RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
FURTO QUALIFICADO
FURTO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Sumário


I - O arguido recorre da pena única derivada do cúmulo jurídico, e, de entre as várias penas parcelares a que foi condenado, recorre ainda do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, e a que foi atribuída a pena de um ano e quatro meses de prisão.

II - Sendo o crime de detenção de arma proibida punido com pena de prisão de 1 mês a 4 anos, ou com pena de multa de 10 a 480 dias (artigos 41 e 47, ambos do CP e art. 86.º, n.º 1, al. d), do Regime Jurídico das Armas e Munições), tudo ponderado, entende-se que (depois de analisado o iter judicatório empreendido) a pena atribuída, de um ano e quatro meses de prisão, de modo algum fere a razoabilidade, a adequação, ou a Justiça.
III - Como é sabido, a pena única deve determinar-se pela ponderação de fatores do critério que consta do art. 77.º, n.º 1, in fine, do CP. De acordo com o art. 77.º, n.º 2, a moldura penal teria, no caso, um mínimo de dois anos e seis meses de prisão e um máximo de onze anos e quatro meses de prisão. Não é assim descomunal nem errada a forma como foi calculada a pena única, tendo-se somado à pena parcelar mais alta cerca de um terço da diferença entre esta e a soma aritmética de todas elas.

IV - Os factos criminosos cometidos são plúrimos, o arguido atuou com dolo direto e intenso, sendo a ilicitude e culpa elevadas. Embora, como refere o acórdão recorrido, numa avaliação conjunta, os factos assumirão moderada gravidade, atendendo a que as condutas são praticadas durante um lapso temporal restrito (entre 04-09-2020 e 12-09-2020). Também foi considerado militar em seu favor a sua juventude (nasceu em 1994), o que permitiria certa esperança na ressocialização, que parece já haver começado. Tudo acrescendo ao baixo valor dos objetos furtados, às condições pessoais do arguido e à própria moldura penal. Na conjugação dos factos com a personalidade do agente o tribunal a quo aplicou os critérios legais pertinentes, com o seu legítimo critério.

V - Contudo, e sem prejuízo do que fica dito, analisando com malha mais apertada a situação, e sopesando os dados em presença, sem prescindir do rigor da lei, mas não deixando de ter atenção que, na globalidade dos factos e da personalidade do arguido, não há, no caso, crimes de concreta enormíssima pena, e presentemente parece estar a encaminhar-se o ora recorrente para um caminho de ressocialização. É, pois, possível que as exigências de prevenção possam ser satisfeitas com pena única menor à anteriormente decidida, e por isso mais afeiçoada as necessidades penais emergentes.

VI - Assim, mantendo-se embora as penas parcelares (e especificamente a que é posta em causa) afigura-se justo e equilibrado diminuir a pena única para 4 anos e 6 meses de prisão.

VII - Tal pena, que, pelo seu quantum poderia, em tese, ser suspensa na sua execução, conforme o art. 50, n.º 1, do CP, no caso não o poderá efetivamente ser, por não se verificarem os respetivos requisitos legais. Com efeito, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ao crime (vejam-se os antecedentes criminais, a par com os hábitos de toxicodependência) não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizassem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, permitindo uma prognose favorável a uma tal forma de execução da pena. Contudo, a diminuição da pena, essa sim, parece razoável, justa e adequada, em cumprimento efetivo.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I


Relatório




1. AA, com os respetivos sinais identificativos nos autos, foi julgado em 1.ª Instância pelo Juízo Central Criminal de ... – J..., o qual decidiu:

“1. Condenar o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão (Situação I /NUIPC n.º 182/20....);

2. Condenar o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão (Situação II /NUIPC n.º 1355/20....);

3. Condenar o arguido pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pe-lo artigo 203.º, nº 1, do Código Penal, na pena de sete meses de prisão (Situação III/NUIPC 109/20....);

4. Condenar o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão (Situação IV: /NUIPC 1358/20....);

5. Condenar o arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão (à Situação V: /NUIPC 108/20....);

6. Condenar o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, nº 1, d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de um ano e quatro meses de prisão (Situação VI/NUIPC 108/20....).

7. Fazendo o cúmulo das penas referidas condenar o arguido na pena única de cinco anos e três meses de prisão.”


2. Inconformado, interpõe para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso per saltum, restrito à matéria de direito, nos termos dos artigos 402, n.º 1, 411 e 432, n.º 1, al. c) CPP.


3. São as seguintes as Conclusões da sua motivação de recurso:

“1 - O Acórdão ora recorrido condenou o arguido AA“(..) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão (Situação I /NUIPC n.º 182/20....); (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e quatro meses de prisão (Situação II /NUIPCn.º 1355/20....); (…) pela prática de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1,do Código Penal,na pena de sete meses de prisão (SituaçãoIII/NUIPC 109/20....); (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão (SituaçãoIV:/NUIPC 1358/20....); (…) pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.º, nº 1, artigo 204.º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de dois anos e três meses de prisão (à Situação V:/NUIPC 108/20....); (…) pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, nº 1, d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de um ano e quatro meses de prisão (SituaçãoVI/NUIPC 108/20....).7. Fazendo o cúmulo das penas referidas condenar o arguido na pena única de cinco anos e três meses de prisão.”

2 - O Acórdão nestes autos deu como provada a matéria de facto sob os pontos 1. a 23. supra transcrita na Motivação deste recurso, para a qual ora nos remetemos e damos aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

3 - Quanto ao ilícito de detenção de arma proibida, o Acórdão recorrido aplicou ao arguido uma pena de 1 ano e 4 meses de prisão efectiva, quando o artº 86º/1,d) do Regime Jurídico de Armas e Munições (DL 5/2006 de 23-02) compreende a possibilidade de aplicação de uma pena de prisão até 4 anos ou uma pena de multa até 480 dias.

4 - A nosso ver, a pena aplicada ao arguido é excessiva e demasiado gravosa, sendo que, o Acórdão recorrido não teve em conta a inexistência de antecedentes criminais dessa natureza por parte do arguido, nem o facto de que na altura dos factos este era toxicodependente e vivia na rua cfr. refere o Relatório Social nos autos, e que actualmente já não consome qualquer tipo de droga, vivendo com familiares com os quais voltou a conviver, estando a cumprir a medida de coacção de permanência na habitação em casa da tia cfr. também do Relatório Social.

5 - Neste momento encontra-se bem inserido familiarmente, nunca mais delinquiu nem consumiu drogas, tendo sido a primeira vez que praticou esse tipo de ilícito de detenção de arma proibida. Pelo que, que a pena que lhe foi aplicada por este tipo de ilícito revela-se-nos desajustada à conduta do Recorrente, por excessiva/desproporcional, inadequada e desnecessária, sendo que a pena de Multa que o artº 86º/1,d) DL 5/2006 de 23-03 prevê, seria adequada e proporcional neste caso em que o arguido não tem antecedentes criminais dessa natureza e nessas circunstâncias deve dar-se prevalência às penas não privativas da liberdade (artº 70º CP).

6 - O Acórdão recorrido, embora aluda ao artº 71º CP, não atendeu a estes factores- ausência de antecedentes criminais do arguido dessa natureza, a boa reinserção familiar do arguido e o bom comportamento do arguido após os factos, visto que, pela sua força de vontade, por si abandonou os consumos de drogas, sendo que, como resulta do Relatório Social: “No presente, e na sequência da avaliação realizada pela ... em 22.01.2021, o arguido não foi integrado em programa terapêutico para a problemática aditiva (toxicodependência)”- pág. 4 do Relatório Social - naturalmente, por terem considerado desnecessário em face da abstinência total do arguido desde que foi detido nestes autos até ao presente.

