial do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados, a ré advogada tinha consciência dos factos que lhe são imputados e de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização” (Conclusão 9.ª);
- “Como tal, o presente sinistro encontra-se excluído do âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados (Conclusão 10.ª);
- “Ao não ter o tribunal a quo julgado a responsabilidade pelos factos alegados na petição inicial excluídos do âmbito de cobertura do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados, violou o disposto nos artigos 405.º, n.º 1 do Código Civil, o artigo 44.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, e o artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil” do contrato de seguro celebrado entre a ora apelante e a Ordem dos Advogados (Conclusão 11.ª).
Vejamos.
Com relevância para decidir a questão em apreço, temos por provado:
[1.99. Entre a 3.ª Ré e a “Ordem dos Advogados” foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º ..., a qual se rege pelas condições particulares, especiais e gerais do “Seguro de Responsabilidade Civil” juntas aos autos a fls. 380 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
1.100. Através do referido contrato de seguro a 3.ª Ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de 150.000,00€ por sinistro (…).” - ponto 6. A. das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”.
1.101. Consta do Artigo 2.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente apólice tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros (…).”
1.102. O contrato de seguro identificado em 1.99. foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 00:00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e termo às 0:00 horas do dia 1 de janeiro de 2020 - ponto 10 das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”.
1.103. Através do contrato de seguro identificado em 1.99. foi acordada a franquia de 5.000,00€ “por sinistro, não oponível a terceiros lesados” - ponto 9 das “Condições Particulares” do “Seguro de Responsabilidade Civil”.
1.104. Consta do ponto 15 do artigo 1.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Franquia: Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições Particulares.”
1.105. Consta do artigo 8.º, n.º 1 da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Notificação de Reclamações ou Incidências: O tomador do seguro ou o segurado deverão, como condição precedente às obrigações do segurador sob esta apólice, comunicar ao segurador tão cedo quanto seja possível:
a) Qualquer reclamação contra qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado, baseada nas coberturas desta apólice;
c) Qualquer circunstância ou incidente concreto conhecida(o) pelo segurado e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento ou acionar as coberturas da apólice.”
1.106. Consta do artigo 3.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional”: “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação; (…).”
1.108. A 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à Autora AA se refere, pelo menos em 19.JUN.2017, com a interposição do recurso da decisão de 1.ª instância; e, no que ao autor BB se refere, pelo menos em 23.JUN.2017, quando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª instância.
1.109. A 1.ª Ré não comunicou à 3.ª Ré, diretamente ou através da 2.ª Ré, os factos que lhe são imputados.
1.110. A 2.ª Ré só teve conhecimento dos factos alegados na petição em 17.05.2019, na sequência da sua citação para a presente ação judicial.]
A primeira consideração que se nos oferece é que, por via das disposições conjugadas dos arts. 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA)[20] e 76.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS)[21], estamos perante um contrato de seguro de grupo e de carácter obrigatório[22].
E trata-se inequivocamente de um seguro de danos, na modalidade de responsabilidade civil (arts. 123.º e 137.º do RJCS).
A apólice em causa tem por objeto “garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais e/ ou patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido(a) pelo segurado (…) no desempenho da atividade profissional (…)” (artigo 2.º das Condições Especiais).
Entende-se por “reclamação” “qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice” (artigo 1.º, n.º 12 das Condições Especiais).
Foi estabelecido o “período de cobertura” por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e termo às 0,00 horas do dia 1 de janeiro de 2020” (ponto 10 das Condições Particulares).
No que concerne ao “período de cobertura”, dispõe assim o artigo 139.º do RJCS:
“1 – Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
2 – São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
3 – Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o contrato de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato”.
Como bem anota JOSÉ VASQUES, “ao contrário do que sucede com a generalidade dos outros seguros de danos (art. 123.º), em que a cobertura é temporalmente delimitada (art. 37.º, n.º 2, al. e)) pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante o período de vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a subscrevam atendendo ao momento:
a) da prática do facto gerador da responsabilidade (action commited basis);
b) da manifestação do dano (loss occurrence basis); ou
c) da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (como resulta do n.º 3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art. 44.º, n.º 2)”[23].
