PEDIDO
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Sumário

I - Havendo acordo das partes, o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, desde que a alteração ou ampliação não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito; na ausência de acordo, a ampliação do pedido tem como limite temporal, para ser exercida, o encerramento da discussão em primeira instância, exigindo-se ainda que a ampliação seja “o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.
II - Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum, devendo estar contida virtualmente no pedido inicial.
III - A ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.

Texto Integral

Processo n.º 22906/19.3T8PRT-C.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – Juiz 6


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
Através do requerimento apresentado a 26.10.2021, com a referência ..., a ré e reconvinte E..., S.A., requereu a ampliação do pedido, alegando, como fundamento, designadamente que:
“(…) quer no âmbito do pedido reconvencional quer no âmbito do pedido decorrente do articulado superveniente, estão em causa pedidos indemnizatórios emergentes da não entrega da loja à Ré , na sequência da cessação do contrato.
Disto isto é premente sublinhar que a ampliação do pedido é um corolário do princípio da economia processual, pelo se impõe otimizá-lo na presente ação.
Razão pela qual, a ora Ré requer a ampliação do pedido e, consequentemente, pede a condenação da Autora na entrega da loja em discussão nos presentes autos, seja porque o respetivo contrato cessou no dia 09.10.2018, seja porque cessou no dia 30.06.2021”.
E finda a mesma tal requerimento do modo seguinte:
“(…) requer-se a admissão da presente ampliação de pedido e, consequentemente, requer-se a condenação da Autora na entrega da loja objeto do Contrato de utilização de loja em discussão nos presentes autos á Ré , em virtude de o referido o contrato ter cessado em e ao abrigo do disposto na cláusula 21, nº 2 do mesmo”.
Por requerimento de 07.11.2021, com a referência ... , a autora opôs-se à admissão da pretendida ampliação do pedido.
A ampliação do pedido foi admitida, por despacho proferido na sessão de audiência, discussão e julgamento de 15.11.2021, constando da respectiva acta:
“Quanto ao requerimento de ampliação do pedido deduzido pela Ré, a razão invocada pela Ré/Reconvinte, radica no facto de o contrato ter cessado, ou no dia 09-10-2018 ou no dia 30-06-2021.
O Tribunal considera, face à invocada cessação do contrato no dia 30-06-2021 que a ampliação do pedido constitui uma decorrência normal de tal factualidade.
Assim sendo, nos termos do artº 265º nº 2 do CPC admite-se a ampliação do pedido formulado pela Ré/Reconvinte.
Notifique”.
2. Não se resignando a Autora com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
I) Por requerimento de 26.10.2021 com a referência ... , veio a Ré/Reconvinte, requerer a ampliação do pedido , alegando e pedindo para o efeito , o que se encontra descrito supra em 7. e 8., que aqui se reproduz , integralmente , para os devidos efeitos legais .
II) Por requerimento de 07.11.2021 , com a referência ... , veio a Autora opor-se à admissão daquela segunda ampliação do pedido, argumentando, para o efeito e , em suma, o que se encontra supra descrito em 10, que aqui se reproduz , integralmente, para os devidos efeitos legais .
III) Ampliação que , foi admitida por douto despacho proferido na sessão de audiência , discussão e julgamento , expresso na respetiva ata de 15.11.2021, aí se escrevendo , o seguinte : “ Quanto ao requerimento de ampliação do pedido deduzido pela Ré, a razão invocada pela Ré/Reconvinte , radica no facto de o contrato ter cessado , ou no dia 09.10.2018 ou no dia 30.06.2021 “, “O Tribunal considera que, face à invocada cessação do contrato no dia 30.06.2021 que a ampliação do pedido constitui uma decorrência normal de tal factualidade” “ Assim sendo, nos termos do artº 265º nº 2 do CPC admite-se a ampliação do pedido formulado pela Ré/Reconvinte “
IV) Recaindo o presente recurso, sobre esta mesma decisão, porquanto a ampliação do pedido pretendida pela Ré /Reconvinte na cessação do contrato em 30.06.2021, não é desenvolvimento nem consequência de qualquer pedido primitivo e, o principio da economia processual , se sobrepor, no caso concreto , ao princípio da estabilidade da instância .
