NOTIFICAÇÃO
ARQUIVAMENTO
TRADUÇÃO
Sumário

I. São pessoais as notificações a efectuar ao arguido respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação da data para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização cível (artigo 113º, n.º 10 do Código de Processo Penal).  Outras notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo advogado ou defensor.
II. Não resulta da lei que os despachos do Ministério Público a ordenar a extracção de certidões para eventual processo autónomo tenham de ser comunicados ao próprio arguido. Do mesmo modo, não resulta da lei a obrigação de dar a conhecer – através de notificação pessoal - o despacho de arquivamento, particularmente quando se trata de arguidos não visados nele, nem isso se afigura como imprescindível ou sequer necessário, ao exercício do direito de defesa.
III. Tratando-se de arguidos que não dominem ou não conheçam a língua, impõe a lei que seja assegurada, sem encargos para o próprio, a nomeação de intérprete (artigo 92º do Código de Processo Penal). A Directiva 2010/64/UE de 20 de Outubro prevê a tradução do despacho de acusação ou do despacho de pronúncia e das sentenças. Além destes devem ser igualmente traduzidos todos os elementos que, face à lei portuguesa, devam ser notificados ao próprio arguido (n.º 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal). 
IV. Quando o procedimento se revelar de especial complexidade, o prazo legal de 20 dias para requerer a abertura de instrução pode ser prorrogado até ao limite máximo de 30 dias.
V. O disposto no n.º 14 do artigo 113º do Código de Processo Penal apresenta-se como a mais garantística solução de contagem de prazos

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
           
I. Relatório
1. A 21 de Maio de 2021 o Mmo. Senhor Juiz de Instrução indeferiu a invocada nulidade da notificação da acusação aos ora recorrentes EC______ , MC_____  e SA. - porque efectuada sem tradução do despacho de arquivamento que a acompanhou -, e fixou o prazo de cinquenta dias para ser requerida a abertura de instrução, prazo esse com início na data de prolação do mesmo despacho - 21 de Maio de 2021.    
2. Inconformados os mesmos EC______ , MC_____  e SA. vieram interpor recurso sintetizando a motivação com as seguintes
Conclusões:
1.ª Do despacho de encerramento do inquérito produzido nestes autos pelo Ministério Público, os arguidos, aqui recorrentes, foram notificados apenas da parte respeitante à acusação propriamente dita (e o ponto, precedente, 4.21), faltando toda a parte relativa às decisões de desapensação, extração de certidões, transmissão de investigação e arquivamentos. Concretamente, estão em falta as páginas 1 a 261 (completa) do despacho de encerramento do inquérito.
2.ª O disposto no artigo 92, n.ºs 2 e 6, do Código de Processo Penal, não deixa dúvidas de que todos os documentos ou atos, não escritos ou não falados na língua do arguido (ou de qualquer outro sujeito processual) têm que ser devidamente traduzidos para a língua dos sujeitos processuais que não dominem a língua portuguesa.
3.ª In casu, era, e é, absolutamente imprescindível que os arguidos conheçam os motivos das decisões de arquivamento do processo de outros arguidos ou relativamente a concretas situações e que saibam e percebam quais (e porquê), as desapensações que se promoveram, o conteúdo das certidões extraídas do processo, etc..
4.ª O conhecimento e compreensão de tais elementos pelos arguidos é imprescindível, pela simples razão de serem dados de um processo onde eles intervêm, impondo- se que dominem tudo o que nele acontece, em igualdade de circunstâncias com todos os demais arguidos e outros sujeitos processuais, a quem foi notificado o despacho de encerramento do inquérito na sua totalidade.
5.ª A notificação feita aos arguidos (apenas de parte do despacho de encerramento do inquérito), mostra-se ferida da nulidade prevista no artigo 120, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal (falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a lei a considera obrigatória), por referência ao disposto no artigo 92, n.ºs 2 e 6 do Código de Processo Penal, 6.°, n.º 3, alínea e), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 3.º da DIRETIVA 2010/64/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 20 de outubro de 2010, e 13, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, o artigo 113, n.º 10 (conjugado com o artigo 277, n.º 3) do Código de Processo Penal interpretado no sentido de que aos arguidos estrangeiros e/ou que dominem outra língua que não a portuguesa não é notificado integralmente o despacho de encerramento do inquérito, está ferido de inconstitucionalidade.
