IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
MEDIAÇÃO E ORALIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

- Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não equivale a um segundo julgamento, pois é apenas uma possibilidade de remédio para apreciação em que claramente se haja errado.
- As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanas e nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento.
- Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade pelo que só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século.
- Tudo para concluir ser de primordial importância saber-se que na concreta fixação da verdade do caso influem elementos determinantes que escapam por natureza a apreciação posterior.
- Ou seja, a versão da vítima, ademais acompanhada por outros meios de prova (a começar pela documentação médica) mereceu o crédito do colectivo que o motivou de forma objectiva, clara e sem qualquer nota dissonante, inexistindo qualquer prova que sequer aponte qualquer possibilidade de alteração, muito menos que a imponha.
- Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida.
- A postura do arguido perante os factos que cometeu – não os reconhecendo e negando a sua prática, sinal inequívoco de falta de arrependimento e de repetição, se para tanto lhe apresentar motivo, na sua maneira de ver e estar actual – revela que nestas circunstâncias, o voto de confiança da comunidade (assim, extraordinariamente melindroso) não pode ser concedido pelo tribunal, com o elevado respeito pela opinião adversa.
- Nem se diga que existe qualquer tipo de desacerto entre esta conclusão e a que aplicou ao arguido a atenuação especial da pena, atendendo à sua idade, à data da prática dos crimes pois perante a idade do agente, perspectiva-se a evolução futura deste, logo sem esquecer que a ressocialização é um dos fins das penas, todas, portanto, inclusivamente e como não pode deixar de ser, a de prisão.
- Cada instituto tem os seus fins e regime próprios e ainda que se possam tocar na apreciação e confluir para o mesmo fim, não se confundem.
- Nada impõe por isso que considerações sobre a vantagem da atenuação para a ressocialização futura do jovem impliquem a suspensão de pena de prisão, logo que quanto a esta seja inviável um juízo de prognose mais imediato.
- A petição de princípio, de que arranca a correspondente pretensão, subordinada à preocupação de evitar o cunho criminógeno da prisão, trata-se simplesmente de dogma tido por indiscutível e ainda que corresponda a alegação contra lei expressa, já que o segundo fim das penas, onde pontifica a de prisão, é o de ressocialização do agente.
- E, por outro lado está indemonstrado, a julgar pelos poucos casos de condenações por reincidência, a que acresce a circunstância de não ser avassaladora a expressão dos cidadãos que voltam à prisão, em comparação com os que cumpriram a respectiva pena.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
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Neste processo foi o arguido AA condenado na pena única de dois anos e três meses de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nos 1 e 2, al. b), com referência aos artos 202º, als. c) e d) e 204º, nos 2, als. e) e f), e 4, todos do Código Penal e pelo artº 4º do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23.09, com referência ao artº 73º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, pela qual foi condenado na pena de dois anos de prisão e pela prática de um crime de violação de domicílio agravada, p. e p. pelo artº 190º, nos  1 e 3, do Código Penal e pelo art. 4º do Dec.-Lei n.º 401/82, de 23.09, com referência ao artº 73º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, pela qual foi condenado na pena de nove meses de prisão.
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Interpôs o arguido o presente recurso concluindo:
A) O douto Acordão sentença do Tribunal a quo que condenou o arguido 2 anos e 3 meses de prisão efectiva, mas salvo o devido respeito, não se fez prova que o autor dos factos que constam do libelo acusatório foram praticados pelo arguido.
B) Inexiste prova pericial que ligue o arguido aos factos que constam da acusação.
C) Pois, na faca apreendida e submetida a exame pericial de fls 65 e 66 dos autos, não foram encontradas impressões digitais que liguem o arguido aos factos, apesar de a testemunha/ofendido, ter dito que o arguido pegou na respectiva faca.
D) Os vasos que supostamente o arguido teria pegado e partido na cabeça do ofendido, estranhamente não foram alvo de relatório pericial para detecção de impressões digitais.
E) Existe apenas a versão do ofendido em contraposição à do arguido, que nega os factos, e declarou em Tribunal que conhece apenas de vista o ofendido por terem frequentado a mesma associação, que no dia dos factos esteve numa festa de anos em ......., em casa da sua amiga e ex-namorada BB e que por volta das 23h adormeceu bêbado.