7 - O Acórdão recorrido ao aplicar 1 ano e 4 meses de prisão invocou: o dolo directo, o grau mediano de ilicitude, a inserção familiar do arguido, a sua confissão dos factos e os seus antecedentes criminais- porém, se por um lado estas circunstâncias ditavam já por si uma pena menos gravosa que a que foi aplicada, por outro lado, o facto de o Tribunal “a quo” não ter tido em conta as demais circunstâncias ora referidas em 4,5 e 6 destas Conclusões, mormente o facto de o arguido não ter qualquer antecedente criminal da mesma natureza do ilícito p. artº 86º/1,d) DL 5/2006, impunha como impõe a aplicação de uma pena de multa e não de prisão.

8 - Estas circunstâncias devem relevar a favor do arguido na determinação da pena e sua medida, mas o Acórdão não deu relevância. Além disso, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa (artº 40º/2 CP), porém o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não fez uma ponderação equitativa dos valores em questão que deviam ter merecido especial atenção na determinação da pena e sua medida, tendo assim incorrido o Acórdão recorrido na violação do disposto nos arts. 40º/2, 70º e 71º/1, 2,a),b),c),d),e) CP,


9 - devendo pois ser revogado quanto à pena aplicada ao arguido pela prática do ilícito de detenção de arma proibida, devendo aplicar-se a final uma pena de multa a este arguido, totalmente primário relativamente a esse tipo de ilícito, e por conseguinte ser reformulado o cúmulo jurídico efectuado nos autos relativamente aos demais ilícitos, sendo que quanto a estes últimos a pena de prisão decorrente do cúmulo jurídico deve ser inferior a 5 de prisão.

10 - Sem prescindir da matéria por supra exposta, sempre se dirá que a pena que foi aplicada em cúmulo jurídico a este arguido, sempre seria em todo o caso excessiva e por demais gravosa, pois se são fortes as exigências de prevenção geral, porém, quanto à prevenção especial, é de considerar as circunstâncias em que o arguido praticou os factos que são as seguintes:

11 - praticou-os por força da então situação pessoal de toxicodependência (consumia drogas) e precária a todos os níveis (vivia na Rua, sem abrigo) e por isso propícia à solicitação para a prática de actividades ilícitas; o curto período de tempo de duração da sua conduta ilícita (os factos datam de 4,11 e 12 de Setembro 2020); e as demais circunstâncias que depõem a favor do arguido, como a recuperação da maior parte dos bens furtados, o valor não elevado destes, o seu comportamento posterior aos factos, em que tendo sido substituída a prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação de seus familiares, o mesmo nunca mais consumiu qualquer tipo de droga e mantém um bom comportamento, tendo-se reinserido familiarmente, tendo ora plenas condições para trabalhar e se reinserir profissionalmente.

12 - Resulta da pág.4 do Relatório social nos autos: “No presente, e na sequência da avaliação realizada pela ... em 22.01.2021, o arguido não foi integrado em programa terapêutico para a problemática aditiva (toxicodependência)”- ora, nenhuma Entidade iria dispensá-lo de programa terapêutico se não considerasse desnecessário em face da longa abstinência do arguido a drogas como é o caso deste arguido que até hoje se mantém totalmente abstinente, cumprindo com rigor a medida coactiva aplicada nestes autos (Obrigação de permanência na habitação, que o Acórdão não referiu nem considerou ao ter dado antes relevo apenas à prisão preventiva prévia).

13 - Todas estas circunstâncias (artº 71º/1, 2,a),b),c),d),e) CP) devem relevar a favor do arguido na determinação da medida da pena, e a pena não pode ultrapassar a medida da culpa (artº 40º/2 CP), porém o Tribunal “a quo”, a nosso ver, não fez uma ponderação equitativa dos valores em questão que deviam ter merecido especial atenção na determinação da medida da pena, tendo assim incorrido o Acórdão na violação do disposto nos arts.40º/2, e 71º/1, 2,a),b),c),d),e) CP.

14 - É certo que o arguido tem antecedentes criminais mas os furtos objecto dos presentes autos foram de valor não elevado, a maior parte dos objectos e valores foram recuperados, o arguido demonstrou arrependimento consubstanciado na confissão dos factos em que interveio, tendo os mesmos sido praticados em circunstância de toxicodependência e sem abrigo.

15 - O Acórdão recorrido invocou ter tido em conta na aplicação em cúmulo jurídico da pena de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva: a ilicitude mediana e moderada gravidade dos factos ocorridos durante um restrito período de tempo, a boa inserção familiar do arguido e sua confissão parcial- mas consideramos, atenta pena pesada, que deu mais relevo aos antecedentes criminais do arguido, não considerando a sua regeneração após os factos (deixou totalmente de consumir drogas, reinseriu-se familiarmente, morando com familiares e o bom comportamento).

16 - Tem de avaliar-se globalmente os factos e a personalidade do arguido, sendo que analisando os factos em questão e suas circunstâncias, verifica-se que não há uma tendência criminosa por parte deste arguido, mas houve apenas uma pluriocasionalidade de furtos de bens de valor não elevado (na maioria recuperados nos autos), de gravidade moderada e ilicitude mediana, praticados num curto espaço de tempo por causa da sua então toxicodependência que ora deixou de ser um problema com a abstinência total do arguido e com a sua reinserção familiar.

17 - Cfr. Relatório Social (pág.4): “À data dos factos AA encontrava-se, ainda, em situação de sem abrigo, dormindo numa viatura, não dispondo de qualquer apoio ou intervenção de estruturas comunitárias”- realidade esta que deixou de existir após a sua detenção, sendo que a família tem sido um apoio constante e favorável à formulação de um juízo de prognose optimista relativamente à continuidade da reinserção já iniciada com sucesso pelo arguido.

18 - Considerando todas essas circunstâncias pessoais do arguido e analisando globalmente os ilícitos, deve ser revogado o Acórdão recorrido quanto à pena de 5 anos e 3 meses aplicada em cúmulo jurídico, o qual deve ser reformulado e em todo e qualquer caso o seu resultado não deve exceder a pena de 5 anos de prisão, a qual a nosso ver deve ser suspensa na sua execução.

19 - Em Julgamento o arguido confessou os factos em que efectivamente interveio, encontra-se desde Dezembro de 2021 sujeito a Obrigação Permanência na Habitação com V.E., o que por si, embora não seja teórica nem praticamente o mesmo que cumprimento de pena, acaba sempre por ter o efeito de “lição” dissuasor de qualquer comportamento ilícito, e simultaneamente não estigmatizante relativamente a este arguido que a tem cumprido até hoje com o máximo rigor, além de ser relevante a circunstância já referida em 6 destas Conclusões de recurso.

20 - Condenar este arguido neste momento em anos de prisão efectiva- e perante todos estes factores supra referidos que deviam ter sido considerados e melhor ajuizados pelo Acórdão recorrido e a favor deste arguido- seria estigmatizá-lo irremediavelmente e em vez de se reinserir estar-se-á a fazer regredir a sua já reinserção familiar e a impossibilitar totalmente a sua reinserção laboral para a qual ora o arguido tem vontade e todas as condições pessoais para o efeito, dado o total abandono do consumo de drogas.