6.ª Pelo que, errou o Tribunal a quo ao não declarar a referida nulidade, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que respeite os incisos legais e constitucionais acima mencionados.
Por outro lado,
7.ª Entendeu o Tribunal a quo conceder o prazo de 50 dias (prazo legal de 20 dias acrescido da prorrogação legalmente prevista de 30 dias, nos termos do disposto no artigo 107, n.º 6, do Código de Processo Penal) para os arguidos requererem a abertura da instrução.
8.ª  Os aqui recorrentes contestam tanto o prazo concedido, de 50 dias, quanto a fixação do momento em que se decidiu que o mesmo se iniciaria, o da data do despacho recorrido, com termo no dia 16/07/2021 (que se suspenderá, naturalmente, durante as férias), atenta a complexidade do processo e a circunstância de os arguidos, aqui recorrentes, terem sido notificados da acusação em março de 2021, pelo que não dispuseram dos já mais de dez meses sobre a prolação da acusação para a preparação da sua defesa.
9.a A imposição legal da notificação pessoal do arguido da acusação, bem como a imposição legal da sua tradução para a língua materna do arguido, visam garantir parece ser evidente e incontroverso, que o arguido conhece e compreende tudo aquilo de que está acusado.
10.a Já o prazo legal de 20 dias - prorrogável até 30 dias - para promover a abertura da instrução, visa que o arguido tenha tempo para assimilar a acusação e os meios de prova e para preparar a sua defesa, ponderando os passos seguintes.
Sucede, in casu,
11.ª Que não só o prazo de 50 dias é absolutamente desprovido de razoabilidade para se assimilar uma acusação de milhares de páginas, como é absolutamente evidente que os arguidos, a quem foi (ou está ainda) vedada a tradução dos elementos de prova e que, por isso, terão que o fazer eles próprios, jamais conseguirão assimilar a prova, tanto da acusação como daquela de que precisam para se defenderem, até ao dia 1 de setembro de 2021, perante uma acusação que lhes foi notificada em março de 2021 (e não - repete-se, há mais de 10 meses).
12.a Uma vez mais, posicionam-se os arguidos aqui recorrentes numa situação desigualdade em relação aos demais, que foram notificados na sua língua materna e nenhum entrave linguístico lhes assombra a defesa.
13.ª Das duas uma: ou se concede um prazo razoável - que nunca poderá ser inferior a 10 meses desde a prolação do despacho recorrido - para requererem, querendo, a abertura da instrução, ou se concede o prazo de 50 dias para a abertura da instrução a contar da tradução dos elementos de prova, que os arguidos terão que promover por meios próprios, tarefa para a qual precisarão também, pelo menos, de 9 meses.
14.ª O que seguramente não pode manter-se é a situação de os demais arguidos disporem de mais de 16 meses para prepararem a defesa e de os aqui recorrentes disporem de cerca de 6 meses, tendo ainda, de permeio, que traduzir elementos de prova.
15.a O prazo de 50 dias, tal como se mostra configurado pelo Tribunal a quo, é insuficiente, inadequado e desproporcional em face da extensão e da complexidade do processo, e gera uma desigualdade injustificada entre os intervenientes processuais.
Neste sentido,
16.a Não pode a decisão recorrida manter-se, também, neste segmento, porque violadora dos direitos de defesa dos arguidos, designadamente os previstos nos artigos 13, n.°s 1 e 2, 18, n.°s 1 e 2, 20, n.°s 1 e 4, e 32, n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que,
17.ª Deverá a mesma ser revogada e substituída por decisão que confira aos arguidos um prazo de defesa razoável, nunca inferior, portanto, a 10 meses a contar da prolação do despacho recorrido ou de 50 dias a contar do prazo de 9 meses que os arguidos estimam ser necessário para proceder à tradução (do essencial) dos elementos de prova que  sustentam a acusação.”