V) Com efeito , os únicos pedidos que a Ré/Reconvinte deduziu por decorrência da cessação do contrato em 01.09.2018 , foram de natureza indemnizatória .
VI) Os quais, por sua vez , foram ampliados por efeito da admissão do referido articulado superveniente e ampliação do pedido dele constante .
VII) Contudo, o pedido que a Ré/Reconvinte pretende ver agora acrescentado, não é desenvolvimento nem consequência dos pedidos indemnizatórios primitivos por esta deduzidos , sendo que estes pedidos é que são o desenvolvimento e consequência do pedido de entrega da loja que não foi formulado e, não o contrário .
VIII) Pois que , como facilmente se constata na reconvenção e no articulado superveniente , a Ré/Reconvinte não deduziu qualquer pedido de entrega da loja em causa.
IX) Pelo que, o pedido que a Ré /Reconvinte pretende agora ver acrescentado é um novo pedido e não o desenvolvimento ou consequência dos pedidos indemnizatórios que formulou , o qual , por essa razão, não é legalmente admissível, sob pena de violação da estabilidade da instância .
X) Sendo certo que , estando em causa a compatibilização do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dá-se prevalência a este último quando se verificam reais vantagens na solução definitiva do conflito num único processo, desde que a relação material controvertida seja essencialmente a mesma, assente na mesma causa de pedir.
XI) Sucede porém que , no caso concreto , não se verifica quaisquer vantagens na solução do conflito neste processo, pelas razões invocada no corpo alegatório sob 20 a 25 , que aqui se dá por integralmente reproduzido , para os devidos efeitos legais .
XII) De realçar que, que quer na contestação/reconvenção quer ainda , no articulado superveniente atrás aludidos, a Ré/Reconvinte não pede o reconhecimento da cessação do aludido contrato em 30.06.2021 .
XIII) Pelo que, inexistindo qualquer pedido de cessação do contrato em 30.06.2021 , o pedido de condenação da Autora/Reconvinda na entrega na loja em questão, por efeito da cessação do contrato, nessa data, não é desenvolvimento nem consequência que qualquer pedido primitivo .
XIV) Não bastando, para a admissão da ampliação do pedido , tal como sustentou o Tribunal a quo , que o pedido agora pretendido acrescentar pela Ré/Reconvinte, seja decorrência normal da matéria por esta alegada.
XV) Impondo-se, ao invés , não só a alegação de factos demonstrativos da existência de que o contrato cessou em 30.06.2021 mas, também, pedido de reconhecimento dessa cessação , o que não sucedeu , porquanto embora exista causa de pedir não há pedido .
XVI) Com efeito , o artigo 260.º, do Código de Processo Civil consagra o princípio da estabilidade da instância, ou seja, estabelece que após a citação do(s) réu(s) a instância deverá manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e causa de pedir, ressalvando, porém, as possibilidades excecionais de modificação previstas na lei.
XVII) As exceções relativas ao pedido e causa de pedir encontram-se consignadas nos artigos 264.º e 265.º do Código do Processo Civil.
XVIII) De facto, quanto à alteração ou ampliação do pedido e da causa de pedir, a lei admite-as por acordo das partes em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo de tal “perturbar inconvenientemente a instrução, discussão ou julgamento do pleito” (cfr. art. 264º do CPC).
XIX) O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art. 265º,nº 2 do CPC)
XX) Sendo certo que não se desconhece que o princípio da economia processual, ante a instrumentalidade do processo relativamente ao direito material, converge no sentido de que o resultado seja atingido com a maior economia de meios, dirimindo no processo o maior número de litígios, não se pode olvidar, que no caso concreto, não se verifica quaisquer vantagens na solução do conflito neste processo, pelas razões atrás descritas.