F) O arguido também informou o Tribunal a quo que desconhecia onde morava o ofendido CC, pois nunca esteve em casa dele, e só teve conhecimento da morada do ofendido quando leu a acusação.
G) O arguido no pouco tempo que esteve na associação ......., informou que estava pouco tempo na associação pois trabalhava, facto que foi confirmado pela testemunha CC, que referiu que o arguido trabalhava na ........
H) O arguido, teve menos de 1 mês na associação ........, de 08-06-2018 a 02-07-2018, de acordo com informação carreada como prova documental para o processo e que se encontra a fls 24 a 27, ao contrário do que foi dito pela testemunha CC, que disse que o arguido esteve meses na associação, o arguido referiu que só regressava à noite à associação para se lavar após o trabalho, logo como havia tempo para estabelecer amizade com o ofendido, que ainda por cima nada tinha em comum com o mesmo, pois havia um hiato geracional enorme, arguido tinha 19 anos e ofendido 67 anos.
I) A testemunha CC, apesar de afirmar que era amigo do arguido e de que não tiveram incompatibilidades, referiu que ao ver o arguido à sua porta, através dos vidros, não lhe abriu a porta de sua residência e pediu ao seu irmão que chamasse a polícia.
J) O que não faz qualquer sentido de acordo com as regras da experiência comum, e da lógica, pois ninguém ao ver um amigo à sua porta teria tal reacção.
K) Foram várias a discrepâncias e contradições do depoimento da testemunha CC, e se tivermos em conta o auto de notícia de fls 3 a 5, e apesar de o mesmo ficar sujeito à livre apreciação do julgador, não é menos verdade, que é no mínimo estranho que o ofendido venha em audiência de julgamento, dar uma versão diferente dos factos relatados no auto de notícia, pois se aconteceram daquela forma os factos, a versão devia ser só uma.
L) Salvo melhor opinião, tendo em conta que o ofendido, relata uma versão dos factos no auto de notícia, o auto de notícia faz fé em juízo da respectiva diligência de prova, e por tratar-se de um documento intra-processual, está sujeito à livre apreciação do julgador, aquando interpelado pelo agente policial autuante, e depois em julgamento dá uma versão diferente dos factos supostamente ocorridos, em que observa diferenças relevantes, ora é consentâneo com as regras da experiência comum e da lógica, que quando as versões variam ao longo do processo penal, é porque a pessoa que as presta não está a falar verdade, pois a sua versão dos factos devia ser só uma.
M) Só o facto de a testemunha vir dizer que não abriu a porta ao arguido quando o viu e pediu seu irmão para chamar a polícia não é de todo coerente como seu depoimento e com as regras da experiência e da lógica, quando disse ao logo seu depoimento que era amigo do arguido e que não teve nenhuma incompatibilidade ou problemas com o mesmo.
N) Para depois acrescentar, como que para fazer sentido do não ter aberto a porta que, não abriu por o mesmo ter levado antes dos factos a pensão de seu irmão, situação que não presenciou, mas que não confrontou o arguido com isso, e nada fez, nem quem queixa fez, também contraria essa atuação as regras do bom senso, da experiência e da lógica, porque não foi feita queixa crime se sabia que era o autor dos factos? Não faz qualquer sentido.
O) Pelo acima exposto, não considera o recorrente que o depoimento da testemunha CC, tenha sido coerente, plausível e convincente, tendo em conta os aspectos já acima explanados, e muito menos suficiente para condenar o arguido como autor dos factos por que foi condenado, deixando o mesmo dúvidas sobre o que realmente aconteceu, dado que, foram feitas afirmações que foram incoerentes, e contrárias às regras da experiência e da lógica e em contradição com outros elementos constantes da prova documental, como o auto de notícia e até relatório médico, que não refere nenhum contusão ou traumatismo na área da cabeça, já que o mesmo afirmou que o arguido só o agrediu na cabeça com 2 vasos que se partiram, ora isso implica, como qualquer pessoa sabe, força de forma a partir 2 vasos na cabeça de alguém, pelo que devia ter deixado mais do que apenas cortes no couro cabeludo, como refere o relatório médico de fls 76 a 78.