3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso apresentando as seguintes conclusões da motivação:
1. Desde dezembro de 2018 que os Recorrentes têm acesso aos termos do inquérito.
2. Desde julho de 2020 os Recorrentes têm acesso, através das suas defesas, ao teor integral do despacho que pôs termo ao inquérito.
3. O art.º 277° do CPP não pressupõe a notificação ao arguido de despachos de arquivamento em que não é visado.
4. Em relação aos demais despachos prévios à acusação, incluindo os que executaram a decisão judicial que determinou a separação de processos, os arguidos foram notificados nas pessoas dos seus II. Defensores, em cumprimento de Lei expressa - art.°113°/10, do CPP.
5. A Diretiva sobre direito a tradução, em processo-crime, impõe a tradução dos documentos que permitem a um arguido compreender a acusação, e a prova contra ele recolhida.
6. Conforme decidido nos autos, e porque não foi invocado qualquer outro fundamento, para além de serem estrangeiros e não dominarem o português, concluiu-se que não existiam argumentos que fundamentassem a tradução extensiva de toda a prova que suporta a acusação (sobre esta decisão existe Acórdão desse Venerando Tribunal).
7. Isto porque, como se referiu nessa decisão, e não contraditado factualmente pelos Recorrentes, parte esmagadora dessa prova que está expressamente seleccionada no requerimento probatório junto à acusação, foi produzida pelos Recorrentes, ou a seu mando, em língua que também dominam, que nem sequer é o francês, mas sim o inglês.
8. Em relação ao prazo para a abertura de instrução, foi proferido Despacho pelo Tribunal a quo que fixou os termos da contagem de um prazo excecional de 50 dias, já confirmado por Acórdão desse Venerando Tribunal.
9. Tal Despacho condicionou o cômputo inicial, da contagem desse prazo, à notificação de todos os arguidos acusados, no caso dos Recorrentes com a tradução em curso da acusação para a língua materna, francesa, uma vez que são suíços.
10. Conhecido este Despacho, os Recorrentes retardaram o início de tal prazo.
11. O que aconteceu por via da alteração da morada portuguesa que haviam feito constar do TIR, para notificação por via postal simples dos ulteriores termos do processo, transferindo-a para a Suíça.
12. Os Recorrentes foram notificados da acusação, e do arquivamento parcial dos autos quanto a ele deduzidos, na língua que dominam, em março de 2021.
13. Desde dezembro de 2020, os Recorrentes tiveram acesso aos termos do processo, e à prova da acusação, em condições de igualdade com os demais coarguidos.
14. Os Recorrentes contribuíram ativamente para que o processo se arrastasse sem transitar para fases subsequentes, dilatando o prazo de notificação da acusação aos últimos dos arguidos, os próprios Recorrentes.
15. Desafia a noção de justiça e de equidade processual, o argumento de que, por isso, dispõem de um prazo inferior ao dos demais, para que possam requerer a abertura da instrução.
16. O despacho recorrido, a ser censurável, apenas o poderia ser por benevolência, uma vez que há muito que estão ultrapassados os 50 dias contados sobre a data de notificação da acusação aos Recorrentes.”
4. A Senhora Procuradora Geral Adjunta neste tribunal subscreveu a motivação do Ministério Público na 1ª instância emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.
5. Realizada a conferência cumpre apreciar e decidir.
II. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, nas quais, de forma sintética e por referência à motivação, são expostas as razões da discordância face à decisão recorrida (artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso dos autos e a par da questão prévia relativa à competência do Juiz de Instrução para proferir o despacho recorrido, importa decidir:
a) da obrigatoriedade - e da necessidade - de notificação a todos os arguidos de todo o despacho de encerramento do inquérito;
b) da obrigatoriedade – e necessidade – de tradução de todo o despacho de encerramento do inquérito, no caso de arguidos que não entendam ou dominem o português.
c) da adequação do prazo fixado para ser requerida a abertura de instrução.