XXI) Nos termos do art. 265.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, na falta de acordo entre as partes, como sucede in casu, qualquer tipo de modificação do pedido é legalmente admissível, desde que seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
XXII) Para Alberto dos Reis «a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial»
XXIII) Ora, como já se viu, a ampliação pretendida pela Ré/Reconvinte, não está contida em qualquer pedido inicial.
XXIV) Como ensina Alberto dos Reis (“Comentário ao Código de Processo Civil; vol. 3º; p.92), a ampliação do pedido tem um duplo limite (de tempo e de qualidade ou nexo), nisto se distinguindo da alteração, a qual pressupõe uma transformação do pedido.
XXV) De qualquer modo, sempre a ampliação do pedido “há -de estar contida virtualmente no pedido inicial”, pois que, se “o autor não se mantém dentro do mesmo acto ou facto jurídico, não desenvolve ou aumenta o pedido anterior, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos”
XXVI) Sucede porém que, o pedido formulado pela Réu/Reconvinte é um pedido novo e perfeitamente autónomo dos demais por esta deduzidos.
XXVII) Pelo exposto, o despacho a quo ofendeu adjetiva e substantivamente, o disposto nos artigos os artigos 260.º; 265.º, n.os 1, 2 e 5 , todos do Código Processo Civil
XXVIII) Impondo-se, assim, a substituição dessa mesma decisão por outra, que não admita a referida ampliação do pedido.
TERMOS EM QUE,
E nos melhores de direito que, desde já se considera proficientemente suprido, se afigura que o presente recurso merece provimento, nos termos e com os fundamentos acima invocados, como é de elementar”.
A apelada E..., S.A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se é ou não admissível a ampliação do pedido requerida pela apelada E..., S.A. através do seu requerimento de 26.10.2021.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Além do que consta do relatório antecedente, mostra-se relevante à apreciação do objecto do recurso os seguintes factos/incidências processuais:
1. A ré E..., S.A. deduziu reconvenção na contestação que apresentou, tendo, pelos fundamentos nela constantes, formulado os seguintes pedidos:
“b) Deve o pedido reconvencional formulado pela Ré ser julgado totalmente procedente, por provado, e, consequentemente:
i. Deve este Tribunal declarar que a denúncia operada através da carta de 7.06.2018, junta como Doc. N.º 5 ao Requerimento Inicial apresentado pela Autora nos autos do procedimento cautelar, foi lícita, pelo que o Contrato de 01.09.2015 cessou no dia 09.10.2018;
ii. Deve a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização à Ré no montante de €158.697,98, a título de remuneração fixa perdida, pelo facto de não ter entregado a loja na data da cessação do contrato, gerando os consequentes prejuízos à Ré, melhor descritos no capítulo 2.4.2 e 5.3.2;
iii. Deve a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização à Ré no montante de €140.530,51, a título de remuneração variável perdida, pelo facto de não ter entregado a loja na data da cessação do contrato, gerando os consequentes prejuízos à Ré, melhor descritos no capítulo 2.4.3. e 5.3.3.;
iv. Deve a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização à Ré correspondente ao impacto negativo no valor de mercado do ..., o qual apenas, a final, poderá ser apurado, aquando da execução da sentença;
v. Deve a Autora ser condenada no pagamento das quantias devidas pela execução do Contrato de 01.09.2015 no valor de €36.848,86, acrescida dos respetivos juros no montante de €2.365,20, bem como dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento, com os fundamentos melhores descritos nos capítulos 2.4.4. e 5.4;
vi. Deve a Autora ser condenada , nos termos da cláusula 13.ª, n.º 2, alínea b) do Contrato de 01.09.2015, no pagamento do montante de €7.369,77, com os fundamentos melhores descritos nos capítulos 2.4.4. e 5.4.;
vii. Deve a Autora ser condenada , nos termos da cláusula 13.ª, n.º 2, alínea c) do Contrato de 01.09.2015, no pagamento dos honorários que vier a suportar, montantes a ser liquidados, em sede de execução de sentença, com os fundamentos melhores descritos nos capítulos 2.4.4. e 5.4.;
Cumulativamente,
c) Deve a Autora ser condenada no pagamento dos juros vincendos relativamente a todos os montantes aqui peticionados, desde a data de notificação da presente contestação até ao seu efetivo e integral pagamento.
