PRAZO DO PAGAMENTO DA MULTA
SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário

I - Os prazos de pagamento da multa previstos nos artigos 489.º, n.º 2, e 490.º, n.º 1, do Código de Processo Penal têm natureza perentória
II - O pedido de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser feito no prazo previsto no artigo 489.º do Código de Processo Penal

Texto Integral

Processo nº 328/18.3PFPRT.P1
2ª Secção Criminal-Tribunal da Relação do Porto.

Relatório:
Inconformado com o despacho proferido a fls. 228/229 v, (cuja transcrição será efectuada infra) veio o arguido B…, devidamente identificado, recorrer, com as seguintes conclusões:
1 - O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348, nº1, b) do C.P. na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
2 – Foi liquidada a multa penal e regularmente notificado o arguido.
3 – O arguido não procedeu ao pagamento voluntário da multa.
4 – Não é possível proceder à sua cobrança coerciva em virtude de se desconhecerem, ao arguido, bens susceptíveis de penhora.
5 – Por requerimento junto aos autos em 06.05.2021 o arguido veio requerer a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto no artº 48, nº 1 do Código Penal, afirmando que se debate com dificuldades económicas graves, que vive em condições deploráveis e que para poder sobreviver, recorreu e é acompanhado pelo C…, Vale de Cambra.
6 – Por douto despacho de 12.05.2021, indeferiu-se o requerido, essencialmente com fundamento de que o prazo previsto no artº 489/2 do C.P.P. (ex vi artº 490/1) tem natureza peremptória.
7 - É nosso modesto entender que ao indeferir a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, o despacho recorrido deu uma interpretação demasiado rígida e contraria a essência do direito penal, nomeadamente relativamente às medidas e fins das penas e do preceituado nos artºs 47 e ss e artºs 489 e ss do C.P.P.
8 - Afigura-se ferido de ilegalidade, pois que, o prazo reportado nos artºs 489, nº 2 e 490 nº 1 do CPP não tem natureza peremptória, permitindo assim que a substituição da pena de multa por dias de trabalho seja requerida para além desse prazo.
9 - Neste sentido, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto, de 24 de Março de 2021, processo nº 2325/13.6PBBRG-A.P1; de 5 de Julho de 2006, processo nº 0612771; de 30 de Setembro de 2009, processo nº 344/06.8GAVLC.P1; de 15 de Junho de 2011, processo nº 422/08.9PIVNG-A.P1 e de 7 de Junho de 2016 e processo nº 480/13.4GPRT-A.P1 e os acórdãos da Relação de Évora de 25 de maio de 2011, processo nº 2239/09.4PAPTM.E1; de 12 de Julho de 2012, processo nº 751/09.4PPTR.E1 e de 8 de Janeiro de 2013, processo nº 179/07.0GBPSR-A.P1.
10 – Consequentemente, ao indeferir a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade, o douto despacho recorrido afigura-se ferido de ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 48 e 49, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal e artigos 489, 490, nºs 1 e 2, todos do Código Processo Penal.

O recurso sobre o despacho foi liminarmente admitido a fls. 233.

O MP respondeu e concluiu:
- O douto despacho recorrido não viola o disposto no artº 48 do CP.
- O douto despacho recorrido não viola o disposto no artº 489 do CPP ex vi do artº 490, do mesmo diploma legal.
- O prazo para requerer a substituição da pena de multa por dias de trabalho é o previsto no nº 2 do artº 489 do CPP; e
- Este prazo tem natureza peremptória, pelo que, uma vez decorrido, e ressalvada a situação de justo impedimento, extingue-se o direito de praticar o acto.

Já neste Tribunal Superior o Senhor Procurador Geral-Adjunto elaborou Parecer e, depois de definir o objecto do recurso, tratou, com jurisprudência abundante e esclarecedora, de interpretar o sentido das normas descritas nos artºs 47 nº 3, 48 do CP e 489 nº 1 do CPP e, nesse sentido, confirmar o carácter peremptório do prazo para pagamento da multa.
Reiterou, a exemplo da resposta a quo, a improcedência do recurso.