21 - Deixou de consumir drogas, melhorou o seu aspecto físico e sua alimentação, reinseriu-se familiarmente, estando emocionalmente equilibrado, disponível e com vontade de trabalhar, e será possível arranjar trabalho (atentas as suas habilitações com o 9º ano de escolaridade e experiência profissional diversificada) após cessar a medida de coacção nestes autos. Ou seja, após os factos ilícitos objecto dos presentes autos, o Arguido reintegrou-se, evoluiu manifestamente de foram positiva quer pessoal, quer familiar, sem quaisquer vícios que o assombrem, levando uma vida socialmente responsável todo esse tempo até à actualidade.

22 - Os antecedentes criminais já foram tidos em conta pelo Legislador na fixação da moldura penal abstracta a aplicar a cada ilícito e também já foram valorados e ponderados pelo Tribunal na determinação das respectivas medidas concretas das penas aplicadas aos furtos (que não podem ultrapassar a medida da culpa) como factores desfavoráveis ao arguido (art. 71º/1 CP).

23 - Devendo o cúmulo jurídico efectuado pelo Acórdão recorrido ser reformulado a final, nos termos e com os fundamentos supra referidos, a pena a aplicar em cúmulo jurídico relativamente a tais ilícitos deve ser inferior a 5 anos de prisão, o que impõe a ponderação e aplicação do Instituto da suspensão da execução da pena de prisão a aplicar a este arguido.

24 - As penas devem visar a reinserção social do condenado (artº 40º CP) e não apenas o castigo puro e simples, sendo que a pena de prisão, mormente a efectiva, deve ser aplicada em último caso. As cadeias estão sobrelotadas, não têm condições adequadas, sendo autênticas escolas de crime, e as penas de prisão nem sempre reinserem, porém são sempre estigmatizantes.

25º - Condenar agora este arguido - decorrido já todo este tempo de regeneração do mesmo desde a sua detenção, e perante todos estes factores supra referidos nestas Conclusões que deviam ter sido considerados pela Sentença recorrida, mas não foram - a cumprir prisão efectiva, interrompendo o processo de ressocialização e reinserção que se encontra já em curso e com manifesto sucesso, seria estigmatizá-lo irremediavelmente e em vez de se reinserir estar-se-á a fazê-lo regredir na reinserção já há muito iniciada.

26º - Deveria e deverá o Acórdão, uma vez revogado, a final aplicar uma pena de prisão em cúmulo jurídico inferior a 5 anos de prisão, suspender a sua execução por igual período e com regime de prova, permitindo que o arguido, já reinserido familiarmente e livre de drogas, se ora reinsira no mercado de trabalho, o qual lhe vincará mais ainda o rumo positivo (inclusive a nível de valorização pessoal e profissional), fazendo-o reconhecer-se e sentir-se válido como pessoa que é, além de ser essencial para o seu sustento e independência financeira que ora almeja.

27º - Considerando que o arguido não mais delinquiu após os factos objecto dos presentes autos, não existindo qualquer outra conduta posterior censurável penalmente; considerando ainda que, actualmente está muito bem inserido familiar e socialmente, e já não consome qualquer tipo de droga - a nosso ver, por tudo isso deve ser dada uma oportunidade agora que está no caminho certo e direito, permitindo que este seja útil para a sociedade e não seja interrompida a sua reinserção social alcançada, devendo decretar-se para tal a suspensão da execução da pena de prisão que lhe for aplicada em reformulação do cúmulo jurídico pelo Tribunal Superior, podendo tal suspensão ser acompanhada de um regime de prova, sendo que nestes termos a simples censura do facto e ameaça da pena bastarão para prevenir que o Recorrente não volte a delinquir, satisfazendo-se as necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer.

28º - É considerando todos esses factores explanados nestas Conclusões e geradores de atenuação das exigências de prevenção, que se prognostica favoravelmente a suspensão da execução da pena de prisão que lhe for aplicada a final, sob pena de assim não se entendendo dar-se exclusivo relevo à finalidade retributiva da pena de prisão e já não à reinserção social total do condenado, esta última a Principal finalidade da pena.


29º - O Acórdão recorrido ao ter decidido como decidiu, tendo aplicado em cúmulo jurídico uma pena de 5 anos e 3 meses de prisão efectiva ao arguido, não considerou todas estas circunstâncias concretas referidas em 10º a 28º destas Conclusões de recurso, mormente a boa conduta posterior do arguido. Incorreu assim o Acórdão recorrido na violação do disposto nos arts. 40º, 70º, 71º/1, 2, a),b),c),d),e) e 50º/1 CP, ao não ter fixado em cúmulo jurídico uma pena de prisão inferior a 5 anos nem decretado a suspensão da execução da pena de prisão.

30º - Nestes termos, tendo em conta os autos, o supra exposto e disposto nos artigos supra referidos, acrescendo à violação dos artigos 40º,70º,71º/1, 2,a),b),c)d),e) e 50º/1 CP em que incorre o Acórdão recorrido, deve pois o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por Acórdão que condene a final o arguido pelo ilícito p. no artº 86º/1,d) do R. J. Armas e Munições em pena de multa e não de prisão, e, por conseguinte e em todo o caso e modo, reformule o cúmulo jurídico efectuado pelo Tribunal “a quo” e a final aplique em cúmulo jurídico ao arguido AA uma pena de prisão inferior a 5 anos e suspensa na sua execução com Regime de prova, o que satisfará as exigências de prevenção geral e especial no caso, assim se permitindo a continuidade e plenitude da reinserção já em curso do Jovem ora Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o Douto Suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, deverá ser dado provimento ao presente recurso e por conseguinte: ser revogado o Acórdão Recorrido de modo a ser a final aplicada uma pena de multa ao arguido pela prática do ilícito p. artº 86º/1, d) DL 5/2006 de 23-02 e já não pena de prisão; e, por conseguinte e em todo o caso e modo, ser reformulado o cúmulo jurídico efectuado pelo Tribunal “a quo”, e a final seja aplicada em cúmulo j. pena de prisão inferior a 5 anos e suspensa na sua execução com Regime de prova- tudo nos termos e com os fundamentos atrás expostos nesta Motivação e Conclusões de recurso.

Assim se fazendo a costumada e tão almejada

JUSTIÇA!”


4. A Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal a quo, na sua pormenorizada e atenta Resposta, concordou com o Acórdão recorrido, tendo concluído pela forma seguinte:

“1. O acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.

2. A pena aplicada ao arguido não excede a culpa daquele, sendo justa e adequada, respeitando as exigências de prevenção geral e especial, não enfermando a sua fixação de qualquer violação ao disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do C. Penal.

3. O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura, porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, não violou qualquer disposição legal, optou pela aplicação ao arguido/recorrente de pena de prisão que se mostra adequada, atentas as circunstâncias que se verificam no caso concreto, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Contudo V. Ex.as., decidindo, farão, como sempre

JUSTIÇA”


5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto manifestou-se, num ponderado Parecer.  Igualmente se pronunciou pela improcedência do recurso.  


6. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, não se tendo o Recorrente manifestado.


Efetuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à Conferência, de acordo com o disposto no art. 419 do CPP.



II

Do Acórdão recorrido



Particularmente relevante se afigura a factualidade do Acórdão recorrido, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade do mesmo:

“A. Factos provados

Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:

A) Da acusação:

Situação I: (NUIPC n.º 182/20....)

1. No dia … .09.2020 AA, (doravante AA) trajando uma camisola de cor ….. sobre uma t-shirt….., com calções….., chinelos e com uma mochila às costas…., dirigiu-se ao estabelecimento comercial - ....., sito na Rua... ....