III. Decidindo
Quanto à competência do Juiz de instrução.
Os recorrentes começaram por manifestar a sua discordância com o decidido no recente acórdão deste Tribunal, proferido no âmbito do processo n.º 324/14.0TELSB-DJ.L1, quanto à competência que este (não) reconheceu ao Juiz de Instrução em sede de inquérito.  Nesses autos, os ora (e aí) recorrentes suscitaram a nulidade do despacho do Juiz de Instrução que não reconheceu e indeferiu a nulidade do despacho do Ministério Público que não satisfez a pretensão dos recorrentes de obter tradução de todos os meios de prova.  No referido acórdão decidiu-se que - além de estar em causa questão académica, porquanto a acusação não tinha sequer sido notificada -, o despacho recorrido era nulo por constituir intromissão do Juiz de Instrução em sede de inquérito, violando as competências que cabem unicamente ao Ministério Público.
É distinta a situação agora trazida a este tribunal de recurso.
A mais de um dos segmentos do despacho recorrido dizer respeito à fixação, pelo Juiz, de prazo para a abertura de instrução, entende-se que, proferido despacho final no inquérito e efectuadas as comunicações ordenadas pelo Ministério Público, cabe no âmbito da competência do Juiz de Instrução aferir da regularidade das comunicações efectuadas.
Como referido supra, invocaram os recorrentes a nulidade da notificação do despacho de encerramento do inquérito, porquanto, sendo suíços e francófonos, apenas receberam tradução da acusação e de parte do despacho de arquivamento, entendendo dever ser-lhes notificado, a par do que receberam, todo o despacho de arquivamento do inquérito, com as correspondentes traduções.
Vejamos o teor do despacho recorrido e da promoção do Ministério Público nele acolhida.
Fls. 63682 a 63687, com referência a fls. 62886 e seg.s e Apenso M42 – Na sequência de requerimento apresentado, a douto punho, pelos arguidos EUROFIN - PRIVATE INVESTMENT, SA, ETIENNE AC____ e MC_____ HARLES C, a arguir a nulidade do acto de notificação da acusação que lhes foi efectuada por carta rogatória, veio o detentor da acção penal, promover o seguinte:
«Requerimento junto a fls. 62886 e ss. (19.03.2021):
Os arguidos   por requerimento dirigido ao Exmo. JIC, pretendem que seja declarada a nulidade do ato de notificação da acusação que lhes foi feita por pedido rogatório.
À data deste requerimento não havia confirmação formal nos autos que tais atos já haviam sido concretizados na Suíça.
A 14.04.2014, os serviços da PGR receberam daquela jurisdição a confirmação de termos da execução da rogatória em causa, agora traduzidos (juntas ao Apenso M42).
MC_____  foi notificado da acusação no dia 06.03.2021.
Pretendeu que as autoridades suíças sustassem a confirmação da execução desse ato às autoridades portuguesas, porque considera que o mesmo se encontra imperfeito, por faltarem as primeiras 260 páginas do despacho que encerrou o inquérito, e por faltarem os anexos à acusação (requerimento subscrito por Elie Elkaim).
No dia 27.03.2021, viria a dirigir à unidade de cooperação judiciária internacional de Berna novo requerimento alegando agora que lhe foi entregue um CD com o texto da acusação e sem o suporte em papel.
Assume que o suporte que lhe foi entregue no segundo processo de notificação contém uma certidão, em português e em francês, do despacho de acusação.
A EUROFIN PRIVATE INVESTMENT OFFICE SA reconhece a receção de correspondência a 16.03.2021, e afirma que não recebeu da unidade de cooperação judiciária internacional uma explicação sobre a ausência das primeiras 260 páginas do despacho de acusação.
Pretendeu que se suspendesse a confirmação da execução da rogatória. Além do mais, contesta a competência das autoridades portuguesas no processo que a envolve, e o contexto político e mediático no âmbito da condução destes autos (requerimento de  TA.