P) Pelo que, o arguido deve ser absolvido dos 2 crimes pelos quais foi condenado.
Q) Se esse não for o entendimento do Tribunal, o que não se concede, mas que se equaciona apenas por questões de mero patrocínio, o ora recorrente vem impugnar a pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva aplicada, por se considerar excessiva, e desproporcional à culpa do agente.
R) O Tribunal a quo, ao não optar pela suspensão da execução da pena de 2 anos e 3 meses de prisão em que condenou o arguido violou o disposto no artigo 50.º n.º 1 do CP.
S) Pois considera-se que está preenchido não só o pressuposto formal plasmado no artigo 50.º n.º 1 do CP, mas também o pressuposto material, encontra-se preenchido, do art. 50º, nº 1 do CP, pois,
T) É possível formular, relativamente ao arguido, um juízo de prognose favorável, de reconhecer a capacidade do mesmo para não cometer novos crimes, encontrando-se assim preenchido o requisito basilar que permite a suspensão da execução da pena de prisão.
U) É possível afirmar a capacidade do arguido/recorrente sentir a ameaça a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação semelhante e a capacidade de vencer a vontade de delinquir.
V) O arguido não tem averbado no seu CRC antecedentes criminais por crime de roubo nem por crime de violação de Domicílio.
W) Os únicos 2 crimes cometidos posteriormente aos factos dos presentes autos, que constam do seu CRC são ilícitos criminais de natureza diferentes dos crimes porque foi condenado (crime de furto e de tráfico de estupefaciente de menor gravidade).
X) À data dos factos do caso em apreço era primário e tinha apenas 19 anos de idade.
Y) Os bens roubados eram de valor diminuto.
Z) As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º, n.º 1 do Código Penal, resultando dos seus termos que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
AA) O Tribunal a quo, refere como factores que atenuam as exigências de prevenção especial, no seu douto Acórdão a fls 25, no seu parágrafo 3º, exactamente os factores de o arguido ser primário à data dos factos em apreço nos presentes autos, e a natureza dos ilícitos criminais que este praticou posteriormente não é coincidente com a dos crimes aqui em apreço, pelo que se mostram atenuadas as exigências de prevenção especial. E em consequência,
BB) Aplica ao arguido o Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes, atenuando-lhe especialmente a pena, com base nos factores acima referidos.
CC) Pois ainda era possível fazer um juízo de prognose positivo, ou seja, que não existiam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção.
DD) Se assim é, também deveria o Tribunal a quo, fazer um juízo de prognose favorável ao arguido aquando da decisão de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, com base nos mesmos factores.
EE) As exigências de prevenção especial não são elevadas, podendo ainda ser feito um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, de que não vai reincidir no cometimento deste tipo de crime ou de qualquer outro tipo de ilícito.
FF) Assim a pena aplicada é demasiado onerosa para o recorrente, e em nada beneficia a sua ressocialização e integração no seio da comunidade
GG) A efetividade desta pena irá trazer-lhe um risco de corte no esforço reintegrativo, pois estava a viver com sua namorada numa casa.
HH) É amplamente conhecido o efeito criminógeno particularmente activo nas penas de privação da liberdade de curta duração.
II) Concluímos que se realizam de forma adequada as finalidades da punição, via punição com pena não privativa da liberdade, pelo que, o tribunal deve dar preferência a esta solução.
JJ) Assim da leitura conjunta dos art. 50º e 70º ambos do C.P., tendo em conta um juízo de proporcionalidade, o Tribunal a quo devia ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão, ainda que tivesse exigido regime de prova ou a imposição de regras ou condutas.
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A Digna Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância pugnou fosse negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida, concluindo:
- Lendo-se globalmente o texto do acórdão impugnado, afigura-se-nos que os factos nele dados como provados são suficientes, correspondem ao alegado pelo MºPº, pela defesa e ao resultado da discussão da causa e não enfermam de obscuridade, contradição ou deficiência.