2. Aí chegado pelas 01:30 horas o AA aproximou-se da entrada do estabelecimento junto ao ….. denominado “...” e tentou forçar a porta automática, utilizando para o efeito um objeto corto contundente – cutelo com 18,5 cm de lâmina, não conseguindo aceder por ali ao interior da loja.

3. Por volta das 01:45 horas, AA estroncou a fechadura da porta de emergência, com o mesmo objeto corto contundente, que dá acesso à parte reservada ao estabelecimento «...» e por ela entrou.

4. Já no seu interior arguido retirou, levou consigo e fez seus:

- a quantia 60 euros (notas e moedas) do fundo de maneio da caixa registadora,

- três telemóveis da marca ... no valor de total de pelo menos 300 euros, e

- dois tablets, que se encontravam em cima de um dos balcões.

5. Pelas 01:48 horas, AA saiu da loja pela porta estroncada, deslocando-se para o lado poente. Pelas 01:50 horas, o arguido entrou novamente pela porta de emergência e desta vez deslocou-se para o espaço reservado à loja denominada «...», ali, pelas 01:52 horas tentou abrir a caixa registadora, como não conseguiu abrir optou por levar a gaveta da caixa registadora consigo e abandonou o balcão da referida loja, («...»), tendo ainda ingerido parte de um pastel de nata que ali estava exposto.

6. Antes de abandonar a loja, pelas 01:55 horas, da zona das caixas registadoras do  ......., o arguido retirou e levou com ele uma garrafa de refrigerante que se encontrava num frigorifico ali existente, uma embalagem «...» e um pacote de batatas fritas da marca...».


*


Situação II (NUIPC n.º 1355/20....)

7. No dia … .09.2020, por volta das 03:20 horas, AA, calçado umas sapatilhas de …. e levava consigo uma faca com uma lâmina de 23 cm de comprimento, dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, pertencente a BB, sito na Estrada ...., em ....

8. Aí chegado, o arguido desferiu um pontapé na porta e conseguiu abrir. Já no seu interior o arguido retirou e levou com ele uma das caixas registradoras com 200 euros, que fez seus.


*


Situação III: (NUIPC 109/20....)

9. No período compreendido entre as 08:00 horas do dia …/09/2020 e as 07:30 horas do dia …/09/2020, com o consentimento do seu proprietário, o arguido pernoitou no alojamento local pertença do ofendido CC, situado na rua ....., em ....

10. Nesse lapso temporal, aproveitando-se do facto de ter acesso às divisões da residência e aos objetos ali colocados, o arguido retirou, levou consigo e fez seus, os seguintes objetos:

- 1 casaco da marca..., modelo ... homem, tamanho ..., com valor de 20,00 euros;

- 1 saco de desporto da marca ... com o valor de 16,00 euros;

- 1saco de desporto da marca ...;

- 1 t-shirt da marca ..., modelo ... homem, tamanho ..., no valor de 10 euros;

- 1 t-shirt azul, estilo casual, modelo homem, tamanho ..., com o valor de 5,00 euros;

- 1 estojo de caneta contendo caneta com inscrição alusiva ao ... e ….. Congresso, no valor de 7,85 euros;

- 1 desodorizante da marca ...”, no estado de usado;

- 1 embalagem de 150ml de leite autobronzeador da marca ...”;

- 1 lata de espuma de barbear da marca ..., no estado de usado;

- 1 creme corporal de morango da marca ...”;

- 3 lâminas de barbear no interior de embalagem plástica com a inscrição “...”, da marca ..., no valor de 2,59 euros.

Totalizando os bens em causa, o valor de pelo menos 150,00€.


*


Situação IV: (NUIPC 1358/20....):

11. No período compreendido entre as 22:00 horas do dia …/09/2020 e as 06:15 horas do dia …/09/2020, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento de restauração e bebidas “...”, localizado na Avenida ..., em ..., com o intuito de retirar do seu interior os bens com valor económico que ali encontrasse.

12. Para a concretização do plano que elaborou, o arguido pegou em 2 grelhas de esgoto e arremessou-as contra a porta do restaurante, conseguindo assim derrubá-la e introduzir-se no interior do estabelecimento identificado.

13. Depois na zona do bar, retirou, levou consigo e fez suas, várias bebidas espirituosas, conforme infra melhor se identifica:

- 1 garrafa de “Gin ...”;

- 1 laranjada;

- 1 garrafa de licor ...;

- 1 garrafa de whisky ... 18 anos;

- 1garrafa de Whisky ...;

- 1 garrafa de vodka ...;

- 1 garrafa de vodka ...;

- 3 garrafas de vinho tinto ...;

- 1 garrafa de vinho tinto ...;

- 1 garrafa de vinho tinto ...;

- 1 garrafa de vinho tinto ...;

- 1 garrafa de vinho tinto ...;

- 1garrafa de vinho tinto ...;

- 1 garrafa de vinho tinto ....

Tais bebidas totalizam o valor de 246,68€.

14. Nas mesmas circunstâncias espácio-temporais o arguido dirigiu-se ao 2.º piso do restaurante de onde retirou, levou consigo e fez seu, 1 computador portátil da marca..., n.º ..., no valor de 500,00€.


*


Situação V: (NUIPC 108/20....)

15. No dia …/09/2020, no período compreendido entre as 16:00 horas e as 17:55 horas, o arguido estroncou o janelão que dá acesso à arrecadação do bar que funciona na ....., em ... e que é explorado pela sociedade “..., S.A”, e assim introduziu-se no interior daquele espaço.

16. Ato contínuo, o arguido retirou, levou consigo e fez seus os objetos que conseguiu retirar da arrecadação, ocultando uns, por detrás de umas árvores existentes num parque que se situa nas imediações, na …... e mantendo na sua posse, os objetos de menor dimensão.

17. Assim, o arguido retirou, levou consigo e fez seus, os seguintes objetos:

- 12 caixas de pastilhas elásticas da marca ...”;

- 12 caixas de pastilhas elásticas da marca ...com sabor de frutos silvestres;

- 28 caixas de pastilhas elásticas “...”, com sabor a morango;

- 14 caixas de pastilhas elásticas “...”, com sabor a pepermint;

- 18 caixas de ... com sabor a lima;

- 17 caixas de ... original;

- 21 caixas de ... com sabor a morango;

- 3 caixas de pastilhas elásticas “...”;

- 9 caixas de pastilhas elásticas “...”;

- 8 caixas de pastilhas elásticas “...”;

- 14 caixas de pastilhas elásticas “...”;

- 8 embalagens de “...”;

- 9 embalagens de “...”com sabor a morango;

- 9 caixas de pastilhas elásticas “...”;

- 4 embalagens de “...”;

- 7 embalagens de “...”com sabor a canela;

- 3 embalagens de “...”com sabor a canela;

- 1 caixa de pastilhas elásticas “...”;

- 1 palete com 15 garrafas de “...”sabor frutos vermelhos;

- 1 palete com 15 garrafas de “... “com sabor a maçã;

- 2 paletes com 28 latas cada de “...”com sabor a manga;

- 1 palete com 24 garrafas de leite achocolatado “...”;

- 3 caixas contendo 10 saquetas cada de “...”;

- 1 caixa contendo 24 chocolates “...”;

-  1 caixa contendo 17 embalagens de “...”com sabor a canela;

- 1 caixa contendo 20 embalagens de “...”com sabor a menta;

- 1 caixa contendo 20 embalagens de “...”com sabor a mel e limão.

18. Os valores subtraídos à “..., S.A” e acima elencados totalizam o valor de pelo menos 192,99€.


*


Situação VI: (NUIPC 108/20....)