AC____ terá sido notificado da acusação a 15.03.2021. Atestou que falta a tradução das primeiras 260 páginas da acusação, e requereu que fosse sustada a comunicação às autoridades portuguesas do cumprimento da rogatória.
Contesta a competência das autoridades portuguesas.
Em síntese, nada muito diferente do que o que os Defensores dos arguidos sustentam em Portugal, por via do requerimento apresentado a 19.03.2021.
No dia 19.04.2021 (fls. 63425), notificados para confirmarem se haviam sido notificados, os arguidos em causa confirmam a dupla notificação, "da acusação propriamente dita", indicando que o que está em falta é tradução das folhas 1 a 261 do despacho de encerramento do inquérito.
Em relação à tradução dos anexos da acusação, ou falta dela, já foram suscitadas nulidades, interposto e respondido o recurso que corre termos no Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Por via do requerimento de fls. 62886 é, agora, arguida nulidade por falta de tradução de alguns dos despachos interlocutórios ao despacho de acusação, vício que alegadamente decorre do disposto no art.º 92°/2 e 6, do CPP, dos termos da Diretiva Europeia 2010/64/EU, sobre tradução, e o disposto no art.º, 6°/2 da CEDH.
Sustenta-se neste requerimento que o conhecimento dos fundamentos de arquivamentos parciais e desapensações é fundamental ao cabal exercício do direito de defesa, porque pode permitir fundamentar a existência de uma dualidade de critérios por parte do Ministério Público, a considerar pelo Magistrado Judicial que tenha que apreciar a situação, tudo como resulta da Lei, de modo tão evidente e claro, que torna incompreensível que o MP tenha amputado a tradução para francês das primeiras 261 páginas do despacho final.
Este requerimento é dirigido ao Exmo. JIC.
Entendemos, contudo, que seria o MP a autoridade judiciária competente para apreciar a arguida nulidade de ato por si ordenado.
Como afirma Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e toda a doutrina e jurisprudência por si citada, "durante p inquérito o Juiz de instrução conhece das ilegalidades de atos da sua competência".[1]
O que não é o caso das notificações em causa.
Ainda assim, porque desde que foi deduzida a acusação já tantos incidentes foram levantados, incluindo os que pretendem que as autoridades centrais suíças não confirmem o cumprimento de rogatórias, algo que para nós é, verdadeiramente, inédito, aceita-se que o Senhor JIC se pronuncie diretamente sobre o fundo da questão, e sem que o MP tome uma decisão formal sobre a mesma, a qual neste contexto sempre seria inútil.
O Ministério Público perante a arguida nulidade assume posição no sentido de que a mesma não se verifica.
E ao abrigo do que se perspetiva como processo justo e equitativo cujo tema envolve, do mesmo lado da balança, um número assinalável de assistentes e vítimas patrimoniais que aguardam que os autos transitem, pelo menos, da fase de inquérito, e que proíbe a prática de atos inúteis.
A norma que rege a notificação da "acusação propriamente dita" é distinta da norma que rege a notificação dos demais despachos, em que se inclui o despacho de arquivamento, com disciplina própria consagrada no art.º 277° do CPP.
A obrigatoriedade de notificação de determinada decisão processual, em que se incluem os despachos em causa, não traduzidos para francês, tem como propósito dar conhecimento à pessoa por ela visada, para que, em relação à mesma, possa reagir através da impugnação.
O que processualmente pode ser definível como a soma dos pressupostos de legitimidade com o do interesse em agir.
Nos termos do art.º 277º/3, do CPP, norma sobre notificação de "arquivamentos”, este tipo de decisão é comunicado ao arguido com ele visado, assistente e denunciante, para efeitos de conhecimento do fim do processo e para efeitos de impugnação dessa decisão.
Presumimos que o legislador, que bem se exprime, seguiu um modelo de normação com base na taxatividade.
Fazendo aplicação desta norma, os arguidos foram notificados do despacho de arquivamento (ponto 4.21.) que decidiu matéria que visava as suas atuações (texto que se inicia a folhas 261 do despacho que encerrou o inquérito até à página e em que se afirma "Despacho de acusação", esta, e as que se lhe seguem, sem qualquer polémica suscitada).
