MARCA
DISTINÇÃO
REGISTO
Sumário

1.– Se o desenho e a composição gráfica são intrinsecamente relevantes na abordagem das marcas, é também verdade que, por regra, os consumidores, a menos que a imagem seja muito forte ou particularmente impactante, negligenciam ou dão pouca atenção a tais elementos;

2.– Tais consumidores vivem num mundo verbal em que a palavra, designadamente a escrita, domina o quotidiano recordando, de forma muito mais intensa, vocábulos ainda que de maneira imprecisa e com escasso rigor e em termos sempre desfocados pela nebulosidade da memória que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação»;

3.– Na comparação das marcas, impõe-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que o consumidor médio apreende a marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades;

4.– Esta ponderação não se faz de forma linear e homogénea; antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros;

5.– O consumidor assim identificado realiza uma análise globalizante, indiciária, de conjunto, faz associações ligeiras e rápidas, atende mais às diferenças do que às semelhanças, compara convicções difusas (porque assentes na memória) com percepções físicas pouco densas, deixa-se atrair por imagens, sons e palavras geradoras de impressões mais marcantes, faz rápidas sínteses e, no final do processo, não logra aperceber-se de toda a realidade, seus detalhes e respectivas características particulares;

6.– A avaliação central que se pede ao julgador em matéria de recursos de marca é bem mais psicológica do que jurídica já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores;

7.– E é assim porque se visa como fim último salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como finalidades derradeiras, garantir a concessão de iguais oportunidades a todos os potenciais agentes, proteger o consumidor e garantir o eficaz funcionamento da economia; há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

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I.– RELATÓRIO

                 
S …LIMITED, com os sinais identificativos constantes dos autos,  interpôs recurso judicial de decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que autorizou o registo da marca nº 612513 «VICO HOTÉIS» solicitando a revogação dessa decisão e a recusa do registo de tal marca.

O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos:
S… Limited, com sede em …no Reino Unido, veio interpor recurso judicial do despacho da Directora do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por subdelegação de competências do Conselho Directivo, datado de 18.7.2019, que concedeu o registo da marca nacional nº 612513 “VICO HOTÉIS” a José …, para assinalar produtos na classe 43ª da classificação internacional de Nice, peticionando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por despacho de recusa do pedido do registo da enunciada marca.
Alega, em síntese, ser titular das marcas nacionais nº 603009 e 603010, para assinalar serviços nas classes 35ª e 43ª da classificação internacional de Nice, ambas requeridas e concedidas em anterior ao pedido do registo da recorrida. Por despacho do INPI, datado de 18.7.2019 foi concedido o registo de marca nacional nº 612513, pedido em 21.10.2018 pelo ora Recorrido, para assinalar produtos da classe 43ª.
Do confronto entre as marcas registadas por si tituladas e a registanda, verificarem-se preenchidos os três pressupostos de imitação de marca, plasmados no art 238 nº 1 do CPI. As marcas opostas são prioritárias e os serviços aos quais as marcas da Recorrente se destinam têm afinidade e identidade nalguns deles com os serviços visados assinalar na marca da Recorrida. Por outro lado, a semelhança entre elas é tal que o consumidor terá dificuldades em distingui-las entre si, gerando confusão e levando o consumidor a pensar terem a mesma origem empresarial, proveniência e qualidade. Donde a coexistência entre elas causa prejuízos à Recorrente, além de configurar a actuação do Recorrido uma situação de concorrência desleal, nos moldes previstos no art 311 nº 1 al a) do CPI.
Cumprido o art 42 do CPI, o INPI remeteu cópia do processo administrativo.
Apesar de regularmente citado nos termos e para os efeitos do disposto no art 43, o Recorrido não ofereceu resposta.

Foi proferida sentença que  decretou:
Por tudo o explanado e nos termos sobreditos, nego provimento ao presente recurso, mantendo o despacho recorrido do INPI, datado de 18.7.2019, de concessão do registo da marca nacional nº 612513 “ VICO HOTÉIS ”, para assinalar os produtos na classe 43ª da classificação internacional de Nice.