19. No dia …/09/2020, pelas 18:30 horas, na rua da ..., em ..., o arguido trazia consigo 1 faca de borboleta “...”, com 11cm de lâmina e 12 cm de cabo em metal amarelo.


*


20. O arguido sabia que os mencionados objetos não lhe pertenciam e que ao proceder do modo descrito agia sem o consentimento e contra a vontade do seu legítimo proprietário.

21. Não obstante, não se coibiu de atuar do modo descrito, nomeadamente acedendo ao estabelecimento comerciais (... e ...) e de restauração “...” e à arrecadação do bar da ..... da forma indicada, derrubando/estroncando portas e janelas para conseguir os seus intentos, tudo de forma a fazer seus os objetos identificados, resultado que quis e logrou alcançar.

22. O arguido conhecia as características daquela faca e bem sabia que não a podia deter, utilizá-la ou guardá-la, mas mesmo assim não se absteve de agir do modo descrito.

23. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas que adotou eram proibidas e punidas pela lei penal.


*


B) Do pedido de indemnização civil formulado por I......, SA (relativo ao ponto I da acusação, NUIPC n.º 182/20....)

24. O preço da garrafa de refrigerante era 0,96€, o preço da embalagem «...» era 1,09€ e o preço do pacote de batatas fritas da marca...» era de 1,20€.

25. A ofendida não recuperou a garrafa de refrigerante, a embalagem «...» e as batatas fritas da marca...» .

26. Apesar de a gaveta da caixa registadora ter sido encontrada, encontrava-se danificada e inutilizável, tendo sido necessário adquirir uma nova, fazendo a demandante incorrer no custo de 225,28€ para aquisição da mesma.

C) Mais se provou:

27. AA, nascido em … .05.1994, iniciou as atividades escolares na idade normal, contudo, a partir dos 13 anos, e na sequência do divórcio dos progenitores, apresentou um percurso escolar irregular, caraterizado pelo absentismo e indisciplina, paralelamente, o convívio com jovens de mais idade promoveu o contacto com o consumo de estupefacientes (canabinoides e heroína), ocasionando o encaminhamento para uma Comunidade ……., em ..., onde concluiu o curso de formação profissional de ..., que o habilitou com o 9º ano de escolaridade.

Aos 18 anos, e após saída da Comunidade Terapêutica, AA iniciou atividade laboral na ... do ..., onde permaneceu cerca de quase 3 anos. Por opção dele demitiu-se, e foi para o ..., em junho de 2015, com o intuito de obter melhores condições de vida. Por via da situação irregular naquele país e pelo facto de não se ter adaptado, regressou passado 6 meses, tendo, entretanto, realizado experiências pontuais em diferentes áreas, sem vínculo contratual.

O arguido tem um filho, atualmente com 9 anos de idade, a residir em território continental com a progenitora. Segundo o arguido não mantém contacto com o filho menor.

Em outubro de 2014, após recaída no consumo de estupefacientes, AA esteve integrado e em tratamento na Associação ...... Posteriormente, na sequência de uma nova recaída, integrou no programa de tratamento com cloridrato de metadona, com acompanhamento na Associação ......

Desde abril de 2016 a janeiro 2020, o arguido foi submetido a 4 tratamentos com internamento, na Clínica .... em ..., os quais não cumpriu, pelo que, um deles teve alta por motivo disciplinar.

Em 2018, na sequência de uma recaída no consumo estupefacientes e dos comportamentos desajustados que mantinha no seio do agregado familiar da progenitora, AA foi acolhido no ..... - Associação para a inclusão social, onde permaneceu por pouco tempo devido a conflitos com outro individuo que se encontrava acolhido naquela instituição, passando a situação de sem abrigo.

À data dos factos (2018) AA encontrava-se, ainda, em situação de sem abrigo, dormindo numa viatura, não dispondo de qualquer apoio ou intervenção de estruturas comunitárias.

AA encontra-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva desde o passado dia … .09.2020, no âmbito do processo 108/20...., indiciado por crimes de furto e detenção de arma proibida. No âmbito desse processo, foi solicitada informação para aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, e neste contexto, pelo facto de ambos os progenitores terem recusado o consentimento, não foi exequível a aplicação da mesma.

Segundo articulação realizada com os serviços de acompanhamento da execução da pena do Estabelecimento Prisional de ..., AA não regista infrações disciplinares. No presente, não se encontra integrado em programa terapêutico para a problemática aditiva (toxicodependência) não tendo ainda sido submetido a testes de despiste toxicológico. AA está com acompanhamento psicológico e é medicado no âmbito de outras problemáticas. O arguido tem recebido visitas regulares dos progenitores.

28. Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes condenações:

Por decisão transitada em julgado em 2014/01/21, o arguido foi condenado pela prática em 2013/07/… de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de multa à razão diária de 5€.

Por decisão transitada em julgado em 2014/06/11, o arguido foi condenado pela prática em 2014/05/… de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 170 dias de multa à razão diária de 6€, substituída por 170 horas de trabalho a favor da comunidade.

Por decisão transitada em julgado em 2016/05/03, o arguido foi condenado pela prática em 2016/03/… de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano.

Por decisão transitada em julgado em 2014/11/27, o arguido foi condenado pela prática em 2014/10/… de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade.

Por decisão transitada em julgado em 2018/07/10, o arguido foi condenado pela prática em 2018/01/… de um crime de furto, na pena de 80 dias de multa à razão diária de 5€, substituída por 80 horas de trabalho a favor da comunidade. Cumpriu prisão subsidiária.

Por decisão transitada em julgado em 2020/09/14, o arguido foi condenado pela prática em 2018/08/… de um crime de furto, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano com regime de prova.

Por decisão transitada em julgado em 2019/05/21, o arguido foi condenado pela prática em 2018/10/… de um crime de furto, na pena de 120 dias de multa à razão diária de 5€. Cumpriu prisão subsidiária.

Por decisão transitada em julgado em 2019/06/28 o arguido foi condenado pela prática em 2018/05/… e em 2019/06/… de dois crimes de furto, na pena única de 150 dias de multa à razão diária de 5€.


***


B. Factos não provados

Com interesse à decisão da causa nada mais resultou provado.

(…)

As condições económico-sociais resultaram do relatório social junto aos autos.

As condenações já sofridas resultam do certificado de registo criminal.”



IV

Fundamentação

A

Questões Processuais Prévias




1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso por este Supremo Tribunal de Justiça.


2. É consensual que, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certas questões legalmente determinadas – arts. 379, n.º 2 e 410, n.º 2 e 3 do CPP – é pelas Conclusões apresentadas em recurso que se recorta ou delimita o âmbito ou objeto do mesmo (cf., v.g., art. 412, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, p. 316; jurisprudência do STJ apud Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Relator: Conselheiro Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Relator: Conselheiro Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Relator: Conselheiro Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Relator: Conselheiro Manuel Augusto de Matos).


3. O thema decidendum no presente recurso pode bem recortar-se, sinteticamente, do início das alegações do presente recurso: trata-se de reapreciar a decisão do Tribunal a quo “quanto à medida da pena e carácter efectivo quer da pena parcelar aplicada relativamente ao crime de detenção de arma proibida, quer da pena a final que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico, pelo que interpõe o presente recurso restrito a matéria de direito.”