- A fundamentação do acórdão “sub judicio” cumpre exemplarmente os respectivos requisitos legais, ali se encontrando muito bem explicitado e explicado o processo de formação da convicção do Tribunal e o exame crítico das provas que o alicerçou, nomeadamente o raciocínio lógico-dedutivo seguido e o porquê, a medida e a extensão da credibilidade que mereceram (ou não mereceram) os depoimentos prestados em audiência.
- Fundamentação que, de resto, se acha também muito bem alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se perfilando a violação de qualquer regra da lógica ou ensinamento da experiência comum.
- A pena imposta no douto acórdão recorrido mostra-se justa e adequada aos factos, à medida da culpa do arguido às circunstâncias, processuais e pessoais fixadas e correctamente valoradas no mesmo;
- Da análise do douto acórdão impugnado verifica-se que todas as operações lógicas de determinação da medida da pena foram não só respeitadas como devidamente explicadas e fundamentadas, tendo sido ponderados todos os factores susceptíveis de, in casu, determinar quais as concretas necessidades de prevenção que se fazem sentir e a culpa manifestada nos actos pelo agente.
- Sendo elevada a medida da culpa e as exigências de prevenção geral e especial, a pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva não excede a medida da culpa nem a medida necessária à satisfação das finalidades da punição, não merecendo por isso, em nosso entender, qualquer censura.
- a decisão recorrida não violou, pois, qualquer norma legal ou constitucional.”
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Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Dispensados os vistos, foram os autos à conferência.
Fundamentação.
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O acórdão recorrido estabeleceu os seguintes factos provados:
1.No dia 16.04.2019, cerca das 23h40, o arguido dirigiu-se ao imóvel localizado no Largo............, em ........., onde sabia que residiam CC e DD, com o propósito de se apoderar de bens e valores que ali encontrasse.
2.Com a porta da residência fechada apenas no trinco, o arguido desferiu na mesma um pontapé, quebrando-a na zona da fechadura.
3.Na sequência do pontapé desferido pelo arguido na porta da residência, a mesma abriu e, de seguida, aquele acedeu ao interior do local.
4.No interior da residência, o arguido empurrou CC contra um televisor e desferiu-lhe duas bofetadas.
5.De seguida, o arguido dirigiu-se à cozinha da habitação e muniu-se de duas facas, uma delas da marca “….”, com cerca de 32cm, sendo 20cm de lâmina.
6.O arguido pousou as referidas facas e verificou o interior de uma mala que se encontrava no interior da residência.
7.Enquanto tal sucedia, CC pegou na referida faca da marca “….”, altura em que o arguido tentou retirar-lha da mão, na sequência do que o primeiro sofreu cortes na mão que segurava a faca e caiu ao chão.
8.Quando CC se encontrava caído no chão, o arguido pegou em dois vazos de flores e, com os mesmos, desferiu pancadas na cabeça daquele.
9.Após, o arguido dirigiu-se ao quarto de CC e daí retirou um telemóvel de marca ….. e um tablet de marca ……, cada um com o valor de €50,00.
10.  Na posse destes objetos, que fez seus e integrou no seu património, o arguido abandonou a habitação.
11. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido, CC sofreu: dor; duas feridas incisas na mão esquerda, na base do polegar e no 5.º dedo; três feridas incisas no couro cabeludo, occipitais superiores; uma ferida abrasiva no couro cabeludo, occipital inferior; contusão malar e periorbitária esquerda; edema do nariz.
12. Estas lesões determinaram para CC um período de doença de 35 dias, sendo 15 dias com afectação da capacidade de trabalho geral.
13. Como consequências permanentes das referidas lesões, resultaram para CC:
- No crânio: cicatriz hipocrómica com marcas dos pontos de sutura, linear e transversal, na região parietal esquerda, medindo 2cm de comprimento; cicatriz hipocrómica com marcas dos pontos de sutura, paramediana, na região fronto-parietal direita, medindo 3cm de comprimento (depois de rectificada); cicatriz hipocrómica, linear e paramediana, na região parietal direita, medindo 1cm de comprimento; cicatriz hipocrómica, em forma de “V” de abertura direita, na região occipital superior, medindo 2cm de comprimento (depois de rectificada);
- No membro superior esquerdo: cicatriz hipocrómica, em “L” (de maior ramo transversal), na face palmar da falange média do 1.º dedo, medindo o maior ramo 1cm de comprimento e o menor ramo 0,5cm de comprimento; cicatriz hipocrómica, sensivelmente transversal, na região da 1.ª articulação interfalângica da face palmar do 5.º dedo, medindo 0,5cm de comprimento;
- Status pós-fractura dos ossos próprios do nariz.