Cumpriu-se o artº 417 nº 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Mantém-se a regularidade da instância.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

Fundamentação.
Do despacho recorrido.
(…)
Vejamos os autos.
- Por sentença proferida a 4.2.2020 foi o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348, nº 1, alª b), do Código Penal, condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
- Por douta promoção datada de 12.4.2021 veio a DMMP pugnar… “Revelando-se inviável o cumprimento, quer voluntário quer coercivo, da pena de multa em que o(a) arguido(a) foi condenado(a) nestes autos e não havendo lugar à realização de cúmulo jurídico, p. seja a mesma convertida em prisão subsidiária.”
Foi na sequência deste despacho que o arguido veio solicitar a substituição da multa por trabalho.
Cumpre apreciar e decidir, sendo a seguinte a questão que urge analisar: é ou não tempestivo o pedido de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade?
Entendemos que não. Vejamos porquê.
A substituição da pena de multa por dias de trabalho, a favor da comunidade, encontra-se plasmada no nº 1 do artº 490 do Código de Processo Penal que dispõe que "o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nº s 2 e 3 do artigo anterior", ou seja:
1) Em regra, o requerimento deve ser apresentado dentro do prazo do pagamento voluntário da multa;
2) Se, contudo, o pagamento da multa tiver sido deferido ou autorizado em prestações, o requerimento pode ser apresentado no decurso do prazo concedido para o pagamento diferido ou em prestações, com referência ao valor ainda em dívida (cfr. artº 48, nº 1, do Código Penal, no segmento que se refere à substituição parcial da multa).
Não sendo paga a multa voluntariamente, nem sendo requerido, dentro do prazo do pagamento voluntário, a sua substituição por dias de trabalho a favor da comunidade, situação que ocorre nos presentes autos, questiona-se se ficam precludidos esses direitos ou se ainda é possível ao condenado reactivar alguma dessas faculdades legais.
Tem sido várias as teses doutrinais envoltas sobre esta problemática.
Cremos, nós, que a natureza peremptória dos prazos estabelecidos nos artºs 489, nº 2, e 490, nº 1, do Código de Processo Penal necessariamente conduz à resposta de que o seu decurso implica a preclusão dos respectivos direitos.
Na verdade, e como bem refere no Acórdão da Relação do Porto de 27/11/2007 "Se assim não fosse, a execução da pena multa ficaria na directa dependência da vontade e disponibilidade do condenada em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal."
E recorrendo agora à doutrina importa salientar as palavras do Professor Figueiredo Dias in "Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime", Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 136, as facilidades de pagamento devem obstar, por um lado, a que a pena de multa não seja cumprida e, por outro lado, que levem a perder o seu carácter de verdadeira pena e a sua esperada eficácia penal. Ora, nos termos do disposto no artº 145, nº s 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil, o prazo ou é dilatório ou peremptório. O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo. O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.
Estas modalidades de prazos também são aplicáveis ao processo penal, nos temos das disposições dos artºs 4 e 104, nº 1, deste código (cfr. Cavaleiro de Ferreira, em Curso de Processo Penal, Vol, I, 1981, p. 252 e ss.). E em face dos conceitos definidos nos nºs 2 e 3 do artº 145 do Código de Processo Civil, só pode concluir-se que os prazos estabelecidos nos artºs 489, nº s 2 e 3, e 490, nº 1, do Código de Processo Penal, delimitadores de cada uma das fases ou etapas processuais para a execução da pena de multa, segundo a ordem acima descrita, são prazos peremptórios, cujo decurso preclude o direito de praticar o acto, no sentido já decidido no Acórdão da relação do Porto de 22-02-2006, in www.dgsi.pt.
Entendemos assim que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho só pode ser feito no prazo previsto no artº 489, [v. Ac.R.Porto de 11/7/2007 e de 23/6/2010, in www.dgsi.pt], dado que a natureza peremptória dos prazos estabelecidos nos artºs 489 nº 2 e 490 nº 1 do CPP, implica a preclusão do direito de requerer a substituição da multa por dias de trabalho que só poderá ser formulado antes do incumprimento se ter verificado.
Assim, e porque o requerimento a peticionar a substituição da pena de multa pela pena de trabalho a favor da comunidade foi apresentado em juízo após o termo do prazo para o pagamento voluntário da multa e quando já se haviam desenvolvido as diligências previstas vista ao cumprimento coercivo de tal pena, o mesmo é claramente extemporâneo, pelo que se impõe indeferir o requerido.
O arguido B… foi condenado neste processo, por sentença, já transitada, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº 348, nº 1, b), do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros).
A sentença foi proferida a 4.2.2020 e já transitou em julgado. A referida multa não foi paga voluntariamente.
Por outro lado, não é também possível proceder à sua cobrança coerciva em virtude de se desconhecerem ao mencionado arguido bens susceptíveis de penhora.
Notificado o arguido da promoção, o mesmo nada disse e veio requerer a substituição por trabalho a favor da comunidade o que se indeferiu pelas razões supra expostas…
Face ao exposto, determino:
a) Se proceda à conversão da pena de 120 dias de multa em que o arguido foi condenado em 80 dias de prisão subsidiária;
b) Notifique o arguido, por contacto pessoal através do OPC competente, do presente despacho de conversão da multa em prisão.
c) Oportunamente (após trânsito desta decisão) passe mandados de detenção contra o arguido com vista ao mesmo cumprir 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária fazendo-se constar nos mandados a possibilidade do arguido se eximir ao cumprimento da prisão subsidiária procedendo ao pagamento da multa, nos termos do artigo 491-A, nºs 1 e 2 do CPP.