Por sua vez, sob a epígrafe “Inexistência do risco”, preceitua o art. 44.º, n.º 2, do RJCS, que “o segurador não cobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data”.
No caso, sob o ponto 7. das Condições Particulares da apólice, e sob a epígrafe “ÂMBITO TEMPORAL”, deixou-se assim convencionado: "O Segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal de retroatividade" (sublinhado nosso).
Tal cláusula, enquanto delimitadora do período de cobertura da apólice, é válida à luz do cit. art. 139.º, n.º 2, do RJCS.
Por via dela, a seguradora, para além de assumir a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros ocorridos entre as 0,00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e as 0,00 horas do dia 1 de janeiro de 2020 (art. 139.º, n.º 1, do RJCS e ponto 10. das Condições Particulares), assumiu a cobertura de igual responsabilidade relativamente a sinistros ocorridos na vigência das apólices anteriores à que está em causa nestes autos.
Sucede que no caso que nos ocupa em lado algum se dá conta da existência de apólices anteriores vigentes, às quais tenha sucedido (eventualmente por renovação) a apólice dada como provada, ao invés do que se verificou, a título de exemplo, no cit. acórdão da RC de 13.11.2018.
E assim sendo, o âmbito temporal de cobertura da apólice em causa circunscreve-se aos sinistros ocorridos entre as 0,00 horas do dia 1 de janeiro de 2019 e as 0,00 horas do dia 1 de janeiro de 2020.
Ora, a conduta negligente assumida pela 1.ª, geradora de responsabilidade civil e correspondente obrigação de indemnizar, reporta-se a período bem anterior àquele, como se infere desde logo do resultou provado e descrito sob o respetivo item 1.108: “A 1.ª Ré teve conhecimento dos factos que lhe são imputados, bem como de que os mesmos poderiam dar origem a uma “Reclamação” e possível responsabilização: no que à Autora AA se refere, pelo menos em 19.JUN.2017, com a interposição do recurso da decisão de 1.ª instância; e, no que ao autor BB se refere, pelo menos em 23.JUN.2017, quando da interposição de recurso da decisão proferida em 1.ª instância”.
Significa tudo isto que estamos perante um caso de inexistência de risco objeto de cobertura pela apólice sob discussão (art. 44.º, n.º 2, do RJCS).
Assiste razão à Apelante Seguradora quando afirma a irrelevância para o caso da natureza obrigatória do contrato de seguro.
Ao deixar-se consignado sob o artigo 3.º das Condições Especiais “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data do início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”, nada de diferente se afirma afinal do estatuído no cit. art. 44.º, nº 2, do RJCS.
Note-se que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que parece ter sido seguido pela sentença recorrida, não assume aqui pertinência alguma a norma do art. 101.º, n.º 4, do RJCS – “O disposto nos n.ºs 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números -, desde logo porque não estamos, sem dúvida alguma, perante “exceções de direito material que se prendem com o incumprimento por parte do segurado ou do tomador de seguro de deveres contratualmente fixados”.
Estamos sim, reiteramos, perante regras delimitadoras do âmbito de garantia de uma apólice de seguro, à luz das quais não encontra o “sinistro” em causa cobertura.
Por tudo o exposto, impõe-se-nos concluir pela procedência do recurso da Apelante “W ...”, o que vale por dizer pela procedência da exceção perentória que invocou, e daí sua absolvição quanto ao pedido deduzido pelos Autores, com a consequente revogação da decisão recorrida, nessa parte.
2.5.
Do recurso da Ré CC
Assentando a tese recursiva da Ré CC no entendimento de que a haver algum montante a liquidar aos Autores, tal montante deverá ficar a cargo única e exclusivamente sobre a terceira Ré”, os fundamentos e a conclusão a que chegámos no âmbito da apreciação do recurso da Ré Seguradora, conduzem, com toda a lógica, à rejeição de tal entendimento.