14. O arguido tinha conhecimento dos factos acima descritos e, ainda assim, quis agir pela forma mencionada, com o intuito de fazer seus os referidos bens, sabendo que actuava contra a vontade do dono dos mesmos, bem como que não tinha autorização para aceder ao interior da aludida habitação.
15. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional do arguido, apurou-se que:
16. O arguido nasceu em .........., onde à data a família residia temporariamente;
17. Até aos oito anos de idade, o arguido viveu com os pais na ........
18. O início de vida do arguido foi marcado por vivências emocionais intensas, no seio de uma família disfuncional.
19. O arguido é o mais velho de dois irmãos germanos e tem três irmãos uterinos, dois mais velhos e uma irmã mais nova.
20. O arguido não mantém relacionamento de proximidade com os irmãos uterinos, que vivem com os respetivos progenitores, e presentemente o irmão germano encontra-se institucionalizado.
21. Os pais do arguido separaram-se quando este tinha oito anos de idade, tendo o mesmo passado a viver com a mãe e com um irmão em casa dos avós maternos, em ........, onde se mantiveram durante um ano.
22. Depois, mudaram residência para .............., e integraram o agregado familiar de um tio materno.
23. Posteriormente, a mãe do arguido encetou novo relacionamento afectivo, que ainda mantém, e mudou residência para ............
24. Depois da separação dos seus progenitores, o arguido apenas manteve contactos esporádicos com o pai.
25. O arguido mantém um relacionamento pouco positivo com a progenitora, que não se constituiu como uma figura de referência afectiva.
26. O arguido frequentou o ensino básico na escola primária da ........., onde concluiu o 2.º ano de escolaridade, e seguidamente integrou a escola em ..........., onde concluiu o 2.º ciclo.
27. Desde cedo, o arguido começou a apresentar absentismo escolar, instabilidade comportamental e comportamentos aditivos, que determinaram a intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.
28. Com 15 anos de idade, o arguido manteve contactos com o sistema da justiça tutelar educativa e, neste contexto foi encaminhado para acolhimento institucional, situação em que se manteve até aos 18 anos de idade.
29. Em contexto institucional, o arguido frequentou um curso de ….., que lhe daria equivalência ao 9.º ano de escolaridade, mas não o concluiu.
30. Durante o período em que permaneceu institucionalizado, o arguido protagonizou várias fugas, ficando, por vezes, em casa de amigos, ou na situação de sem-abrigo.
31. Quando abandonou o Centro Educativo, o arguido encontrava-se sem enquadramento habitacional ou familiar, tendo sido encaminhado para a associação “........”, mas, por ter apresentado dificuldade em acatar as normas da associação, abandonou a mesma e passou a vivir na situação de sem-abrigo, pernoitando em casas abandonadas, ou em casa de amigos, na zona de ........
32. Antes de se encontrar na actual situação de prisão à ordem de outro processo, o arguido não mantinha qualquer actividade estruturada.
33. O arguido consumia haxixe e, em contexto prisional, tem-se mantido abstinente.
34. No estabelecimento prisional, o arguido tem revelado dificuldades em manter um comportamento consentâneo com as normas e regras institucionais, tendo sofrido uma sanção disciplinar por agressão a outro recluso.
35. Em meio prisional, por apresentar uma postura de instabilidade emocional, mantém acompanhamento psicológico, mas não reconhece a necessidade de fazer qualquer tipo de medicação.
36. No Estabelecimento Prisional de ….., o arguido ainda não teve visitas, mas mantém contactos telefónicos esporádicos com a mãe, que não se mostra disponível para no futuro o receber ou apoiar.