Da apreciação de mérito.
O objecto do recurso extrai-se das conclusões que, por sua vez sumariam a motivação – artº 412 nº 1 do CPP.
A causa do recurso prende-se com a reacção do arguido perante a conversão da multa em 80 dias de prisão subsidiária – ver teor do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária. Agora o inconformado recorrente pretende substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade. Mais concretamente pede a revogação daquela conversão e consequente substituição, requerendo o deferimento da prestação de trabalho, mais entende que esta pretensão é tempestiva.
O despacho faz a sinopse deste caso de modo assertivo e ajustado ao caso concreto.
Vejamos.
A lei é bastante clara sobre esta matéria.
O artº 490 nº 1 do CPP (substituição da multa por dias de trabalho) dispõe nestes termos: "o requerimento para a substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artigo anterior". Vale dizer: após o trânsito em julgado da decisão, ou seja, dentro do prazo do pagamento voluntário da multa – 15 dias após a notificação. Esta norma sofre limitação caso tenha sido diferido ou autorizado o pagamento da multa em prestações - o requerimento pode ser apresentado no decurso do prazo concedido para o pagamento diferido ou em prestações, com referência ao valor ainda em dívida (cfr. artº 48, nº 1, do CP - substituição parcial da multa). Atenção, estamos em sede de execução de uma pena não privativa de liberdade: multa.
Como dissemos estas normas estão descritas com meridiana clareza e não suscitam aturado labor de interpretação. Efectivamente o artº 48 nº 1 do CP tem de articular-se com o disposto no artº 490 nº 1 do CPP: a requerimento do condenado … no prazo previsto nos nºs 2 e 3 do artº 489 do CPP.
A conversão da multa não paga em prisão subsidiária decorre da lei (artº 49 do CP), instrumento de que o recorrente não soube retirar partido. A execução da prisão subsidiária pode sempre ser evitada desde que o condenado pague, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado. De assinalar que o arguido tem ainda ao seu dispor a norma prevista no nº 3 deste artº 49 do CP – provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, a execução da prisão subsidiária pode ser suspensa… Acontece que o arguido/recorrente preferiu brandir com o argumento de que o prazo para substituir a multa por dias de trabalho a favor da comunidade não é peremptório e por isso pode requerer aquela pretensão a todo tempo. Em nenhum momento a lei favorece este entendimento.
Não há dúvida que alguma jurisprudência (minoritária) envereda pela perspectiva do recorrente, porém sempre que nos deparamos com situações desta natureza, contrárias à interpretação que decorre da lei, somos levados a analisar os arestos que a veiculam.
O senhor Procurador Geral-Adjunto procedeu a este trabalho colocando em confronto as referidas correntes jurisprudenciais.
Já são vários os acórdãos a perfilhar a tese de que o prazo do artº 490 nº 1 do CPP não é peremptório. A título de exemplo vejam-se os Acórdãos do TRP, Desembargador Pedro Vaz Pato no processo nº 273/14.1TAPRD-A.P1 de 27/06/2018 e processo nº 476/16.4PHMTS-A.P, com data, também, de 27/06/2018, muito embora com voto de vencido … A argumentação preconiza que o condenado pode a todo tempo! (mais tarde) requerer a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade. Argumentos como, o prazo previsto nos artºs 489 nº 2 e 490 nº 1 do CPP não têm natureza peremptória, estão ancorados na ideia de que o condenado também pode pagar a multa a todo tempo (artº 49 nº 2 do CP) para evitar o cumprimento da prisão subsidiária, além de que a finalidade e critério da escolha da pena (preferência das sanções não privativas de liberdade - artº 70 do CP) permitem maior flexibilização das sanções penais. Há até um acórdão que sanciona esta linha (finalidade das penas) muito embora admita que o condenado actua “fora de prazo” - Acórdão do TRP da Desembargadora Élia São Pedro no processo nº 2325/13.6PBBRG-A.P1 de 24/03/2021.
