MODELO DE UTILIDADE
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Sumário

I.–O âmbito da protecção conferida pelo modelo de utilidade é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar.

II.–São o sentido que essas reivindicações assumem para um especialista na matéria, que as interprete, tendo em consideração o teor da descrição e dos desenhos, bem como os conhecimentos comuns do estado da técnica à sua disposição na data da apresentação do pedido, que delimitam o âmbito de protecção.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa,


I.–RELATÓRIO


António… e Alexandre…, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum contra Advancecare – Gestão de Serviços de Saúde, S.A., pedindo que a mesma seja condenada:

1.– A indemnizar os Autores no valor de € 300.000,00 pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes, até à presente data, decorrentes da utilização indevida e abusiva do modelo de utilidade de que são titulares;
2.– A pagar aos Autores as quantias que vierem a ser liquidadas, em sede de incidente de liquidação ou em execução de sentença, a título de indemnização pelos ganhos auferidos pela Ré decorrentes da utilização indevida do modelo de utilidade do qual são titulares os Autores, bem como pelos danos emergentes e pelos lucros cessantes decorrentes da utilização indevida e abusiva do modelo de utilidade pela Ré, desde a presente data até à cessação da referenciada utilização abusiva do modelo de utilidade;
3.– A indemnizar os Autores no valor de € 20.000,00, cada, pelos danos patrimoniais que aqueles sofreram por força da conduta da Ré;
4.– A título de sanção acessória, a excluir definitivamente do seu circuito comercial o serviço ‘MÉDICO ONLINE’ e a abster-se, sem autorização prévia dos Autores, a disponibilizar, sob qualquer forma, aos seus clientes/utentes, consultas à distância ou a instalar projectos, serviços ou produtos que violem o direito de propriedade industrial dos Autores protegido pelo modelo de utilidade de que são titulares.
Para tanto alegaram, em síntese, serem desde 30.04.2015 titulares do modelo de utilidade nº … PROCESSO DE TELEMEDICINA A PEDIDO (ON DEMAND) VIA TELEVISÃO POR CABO’, cuja reivindicação principal (1ª) se traduz em ‘Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo, caracterizado por utilizar a televisão para – por decisão e iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand) – ser realizada uma consulta médica face to face, a partir da casa do cliente ou do local que ele eleger para tal’, mas que também contempla a possibilidade de utilização de quaisquer outros suportes tecnológicos que permitam um contacto vídeo ou áudio entre pacientes e profissionais de saúde e que, por consulta do site da Ré em https://advancecare.pt/para-si/medico-online, constataram que a mesma disponibiliza aos seus clientes serviços de medicina online, absolutamente coincidentes com o modelo de utilidade de que são legítimos titulares.
Acrescentaram que a Ré apropriou-se, assim, indevidamente, do modelo de utilidade titulado pelos Autores, desenvolvendo um serviço que corresponde ao dito modelo por estes concebido e que representa, pelo seu carácter inovador e moderno, uma mais valia para os serviços disponibilizados pela Ré aos seus clientes no âmbito da prestação de cuidados de saúde, gerando uma vantagem competitiva e contrapartidas económicas que lhe não pertencem na íntegra, mas sim, ainda que parcialmente, aos Autores, inviabilizando a possibilidade de estes gerarem qualquer receita ou mais valia patrimonial com base no modelo de utilidade que conceberam e registaram, com graves prejuízos para estes, que estimam em, pelo menos, € 300.000,00 (danos patrimoniais) e, pelo menos, € 20.000,00 a cada A. (danos não patrimoniais).
*

A Ré contestou, suscitando a questão prévia da pendência de causa prejudicial, uma vez que se encontra pendente acção tendente a ver declarada a nulidade do modelo de utilidade nº …- cuja violação se invoca na presente acção, excepcionando a prescrição dos invocados danos e a nulidade da reivindicação 4 do dito modelo de utilidade por falta designadamente dos respectivos requisitos subjacentes à sua concessão, e impugnando a alegada violação do modelo de utilidade em causa, bem como os alegados danos e nexo de causalidade entre estes e qualquer conduta culposa que lhe seja imputável.
*

Foi realizada audiência prévia, vindo na mesma a considerar-se que os autos contêm os elementos necessários para que se possa conhecer, desde já, do mérito, da causa, vindo depois a ser proferido despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância, e ainda despacho saneador com valor de sentença, no qual se decretou o seguinte:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, declara-se a presente acção improcedente e não provada, absolvendo-se a R do pedido.
Custas pelos AA. (artigos 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”
*

Inconformados com essa decisão, os Autores dela recorreram para esta Relação de Lisboa, tendo sido proferida decisão singular que, julgando improcedente o recurso, manteve a decisão recorrida.

Notificados, os Apelantes requereram que sobre a matéria da decisão singular recaia um Acórdão.

A parte contrária silenciou.

Colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir dos fundamentos do recurso.
*

Como se referiu, os Autores interpuseram recurso da sentença que julgou improcedente acção, apresentando, após alegações, as seguintes conclusões:
1.-Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu o seguinte:
“IV–Decisão
Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, declara-se a presente ação improcedente e não provada, absolvendo-se a R do pedido.”
2.-Ao dar como provados os factos que deu, o Tribunal a quo teria, necessariamente, que retirar conclusão diferente da que retirou na decisão de que agora se recorre, ou seja, com base nos factos que deu como provados, o Tribunal a quo tinha, sem qualquer margem para dúvidas que dar provimento à ação, condenando a RÉ ora Recorrida.
3.-Tenhamos presente o que consta dos items 1., e 2., do elenco dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1.ª-Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo caracterizado por utilizar a televisão para – por decisão e iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand) – ser realizada uma consulta médica face to face, a partir de casa do cliente ou do local que ele eleger para tal.’.
2) As demais reivindicações 2.ª a 6.ª do referido modelo de utilidade nº … reivindicam o seguinte, nos termos do doc. 2 da p.i. junto a fls. 26v-27 e 101-102 supra dado por reproduzido (ponto 1 do presente enunciado de factos, ênfase aditado):
2.ª-Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta a pedido (on demand) e face to face, se implementar num suporte tecnológico para a ligação a realizar que conjuga, para este objetivo inovador e inexistente no mercado, o aparelho de televisão e de controlo remoto, com aparelhos de captação de som e imagem, no caso dos aparelhos de televisão que não os incorporem já.
3.ª-Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caraterizada por ser uma iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand), o serviço prestado seguirá o princípio pagamento por uso (pay per use), através de um serviço subscrito.
4.ª-Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta a pedido (on demand) e face to face, o serviço poderá ser prestado através de outros suportes tecnológicos que não o aparelho de televisão, mas igualmente já existentes, mantendo-se o padrão inovador de ser por total decisão do cliente e na plataforma que o cliente escolher.
5.ª-Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da televisão (ou complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e por permitir, em ambiente não hospitalar/clínico, não apenas a consulta e respetivo acompanhamento e/ou diagnóstico à distância, mas também a prescrição de medicamentação, cujo receituário será enviado ao cliente, de acordo com as novas normas de emissão de receitas médicas, através de meios digitais (por exemplo: e-mail).
6.ª-Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da televisão (ou complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e por ser ecológico, pelas deslocações que evita, e asséptico, pela ausência de quaisquer infeções hospitalares ou características de unidades clínicas.’ (negrito e sublinhados nossos);
4.–Ora, nos termos do disposto no artigo 62.º, números 1., e 3., do Código da Propriedade Industrial, aprovado pela Lei n.º 36/2003, de 5 de março, na redação que se encontrava em vigor à data do registo do modelo de utilidade de que os ora RECORRENTES são titulares, ou seja, em 2015, determinava-se que as reivindicações são o que é considerado novo e que caracteriza a invenção e, ainda, que as reivindicações definem o objeto da proteção requerida, devendo ser claras, concisas, corretamente redigidas, baseando-se na descrição e contendo, quando apropriado:
a)-Um preâmbulo que mencione o objeto da invenção e as características técnicas necessárias à definição dos elementos reivindicados, mas que, combinados entre si, fazem parte do estado da técnica;
b)-Uma parte caracterizante, precedida da expressão “caracterizado por” e expondo as características técnicas que, em ligação com as características indicadas na alínea anterior, definem a extensão da proteção solicitada.” (negrito e sublinhados nossos).
5.–Os RECORRENTES, quando apresentaram as suas reivindicações, relativas ao modelo de utilidade em discussão no caso sub judice, cumpriram todos os requisitos legalmente previstos e supra elencados, apresentando 6 (seis) reivindicações no âmbito das quais explicitam, detalhadamente, e de acordo com o disposto 62.º, número 1., alínea a), já supra transcrito, o que era considerado novo na sua invenção e o que caracterizava tal invenção.
6.–Ou seja, ao contrário do que, inexplicavelmente, pretende o Tribunal a quo, na sua, aliás douta, sentença, e da qual ora se recorre, a novidade e as características de um modelo de utilidade ou de uma patente não se resumem ao conteúdo da 1.ª reivindicação apresentada pelos respetivos titulares, individualmente considerada.
7.–Sendo que o modelo de utilidade e o âmbito da respetiva proteção são definidos pelo conjunto do conteúdo de todas as reivindicações.