B

Alguns Parâmetros Gerais de Apreciação



1. O Tribunal a quo bem apreciou a prova e bem enquadrou os factos juridicamente, tendo seguido as exigências jurídicas do caso. Mas, antes de o apreciarmos concretamente, impõe-se que se tenha presente os próprios eixos ou parâmetros da atuação, nestes casos, deste Supremo Tribunal de Justiça. É à luz deles, e tendo-os como fundamento e pano de fundo que toda a atividade judicatória no caso se tem de desenvolver. São princípios, são normas, são limites. Quer aos poderes cognoscitivos, quer à atividade ou intervenção deste Supremo Tribunal, decorrentes da lei e da sua natureza, que a lei espelha, conforma e impõe normativamente.

2. Como é sabido, e aceite na communis opinio, a intervenção do STJ na concretização da medida da pena, ou melhor, no controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cf. Acs. de 09-11-2000, Proc. n.º 2693/00 - 5.ª; de 23-11-2000, Proc. n.º 2766/00 - 5.ª; de 30-11-2000, Proc. n.º 2808/00 - 5.ª; de 28-06-2001, Procs. n.ºs 1674/01 - 5.ª, 1169/01 - 5.ª e 1552/01 - 5.ª; de 30-08-2001, Proc. n.º 2806/01 - 5.ª; de 15-11-2001, Proc. n.º 2622/01 - 5.ª; de 06-12-2001, Proc. n.º 3340/01 - 5.ª; de 17-01-2002, Proc. n.º 2132/01 - 5.ª; de 09-05-2002, Proc. n.º 628/02 - 5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, Proc. n.º 585/02 - 5.ª; de 23-05-2002, Proc. n.º 1205/02 - 5.ª; de 26-09-2002, Proc. n.º 2360/02 - 5.ª; de 14-11-2002, Proc. n.º 3316/02 - 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, Proc. n.º 3399/03 - 5.ª; de 04-03-2004, Proc. n.º 456/04 - 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, Proc. n.º 3182/04 - 5.ª; de 23-06-2005, Proc. n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, Proc. n.º 2521/05 - 5.ª; de 03-11-2005, Proc. n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, Proc. n.º 2555/06 - 3.ª; de 14-02-2007, Proc. n.º 249/07 - 3.ª; de 08-03-2007, Proc. n.º 4590/06 - 5.ª; de 12-04-2007, Proc. n.º 1228/07 - 5.ª; de 19-04-2007, Proc. n.º 445/07 - 5.ª; de 10-05-2007, Proc. n.º 1500/07 - 5.ª; de 14-06-2007, Proc. n.º 1580/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, Proc. n.º 1775/07 - 3.ª; de 05-07-2007, Proc. n.º 1766/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, Proc. n.º 3321/07 - 3.ª; de 10-01-2008, Proc. n.º 907/07 - 5.ª; de 16-01-2008, Proc. n.º 4571/07 - 3.ª; de 20-02-2008, Procs. n.ºs 4639/07 - 3.ª e 4832/07 - 3.ª; de 05-03-2008, Proc. n.º 437/08 - 3.ª; de 02-04-2008, Proc. n.º 4730/07 - 3.ª; de 03-04-2008, Proc. n.º 3228/07 - 5.ª; de 09-04-2008, Proc. n.º 1491/07 - 5.ª e Proc. n.º 999/08 - 3.ª; de 17-04-2008, Procs. n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, Proc. n.º 4723/07 - 3.ª; de 21-05-2008, Procs. n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, Proc. n.º 1001/08 - 5.ª; de 03-09-2008, no Proc. n.º 3982/07 - 3.ª; de 10-09-2008, Proc. n.º 2506/08 - 3.ª; de 08-10-2008, nos Procs. n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, Proc. n.º 1964/08 - 3.ª; de 29-10-2008, Proc. n.º 1309/08 - 3.ª; de 21-01-2009, Proc. n.º 2387/08 - 3.ª; de 27-05-2009, Proc. n.º 484/09 - 3.ª; de 18-06-2009, Proc. n.º 8523/06.1TDLSB - 3.ª; de 01-10-2009, Proc. n.º 185/06.2SULSB.L1.S1 - 3.ª; de 25-11-2009, Proc. n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1 - 3.ª; de 03-12-2009, Proc. n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1 - 3.ª; e de 28-04-2010, Proc. n.º 126/07.0PCPRT.S1” (cf. Acórdão deste STJ de 2010-09-23, proferido no Proc.º n.º 10/08.0GAMGL.C1.S1).


3. Assim, como é sabido, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem reiteradamente enfatizado que, na concretização da medida da pena, deve partir-se de uma moldura de prevenção geral, definindo-a, depois, em função das exigências de prevenção especial, sem ultrapassar a culpa do arguido.

Como assinala o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, “(2) a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite, máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico” (Direito Penal, vol. I, p. 84 e Direito Penal, vol. II, pp. 227-228” (sendo importante o diálogo que com estas ideias encetam os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, Noções de Direito Penal, 7.ª ed., Lx., Rei dos Livros, p. 192).


Atente-se neste passo do Acórdão de 2010-09-2, proferido no Proc.º n.º 10/08.0GAMGL.C1.S1:

 “Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. Cf. ainda os acórdãos deste STJ de 08-10-97, Proc. n.º 976/97, e de 17-12-97, Proc. n.º 1186/97, (in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132, e n.º s 15/16, novembro/dezembro 1997, pág. 214).

Importará ainda salientar que a jurisprudência deste Supremo Tribunal sublinha que a sua intervenção no controle da proporcionalidade com que há que pesar os crimes e as penas não é ilimitada e que o quantum da pena se deve manter quando se revele, em geral, o acerto dos vários enfoques analíticos e judicatórios em questão (v.g. Ac. STJ, Proc. n.º 14/15.6SULSB.L1.S1 - 3.ª Secção, 19-09-2019).

Ora é precisamente o que ocorre no caso, em que a malha hermenêutica utilizada se revelou consistente com os seus pressupostos, que foram proficientemente explicitados, com recurso a uma motivação lógica e pertinente.



C

Dos Crimes e das Penas



1. O arguido recorre da pena única derivada do cúmulo jurídico, e, de entre as várias penas parcelares a que foi condenado, recorre ainda do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86, n.º 1, d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, e a que foi atribuída a pena de um ano e quatro meses de prisão (Situação VI/NUIPC 108/20....).

2. Comecemos pela pena parcelar, correspondente ao crime de detenção de arma proibida.

O Acórdão recorrido dá mostras de exemplar cuidado e detença na apreciação dos factos e no seu enquadramento jurídico e conclusões tiradas, nesse âmbito.

Assim, começa por um pormenorizado e criterioso enquadramento legal dos factos, em que não falta o conhecimento, sempre referido à lei, das questões especificamente referentes às armas. Cita longa e pertinentemente o Regime Jurídico das Armas e Munições.

Explicita, com espírito de síntese e rigor, o bem jurídico protegido com a existência deste crime na ordem jurídica, que visa tutelar, de forma mediata e preventiva (outros o farão de forma imediata e imediatamente terapêutica ou repressiva hoc sensu), a ordem e segurança pública.

Os crimes, na nossa ordem jurídica, como se sabe, não decorrem senão da vontade do legislador penal democrático (não são fait du prince), traduzindo razões de necessidade penal (filtradas pela dignidade penal – excluindo bagatelas), desde logo imposições constitucionais à penalização (e concomitantemente tendo presentes a correlativas imposições de despenalização), sendo no bem jurídico que, apesar de todo vendaval teórico que o agita (mas sempre renova), que se consubstancia o grande aferidor da proteção dos direitos e do Direito efetuada pelo Direito Penal.