Desde já sufragamos por evidente que o arguido/recorrente pode requerer a substituição da multa por dias de trabalho desde que proceda nos termos do artº 490 nº 1 do CPP. É nosso entendimento que o tribunal deve ouvir o condenado (contraditório) e solicitar as informações necessárias para aferir se esta é a forma adequada e suficiente de cumprir as finalidades previstas na pena aplicada – multa autónoma ou de substituição. O Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2016 é elucidativo quanto à multa de substituição: em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do artº 43 nº 1 do CP, pode o condenado, após trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no artº 48 do CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos artºs 489 e 490 do CPP.
O Professor André Lamas Leite, em trabalho elaborado como consultor da Abreu Advogados (in comentário ao acórdão de fixação de jurisprudência), desenvolve interpretação diferente do STJ: temos por correcto o entendimento de que uma pena de prisão substituída por multa, quando não liquidada, importa o cumprimento da totalidade da sanção privativa da liberdade, sem que seja possível a prestação de trabalho. Não apenas o artº 43 do CP depõe nesse sentido, como se estaria a admitir uma substituição da substituição, que faria inapelavelmente ressentirem-se as exigências de certeza e efectividade que defendemos para a matéria em estudo.
O presente caso é o mais comum e por isso diferente do comentado. O arguido foi condenado em pena de 120 dias multa (artº 47 do CP) pela prática de um crime de desobediência. O arguido inadimplente tem logo ao seu dispor o benefício do disposto nos nºs 3 e 4 do artº 47 do CP – pagamento em prazo que não exceda 1 ano (passível de ser alterado por motivo superveniente) ou permitir pagamento em prestações…
No caso dos autos o cumprimento da multa, quer voluntário quer coercivo mostrou-se inviável. O arguido, entretanto nada disse. Operou-se a conversão da multa não paga em prisão subsidiária (artº 49 nº 1 do CP). Estamos a falar de uma pena pecuniária de multa consequência da prática de um crime de desobediência (artº 348 do CP). Não estamos a falar de substituição da pena de prisão a operar nos termos do artº 43 do CP. O arguido nos termos do artº 48 do CP e 490 nº 1, ex vi artº 489, ambos, do CPP podia ter requerido a substituição por dias de trabalho a favor da comunidade, desde que cumprisse os requisitos impostos por lei, nomeadamente actuar em prazo. Argumentar com o fim das penas não privativas de liberdade; luta contra as penas curtas de prisão e coerência do sistema é descabido, não só no caso do arguido que é sancionado em pena de multa (autónoma) a título de sanção principal (artº 47 do CP), como também no caso de nos depararmos com uma multa de substituição (artº 43 do CP).
O tribunal encontra a pena adequada pela necessidade que tem de proteger bens jurídicos e reintegrar o agente criminoso, segundo critérios de prevenção especial e geral. A medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa. Por último, em sede de condenação o tribunal atende ao critério da escolha da pena, de preferência pena não privativa de liberdade.