8.–Ora, in casu, e no âmbito das reivindicações apresentadas pelos ora RECORRENTES, eram as seguintes as novidades do modelo de utilidade, à data do respetivo registo, ou seja, em 2015:
1.ª–Novidade
A utilização da telemedicina a pedido (on demand) (vide conteúdo das 1.ª, 2.ª, 3.ª, e 4.ª reivindicações, já supra transcritas), ou seja, à data do registo do modelo de utilidade pelos ora RECORRENTES, a telemedicina era uma prática conhecida, mas utilizada apenas em ambiente clínico/hospitalar, por profissionais de saúde que contactavam outros profissionais de saúde (usualmente médicos especialistas) que se encontravam em ambiente clínico/hospitalar distinto para procederem, por via remota, à análise de exames de imagem ou dos próprios pacientes: ou seja, até 2015, não existia nenhum processo de telemedicina on demand disponível, ou seja, os clientes, pacientes ou utentes não podiam decidir, por motu proprio, aceder a uma consulta médica à distância (à data, não só não existia nenhum processo disponível que permitisse tal acesso, a pedido, pelos clientes, pacientes ou utentes, como não se encontrava registada qualquer invenção nesse sentido).
2.ª–Novidade
A realização de consulta, não só por iniciativa do cliente, paciente ou utente, mas a partir de ambiente não clínico ou não hospitalar, e.g., a partir de casa ou de qualquer outro local à escolha do utilizador (vide conteúdo das 1.ª, 5.ª, e 6.ª reivindicações, in fine, já supra transcritas).
3.ª–Novidade
A realização de consulta face to face, entre médico e paciente, sem intervenção de qualquer outro profissional de saúde ou de qualquer unidade de saúde (vide conteúdo das 1.ª, e 4.ª reivindicações, já supra transcritas).
4.ª–Novidade
A realização de consultas de telemedicina via televisão por cabo (vide conteúdo da 1.ª, e 2.ª, reivindicações, já supra transcritas).
5.ª–Novidade
A realização de consultas de telemedicina via outros suportes tecnológicos que não o aparelho de televisão, na plataforma que o cliente escolher (vide conteúdo da 4.ª reivindicação, já supra transcrita).
6.ª–Novidade
Pagamento por uso: ou seja, o cliente, paciente ou utente, para ter acesso à consulta de telemedicina que escolher, subscreve um serviço ou paga a consulta efetuar (vide conteúdo da 3.ª reivindicação, já supra transcrita).
7.ª–Novidade
No âmbito da consulta de telemedicina, possibilidade de prescrição de receitas de medicamentos por meios à distância (vide conteúdo da 5.ª reivindicação, in fine, já supra transcrita).
8.ª–Novidade
Implementação, com a possibilidade de marcação de consultas de telemedicina por iniciativa dos clientes, utentes ou pacientes, de um sistema eco-friendly e assético, reduzindo a pegada ecológica e evitando a propagação de infeções contagiosas (vide conteúdo da 6.ª reivindicação, já supra transcrita).
9.–Pretendendo o Tribunal a quo limitar, inqualificavelmente, a proteção do modelo de utilidade à 1.ª reivindicação e ao título que ora RECORRENTES deram a tal modelo de utilidade.
11.–Não vem indicada qualquer conclusão sob o n.º 10.. Sendo que, à data, e de acordo com a utilização dos meios tecnológicos que estavam mais em uso por toda a população, pareceu aos ora RECORRENTES que o processo que inventaram poderia ter um potencial de utilização maior através da televisão por cabo, tendo, no entanto, os RECORRENTES o cuidado de indicar expressamente, nas suas reivindicações, como conteúdo do respetivo modelo de utilidade, porque pretendiam tal extensão do seu modelo de utilidade e respetiva proteção, e tal como já supra transcrito, a possibilidade de a sua invenção ser utilizada através de outros suportes tecnológicos que não a televisão por cabo, prevendo, expressamente, que os utilizadores escolhessem e utilizassem a plataforma de comunicação que entendessem.
12.–Sendo que, inegavelmente, e ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, a proteção do modelo de utilidade relativo ao processo inventado pelos ora RECORRENTES é extensível, sem qualquer dúvida, à implementação de tal processo através de outros meios tecnológicos, como, inegavelmente, fez a ora RECORRIDA.
13.–Sendo que é justamente através de outros suportes tecnológicos, via internet, que a RECORRIDA disponibiliza o processo inovador inventado e registado pelos ora RECORRENTES.
14.–Ora, é o próprio Tribunal a quo que dá como provados (nos items 5., 6., e 7. do elenco dos factos provados) os factos que permitem comparar e concluir que o processo que a ora RECORRIDA disponibiliza é absolutamente idêntico ao que consta do modelo de utilidade de são titulares os ora RECORRENTES.
15.–Importa referir, com relevância para o presente recurso, e mesmo sabendo que o Tribunal a quo discordou da concessão do registo do modelo de utilidade em causa, que a matéria alegada na fundamentação da sentença ora recorrida quanto ao registo do modelo de utilidade dos ora RECORRENTES não colhe porque a discordância com tal registo ou a fundamentação para a não concessão do mesmo, já foi dirimida, em definitivo, no âmbito do processo n.º 7/17.9YHLSB, pela Decisão (cuja certidão se encontra junta aos autos) proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de novembro de 2017 (referida no item 4., dos factos dados como provados da sentença ora recorrida), tendo tal decisão sido favorável aos ora RECORRENTES, em posição contrária à sufragada pelo Tribunal a quo.
16.–Estavam os Recorrentes, em 2015, e muito antes da situação pandémica actual, à frente do seu tempo;
17.–Apresentando, no âmbito do processo de registo do respetivo modelo de utilidade, as reivindicações relativas a todas as novidades introduzidas no processo de telemedicina que pretendiam ver protegidas, ou seja, apresentando 6 (seis) reivindicações que continham, no mínimo, e tal como supra amplamente evidenciado, 8 (oito) inovações, todas elas com o mesmo valor em termos de proteção legal.
18.–Porque a lei não diz, nem podia dizer, que só beneficia de proteção a 1.ª reivindicação apresentada.
19.–Dizendo, antes, e ao contrário, no artigo 140.º, do Código da Propriedade Industrial, que o âmbito da proteção conferida pelo modelo de utilidade é determinado pelo conteúdo das reivindicações, ou seja, do conjunto de todas as reivindicações
20.–E ainda ao contrário do que pretende o Tribunal a quo, na sua interpretação indizível, a proteção do modelo de utilidade de que são titulares os ora RECORRENTES não se resume ao título de tal modelo de utilidade ou à 1.ª reivindicação apresentada pelos RECORRENTES.
21.–Aliás, ao contrário da interpretação feita pelo Tribunal a quo, em nenhum momento, a lei aplicável (ou seja, o Código da Propriedade Industrial), refere qualquer distinção ou valoração sobre reivindicações independentes ou dependentes.
22.–Sendo que tal conceito surge, apenas, nos despachos exarados pelo Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., nomeadamente e, in casu, no Despacho 3571/2014, de 6 de março (despacho que estava em vigor à data da apresentação do registo do modelo de utilidade pelos ora RECORRENTES), o qual, sublinha-se, apenas regulamenta os requisitos formais dos requerimentos e dos documentos de instrução dos pedidos de concessão de direitos de propriedade industrial.
23.–Sendo claríssima a lei habilitante aplicável ao caso concreto, ao definir (vide artigo 62.º, número 2., do Código da Propriedade Industrial, na versão que se encontrava em vigor à data do pedido de registo do modelo de utilidade pelos RECORRENTES) que: “2. Os elementos referidos no número anterior devem respeitar os requisitos formais fixados por despacho do presidente do conselho diretivo do INPI, I. P.” (negrito e sublinhado nossos);
24.–Resultando óbvio que a criação, por Despacho do Presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I.P., de distinções vinculativas, juridicamente relevantes, entre reivindicações independentes e reivindicações dependentes, extravasa, em muito, o conceito de requisitos formais referido pelo legislador.
25.–Em violação expressa do princípio constitucional da preferência ou preeminência da lei, ínsito no artigo 115.º, números 5., e 7., da Constituição da República Portuguesa.
26.–Mas ainda que se admitisse, o que não se concede, que o Presidente do Conselho Diretivo do INPI, I.P., tivesse legitimidade para determinar mais do que meros requisitos de forma, sempre se diria que os Recorrentes cumpriram, na íntegra, o que resulta do Despacho 3571/2014, de 6 de março, designadamente quando apresentaram várias reivindicações na mesma categoria (processo), mantendo, na íntegra a unidade da invenção, consistindo a reivindicação 4.ª, do modelo de utilidade em causa, uma solução alternativa (à utilização da televisão por cabo) para resolver um problema específico (ou seja, a necessidade de acesso à distância a profissionais de saúde por parte dos utentes/pacientes/doentes).