Como bem recorda a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido uma lapidar passagem do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, a medida da pena "(...) há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida" (cfr. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime - Noticias Ed., p. 227).

Ora a referência, antes de mais, ao bem jurídico protegido, como ponto fixo de Arquimedes para a sua fundamentação parece de grande relevo. E não é apenas um aleluia jurídico, um voto piedoso ou um discurso legitimador, mas realmente o fulcro do problema, e a grande fundamentação do próprio ius puniendi.

De seguida, o Acórdão revidendo explicita o tipo de ilícito objetivo, naturalmente em diálogo com a proteção dos bens jurídicos em causa. Em bem elaborado pensamento, e com pertinentes referência doutrinais e jurisprudenciais, explica como este tipo de crimes, de perigo abstrato, com uma como que presunção iuris et de iure de perigo, prescindindo-se da necessidade de verificação (ou de prova) de perigo concreto, na esteira do referido pelo Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, nomeadamente.

Debruçando-se sobre o caso concreto, faz o Acórdão recorrido uma correta subsunção do tipo de arma detida pelo arguido (facto 19). Trata-se de uma arma da classe A, enquadrando-se no conceito de faca borboleta previsto no artigo 2.º, nº 1, alínea av), do Regime Jurídico das Armas e Munições. E essa faca borboleta, que o arguido detinha, enquadra-se na previsão do art. 86, 1, d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.

Prosseguindo num impecável iter apreciativo-decisório, o Tribunal a quo aprecia o tipo de ilícito subjetivo.  Aí, explica teoricamente um pouco, para poder subsumir corretamente. Sendo que este tipo de crime obriga à sua comissão dolosa, detém-se nos tipos de dolo, legal e doutrinalmente os enunciando brevemente. Ora, tendo sido dados como provados os factos 22 e 23 estão preenchidos os requisitos dolosos, porquanto:

“22. O arguido conhecia as características daquela faca e bem sabia que não a podia deter, utilizá-la ou guardá-la, mas mesmo assim não se absteve de agir do modo descrito.

23. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as condutas que adotou eram proibidas e punidas pela lei penal.”

Só depois desta verificação concluindo o Acórdão, que vimos seguindo de perto, pelo cometimento, pelo arguido, do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, nº 1, d), da Lei das Armas.

E em consequência se coloca a questão da medida da pena.

Neste capítulo, de novo encontra apoio na doutrina, numa breve teorização geral sobre como determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.

Ora, no tocante especificamente ao crime e respetiva pena agora em apreço, vale a pena citar este passo, elucidativo da direta e completa apreciação da questão, que beneficia de todos os elementos comuns e anteriormente explanados:

“Face à alternatividade entre pena de prisão e pena de multa cumpre, pois, determinar qual a que melhor cumpre as exigências de prevenção do presente caso.

No caso presente, as exigências de prevenção geral são significativas, não obstante se encontrarem já consideradas na moldura penal abstrata, exigindo-se dos tribunais especial sensibilidade à preservação do bem jurídico da segurança, tendo em conta a enorme frequência com que são cometidos crimes com armas e a necessidade de desincentivar eficazmente a sua comissão.

Quanto às necessidades de prevenção especial, temos de ter em conta que o arguido agiu com dolo direto, a modalidade mais grave do dolo e tem antecedentes criminais (facto nº 28); o que, desde logo, faz com que, em termos de prevenção especial, se deva dar uma resposta adequada às violações pela sua parte das normas vigentes no nosso ordenamento jurídico, razão pela qual se opta por uma pena de prisão.

No caso em apreço, para além dos aspetos já aludidos aquando da escolha da sanção, importa ponderar os seguintes:

 Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);

 O grau de ilicitude do facto típico entendemos que se situa num grau mediano (atenta a perigosidade da arma em concreto);

 Confessou os factos (facto favorável ao arguido);

 Tem antecedentes criminais (facto desfavorável ao arguido).

 O arguido é jovem e atualmente está familiarmente inserido (facto favorável ao arguido).


*


Tudo ponderado, o Tribunal considera adequada uma pena de um ano e quatro meses de prisão.”

3. Refeito o percurso lógico da decisão, que acabamos de acompanhar, pari passu, não se vislumbra qualquer omissão ou excesso de pronúncia, nulidade, ou vício, formal ou material, sendo a decisão não uma desmesurada violência ou um excesso de rigor, mas antes uma legítima apreciação, plenamente fundamentada.

O Recorrente invoca essencialmente que seria “primário” relativamente a este concreto tipo de crime, que o terá praticado num período em que vivia na rua, em dependência de drogas, e que hoje, pelo contrário, se encontra integrado social e familiarmente.

Releva, inter alia, o ponto 4. das Conclusões da sua motivação de recurso:

“4 - A nosso ver, a pena aplicada ao arguido é excessiva e demasiado gravosa, sendo que, o Acórdão recorrido não teve em conta a inexistência de antecedentes criminais dessa natureza por parte do arguido, nem o facto de que na altura dos factos este era toxicodependente e vivia na rua cfr. refere o Relatório Social nos autos, e que actualmente já não consome qualquer tipo de droga, vivendo com familiares com os quais voltou a conviver, estando a cumprir a medida de coacção de permanência na habitação em casa da tia cfr. também do Relatório Social.”

Merece, sem dúvida, uma reflexão séria a argumentação sobre as especialidades criminais, e como se possa, realmente, com relevância para o que nos interessa, ser-se delinquente “primário” num crime, mas vastamente habitual delinquente noutras. Chocará alguns até essa distinção, certamente.

A verdade é que o caráter cada vez mais holístico da apreciação criminal, com múltiplas concretizações (nomeadamente legais, e ao nível do cúmulo jurídico, como veremos), remete para uma ratio legis geral que não é de parcelamento e especialização, mas de conjunto. Fácil seria o uso do argumento ab absurdo, o que porém se não se faz, até por desnecessário, ante a evidência da questão.

A desmontagem ou desconstrução da argumentação em causa foi de forma simples e direta levada a cabo no Parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça:

“Ora, é certo que o arguido não fora, antes, condenado pela prática de tal crime – de gravidade acentuada, diga-se, atenta a perigosíssima natureza da arma em causa – mas regista vastos antecedentes criminais, não obstante a sua juventude. Claro que não será de estranhar que, agora, não esteja cometendo crimes, atenta a situação coactiva em que se encontra…”

Um crime da gravidade deste (e com o tipo grave de culpa que encerra), com o perigo que convoca, com a valia dos bens jurídicos que ameaça, engendrando, nos tempos que correm, sentimentos de profunda insegurança e mesmo medo físico em muitas camadas da população, perpetrado por quem tem um historial significativo de comissão de crimes, evidentemente acarreta necessidades de prevenção geral e especial relevantes.

Atento à totalidade dos elementos a ter em atenção, o Tribunal a quo teve presentes os fins das penas legalmente determinados: as penas existem para proteção de bens jurídicos e para a reintegração do agente na sociedade. Teve ainda em consideração que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa. Assim, tendo no seu horizonte a medida da culpa e as exigências de prevenção, geral quer, respeitando o disposto nos artigos 40 e 71 do Código Penal, e não olvidando o papel das finalidades preventivas da pena e as exigências de ressocialização, determinou uma pena que, servindo as suas funções sociais, todavia não é de modo alguma exagerada. O que não poderia (não pode) era lavar as mãos ou enveredar por uma perspetiva de laxismo, deixando a sociedade indefesa ou pelo menos amedrontada e mesmo simbolicamente frustrada no seu direito de ver a punição justa efetivada. Seria aliás também injusto para com o próprio arguido não o tratar com dignidade, que é também manifesta na responsabilização.