Assim, sem necessidade de outras considerações, impõe-se a total improcedência da apelação da Ré CC.
2.6.
No que concerne a custas processuais, a responsabilidade dos Recorrentes decorre do preceituado nos art.s 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º, n.º 1, do RCProcessuais).
IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, na parcial procedência em matéria de facto e improcedência em matéria de direito do recurso dos Autores, na parcial procedência em matéria de facto e procedência em matéria de direito do recurso da Ré “W ...”, e na improcedência em matéria de facto e de direito do recurso da Ré CC, decidimos:
a) Alterar a decisão da matéria de facto nos termos sobreditos;
b) Alterar dispositivo da sentença recorrida, absolvendo a Ré “W ... , SUCURSAL EN ESPAÑA” do pedido deduzido pelos Autores;
c) Condenar os Recorrentes/Autores no pagamento das custas do recurso que interpuseram e do recurso interposto pela Ré “W ...”; e
d) Manter a decisão recorrida quanto ao mais.

***
Tribunal da Relação do Porto, 8 de junho de 2022
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
João Proença
_______________________________
[1] Redação alterada em conformidade com o decidido infra no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto.
[2] Redação alterada em conformidade com o decidido infra no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto.
[3] Redação alterada em conformidade com o decidido infra no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Coimbra, 2020, p. 332.
[5] Cf. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objeto e a prova na ação declarativa, Lex, 1995, p. 195.
[6] Cf. Ac. do STJ de 06.10.2010, relatado por HENRIQUES GASPAR no processo 936/08.JAPRT, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal, janeiro de 2017, acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/O%20standard%20de%20prova%202017.pdf.
[8] Ob. cit.
[9] Cf. TOMÉ GOMES, Um olhar sobre a prova em demanda da verdade no Processo Civil, in Revista do Centro de Estudos Judiciários, n.º 3, 2005, p. 152.
[10] Cf. CASTRO MENDES, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Ática, 1961, Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, p. 413.
[11] Cf. PAIS DE AMARAL, Direito Processual Civil, 12.ª edição, Almedina, 2015, p. 293.
[12] Cf. ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO, O Dispositivo e os Poderes do Tribunal à Luz do Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2001, p.135.
[13] Relatado por MANUEL CAPELO no processo 1335/13.8TBCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[14] ANTÓNIO MENESES CORDEIRO, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Almedina, 2021, p. 1022.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] Ob. cit., pp. 24-25.
[18] Código Civil Comentado, II, das Obrigações em Geral, Almedina, 2021, p. 1024; o Autor dá nota da explicação de ordem histórica para o que qualifica de “sistema híbrido”, com origem no Direito francês – “a faute” e no Direito alemão: [(1) na responsabilidade obrigacional, mantém-se o esquema tradicional, tipo faute: “culpa”, nos arts. 798.º e 799.º, envolve a ilicitude e a culpa; (2) na aquiliana, acolheu-se o alemão: temos, no art. 483.º/1, claramente contraposta a ilicitude e a culpa (dolo ou negligência); mais dá conta o Autor (nota 8) de que tal [realidade, mau grado alguma incompreensão doutrinária, tem, em boa hora, vindo a ser reconhecida pela jurisprudência], seguindo-se a citação de alguns exemplos; e conclui, de forma paradigmática, [não conhecemos nenhum acórdão em que se presuma a culpa, afastando a ilicitude: seria uma impossibilidade ontológica].
[19] Publicado no DR, 1.ª Série, de 26 de janeiro de 2022.
[20] Aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro.
[21] Aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril.
[22] Neste sentido, Ac. STJ de 14.12.2016, relatado por ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES no processo 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1, e Ac. RC de 13.11.2018, relatado por FERREIRA LOPES no processo 236/14.7TBLMG.C1.
[23] Lei do Contrato de Seguro Anotada, 4.ª Edição, Almedina, 2020, p. 484.