37. No relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social relativo à inserção familiar e sócio-profissional do arguido, conclui-se que:
- O início de vida do arguido parece ter decorrido num ambiente familiar hostil, com exposição a situações de violência doméstica, o que levou à separação dos progenitores e à integração do agregado familiar da avó materna.
- Desde cedo começou a manifestar problemas comportamentais e desviantes e a consumir estupefacientes, o que terá contribuído para que tivesse contactos com o sistema de justiça juvenil (tutelar educativo) e consequente encaminhamento para instituições de acolhimento.
- Apresenta um percurso escolar pouco expressivo e ausência de hábitos laborais.
- Com anterior contacto com o sistema de justiça penal, dificuldades no processo de mudança, parece ter adoptado um estilo de vida desregrado e uma postura pouco favorável às convenções sociais.
- Em meio prisional tem mantido um comportamento nem sempre consentâneo com as normas e regras institucionais.
- As vulnerabilidades pessoais associadas à ausência de apoio familiar sugerem um prognóstico reservado quanto ao futuro do arguido. Assim, caso seja condenado, qualquer que seja a decisão que vier a ser proferida, AA evidencia, manifestamente, uma necessidade de intervenção terapêutica ao nível psicológico/psiquiátrico, especialmente dirigido ao controlo dos impulsos e à problemática aditiva.
38. Por sentença proferida em 05.07.2019 no processo comum singular com o n.º 166/18….. do Juízo Local Criminal de ........, transitada em julgado em 30.09.2019, o arguido foi condenado pela prática em 05.09.2018 de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), com referência ao art. 21.º n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/9, de 22.01, e à Tabela I-C a este anexa, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
39. Por sentença proferida em 09.12.2019 no processo abreviado com o n.º 270/19…… do Juízo Local de Pequena Criminalidade de ........, transitada em julgado em 03.07.2020, o arguido foi condenado pela prática em 20.02.2019 de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do Código Penal, em pena de multa.
40. Na sequência das lesões acima descritas sofridas por CC, o demandante prestou-lhe assistência hospitalar, que importou no montante de €289,77 (duzentos e oitenta e nove euros e setenta e sete cêntimos).
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E os seguintes factos não provados:
a) No local descrito no ponto 1, o arguido intitulou-se polícia, bateu à porta e pediu que a mesma lhe fosse aberta.
b) CC abriu a porta da sua residência convencido de que de um polícia se tratava e, quando verificou tratar-se do arguido, decidiu fechá-la.
c) Para evitar que a porta se fechasse, o arguido desferiu na mesma um pontapé.
d) Depois de empurrar CC, o arguido desferiu inúmeros socos e pontapés em várias partes do corpo daquele.
e) Com uma das facas referidas no ponto 5, o arguido desferiu inúmeros golpes na cabeça, no ombro esquerdo, nas mãos e nas costas de CC.
f) No exterior da residência a que se alude no ponto 1., o arguido, visando garantir a fuga do local, desferiu um empurrão em DD, que fez cair este.
g) As lesões sofridas por CC determinaram para este um período de 15 dias com afectação da capacidade de trabalho profissional.
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Motivou o tribunal recorrido a sua decisão sobre a factualidade apurada ou não, pela seguinte forma:
Nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido negou ter praticado a factualidade descrita na acusação pública, acrescentando que no dia 16.04.2019 esteve presente na festa de anos de uma amiga, bem como que cerca das 22h00/23h00 daquele dia “estava a dormir, bêbado”. De acordo com o afirmado pelo arguido, a referida amiga chama‑se BB, sendo uma sua ex-namorada, a festa ocorreu em .... e desconhece o número de telefone da mesma, estando o seu telefone, onde o número está gravado, apreendido à ordem de outro processo. O arguido não explicitou se diligenciou junto desse outro processo pelo acesso ao aludido número de telefone, nem identificou tal processo, sendo que, de todo o modo, em face da credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha CC, o tribunal não considerou necessária para a descoberta da verdade material a realização de qualquer diligência tendo em vista a localização da suposta “BB”.
Ainda de acordo com o afirmado pelo arguido, frequentou a associação “......”, sendo desse local que conhece a testemunha CC, mas somente “de vista”. Por fim, o arguido referiu que nunca teve qualquer problema com a testemunha CC.