27.–Tudo em estrito cumprimento do disposto no item 2.1., alínea j), do supra referido Despacho, que dispõe o seguinte:
j)-Permitir a existência de duas ou mais reivindicações independentes na mesma categoria (produto, dispositivo, processo ou utilização), desde que seja mantida a unidade de invenção e apenas se a matéria reivindicada se encontrar numa das seguintes situações:
i.-Ser um conjunto de produtos inter-relacionados;
ii.-Consistir em usos diferentes do mesmo produto ou dispositivo;
iii.-Constituir soluções alternativas para um problema específico, em que não seja apropriado cobrir as referidas alternativas numa única reivindicação.” (negrito e sublinhados nossos)

28.–Sendo, ainda, de reforçar, que tal Despacho não faz qualquer distinção, nem poderia fazer, relativamente aos efeitos jurídicos das denominadas reivindicações dependentes e independentes.
29.–Sejam “dependentes” ou “independentes” são reivindicações com tutela legal.
30.–Extravasando do que expressamente dispõe a lei, sobre as reivindicações, o Tribunal a quo apela, sem qualquer fundamento legal, ao facto de a reivindicação 4.ª, do modelo de utilidade detido pelos ora RECORRENTES, ser, na interpretação indizível do Tribunal a quo, ser dependente, justificando, com esse “argumento”, que tal reivindicação não é oponível à RECORRIDA, uma vez que, na interpretação do Tribunal a quo, os ora RECORRENTES só detêm um modelo de utilidade que lhes garante a proteção da telemedicina on demand através da utilização da televisão por cabo.
31.–Ora, resultando à saciedade que a consagração de tipos de reivindicações(independentes e dependentes) não contempladas na lei, resulta na ilegalidade e na consequente inaplicabilidade do Despacho n.º 3571/2014, de 6 de março, na parte em que determina tais conceitos e distinção, concluir-se-á, forçosamente, que as expressões “reivindicações independentes” e “reivindicações dependentes” não têm, sob o ponto de vista jurídico e/ou legal, qualquer valor.
32.–Configurando-se tais conceitos como juridicamente inexistentes, dos mesmos não se podendo extrair qualquer conclusão com relevância para os presentes autos.
33.–Sendo que a única conclusão relevante a retirar será que os RECORRENTES são legítimos titulares do modelo de utilidade já supra devidamente identificado, sendo inventores de um processo de telemedicina (através de todos os suportes tecnológicos existentes à data do registo), a pedido dos utentes/clientes/pacientes, através do pagamento do serviço prestado, e com possibilidade de interligação à distância, não só para a realização das consultas médicas, mas igualmente para prescrição de receitas e exames de diagnóstico;
34.–Beneficiando todas as reivindicações que os RECORRENTES apresentaram da mesma proteção legal, sem qualquer hierarquia ou classificação.
35.–Pelo que dúvidas não subsistem que a ora RECORRIDA violou os direitos dos ora RECORRENTES que decorrem do registo do modelo de utilidade em causa, tendo esteso direito de proibir à RECORRIDA a utilização do processo por eles inventado, concebido e devidamente registado.
36.–A violação, pela ora RECORRIDA, do modelo de utilidade dos RECORRENTES é total, tilizando todo o método e todo o processo concebidos e inventados pelos ora RECORRENTES, visando exatamente os mesmos objetivos.
37.–Sendo que, não obstante, é suficiente que o processo utilizado pela RECORRIDA viole o modelo de utilidade de que os RECORRENTES são titulares, considerado no seu conjunto, e atendendo às respetivas reivindicações o que, manifestamente, acontece no caso sub judice.
38.–Se nas reivindicações apresentadas pelos RECORRENTES existem métodos alternativos de concretizar o mesmo processo, como acontece in casu (previu-se, para implementação e execução do processo de telemedicina, o recurso à televisão por cabo ou o recurso a outros suportes tecnológicos, via internet), ambos terão que ser objeto da proteção legalmente conferida.