Não se trata de impor penas de prisão sem sólido fundamento, num rigorismo de “mão dura”, mas de defender a sociedade, os seus valores e as pessoas e bens em risco, não subindo, obviamente, acima da fasquia da culpa, e não descendo abaixo do limite da própria função preventiva da pena.

Sendo o crime de detenção de arma proibida punido com pena de prisão de 1 mês a 4 anos, ou com pena de multa de 10 a 480 dias (artigos 41 e 47, ambos do Código Penal e artigo 86, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições), tudo ponderado, entende-se que a pena atribuída, de um ano e quatro meses de prisão, de modo algum fere a razoabilidade, a adequação ou a justiça.


3. Cúmulo Jurídico. Pena única

Como é sabido, a pena única deve determinar-se pela ponderação de fatores do critério que consta do art. 77 n.º 1, in fine, do Código Penal:

“1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

Considerando, assim, as evidentes necessidades de prevenção no caso em concreto, o respetivo grau de culpa e de ilicitude, que são elevados, entende-se que a pena única não excede um quadro de razoabilidade e proporcionalidade e é adequada e necessária para se cumprirem as finalidades preventivas, revelando-se, pois, justa.

Não é descomunal nem errada a forma como foi calculada a pena única, “somando-se, à pena parcelar mais alta, cerca de um terço da diferença entre esta e a soma aritmética de todas elas”, conforme contabiliza o Ministério Público neste STJ.

De acordo com o art. 77, n.º 2, a moldura penal teria um mínimo de dois anos e seis meses de prisão e um máximo de onze anos e quatro meses de prisão.

O Acórdão recorrido, sempre valendo-se de doutas e pertinentes referências doutrinais, não meramente eruditas, mas com interesse prático e objetivo para a decisão da causa, explicitou, designadamente que:

“Numa avaliação conjunta dos factos verifica-se que assume moderada gravidade, atendendo a que as condutas são praticadas durante um lapso temporal restrito (entre 04.09.2020 e 12.09.2020).

Da personalidade do arguido resulta a existência de condenações anteriores que não surtiram efeito dissuasor da prática de novos crimes (tal como decorre da factualidade provada).

Procedendo-se à efetivação do cúmulo jurídico das penas parcelares, considera-se ajustada a pena unitária de cinco anos e três meses de prisão.”

 O que é equilibrado. Situando-se ainda um tanto abaixo da metade da pena máxima, e ainda benevolente no seu quantum relativamente à posição média entre o mínimo e o máximo em concreto possíveis…

O Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (e vária jurisprudência com ele é concorde), aponta também para um critério holístico na escolha da medida da pena única. Assim,

“(…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.  (…) De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (Direito Penal Português. As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, p. 291).

Não se pode olvidar que o Recorrente, nos seus múltiplos contactos com a Justiça, teve já oportunidade de, dentro dos condicionalismos que necessariamente cada um, na sua circunstância (como diria Ortega y Gasset) tem de gerir, enveredar por um caminho normativo, de respeito pelo Direito. Até ao momento, apesar dos elementos que em seu favor militam, não conseguiu ainda integrar-se, como se prova por mais uma vez pesarem sobre si várias condenações.

Os factos são plúrimos, como referido, arguido atuou com dolo direto e intenso, a ilicitude e culpa elevadas. Embora, como refere o Acórdão recorrido, numa avaliação conjunta, os factos assumirão moderada gravidade, atendendo a que as condutas são praticadas durante um lapso temporal restrito (entre 04.09.2020 e 12.09.2020). Também foi considerado militar em seu favor a sua juventude (nasceu em 1994), o que permitiria certa esperança na ressocialização, que parece já haver começado, embora sem o peso tão significativo que invoca, conforme alerta o Ministério Público neste STJ (“Claro que não será de estranhar que, agora, não esteja cometendo crimes, atenta a situação coactiva em que se encontra…”). A síntese do Acórdão é ponderada no sopesar dos elementos em presença. Recorde-se, pois:

“ Atuou com dolo direto (facto desfavorável ao arguido);

 O grau de ilicitude do facto típico entendemos que se situa num grau mediano (atenta a perigosidade da arma em concreto);

 Confessou os factos (facto favorável ao arguido);

 Tem antecedentes criminais (facto desfavorável ao arguido).

 O arguido é jovem e atualmente está familiarmente inserido (facto favorável ao arguido).”

No estabelecimento da pena unitária de cinco anos e três meses de prisão, considera o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que:

“Atendeu-se, cremos, à vantagem da reintegração tão rápida quanto possível do arguido em sociedade; sem se esquecer, porém, que a pena deve visar também, de forma equilibrada, a protecção dos bens jurídicos e a prevenção especial e geral, neste caso particularmente relevantes, tanto mais que estão em causa ilícitos que causam justificado alarme junto da população.”

Com efeito, as fortíssimas exigências de prevenção e a gravidade do comportamento do arguido tinham, obviamente, em conformidade e de acordo com os critérios acima referidos, de ser traduzidos em pena correspondente à medida da sua culpa; o que o tribunal recorrido conseguiu com uma pena inteiramente justa e que respeita as finalidades visadas pela punição.”

Na conjugação dos factos com a personalidade do agente o Tribunal a quo, como fomos vendo, pari passu, aplicou os critérios legais pertinentes, com o seu legítimo critério.


4. Conclusão

Contudo, e sem prejuízo do que fica dito, analisando com malha mais apertada a situação, e sopesando os dados em presença, sem prescindir do rigor da lei, mas não deixando de ter atenção que, na globalidade dos factos e da personalidade do arguido, não há, no caso, crimes de concreta enormíssima pena, e presentemente parece estar a encaminhar-se o ora Recorrente para um caminho de ressocialização. É, pois, possível que as exigências de prevenção possam ser satisfeitas com pena única menor à anteriormente decidida, e por isso mais afeiçoada as necessidades penais emergentes.

Recorde-se que é o próprio Acórdão recorrido que indica que, numa avaliação conjunta, os factos assumirão moderada gravidade, atendendo a que as condutas são praticadas durante um lapso temporal restrito (entre 04.09.2020 e 12.09.2020). E também foi considerado militar em seu favor a sua juventude (nasceu em 1994), o que permitiria certa esperança na ressocialização. Tudo acrescido ao baixo valor dos objetos furtados, às condições pessoais do arguido e à moldura penal.

Assim, mantendo-se embora as penas parcelares (nomeadamente e especificamente a que é posta em causa) afigura-se justo e equilibrado diminuir a pena única para 4 anos e 6 meses de prisão.

Tal pena, que, pelo seu quantum poderia, em tese, ser suspensa na sua execução, conforme o art. 50, n.º 1 do CP, no caso não o poderá efetivamente ser, por não se verificarem os respetivos requisitos legais.

Com efeito, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ao crime (vejam-se os antecedentes criminais, a par com os hábitos de toxicodependência) não se pode concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizassem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, permitindo uma prognose favorável a uma tal forma de execução da pena. Contudo, a diminuição da pena, essa sim, parece razoável, justa e adequada, em cumprimento efetivo.



IV

Dispositivo



Termos em que, decidindo em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com os art.ºs 40, n.º 1 e 71, n.º 1 e 2, e 77 do Código Penal, se acorda em dar parcial provimento ao recurso, determinando, em cúmulo jurídico, a pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cumprimento efetivo.

  Sem custas.           


Supremo Tribunal de Justiça, 2 de dezembro de 2021


Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator)

Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)