É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por S… LIMITED que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido:
1.- O objecto do presente recurso é a douta Sentença de 10.03.2020, proferida nos autos, que negou provimento ao recurso interposto do despacho da Direcção de Marcas do I.N.P.I., de 18.09., e manteve a concessão do registo da marca nacional n.º 612.513, “VICO HOTÉIS”, para assinalar serviços da classe 43.ª da Classificação Internacional de Nice.
2.- Divergindo do entendimento que ditou a douta sentença recorrida, a Recorrente considera que no presente confronto de marcas estão preenchidos todos os requisitos (cumulativos) do conceito legal de imitação de marca estabelecidos no artigo 238.º, n.º 1 do C.P.I.
3.- Na sentença conclui-se que no caso sub judice estão preenchidos os requisitos de imitação de marca previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 238.º do C.P.I.
4.- O único ponto de divergência reside, portanto, na aplicação ao caso do requisito de imitação de marca previsto na alínea c) desse preceito legal, relativo à confundibilidade entre as marcas VICO HOTÉIS VOCO AN IHG HOTEL”,
5.- A Recorrente considera que as marcas em confronto são caracterizadas pelas expressões “VICO” e “VOCO”, por serem esses os seus elementos prevalentes.
6.- Na marca “VICO HOTÉIS” a palavra “HOTÉIS” não tem qualquer carácter distintivo, considerando que se destina a assinalar “serviços hoteleiros”.
7.- E nas marcas da Recorrente – “VOCO AN IHG HOTEL” –, a frase secundária “AN IHG HOTEL” (“um hotel IHG”, em tradução livre), sendo “VOCO” o elemento dominante.
8.- Para isso contribui que, na marca , a referida frase é grafada em letras de dimensão proporcionalmente menor, em comparação com a expressão “VOCO”, que se apresenta de forma bem destacada no conjunto.
9.- A comparação a fazer entre os sinais em causa deverá ser feita entre os respectivos elementos “VICO” e “VOCO”.
10.- Cada uma dessas expressões é constituída por quatro letras, entre as quais três iguais e dispostas pela mesma ordem: VOCO VICO
11.- Ambas as expressões têm duas sílabas: VO_CO / VI_CO
12.- Foneticamente, as referidas expressões pronunciam-se de modos muito semelhantes, pois apenas a segunda letra é diferente: “O” / “I”.
13.- Gráfica e foneticamente, o elemento característico “VICO” é manifestamente confundível com o elemento dominante “VOCO” das marcas da Recorrente.
14.- Na avaliação da possibilidade de confusão fácil entre as marcas em confronto deverá ser tomado em linha de conta que o consumidor médio quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento; a comparação que entre eles pode fazer não é assim simultânea, mas sucessiva.
15.- O consumidor, quando compra determinado produto marcado com um sinal semelhante a outro que já conhecia, não tem à vista, em regra, as duas marcas para fazer delas um exame comparativo.
16.- Por isso, contribui para acentuar a confundibilidade da marca registanda com as marcas da Recorrente, o facto de as marcas em cotejo se destinarem a assinalar serviços idênticos – serviços hoteleiros e serviços de reserva de hotel – e não somente serviços mais ou menos afins.
17.- In casu, deverá ser valorizado que as marcas se destinam a serviços idênticos, pelo que o grau de semelhança requerido para aferir do risco de confusão é menor, atenta a interdependência entre os critérios da afinidade/identidade entre produtos/serviços e o do grau de semelhança dos sinais que os distinguem.
18.- No presente caso, a identidade entre os serviços (principais) assinalados pelas marcas e as semelhanças gráficas e fonéticas constatadas entre os sinais, são suficientes para induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor médio de serviços hoteleiros, ou levá-lo a crer, por associação, tratar-se de serviços hoteleiros da mesma proveniência empresarial.
19.- Com a eventual coexistência no mercado das marcas “VICO” e “VOCO”, os consumidores virão a ser induzidos em erro ou confusão fácil e existirá um claro risco de associação da marca registanda com as marcas da Recorrente.
20.- Confusão essa que, no caso vertente, é agravada pelo facto de as marcas em litígio se destinarem a ser usadas precisamente no mesmo âmbito de especialidade, dos serviços hoteleiros.
21.- No caso sub judice está preenchido, também, o requisito de imitação de marca previsto no artigo 238.º, n.º 1, alínea c) do C.P.I.
22.- Conclui-se que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída pela recusa do registo da marca nacional nº 612513, “VICO HOTÉIS”, com o fundamento em imitação de marca, tal como cominado pelo artigo 232.º, n.º 1, alínea b) do C.P.I.
23.- Por outro lado, o uso da marca registanda, por ser susceptível de vir a induzir os consumidores em erro ou confusão, possibilitaria ao Recorrido, mesmo independente da sua intenção, mover à Recorrente concorrência desleal, nos termos definidos no artigo 311.º, n.º 1, alínea a), do C.P.I.
24.- Se a marca registanda e as marcas prioritárias são confundíveis e se destinam a distinguir serviços concorrentes, que têm o mesmo “target” de mercado, deverá concluir-se que o pedido deve ser recusado com fundamento na possibilidade de concorrência desleal, independentemente da intenção actual da requerente.
25.- A douta decisão recorrida deve ser revogada, por não ter aplicado o motivo de recusa do registo previsto no artigo 232.º, n.º 1, alínea h) do C.P.I., preceito legal que resulta violado.
Nestes termos, nos melhores de Direito, e com o sempre muito douto suprimento dos Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa, deve a presente apelação ser julgada procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, ser substituída pela recusa do registo da marca nacional n.º 612.513, “VICO HOTÉIS”, (…).

Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:
1.– A decisão recorrida «deve ser revogada e substituída pela recusa do registo da marca nacional nº 612513, “VICO HOTÉIS”» com o fundamento em imitação de marca face ao disposto artigo nas al.s b) e h) do n.º 1 do  art. 232.º do Código da Propriedade Industrial?
2.– O pedido de registo deve ser recusado com fundamento na possibilidade da existência de concorrência desleal?

II.–FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Vem provado que:
1.– Em 18.7.2019, o Director do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do INPI, no uso de competências delegadas pelo Conselho Directivo, proferiu despacho pelo qual concedeu o registo da marca nacional nº 612513 “ “VICO HOTÉIS”, para assinalar os serviços de “ avaliação de alojamentos hoteleiros, disponibilização de serviços de hotel e motel, reservas de quartos de hotel para viajantes, serviços de  alojamento em complexos hoteleiros, serviços de alojamento hoteleiro, serviços de consultadoria relacionados com instalações hoteleiras, serviços de hotel para clientes preferenciais, serviços de reserva de hotel, serviços de reserva de quartos de hotel, serviços de reservas de quartos de hotel, serviços hoteleiros, serviços hoteleiros de complexos turísticos” na classe 43ª da classificação internacional de Nice, reportado ao pedido apresentado por José ..., em 21.10.2018.

2.– A Recorrente é titular da marca nacional nº 603009 “VOCO AN IHG HOTEL” , pedida em 6.6.2018 e concedida em 8.11.2018, para assinalar os serviços “ serviços de gestão hoteleira para terceiros; serviços de franchising de hotéis, nomeadamente oferta de assistência em gestão comercial no estabelecimento e na direcção de hotéis; serviços de consultoria e aconselhamento em negócios relacionados com a gestão, a direcção e o franchising de hotéis” na classe 35ª e “serviços hoteleiros; serviços de alojamento temporário; serviços de bar e restaurante; serviços de salões para cocktails; serviços de reserva de hotéis; serviços de catering para o fornecimento de alimentos e bebidas; disponibilização de instalações para conferências, reuniões, exposições e eventos em geral” na classe 43ª ambas da classificação internacional de Nice.
3.A Recorrente é titular da marca nacional nº 603010 “
pedida em 6.6.2018 e concedida em 8.11.2018, para assinalar os serviços “ serviços de gestão hoteleira para terceiros; serviços de franchising de hotéis, nomeadamente oferta de assistência em gestão comercial no estabelecimento e na direcção de hotéis; serviços de consultoria e aconselhamento em negócios relacionados com a gestão, a direcção e o franchising de hotéis” na classe 35ª e “serviços hoteleiros; serviços de alojamento temporário; serviços de bar e restaurante; serviços de salões para cocktails; serviços de reserva de hotéis; serviços de catering para o fornecimento de alimentos e bebidas; disponibilização de instalações para conferências, reuniões, exposições e eventos em geral” na classe 43ª ambas da classificação internacional de Nice.