Terminaram pedindo que o recurso seja julgado totalmente procedente, determinando-se a revogação da decisão proferida, e a sua substituição por decisão que julgue a presente ação totalmente procedente, condenando a RECORRIDA no pedido, ainda que se relegue para liquidação de sentença a quantificação dos danos sofridos pelos ora RECORRENTES e o valor a arbitrar a título de indemnização.

*

A Ré apresentou contra-alegações, pugnando pela total improcedência do recurso e pela manutenção da absolvição da Ré, ora Recorrida, do pedido, tal como decretada no Saneador-Sentença sob recurso, concluindo nos seguintes termos:
1.-Os Recorrentes, Autores no processo, não se conformam com a Sentença proferida, mas partem de pressupostos manifestamente falsos e errados para fundamentar o seu recurso de apelação.
2.-Apesar do esforço desenvolvido pelos Recorrentes para desviar a atenção da realidade dos factos, os vários elementos e documentos técnicos que instruíram o pedido de registo do modelo de utilidade atestam, sem margem para dúvida, que a televisão por cabo é uma característica técnica essencial do processo desenvolvido pelos Recorrentes e que foi correta a decisão do Tribunal de 1.ª Instância.
3.-Ao contrário do que querem fazer crer os Recorrentes, o Tribunal a quo não se limitou avalorar apenas o conteúdo da reivindicação 1 do modelo de utilidade em causa, bastando uma leitura atenta da Sentença para se concluir que foi a interpretação da globalidade das seis reivindicações que determinou a decisão de improcedência da ação.
4.-A interpretação levada a cabo pelos Recorrentes contende com o disposto no artigo 140.º do Código de Propriedade Industrial.
5.-O conteúdo e o alcance da proteção conferida pelo modelo de utilidade são mais restritos do que aquele que é alegado pelos Recorrentes, porque não abrange toda e qualquer consulta à distância, independentemente do suporte tecnológico utilizado.
6.-É o que resulta da análise dos vários elementos e documentos técnicos que instruíram o pedido de registo do modelo de utilidade n.º …, nomeadamente o nomen iuris e o resumo do pedido, o caderno da descrição e os respetivos desenhos.
7.-A par das reivindicações, tais elementos – omitidos pelos Recorrentes na ação – são relevantes para atestar que a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi a correta.
8.-Os Recorrentes só conseguiram obter a concessão do registo do modelo de utilidade em questão precisamente porque o mesmo pressupunha a utilização da televisão por cabo, conforme resulta de uma leitura atenta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30.11.2017.
9.-No recurso, nessa altura, intentado, os Recorrentes reclamaram a novidade da sua invenção com fundamento no facto de a telemedicina nunca ter sido adaptada à televisão por cabo e defenderam que esta permitia, pela primeira vez, que o cliente subscrevesse um canal de televisão que lhe permita estar num consultório à distância, tendo aquele Tribunal concedido o registo do modelo de utilidade atendendo a esse facto.
10.-Analisando o modelo de utilidade dos Recorrentes, conclui-se que o mesmo tem seis reivindicações, tendo aqueles definido a reivindicação 1 como a reivindicação principal e independente e as reivindicações 2 a 6 como reivindicações dependentes.
11.-A distinção entre reivindicação independente e reivindicação dependente não só resulta da Lei, como é adotada pela Doutrina e Jurisprudência nacionais, e consiste num dos elementos mais basilares em matéria de definição de escopo de proteção de invenções e, em particular, de um conjunto de reivindicações.
12.-O facto de todas as reivindicações 2 a 6 do modelo dos Recorrentes se reportarem à reivindicação 1, através da expressão de vínculo “de acordo com a reivindicação 1”, confirmam a dependência daquelas a esta.
13.-A reivindicação 1 define, com clareza, o meio técnico essencial pelo qual o processo de telemedicina é realizado: a televisão por cabo.
14.-Não estabelecendo a reivindicação 1 qualquer outra possibilidade alternativa de meio ou tecnologia de realização das consultas de telemedicina, por opção dos Recorrentes, deve concluir-se que é correta a decisão do Tribunal de 1.ª Instância no sentido de considerar que estes limitaram o âmbito de proteção do seu modelo de utilidade à utilização da televisão por cabo.
15.-Tal limitação é também confirmada pelo caderno de descrição e pelos respetivos desenhos elaborados pelos próprios Recorrentes, documentos esses que, não obstante a sua relevância em face do disposto no artigo 140.º do CPI, são omitidos nas alegações de recurso.
16.-As reivindicações 2 a 6, na medida em que são dependentes daquela reivindicação 1, também incorporam, necessariamente, essa característica técnica.
17.-A interpretação levada a cabo pelos Recorrentes no sentido de que foi por eles contemplada, expressamente, a possibilidade de utilização de quaisquer outros suportes tecnológicos que não a utilização da televisão por cabo, nomeadamente na reivindicação 4, não é correta.
18.-A reivindicação dependente 4 do modelo de utilidade n.º … define, claramente, a sua relação de dependência com a reivindicação independente 1 e, em virtude dessa relação, a reivindicação 4 tem de ser coerente com as características que são mencionadas na reivindicação da qual depende, a qual não refere nenhum outro suporte/aparelho tecnológico, pressupondo, ao invés, o recurso à utilização da televisão por cabo.
19.-Acresce que a fundamentação no caderno da descrição para a expressão “outros suportes tecnológicos” limita-se a aspetos não diretamente relacionados com a execução do processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo.
20.-É possível encontrar sentidos interpretativos para a expressão “outros suportes tecnológicos” contida na reivindicação 4, compatíveis com a sua dependência em relação à reivindicação 1.
21.-O que não é possível é interpretar tal reivindicação em contrariedade com a reivindicação da qual depende, ignorando todos os elementos que integram e consubstanciam o modelo de utilidade n.º….
22.-Numa tentativa de ultrapassar os termos em que conceberam o modelo de utilidade e que não permitem sustentar a posição que adotam, os Recorrentes alegam a ilegalidade e inconstitucionalidade do Despacho n.º 3571/2014, de 6 de março do Presidente do Conselho Diretivo do INPI, na parte em que se refere à distinção entre reivindicações independentes e reivindicações dependentes – posição que carece de fundamento legal.
23.-Nas disposições do Despacho n.º 3571/2014, de 6 de março, referentes às reivindicações, não se estabelecem quaisquer requisitos substantivos adicionais ou diferentes dos estabelecidos no Código da Propriedade Industrial, nem nelas se atribui qualquer valoração jurídica às reivindicações, sejam elas independentes ou dependentes.
24.-A posição dos Recorrentes é incongruente, porque estes alegam que cumpriram o disposto na alínea j) de tal Despacho que permite “a existência de duas ou mais reivindicações independentes na mesma categoria mas, na verdade, na reivindicação 4, optaram por utilizar a expressão “de acordo com”, em cumprimento com o disposto na alínea k), caracterizando-a como reivindicação dependente.
25.-Foi correto o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que a expressão “o serviço poderá ser prestado através de outros suportes tecnológicos que não o aparelho de televisão, mas igualmente já existentes”, constante na reivindicação 4.ª, em nada amplia o âmbito de proteção tal como definido na reivindicação 1.ª de que depende, pois também aí se reivindica um Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo, razão pela qual o modelo de utilidade n.º … não abrange toda e qualquer consulta médica independentemente do suporte tecnológico utilizado.
26.-Inexiste, pois, fundamento para revogar a Sentença recorrida.
27.-Sem conceder, a ser acolhida a interpretação defendida pelos Recorrentes, deve considerar-se que reivindicação 4 viola o n.º 3 e o n.º 4 do artigo 62.º do CPI e, nessa medida, é nula.
28.-A violação do n.º 3 do artigo 62.º do CPI decorreria da falta de clareza da reivindicação 4, pois seria ambígua no tocante à interpretação do seu âmbito de proteção.
29.-Ambiguidade que resultaria, em primeiro lugar, do facto da reivindicação 4 definir, expressamente, a sua relação de dependência com reivindicação principal 1, carreando, por isso, as características essenciais definidas neste última (da qual depende), nomeadamente o facto do método ser executado via televisão por cabo por meio da utilização da televisão, e, ao mesmo tempo, a mesma reivindicação 4 definir que a característica da utilização do aparelho de televisão não é, afinal, essencial, podendo ser utilizados “outros suportes tecnológicos” – o que consubstancia uma contradição dos próprios termos da reivindicação
30.-Em segundo lugar, a ambiguidade resultaria do facto da reivindicação 4 conter a expressão “outros suportes tecnológicos” mas não definir com clareza e precisão esses hipotéticos suportes tecnológicos que permitem a execução do método de telemedicina em alternativa à televisão por cabo.
31.-Assim, o entendimento pugnado pelos Recorrentes não cumpre o requisito da suficiência na descrição, violando o já citado n.º 4 do artigo 62.º do CPI.
32.-A ambiguidade e a falta de suficiência descritiva da reivindicação 4 são fundamento de nulidade da mesma, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 151.º do CPI, pelo que uma interpretação nesses termos, além de infundada, é nula e não pode ser reconhecida.
33.-Em suma, procedendo a tese dos Recorrentes, no sentido de que a reivindicação 4 prevê outros suportes tecnológicos para o exercício da telemedicina que não pressupõem a utilização da televisão por cabo, o que não se aceita, deve a nulidade da reivindicação 4 ser julgada provada, e, em consequência, deve o Tribunal manter a decisão de absolvição da ora Recorrida dos pedidos, o que se requer.
34.-Os Recorrentes não só pedem a revogação da decisão proferida, e a sua substituição por outra decisão que julgue a ação totalmente procedente, como também vêm pedir que o Tribunal ad quem dê como provados os danos alegadamente sofridos pelos Recorrentes, pretendendo estes que isso signifique, direta e automaticamente, a condenação da Recorrida no pedido.
35.-No entanto, à luz do n.º 2 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, só pode ser relegada para liquidação em execução de sentença a fixação da indemnização quando na ação declarativa se tenha provado a existência de danos, ou seja, quando esteja demonstrada a existência da obrigação, uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, não é a existência da obrigação, mas sim, e apenas, o objeto ou a quantidade dessa obrigação.
36.-No caso concreto, o Tribunal a quo não deu como provada a existência dos danos patrimoniais, nem dos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos ora Recorrentes, nem tão-pouco se pronunciou quanto à imputabilidade dos mesmos à conduta da Recorrida.
37.-Em face do exposto, caso se considere procedente a interpretação dos Recorrentes, o que não se concede, o Tribunal ad quem teria sempre que ordenar a produção de novos meios de prova adicionais, não podendo proferir decisão de condenação, nos termos peticionadas nas alegações de recurso.