S.m.o não terão os arguidos um direito, muito menos de evidência lapidar, de verem traduzidas decisões sobre matérias em relação às quais não tem qualquer participação ou sobre as quais não têm qualquer poder de iniciativa processual, designadamente o de impugnação.
O mesmo se dirá em relação a decisões sobre separação de processos ou extração de certidões para esse concreto fim, se neles não tiverem qualquer interesse, a não ser que ali venham a assumir posição processual.
Estes despachos foram proferidos ao abrigo do art.º 30° do Código de Processo Penal, sendo certo que não se identifica aparelho legal que exija a notificação traduzida de atos que se destinam a "sanear" partes de um processo de inquérito que não atingem o seu termo e que prosseguem autonomamente com fundamento nas razões cabimentadas em Lei.
Idêntica conclusão, de que não é mandatória a tradução deste tipo de despachos, se chega com a invocação da Diretiva europeia sobre tradução em processo penal, instrumento que precisa as decisões que carecem de tradução: despacho de acusação, decisão instrutória, sentença e decisão que coarte o direito à liberdade.
Isto para dizer que, não só não é obrigatória a tradução de decisões em relação às quais os sujeitos processuais não têm interesse em agir, como a preterição de tal tradução não gerará qualquer invalidade processual, muito menos a nulidade de atos que, esses sim, têm que ser traduzidos para compreensão e exercício do direito de defesa.
Seria um pouco destruir o essencial do direto de defesa com o recurso ao acessório.
Todavia, sempre se acrescentará, para que dúvidas não restem, que o critério seguido nos autos foi mais garantístico do que o que resulta da aplicação estrita das normas do CPP.
Contrariamente ao que sucede com a acusação "propriamente dita", ao abrigo do disposto na art.º 113°/10. do CPP, "as notificações do arguido (...) podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado."
"Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, (...)".
Todos os Defensores (incluindo os advogados destes arguidos) tomaram conhecimento na íntegra do despacho que encerrou o inquérito.
Para concluir que não se verifica qualquer nulidade por omissão de tradução pois que, na verdade, a notificação dos despachos em causa a estes arguidos nem sequer era legalmente exigível.
Remeta de imediato ao TCIC, também em cumprimento do Despacho exarado às 14h30 do dia 14.05.2021, sobre o ofício recebido da 5a seção do TR Lisboa, a fim de se fixar o início da contagem do prazo para que sejam apresentados os requerimentos de abertura de instrução, pelos sujeitos processuais que até hoje o não fizeram.» (sic).
Cumpre decidir:
Concorda-se com toda a fundamentação de facto e de direito vertida na douta e bem elaborada promoção em apreciação, supra transcrita, que aqui se acolhe na íntegra.
Entendendo resultar demonstrado, à saciedade, a inexistência da invocada nulidade por omissão de tradução, pelo que, sem necessidade de mais considerandos do que aqueles supra vertidos e que nos escusamos de repetir, se indeferem as nulidades arguidas.
Notifique.
(…)”  
 Vejamos.
Como referido supra, a primeira questão trazida à apreciação deste tribunal respeita à necessidade de tradução de peças e de elementos do processo notificados aos arguidos, questão indissociável de uma outra - também referida supra -, relativa ao que é que, uma vez encerrado o inquérito, deve ser notificado ao arguido e com que objectivo. Comecemos por esta última.
Findo o inquérito o Ministério Público profere despacho de acusação e/ou despacho de arquivamento, consoante tenham sido, ou não, recolhidos indícios suficientes da prática de crimes e da identidade dos seus agentes.
No n.º 3 do artigo 277º do Código de Processo Penal estabelece-se que o despacho de arquivamento é comunicado “ao arguido, ao assistente, ao denunciante com faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil nos termos do artigo 75º, bem como ao respetivo defensor ou advogado.” dispondo o nº 4 do mesmo artigo 277º quanto ao modo como essas comunicações devem ser efectuadas.