Fundamentação de Direito

1.– A decisão recorrida «deve ser revogada e substituída pela recusa do registo da marca nacional nº 612513, “VICO HOTÉIS”» com o fundamento em imitação de marca face ao disposto artigo nas al.s b) e h) do n.º 1 do art. 232.º do Código da Propriedade Industrial?
O Tribunal que proferiu a decisão criticada analisou o conceito de marca à luz do disposto no  art. 208.º do Código da Propriedade Industrial, distinguiu os seus tipos acrescentando referência às marcas «plásticas, formais ou tridimensionais» – louvando-se, para o efeito, na doutrina – referenciou as suas finalidades e utilidade, reconduziu-as à noção de propriedade e de direito exclusivo, fez menção específica à sua função distintiva, analisou o conceito de imitação de marca anterior apontando o regime emergente da al. b) do n.º 1 do  art. 232.º do Código da Propriedade Industrial e seus referentes prioridade, identidade ou afinidade de produtos ou serviços assinalados e semelhança geradora de erro, confusão ou associação pelo consumidor. Lançou referências jurisprudenciais muito relevantes a propósito do conceito de imitação percorrendo aspectos importantes da psicologia do consumo e tentando captar o olhar do consumidor no processo de aquisição de bens no mercado ou obtenção da prestação de serviços. Fê-lo com enquadramento adequado, não posto em crise no recurso e que, consequentemente, não justifica reverberação analítica e lançamento de referências jurisprudenciais e doutrinais injustificadas. Aliás, tal reiteração constituiria acto ocioso, vero desbaratar de esforços em termos vedados pelo Direito processual constituído que consagra o princípio da economia processual, enunciado designadamente, em termos genéricos (complementados com inúmeras manifestações particulares), nos  arts. 130.º e 131.º do Código de Processo Civil.

Não vem discutida a existência de prioridade das marcas nacionais n.ºs 603009 e 603010 face à registanda.

Não vem também questionada a inserção, na mesma classe (art 43.ª da «Classificação de Nice»), dos serviços cobertos pelas marcas situadas em alegado percurso de colisão .

Neste quadro, seria igualmente ocioso e violador das regras do processo civil luso o tratamento repetitivo destas questões. Dos requisitos de imitação que são a prioridade, a coincidência de objecto e a susceptibilidade de confusão, erro ou associação só este último importa ponderar na impugnação judicial da qual ora se conhece.

Tudo se reduz, pois, no seio da questão que se analisa, à avaliação da existência de factos subsumíveis ao estabelecido na al. c) do n.º 1 do art. 238.º, id est, da materialização, entre os signos distintivos, de «semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor  em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto».

Estão em confronto os elementos verbais «VICO HOTÉIS» da marca que se quer registar e «VOCO AN IHG HOTEL» que corresponde às marcas prioritárias.

Não existem composições gráficas relevantes para a produção de distinção face ao carácter pouco marcante e expressivo do arranjo tipográfico das marcas pré-existentes e à total ausência de grafismos não verbais na marca registanda.

Se o desenho e a composição gráfica são intrinsecamente relevantes atentas as características do que se compara, é também verdade que, por regra, os consumidores, a menos que a imagem seja muito forte ou particularmente impactante, negligenciam ou dão pouca atenção a tais elementos. Os referidos sujeitos vivem num mundo verbal em que a palavra, designadamente a escrita, domina o quotidiano   recordando, de forma muito mais intensa, vocábulos ainda que de maneira imprecisa e com escasso rigor, em termos sempre desfocados pela nebulosidade da memória que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação».

À luz da boa técnica que ao Tribunal cabia aplicar, impunha-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» (sim, era este o relevante por não se ter demonstrado estarmos perante um consumo de nicho) «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – a vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T-112/03, L'Oréal.

Essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.

O consumidor assim identificado realiza uma análise globalizante, indiciária, de conjunto, faz associações ligeiras e rápidas,  atende mais às diferenças do que às semelhanças, compara convicções difusas (porque assentes na memória) com percepções físicas pouco densas, deixa-se atrair por imagens, sons e palavras geradoras de impressões mais marcantes, faz rápidas sínteses e, no final do processo, não logra aperceber-se de toda a realidade, seus detalhes e respectivas características particulares.