[...]”.
2. Com a referência ..., a Ré E..., S.A. apresentou articulado superveniente, requerendo nele, pelos fundamentos descritos nos artigos 11. a 18. do referido articulado, a ampliação do pedido, nos seguintes termos:
Termos em que com mui douto suprimento de V. Exa., requer-se a admissão do articulado superveniente e, consequentemente, a ampliação do pedido, devendo a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização mensal no valor de:
a) €7.918,04, a título de remuneração fixa e de €3.654,00, a título de remuneração variável, referente à loja L..., desde o dia 01.07.2018 até que a Autora entregue a loja à Ré; e
b) €5.905,08, a título de remuneração fixa referente à loja K ..., desde o dia 01.07.2018 até que a Autora entregue a loja à Ré.
3. Por despacho com a referência ..., apesar da oposição da Autora, foi admitido o referido articulado superveniente, bem como a ampliação do pedido nele requerida.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A petição inicial é o instrumento processual próprio para o autor proceder à exposição dos factos essenciais que integram a causa de pedir e razões de direito que fundamentam a pretensão prosseguida com a acção por si proposta[1], constituindo, por sua vez, a contestação o meio de que o réu dispõe para deduzir a sua defesa, podendo fazê-lo por impugnação e/ou excepção, devendo nela “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor” e “expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”[2].
Formulada reconvenção, esta “deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 552.º[3]
O artigo 588.º do Código de Processo Civil consagra um desvio às regras mencionadas ao permitir às partes, a quem aproveitem, deduzir factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes, em articulado posterior ou em novo articulado, possibilitando, desta forma, que aqueles factos sejam atendidos na sentença, conforme previsto no artigo 611.º do mesmo diploma legal.
Por sua vez, o artigo 260.º do mesmo diploma legal, que consagra o princípio da estabilidade da instância, determina: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Assim, após a citação do réu, a modificação dos elementos subjectivos ou objectivos da instância só pode operar nos estritos limites consentidos pelos artigos 261.º a 265.º do Código de Processo Civil.
No que concerne especificamente à modificação dos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), havendo acordo das partes, os mesmos “podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”[4].
Na falta de acordo, a modificação da causa de pedir só pode ocorrer verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 265.º, cujo n.º 1 determina: “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”.
Por sua vez, quanto à alteração do pedido, estabelece o n.º 2 do mesmo normativo: “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.
Assim, havendo acordo das partes o pedido pode ser alterado ou ampliado em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, desde que a alteração ou ampliação não perturbe inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito; na ausência de acordo, a ampliação do pedido tem como limite temporal, para ser exercida, o encerramento da discussão em primeira instância, exigindo-se ainda que a ampliação seja “o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”.
Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum.
Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência[5], ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos[6]. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais.
Como Alberto dos Reis[7] explicava, o “limite de qualidade de nexo a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.
Exemplo característico: pediu-se em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. (…)
Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes (…).
A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso”.
No mesmo sentido, referia Castro Mendes[8]: “Exemplo de ampliação, no sentido rigoroso do termo, haverá “verbi gratia” se se pedir 100 contos de indemnização por certo acto danoso, que posteriormente é causa de novo prejuízo no valor de 20: o pedido de indemnização pode ser ampliado para 120 contos.
O que é necessário é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.”