*

II.–Questões a decidir.

É sabido que por força do estatuído no n.º 2 do art.º 608º do Código de Processo Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, e bem assim que são as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes que definem o objecto e os limites do poder de cognição do Tribunal ad quem, pese embora, como nunca poderá ser esquecido, face ao previsto no n.º 3 do art.º 5º do CPC 2013, nenhum juiz esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Deste modo, em face das alegações das partes, importa apreciar e decidir se a decisão recorrida viola ou não os direitos dos Autores relativos ao registo do modelo de utilidade de que os ora RECORRENTES são titulares.
*

III.–Fundamentação.

III.1.–Fundamentação de facto.

Na decisão recorrida, sem que na mesma tenha sido feita qualquer menção a factos não provados, foram declarados provados os seguintes factos:
1)- Os Autores são titulares do registo de modelo de utilidade n° … relativo a ‘PROCESSO DE TELEMEDICINA A PEDIDO (ON DEMAND) VIA TELEVISÃO POR CABO’, solicitado em 30.04.2015 e concedido por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.11.2017 (que revogou a sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual de 15.05.2017 que declarara improcedente o recurso dos ora AA. contra a decisão de recusa do INPI de 20.10.2016), cuja reivindicação 1ª e única independente reivindica o seguinte (ênfase aditado), nos termos constantes dos docs. 1 e 2 da petição inicial e do doc. cuja junção se ordenou em sede de audiência prévia, constantes dos autos a fls. 19v-20v e 101-317 dos autos, que se dão por reproduzidos:
1ª- Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo caracterizado por utilizar a televisão para – por decisão e iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand) – ser realizada uma consulta médica face to face, a partir de casa do cliente ou do local que ele eleger para tal.’.
2)- As demais reivindicações 2.ª a 6.ª do referido modelo de utilidade nº … reivindicam o seguinte, nos termos do doc. 2 junto a fls. 20-21 dos autos e de fls. 188-189 do doc. ordenado juntar em sede de audiência prévia e supra dado por reproduzido (ponto 1 do presente enunciado de factos, ênfase aditado):
2.ª- Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta a pedido (on demand) e face to face, se implementar num suporte tecnológico para a ligação a realizar que conjuga, para este objectivo inovador e inexistente no mercado, o aparelho de televisão e de controlo remoto, com aparelhos de captação de som e imagem, no caso dos aparelhos de televisão que não os incorporem já.
3.ª- Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada por ser uma iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand), o serviço prestado seguirá o princípio pagamento por uso (pay per use), através de um serviço subscrito.
4.ª- Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pela consulta a pedido (on demand) e face to face, o serviço poderá ser prestado através de outros suportes tecnológicos que não o aparelho de televisão, mas igualmente já existentes, mantendo-se o padrão inovador de ser por total decisão do cliente e na plataforma que o cliente escolher.
5.ª- Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da televisão (ou complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e por permitir, em ambiente não hospitalar/clínico, não apenas a consulta e respectivo acompanhamento e/ou diagnóstico à distância, mas também a prescrição de medicamentação, cujo receituário será enviado ao cliente, de acordo com as novas normas de emissão de receitas médicas, através de meios digitais (por exemplo: email).
6.ª- Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., caracterizada pelo uso da televisão (ou complementarmente pelo uso de outros suportes tecnológicos), e por ser ecológico, pelas deslocações que evita, e asséptico, pela ausência de quaisquer infecções hospitalares ou características de unidades clínicas.’
3)– Na secção ‘DESCRIÇÃO’ do referido modelo de utilidade nº 11169 menciona-se designadamente o seguinte (ênfase aditado), nos termos constantes a fls. 107-124 e 139-153 do documento ordenado juntar em sede de audiência prévia, supra dado por reproduzido (ponto 1 do presente enunciado de factos):
‘’O uso da telemedicina é uma técnica já conhecida e utilizada […]. Também já é do conhecimento presente da técnica a existência de plataformas bidireccionais de comunicação face to face, com base na internet e em softwares que correm nesses protocolos (v.g.: Skype, MSN Messenger, facebook). Estas plataformas fazem a ligação através de computadores, tablets ou smartphones, mas nunca através da televisão. Nenhum dos processos actualmente existentes e concebidos até à data, permite que um cliente/doente/paciente, contacte, por sua exclusiva iniciativa, e sem qualquer necessidade de deslocação, um profissional de saúde, através de um canal de televisão por cabo […].
4)– Na mencionada decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu o referido modelo de utilidade nº … menciona-se, designadamente, o seguinte, nos termos do doc. 4 da petição inicial junto a fls. 25-34 dos autos que se dá por reproduzido e fls. 299-316 do doc. ordenado juntar em sede de audiência prévia, supra dado como reproduzido (ênfase aditado):
‘[…] E nesta medida, não se nos afigura que o projecto dos requerentes ultrapasse a mera utilização de técnicas já existentes, às quais nada acrescentam de novo, concordando-se, neste âmbito com o relatório do INPI.
Assim, e se nos ativermos ao nº 1 do art. 120º do CPI (‘uma invenção é considerada nova quando não está compreendida no estado da técnica’) não temos dúvidas de que o projecto dos requerentes não preenche, de modo algum, tal requisito. Quanto ao nº 2 do mesmo art. 120º do CPI, a sua alínea a) dispõe que: ‘Considera-se que uma invenção implica actividade inventiva… se, para um perito na especialidade, não resultar de uma maneira evidente do estado da técnica’. Também aqui, atentas as considerações do perito que elaborou o relatório do INPI, poucas dúvidas existem de não terem os requerentes preenchido com a sua invenção tal requisito. […] do conceito de televisão irradiam diversos desenvolvimentos, ramificações, um dos quais é a televisão por cabo. E a partir desta, entre novas vias diversificadas, encontra-se a dos requerentes, criando um modelo de telemedicina por televisão por cabo que torna, pelo menos em teoria, o processo de telemedicina mais eficaz, interactivo e com consequências práticas que se poderão revelar importantes.’
5)–Através do seu site https://www.advancecare.pt/para-si/medico-online, a R. disponibiliza aos seus clientes serviços de medicina online designados ‘Médico Online’, sendo que aí se diz que ‘permite o acesso, a qualquer hora e em qualquer lugar, a uma consulta realizada por uma equipa médica certificada’, cfr. doc. 3 da petição inicial junto a fls. 27v-28 dos autos que se dá por reproduzido e parcialmente transcrito nas seguintes capturas de ecrã:



6)–No referido site pode ler-se, designadamente, o seguinte, cfr. doc. 3 e captura de ecrã supra reproduzidos e seguinte captura de ecrã extraída do mesmo site (ponto 5 do presente enunciado de factos):
Proteja-se! Se precisar, aceda ao médico sem sair de casa
O serviço de médico online permite o acesso, a qualquer hora e em qualquer lugar, a uma consulta realizada por uma equipa médica certificada, que inclui:
-Triagem clínica telefónica
-Video-consulta realizada por médicos experientes
-Envio da prescrição médica de medicamentos por e-mail ou sms
-Especialidades médicas de Medicina Geral e familiar e Pediatria.
Como utilizar?
Um serviço completo, disponível 24h por dia, 7 dias por semana
1- Contacte-nos
Ligue para o número que está no verso do seu cartão escolha a opção Médico online e valide as condições de aceso ao serviço
2- Efectue a marcação
Efectue a marcação para a data e hora de acordo com a sua preferência.
3- Aceda à consulta
Após a marcação ser-lhe-á enviado um email com o link de acesso para a realização da sua consulta online e na data e hora agendada inicie a sua consulta acedendo ao link enviado



7)–Do referido site da R. (ponto 5 do presente enunciado de factos), constam designadamente os seguintes termos e condições ‘Médico Online’, sob a epígrafe Condições de Pagamento dos serviços “Médico Online”’, cfr. A seguinte captura de ecrã extraída do mesmo site:
‘A confirmação do agendamento está sujeita ao pagamento prévio do serviço Tele-Aconselhamento, caso seja aplicável. Para o efeito, o Utilizador deve optar por um dos meios de pagamento disponíveis (Mbway, referência multibanco ou cartão de crédito)’:





Não tendo sido impugnada a matéria de facto considerada pelo Tribunal Recorrido, é com base na mesma que terá este Tribunal de apreciar a questão controvertida.

*

III.2.–DISCUSSÃO JURÍDICA DO PLEITO
Os Recorrentes sustentam as suas pretensões na alegada utilização indevida e abusiva do modelo de utilidade de que são titulares, alegando que o serviço de médico online”, divulgado através do site da ora Recorrida, é “absolutamente coincidente” com o processo de telemedicina por eles inventado e objeto de proteção desse modelo de utilidade.
Está pois, em causa, um modelo de utilidade registado e a análise dos direitos pelo mesmo outorgado aos seus titulares.
Nos termos do artigo 117º, nº 1, do Código de Propriedade Industrial (CPI) em vigor à data do pedido de registo do modelo de utilidade nº…, e do artigo 119º do CPI actual, ‘podem ser protegidas como modelos de utilidade as invenções novas, implicando actividade inventiva, se forem susceptíveis de aplicação industrial [ênfase aditado].
O objecto deste direito industrial é, pois, uma “solução técnica de um problema técnico por meio da manipulação humanamente controlável das forças da Natureza” Cf. Remédio Marques, Código da Propriedade Industrial Anotado, Coord. Luis Couto Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2021, pg. 642..
Os modelos de utilidade também protegem, pois, invenções técnicas.
Menor exigência quanto à satisfação do requisito actividade inventiva, prazo de duração mais curto, maior número de inventos cuja protecção é expressamente afastada, procedimento administrativo ligeiramente mais acelerado, são, de um modo geral, e nos termos do disposto nos artigos 120º e ss do CPI, as características deste direito industrial Autor e obra citados, pg. 642.