Por seu turno, a testemunha CC, de forma ponderada e convincente, descreveu o comportamento do arguido na data, hora e local referidos no libelo acusatório. A testemunha começou por afirmar que frequentou a associação “.......” entre 2017 e 2019 e que foi nesse local que travou conhecimento com o arguido que, segundo CC, frequentou a associação durante alguns meses. Ainda de acordo com o afirmado pela testemunha CC, no período em que este e o arguido frequentaram a referida associação nunca houve entre ambos qualquer problema, acrescentando que “eram amigos” e que, inclusive, levou o arguido a sua casa, onde este chegou a pernoitar.
Quanto aos factos em causa nos autos, a testemunha CC referiu que na noite em apreço, tal como o irmão que consigo vivia, DD, “já estava na cama”. Afirmou também a testemunha que bateram à porta da residência, tendo constatado que se tratava do arguido e, porque o seu irmão lhe havia afirmado que aquele “lhe levou a pensão”, ficou desconfiado e não abriu a porta. De seguida, a testemunha CC afirmou que a aludida porta estava no trinco e que o arguido desferiu na mesma um pontapé, que levou a que a mesma quebrasse “onde o trinco funciona”. Após, a testemunha CC descreveu pormenorizadamente, e de forma plausível, a conduta que o arguido assumiu relativamente a si, concretamente, nos moldes acima elencados na factualidade provada.
O depoimento da testemunha CC não mereceu ao tribunal qualquer reserva, tendo aquele, inclusive, tido o cuidado de esclarecer que, ao contrário do afirmado na acusação pública, o arguido não lhe desferiu murros ou pontapés nem, com uma faca, lhe desferiu golpes na cabeça, no ombro esquerdo, nas mãos e nas costas, sendo que, acrescentou, cortou-se na faca que veio a ser apreendida, que o arguido havia pousado, quando pegou em tal faca e o arguido tentou retirar-lha da mão. Assim, o depoimento da testemunha CC revelou-se isento e objectivo, sem que, em face da forma como o mesmo foi prestado, seja possível supor que aquele pretende incriminar o arguido sem fundamento. Acresce que tal depoimento, que em si mesmo considerado é verosímil, mostra-se ainda corroborado pela prova documental respeitante às lesões que a testemunha CC apresentava em 17.04.2019, pela 01:04:55 (cf. fls. 77).
Tal como acima se referiu, na sequência da comunicação ao arguido da mencionada alteração dos factos descritos na acusação pública, o mesmo alegou que o depoimento da testemunha CC não merece credibilidade, na medida em que, conforme defende, ao longo do processo apresentou várias versões do sucedido, acrescentando factos cada vez que fazia uma intervenção no inquérito, ou até mesmo na fase de julgamento (fls. 324 a 328). No entanto, se por um lado convoca o depoimento anteriormente prestado pela testemunha CC, o arguido não deu o seu acordo à leitura desse mesmo depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento, requerida pelo Ministério Público, e que, portanto, atento o disposto no art. 356.º, n.os 2, al. b), e 5, do Código de Processo Penal, não teve lugar.
Em suma, o depoimento prestado pela testemunha CC em sede de audiência de discussão e julgamento, atenta a forma credível, convincente e espontânea como foi prestado, não mereceu ao tribunal qualquer reserva e, conforme se deixou expresso, com base no mesmo, considerou-se estar provado o comportamento do arguido que acima se descreveu, bem como a intenção que presidiu a tal actuação. Cumpre somente esclarecer que embora, tal como se deixou expresso, ainda na fase de inquérito a defensora do arguido tenha invocado a ilegalidade do reconhecimento pessoal a que o arguido foi sujeito, alegando para tanto que não foram cumpridos os requisitos exigidos pelo n.º 2 do art. 147.º do Código de Processo Penal, nomeadamente por não terem sido colocadas duas pessoas na linha juntamente com aquele que com o mesmo tivessem as maiores semelhanças possíveis (fls. 161 a 163), o conhecimento desta questão mostra-se prejudicado. Na verdade, a testemunha CC afirmou que já conhecia o arguido desde momento anterior à ocorrência dos factos em apreço nos autos, por terem frequentado a mesma associação, o que, de resto, foi confirmado pelo arguido. Nesta medida, qualquer questão que pudesse suscitar-se sobre a validade do reconhecimento presencial a que se reporta o auto de fls. 161 a 163 sempre estaria ultrapassada pela forma peremptória como a testemunha CC identificou o arguido como sendo o autor dos factos que descreveu.