O acórdão da Relação de Lisboa de 18.02.2018, depois de referência a jurisprudência vária a admitir a ampliação do pedido, sustenta: “Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.
Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões.
A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos»”.
E, mais adiante, acrescenta o mesmo acórdão: “...como já tivemos oportunidade de realçar, todos os exemplos de ampliação do pedido, que não se sustentem na superveniência objectiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Ora, nunca semelhante dúvida sobre a interpretação do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. assolou o espírito de ninguém, quando se admitia sem pestanejo a ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa acção de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora. É que, neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante.
Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância».
Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir”.
A ré E..., S.A. deduziu na contestação reconvenção contra a autora pedindo que o tribunal declare “que a denúncia operada através da carta de 7.06.2018, junta como Doc. N.º 5 ao Requerimento Inicial apresentado pela Autora nos autos do procedimento cautelar, foi lícita, pelo que o Contrato de 01.09.2015 cessou no dia 09.10.2018”, formulando contra a reconvinda, com base nesse substrato factual, diversos pedidos de natureza indemnizatória, omitindo qualquer pedido relativo à entrega da loja.
Posteriormente, apresentou articulado superveniente, ampliando o pedido, requerendo a condenação da reconvinda em novos valores indemnizatórios, agora com fundamento na caducidade do contrato, nos termos da cláusula 16.º, n.º 1 do Contrato de Utilização da Loja, ocorrida no dia 30.06.2021.
A ampliação requerida a 26.10.2021 – condenação na entrega da loja – pressupõe a cessação do contrato em causa e a não entrega da loja em decorrência dessa cessação, nos termos contratualmente definidos, ainda que se invoquem fundamentos distintos para a invocada cessação: na reconvenção, por denúncia operada através da carta de 7.06.2018; no articulado superveniente, na caducidade do contrato, ocorrida no dia 30.06.2021.
Assim, o pedido de condenação na entrega da loja, podendo ter sido formulado com a reconvenção deduzida, considerando a denúncia do contrato invocada, integrante da causa de pedir (complexa) que serviu de suporte aos pedidos indemnizatórios nela deduzidos, deve ser encarado como desenvolvimento do pedido primitivo, preenchendo a previsão do n.º 2 do artigo 265,º do Código de Processo Civil.
Logo, nos termos deste normativo, a ampliação do pedido é legalmente admissível, independentemente da falta de acordo nesse sentido manifestada pela reconvinda.
Deve, por conseguinte, manter-se o despacho recorrido, assim improcedendo o recurso.

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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação: pela apelante.

Porto, 19.05.2022
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
__________________________
[1] Artigo 552º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
[2] Artigos 571.º, n.º 1, e 572º, b) e c) do Código de Processo Civil.
[3] Artigo 583.º, n.º 1 do mesmo diploma legal.
[4] Artigo 264.º do Código de Processo Civil.
[5] Cfr., LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil-Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 29, ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93 e CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, 1987, pág. 347; acórdãos da Relação de Évora de 10.10.2019, processo nº 38/18.1T8VRL-A.E1 e de 23.03.2017, processo nº 108/16.0T8FAR-A.E1, acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, processo nº 427/07.7TCSNT.L1-1) e acórdão da Relação de Guimarães de 6.02.2020, processo nº 992/18.3T8GMR.G1), todos em www.dgsi.pt.
[6] Quando a ampliação derive da alegação de novos factos, a mesma só é processualmente admissível se tais factos forem supervenientes; nessa hipótese, o autor, ou o reconvinte, deve introduzir os novos factos, nos quais sustenta a ampliação do pedido, através de articulado superveniente, de acordo com o disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil, instrumento processual adequado, nestas circunstâncias, para requerer a ampliação do pedido: cfr. LEBRE DE FREITAS (Introdução ao Processo Civil, págs. 163-164.
[7] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 93-94.
[8] Direito Processual Civil, Vol. II, p. 347-348.