Esclarecendo-se no artigo 137º, nº 1, al. c) e d) do CPI que (ênfase aditado) ‘[…] o modelo de utilidade é recusado se:
c)- a epígrafe ou o título dado à invenção abranger objecto diferente […];
d)- o seu objecto não for descrito de maneira a permitir a execução da invenção por qualquer pessoa competente na matéria;’
Quanto ao respectivo âmbito de protecção, dispõe o artigo 140º, nº 1 do CPI que ‘O âmbito da protecção conferida pelo modelo de utilidade é determinado pelo conteúdo das reivindicações, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar .’ É o sentido que essas reivindicações assumem para um especialista na matéria, que as interprete, tendo em consideração o teor da descrição e dos desenhos, bem como os conhecimentos comuns do estado da técnica à sua disposição na data da apresentação do pedido, que delimitam o âmbito de protecção.
O Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de utilizador informado neste âmbito designa um utilizador dotado não de uma atenção média, mas de uma vigilância especial, em razão da sua experiência pessoal ou do seu amplo conhecimento do setor em causa (v., neste sentido, acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C 281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 53) – o que sugere que, sem ser um criador ou um perito técnico, o utilizador conhece diferentes desenhos ou modelos existentes no setor em causa, dispõe de um certo grau de conhecimentos quanto aos elementos que estes desenhos ou modelos normalmente incluem e, devido ao seu interesse nos produtos em causa, demonstra um grau de atenção relativamente elevado quando os utiliza (acórdão de 20 de outubro de 2011, PepsiCo/Grupo Promer Mon Graphic, C 281/10 P, EU:C:2011:679, n.o 59).
Finalmente, dispõe o artigo 144º, nºs 1, 3 e 4 do CPI o seguinte (ênfase aditado):
1– O modelo de utilidade confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português. […]
3– Se o objecto do modelo de utilidade for um processo, confere ao seu titular o direito de proibir a terceiros, sem o seu consentimento, a utilização do processo […].
5– Os direitos conferidos pelo modelo de utilidade não podem exceder o âmbito definido pelas reivindicações.’
O âmbito de protecção encontra-se, pois, por via deste n.º 5, restringido ao sentido definido pelas reivindicações, nada justificando uma interpretação mais restritiva das reivindicações do que aquela que for adotada em relação ao direito das patentes (cf. o Protocolo de interpretação do artigo 69º da CPE Cf. Ohen Mendes, Código de Propriedade Industrial Anotado, citado pg. 690.
Importa assim recordar que o artigo 69º da Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, assinada em Munique, em 5 de outubro de 1973, na sua versão aplicável (doravante «CPE»), estipula que:
«1— O âmbito da proteção conferida pela patente europeia ou pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações. Não obstante, a descrição e os desenhos servem para interpretar as reivindicações.
2— Durante o período até à concessão da patente europeia, o âmbito da proteção conferida pelo pedido de patente europeia é determinado pelas reivindicações contidas no pedido tal como publicado. Contudo, a patente europeia, tal como concedida ou modificada no decurso do procedimento de oposição, de limitação ou de revogação, determina retroativamente a proteção conferida pelo pedido, desde que esta proteção não seja alargada.»

O artigo 1.º do protocolo interpretativo deste artigo 69º, que faz parte integrante da CPE em virtude do seu artigo 164º, n.º 1, prevê:
«O artigo 69º não deve ser interpretado como significando que a extensão da proteção conferida por uma patente europeia é determinada no sentido estrito e literal do texto das reivindicações e que a descrição e os desenhos servem unicamente para dissipar as ambiguidades que poderiam ocorrer nas reivindicações. Nem deve ser considerado como significando que as reivindicações servem unicamente como orientação e que a proteção se estende também ao que, da consideração da descrição e desenhos por um especialista na matéria, o titular da patente entendeu proteger. Pelo contrário, o artigo 69.o deve ser interpretado como definindo uma posição, entre estes extremos, que assegura simultaneamente uma proteção justa ao titular da patente e um grau razoável de segurança jurídica para terceiros.»