A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que revelem a apresentação comercial e económica dos actores. E é assim porque se visa como fim último salvaguardar a livre e equilibrada concorrência e, como finalidades derradeiras, a garantia de iguais oportunidades para todos os potenciais agentes, a protecção do consumidor e o eficaz funcionamento da economia. Há, pois, aqui, no que tange à teleologia, um marcante balanço entre os direitos individuais e as finalidades colectivas.

No caso em apreço, existe semelhança vocabular entre «Vico» e «Voco». Apenas a letra «i» distingue a marca registanda.

É esta a única semelhança.

Diga-se, a este respeito, que, ainda que esquecêssemos o afirmado quanto à percepção de conjunto que conforma toda a psicologia do consumo, não poderíamos deixar de ressalvar que é muito relevante a distinção assente na discrepância da letra «i». É assim porquanto esse carácter escrito é decisivo na marcação da diferença. E tal ocorre por uma razão fonética: «vico» e «voco» têm sonoridades completamente diferentes e, por essa via, constituem palavras radicalmente distintas na perspectiva de quem as pronuncie e oiça. O efeito sonoro imediatamente emergente será, pois, de dissonância o que assume particular importância por se tratar da primeira palavra do conjunto que, como sabemos, é particularmente relevante perante o olhar consumidor. 

Se sairmos da perspectiva dos falantes e entrarmos na do consumidor que lê, ou seja, daquele que é meramente confrontado com a expressão escrita das marcas, então as diferenças aguçam-se. Desde logo, surge um confronto plural/singular de grande relevo entre «hotel» (palavra trasnversal a inúmeras línguas e, logo, de dimensão internacional) e «hotéis» (vocábulo privativo da língua portuguesa com significado por demais conhecido e que dispensa, aqui, enunciado autonomizador).

Sobretudo no que tange à imagem visual, ou seja, à formação da perspectiva de conjunto que é a do consumidor, os signos exornam expressões de muito diferente extensão: é longa e complexa a marca anteriormente registada; é curta e incisiva a registanda. A pré-existente tem cariz internacional e parece referenciar a pertença a um grupo de hotéis (que poderá, para os mais informados, corresponder ao acrónimo de «Intercontinental Hotels Group» tendo «an» a aparente função de elemento indicativo de pertença, eventualmente apontando a referência «um hotel do grupo X»). Já a marca cujo registo se visa tem expressão de conjunto claramente nacional e apontada ao mercado lusófono.

É adequada a noção que parece emergir da sentença criticada relativamente ao percurso analítico relevante que assume como etapas uma primeira apreciação de conjunto que sempre antecede (e, muitas vezes dispensa) a avaliação de detalhe e fragmentária (que apenas é realizada pelo consumidor por necessidade face à ambiguidade dos resultados emergentes da anterior ponderação) e a busca de um elemento dominante (que aí se apontou como privativa da ponderação das marcas complexas).

In casu, qualquer destas abordagens conduzem a um mesmo resultado: não há razões para temer o erro, a confusão ou a associação das marcas em confronto. Não existe imitação ou usurpação. Estamos, de forma flagrante, nos antípodas da fattispecie da al.c) do n.º 1 do  art. 238.º do Código da Propriedade Industrial. Não se preenche a previsão de qualquer das alíneas do n.º 1 do  art. 232.º do Código da Propriedade Industrial.

2.– O pedido de registo deve ser recusado com fundamento na possibilidade da existência de concorrência desleal?
Brota do dito no quadro da resposta à questão anterior (id est, que não existe imitação, logo  não existe risco de confusão entre os signos em comparação e dos serviços por eles identificados) que não se preenche a previsão  da al. a) do n.º 1 do  art. 311.º do Código da Propriedade Industrial.

O Tribunal «a quo» só poderia concluir, como fez, pela inexistência de proposta de aceitação da prática de actos de concorrência desleal no pedido de inclusão da marca registranda no respectivo registo.

É negativa a resposta à questão proposta.

III.–DECISÃO

Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.
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Lisboa, 16.05.2021



Carlos M. G. de Melo Marinho
Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa
Eleonora M. P. de Almeida Viegas