Ao despacho de arquivamento apenas podem reagir o assistente, requerendo a abertura de instrução nos termos do artigo 287º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal[2], ou o assistente e o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, requerendo a intervenção hierárquica, nos termos do artigo 278º do mesmo código.
Ou seja, a comunicação ao arguido do despacho de arquivamento não visa permitir uma reacção sua, tendo antes como fundamento o seu direito a conhecer o desfecho de um inquérito no qual foi visado e cuja reabertura estará condicionada ao surgimento “de novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados pelo Ministério Público (…)[3]”.
Já o despacho de acusação[4] fixa o objecto do processo, delimitando o poder cognitivo do tribunal, por um lado, e o âmbito e necessidade de defesa do arguido, por outro, assumindo-se como peça central do processo. Compreende-se assim, que - tal como nas demais situações previstas no n.º 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal -, não baste a notificação ao advogado ou defensor nomeado, exigindo a lei que a notificação seja feita ao próprio arguido. Outras notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo advogado ou defensor.
Pelas razões expostas, é inquestionável que o despacho de acusação tem de ser notificado ao próprio arguido, devendo ser-lhe também comunicado o despacho de arquivamento que lhe diga respeito.
Não resulta da lei que os despachos do Ministério Público a ordenar a extracção de certidões para eventual processo autónomo tenham de ser comunicados ao próprio arguido. Do mesmo modo, não resulta da lei a obrigação de dar a conhecer – através de notificação pessoal - o despacho de arquivamento a arguidos não visados nele, nem isso se afigura como imprescindível ou sequer necessário, ao exercício do direito de defesa.
Tratando-se de arguidos que não dominem ou não conheçam a língua, impõe a lei que seja assegurada, sem encargos para o próprio, a nomeação de intérprete (artigo 92º do Código de Processo Penal). Quanto à Directiva 2010/64/UE de 20 de Outubro, cujo objecto respeita à interpretação e tradução em processo penal e em processo de execução de mandados de detenção europeus, o seu artigo 3º prevê a tradução dos documentos essenciais ao exercício do direito de defesa, entre eles, do despacho que aplica medida privativa da liberdade, do despacho de acusação ou do despacho de pronúncia e das sentenças. Entende-se que, além destes devem ser igualmente traduzidos todos os elementos que, face à lei portuguesa, devam ser notificados ao próprio arguido especificados no n.º 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal. 
No caso dos autos, da motivação apresentada pelos recorrentes e da resposta do Ministério Pública resulta que os Senhores Advogados, a quem cabe assegurar a defesa dos recorrentes, foram notificados da totalidade do despacho de arquivamento e das demais decisões a ordenar a extracção de certidões para eventual processo autónomo. Todo o despacho de encerramento do inquérito - despacho de arquivamento e despacho de acusação – foi notificado aos mandatários dos recorrentes a 14 de Julho de 2020.
Invoca ainda o Ministério Público – e afigura-se pacífico - ter sido disponibilizada cópia de todos os elementos de prova que sustentam a acusação a todos os arguidos, através dos respectivos mandatários.
Quanto aos recorrentes, foram estes pessoalmente notificados da acusação e da parte do despacho de arquivamento em que eram visados e tais elementos foram traduzidos. Compreende-se que se tenham insurgido com a recepção de 261 páginas numa língua que não percebem. Acontece que essas páginas, na verdade, não lhes diziam respeito e, em bom rigor, não tinham de ter sido enviadas, bastando que fossem dadas a conhecer aos respectivos mandatários, como se viu que foram.   
Invocam ainda que os demais arguidos receberam na sua língua todo o despacho de arquivamento e outros despachos referentes a extração de certidões. Na verdade, também quanto a estes arguidos apenas se impunha, nos termos do citado n.º 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, a comunicação do despacho de acusação, devendo ainda ser-lhes comunicado o despacho de arquivamento do inquérito no qual eram visados. O envio de todo o despacho de encerramento do inquérito corresponde a uma prática de secretaria e não a uma imposição legal. De todo o modo, do eventual excesso de comunicação quanto a alguns dos arguidos - já que quanto a outros impunha-se a sua notificação - não decorre que igual procedimento deva repetir-se quanto aos demais.