Subscreve-se, pois, o entendimento do Tribunal Recorrido quando refere que “para aquilatar do âmbito de protecção do modelo de utilidade nº …registado em nome dos Autores há, pois, que atentar nas respectivas reivindicações, sendo que estas se reportam, todas, a um ‘Processo de telemedicina on demand via televisão por cabo caracterizado por utilizar a televisão para – por decisão e iniciativa do cliente, ou seja, a pedido (on demand) – ser realizada uma consulta médica face to face, a partir de casa do cliente ou do local que ele eleger para tal [ênfase aditado].’
Assim, o modelo de utilidade em causa protege, apenas, um processo de telemedicina a pedido via televisão por cabo, como resulta expressamente da reivindicação 1ª e única independente, sendo todas as demais reivindicações dela dependentes, como indica a correspondente expressão introdutória ‘Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1., […] (ênfase aditado)’.
A expressão ‘o serviço poderá ser prestado através de outros suportes tecnológicos que não o aparelho de televisão, mas igualmente já existentes’, constante na reivindicação 4ª, em nada amplia o âmbito de protecção tal como definido na reivindicação 1ª de que depende, pois também aí se reivindica um ‘Processo de telemedicina a pedido (on demand) via televisão por cabo de acordo com a reivindicação 1. […]’ (ênfase aditado).
De resto, tal expressão assim genericamente formulada não satisfaria os requisitos da suficiente descrição do objecto da invenção e consistência com o respectivo título (‘PROCESSO DE TELEMEDICINA A PEDIDO (ON DEMAND) VIA TELEVISÃO POR CABO’), cuja ausência constitui fundamento de recusa do registo nos termos do citado artigo 137º, nº 1, al. c) e d) do CPI.
Para que o serviço de medicina online da R. se enquadre no âmbito de protecção do modelo de utilidade nº … registado em nome dos AA., necessário se torna que as características nele reivindicadas se encontrem, todas elas, presentes no mencionado serviço operado por aquela.
Ora, resulta dos autos e é assumido pelos próprios autores, que se trata de um serviço ‘online’, o qual, por definição, não passa pelo uso da televisão (nem a fortiori da televisão por cabo), já que se processa ou disponibiliza através de dispositivos de acesso (aplicações móveis vulgarmente designadas ‘apps’ e navegadores web vulgarmente designados ‘browsers’) à rede mundial de computadores World Wide Web baseada na internet.
Pelo que a característica ‘via televisão por cabo’ reivindicada no modelo de utilidade nº 11169 registado em nome dos AA., não está presente no serviço de medicina online da R., o que, desde logo, não permite enquadrar este no âmbito de protecção do dito direito de propriedade industrial, delimitado pelas correspondentes reivindicações.
De resto, serviços de telemedicina e uso de plataformas de comunicação online nada tinham de novo à data do pedido de registo do modelo de utilidade (30.04.2015), como reconhecem os próprios AA. ao referirem na respectiva descrição que ‘O uso da telemedicina é uma técnica já conhecida e utilizada’ e que ‘também já é do conhecimento presente da técnica a existência de plataformas… [que] fazem a ligação através de computadores, tablets ou smartphones, mas nunca através da televisão [ênfase aditado]’.
Na verdade, no caso, os vários elementos e documentos técnicos que instruíram o pedido de registo do modelo de utilidade (o nomen iuris, o resumo do pedido, as reivindicações, o caderno de descrição e os respetivos desenhos) atestam, sem margem para dúvida, que a televisão por cabo é uma característica técnica essencial do processo desenvolvido pelos Recorrentes.
Como não pode deixar de salientar-se, os Autores só conseguiram obter a concessão do registo do modelo de utilidade em questão precisamente porque o mesmo pressupunha a utilização da televisão por cabo, conforme resulta de uma leitura atenta do Acórdão proferido a 30.11.2017, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, junto aos autos como documento n.º 4 da PI e referido no facto provado 4) da Sentença.
Com efeito, o pedido dos Recorrentes foi recusado pelo INPI com fundamento na inobservância dos requisitos legais imprescindíveis para a concessão do direito, motivando a falta de novidade e de atividade inventiva – cfr. página 47 do Boletim da Propriedade Industrial n.º 207/2016 (207/2016) de 25 de Outubro de 2016, retificado pelo Boletim da Propriedade Industrial n.º 2017/02/02 (024/2017), de 2 de Fevereiro de 2017, página 50.
Os ora Recorrentes recorreram da decisão do INPI para o Tribunal da Propriedade Industrial e depois, por este ter negado provimento ao recurso, para o Tribunal da Relação de Lisboa, reclamando a novidade da sua invenção com fundamento no facto de a telemedicina nunca ter sido adaptada à televisão por cabo e defendendo que esta permitia, pela primeira vez, que o cliente subscrevesse um canal de televisão que lhe permita estar num consultório à distância.
É o que resulta das suas alegações, transcritas nas páginas 7 e 8 do Acórdão junto como documento n.º 4 da PI e facto provado 4) da Sentença, e que aqui se reproduzem, com sublinhado e negrito nossos:
«Tal como resulta da “Descrição” apresentada junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, os ora RECORRENTES inventaram todo um método de telemedicina pedido via televisão por cabo, que se carateriza, no mínimo 3 (três) intervenções inovadoras:
a)-Por ser realizado fora de qualquer ambiente clínico e hospitalar (o uso da telemedicina é, de facto uma técnica já conhecida e utilizada, mas sempre em locais dedicados, nomeadamente em ambiente clínico e hospitalar, para obtenção de uma segunda opinião clínica ou obtenção de parecer médico especializado, tal como detalhadamente se explica no item “A técnica Anterior”, que consta da “Descrição” apresentada pelos ora RECORRENTES).
Nenhum dos métodos atualmente existentes e concebidos até à data, permite que um cliente/doente/paciente, contacte, por sua iniciativa, e sem qualquer necessidade de deslocação, um profissional de saúde, através de um canal de televisão por cabo, com som e imagem, realizando uma verdadeira consulta à distância, como se estivesse no consultório do profissional de saúde, permitindo a invenção dos ora RECORRENTES ultrapassar todos os constrangimentos da impossibilidade de acesso a profissionais de saúde das mais diversas áreas, em tempo real, por iniciativa dos próprios clientes/doentes/pacientes, evitando deslocações desnecessárias ou impossíveis e tempos de espera incomportáveis com o actual modo de vida;
b)- Por promover a conjugação singular da utilização de meios tecnológicos já disponíveis ou ainda a disponibilizar, tal como também resulta detalhadamente nos items “A Técnica Anterior” e “Descrição Pormenorizada da Invenção”, que consta da “Descrição” apresentada pelos ora RECORRENTES, designadamente porque os ora RECORRENTES assumem que já é do conhecimento presente da técnica a existência de plataformas bidirecionais de comunicação face to face, com base na internet e em softwares que corremnesses protocolos (v.g.: Skype, MSN Messenger, Facebook e outros), sendo que, no entanto, estas plataformas fazem a ligação através de computadores, tablets ou smartphones, mas nunca através da televisão, o que permite, pela primeira vez, que o cliente/doente/paciente subscreva um canal de televisão que lhe permita estar, por sua iniciativa, num consultório à distância, sendo que, no momento da subscrição do serviço (incluídos no pacote de subscrição), ser-lhe-ão fornecidos todos os dispositivos necessários à monitorização, em tempo real, pelo profissional de saúde contactado, podendo ser medida a tensão arterial, o ritmo cardíaco ou quaisquer outros indicadores básicos de saúde, sendo, também contemplada o envio imediato de receituário ao cliente/doente/paciente, de acordo com as novas normas de emissão de receitas médicas, através de meios digitais (IMED, que permite o envio de receitas por e-mail ou sms).
c)- Pelo facto de ser o cliente/doente/paciente a procurar, por sua vontade, o contacto, à distância, com um profissional de saúde, sem depender de qualquer recomendação prévia para o fazer, estimulando-se, assim, a figura do e-patien; e acompanhando a mudança de mentalidades que tem vindo a ocorrer neste domínio.»
Tendo o Tribunal da Relação concedido o registo do modelo de utilidade atendendo a esse facto, conforme se depreende da leitura das páginas 17 e 18 do Acórdão junto como documento n.º 4 da PI e facto provado 4) da Sentença, e que aqui se reproduzem:
«(…) lendo a descrição pormenorizada da invenção enviada ao INPI – fls. 9 e seguintes do apenso – percebe-se o propósito do projecto dos requerentes: através da combinação de técnicas já existentes, desde a técnica e metodologia de uso dos serviços de televisão por cabo, que opera em diversas fases e opções – subscrição do serviço, agendamento, intervenção do operador de TV, alteração do pacote de serviço, efectuar consulta, controlo de custos em tempo real, facturação, alcançar uma maior eficácia na interação profissional de saúde/utente ou paciente, em tempo real. (…)
Qualquer novidade científica e tecnológica abre portas a diversos desenvolvimentos – mesmo que numa vertente apenas combinatória – nas mais diversas direções. Por exemplo, do conceito de televisão irradiam diversos desenvolvimentos, ramificações, um dos quais é atelevisão por cabo. E a partir desta, entre novas vias diversificadas, encontra-se a dos requerentes, criando um modelo de telemedicina por televisão por cabo que torna, pelo menos em teoria, o processo da telemedicina mais eficaz, interactivo e com consequências práticas que se poderão revelar importantes. (…)
Podemos assim concluir:
Um projecto visando adaptar a técnica da telemedicina à televisão por cabo, não inovando relativamente a cada uma das técnicas envolvidas, mas criando, através da interligação dessas técnicas, uma solução original para o problema da acessibilidade do utente/paciente a profissionais de saúde, através da consulta à distância e sem que o paciente tenha de se deslocar, permitindo a monitorização dos sintomas em tempo real e a prescrição terapêutica adequada de forma imediata, satisfaz o requisito previsto no 120º nº 2 b) do Código da Propriedade Industrial.»
Ao modelo de utilidade n.º… não foi reconhecida a amplitude de proteção que é reclamada pelos Recorrentes.
O que mostra bem que o aspecto inovador reivindicado era o uso da televisão para tal efeito, aspecto esse ausente nos serviços de medicina online operados pela R.”
Por outro lado, se é certo que dúvidas não se colocam, como se referiu, que é a todas as reivindicações e não apenas na primeira que há-de atentar-se para analisar o âmbito de protecção do modelo de utilidade n.º …, certo é também que em face do teor das reivindicações, conclui-se que os Recorrentes definiram a reivindicação 1 como a reivindicação principal e independente e as reivindicações 2 a 6 como reivindicações dependentes.
Por outro lado, é indispensável recordar que face ao estatuído no art.º 342º do Código Civil, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (n.º 1), sendo que, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (n.º 3), e bem assim que, salvo o disposto no artigo seguinte [art.º 347º - Modo de contrariar a prova legal plena], à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova (idem, art.º 346º).
A descrição e os desenhos referem e ilustram que a invenção em causa possui como característica técnica essencial a utilização da televisão por cabo,
E como bem se refere na decisão recorrida, “de resto, serviços de telemedicina e uso de plataformas de comunicação online nada tinham de novo à data do pedido de registo do modelo de utilidade (30.04.2015), como reconhecem os próprios AA. ao referirem na respectiva descrição que ‘O uso da telemedicina é uma técnica já conhecida e utilizada’ e que ‘também já é do conhecimento presente da técnica a existência de plataformas… [que] fazem a ligação através de computadores, tablets ou smartphones, mas nunca através da televisão [ênfase aditado]’.
Perante tais considerações, não pode validamente defender-se que os Autores lograram demonstrar que ocorreu a invocada violação do direito que os Autores pretendem ver reconhecida em Juízo [seja qual for a reivindicação considerada - ou seja, quanto a todas as aludidas reivindicações].

Improcede, pois, a apelação.

*

IV.–Decisão.

Pelo exposto, acordam em conferência, em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (art. 527.º do CPC).
Registe e notifique.


Lisboa, 2022-05-18
Ana Isabel Mascarenhas Pessoa
Paula Pott
Eleonora Viegas