Até aqui estamos em sede de condenação. O tribunal escolheu a sanção de multa, como mais adequada para conseguir a pretendida finalidade, maxime a flexibilização de cumprimento da pena. A conversão da pena de multa em prisão subsidiária (artº 49 do CP) constitui uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença. O arguido nunca chegou, em prazo, a requerer pagamento da multa em prestações ou a substituição por trabalho, por isso e, inevitavelmente operou-se a conversão legal. A luta contra as penas curtas de prisão é uma evidência, desiderato cumprido por intermédio das penas de substituição. O arguido foi condenado (modificação ope legis) em 80 dias de prisão subsidiária contudo, caso estivesse impedido de cumprir a sanção pecuniária, tinha ao seu dispor requerer o pagamento em prestações, alteração de prazo ou pedir atribuição de trabalho a favor da comunidade, suposto o tribunal considere esta forma de cumprimento meio de realizar adequada e suficientemente as finalidades da punição. O arguido não pode beneficiar de trabalho quando muito bem entende, caso contrário, como lucidamente anota o tribunal a quo, ”a execução da pena multa ficaria na directa dependência da vontade e disponibilidade do condenado em cumprir, como cumprir e quando cumprir. Em evidente prejuízo da sua eficácia penal."
Por último resta rebater o argumento de que o legislador permite a todo tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando total ou parcialmente o valor da multa. Este nº 2 do artº 49 do CP é tão só um afloramento da natureza pecuniária da pena de multa. A finalidade e significado político-criminal da pena de multa radicam na sua alternativa à pena de prisão, nomeadamente no combate às pequenas penas privativas (prisão) de liberdade. A pena de multa passou no código actual a ter um papel de primacial importância … nos quadros da nova política criminalJ. Figueiredo Dias – Consequências Jurídicas do Crime – Coimbra Editora, páginas 118/120. Em bom rigor a conversão já faz parte da execução da pena, da efectividade da pena de multa, muito embora só encontre o seu verdadeiro fundamento como última ratio. Último recurso porque, já vimos, o condenado tem ao seu dispor um conjunto de facilidades para evitar esta sanção de constrangimentoObra citada, fls. 147. A prisão está numa relação subsidiária, por contraposição a alternativa, não é uma pena de substituição e só deve ser cumprida depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da pena, suposto que o condenado os accione em tempo.
O disposto no artº 48 nº1 do CP aplica-se quer à pena de multa autónoma, quer à pena de multa de substituição. O objectivo é substituir esta pena por dias de trabalho nos termos da lei.
Os argumentos para o condenado usar a todo tempo a prerrogativa de requerer a substituição da multa por trabalho comunitário parece-nos forçada, ao arrepio das disposições legais previstas nos artºs 48 do CP e 489 e 490 do CPP. A lei é generosa para o condenado em multa mas urge provar, em prazo, da dificuldade de pagamento e aguardar a decisão do tribunal no quadro daquelas soluções legais.
Improcede o recurso.

Acordam os juízes que integram, a 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido B… e confirmar o despacho recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC,s.
Registe e notifique.

Porto, 10 de Novembro de 2021
Horácio Correia Pinto
Moreira Ramos