Por último, quanto à adequação do prazo fixado para ser requerida a abertura de instrução.
Insurgem-se os recorrentes contra o despacho do Senhor Juiz de Instrução que fixou o prazo de 50 dias, contado a partir de 21 de Maio de 2021 para ser requerida a abertura de instrução. Defendem que, tendo sido notificados da acusação em Março de 2021, não dispuseram dos “mais de dez meses” referidos no despacho recorrido, período do qual terão beneficiado os demais arguidos no processo. Mais entendem, por isso, terem sido violados os seus direitos de defesa previstos, designadamente, nos artigos 13º, n.ºs 1 e 2, 18º, n.ºs 1 e 2, 20º, n.ºs 1 e 4 e 32º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.
No n.º 1 do artigo 287º do Código de Processo Penal estabelece-se que a abertura de instrução pode ser requerida pelo arguido no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação. No n.º 6 do mesmo artigo estabelece-se ser aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113º do Código de Processo Penal, prevendo-se neste dispositivo que “(…) havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de atos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o ato pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
Os ora recorrentes foram notificados da acusação em Março de 2021[5], pelo que, mesmo desconsiderando a data da notificação dos respectivos mandatários, significativamente anterior, não se trata, em rigor, de terem apenas beneficiado de um prazo de 50 dias, uma vez que a contagem do mesmo prazo apenas se iniciou a 21 de Maio de 2021. É certo que a decisão de requerer ou não a abertura de instrução cabe aos arguidos, mas não se pode desconsiderar terem sido os respectivos mandatários notificados de todo o despacho de encerramento do inquérito a 14 de Julho de 2020.
Por outro lado, e como já decidido pelos Senhores Juízes Desembargadores da 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa (no âmbito do apenso DH) a propósito da mesma questão: “(…) a lei processual penal apenas possibilita a prorrogação do prazo em questão (20 dias) por mais 30 dias (…). Para lá desse prazo só o justo impedimento poderá autorizar nova prorrogação.”
O n.º 6 do artigo 107º do Código de Processo Penal permite prorrogação de prazos nas seguintes situações e nos seguintes termos:
Quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.º, 287.º e 315.º e nos n.ºs 1 e 3 do artigo 411.º, até ao limite máximo de 30 dias.”
No caso, os recorrentes não invocaram qualquer causa de justo impedimento, limitando-se a invocar terem sido notificados por último, a extensão da acusação e a necessidade de, eles próprios, procederem à tradução dos elementos de prova entregues à Ilustre Mandatária a 6 de Janeiro de 2021. Ora, a especial complexidade do processo e, em consequência, a extensão da acusação, foi o que permitiu, em primeiro lugar, a prorrogação legal do prazo, tendo o despacho recorrido tido em conta (e bem), tratar-se de acusação proferida a 14 de Julho de 2020 e terem sido, entretanto (desde Dezembro de 2020) “fornecidos aos intervenientes processuais, informações e acessos ao processo”.
Não se identifica no despacho recorrido qualquer limitação dos direitos de defesa dos arguidos, nem violação do princípio da igualdade, apresentando-se a solução legal de contagem de prazos, como a mais garantística.

IV. Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UC’s – artigo 513º do CPP.
Notifique.
(Acórdão elaborado pela relatora em suporte informático e revisto pelos signatários – artigo 94º, n.º 2 do Código de Processo Penal).

Lisboa, 17 de Novembro de 2021.
Rosa Vasconcelos
Ricardo Cardoso
_______________________________________________________
[1] Anotação ao art.º 118o do Código de Processo Penal, pag. 307, da edição de 2007.
[2] “(…) se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.” 
[3] Artigo 279º do Código de Processo Penal.
[4] E o despacho de pronúncia, se o houver.
[5] O último a 16 de Março de 2021