No que concerne ao valor dos bens pertença da testemunha CC que o arguido levou consigo, de acordo com aquele havia adquirido o telemóvel e o tablet em 2.ª mão havia cerca de um ano, tendo pago pelo primeiro €80,00 e pelo segundo €60,00. Assim, atento este depoimento, em face da natureza dos objectos em questão e do decurso do tempo em que a testemunha CC os teve em seu poder, e tendo ainda presentes as regras da experiência comum, entendeu o tribunal que se mostra verosímil o valor de cada um de tais objectos referido na acusação pública (€50,00).
Quanto às lesões sofridas pela testemunha CC em consequência da actuação do arguido, bem como às consequências que das mesmas resultaram para aquele, o tribunal atendeu ainda ao teor do documento de fls. 77 e do relatório de exame pericial de fls. 211 a 214.
Por seu turno, no que tange à factualidade que não se considerou estar provada, para além do que a respeito dos factos descritos na acusação pública foi expressamente contrariado pelo depoimento da testemunha CC, teve-se ainda em atenção que, relativamente ao comportamento que foi imputado ao arguido como tendo incidido sobre DD, o depoimento daquela testemunha não revelou a segurança que havia sido manifestada na descrição do comportamento que o arguido assumiu relativamente ao próprio. E compreende-se que assim seja, pois de acordo com o próprio depoimento prestado pela testemunha CC, qualquer actuação do arguido relativamente a DD teria tido lugar depois de o arguido ter pegado em dois vazos de flores e de, com os mesmos, ter desferido pancadas na cabeça daquele. Ou seja, a percepção que a testemunha CC teve dos acontecimentos que o visaram não foi, necessariamente, desde logo em face do estado de saúde em que se encontrava, aquela que teve relativamente a qualquer comportamento do arguido que visasse o seu irmão. Assim, na falta de outro meio de prova para além do documento de fls. 82, o tribunal deu como não provado o comportamento que, de acordo com a acusação pública, o arguido assumiu relativamente a DD.
As condições pessoais e a situação económica do arguido provaram-se com base na conjugação das declarações prestadas pelo mesmo em sede de audiência de discussão e julgamento com o teor do relatório social de fls. 288 a 291
A prova dos antecedentes criminais do arguido assentou no teor do certificado do registo criminal constante de fls. 259 a 261.
Por fim, para prova da factualidade respeitante ao pedido de indemnização civil, nomeadamente do montante em que importou a assistência hospitalar prestada a CC , atendeu-se ao documento de fls. 246.
Cumpre apreciar.
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
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Perante as conclusões apresentadas são questões a decidir:
Erro de julgamento;
Medida da pena única;
Suspensão da execução da pena.
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Erro de julgamento.
A principal crítica dirigida à apreciação da prova feita pelo tribunal colectivo prende-se com a circunstância daquela ser constituída, essencialmente, pelas declarações do arguido e da vítima, tendo prevalecido a versão desta, a qual apresenta discrepâncias quando comparada com declarações previamente prestadas no processo, desde logo as que constam do auto de notícia, ao que acresce violação de regras de experiência comum na avaliação do mesmo testemunho.
Percorrida tal prova, com os limitados meios que temos neste momento ao dispôr, meras gravações daquelas declarações, sem qualquer tipo de imediação, de oralidade reduzida e não filtrada por poder de atalhar ou emendar inúmeras perguntas ardilosas ou sugestivas, aptas a tornar imprestável, em maior ou menos medida, parte do que de outra forma se poderia aproveitar, não se vislumbra, de todo, qualquer desacerto na leitura objectiva que delas fez o tribunal.
Ou seja, correspondem ao que o colectivo lavrou.
Temos então, em boas contas, situação de contradição entre a versão da testemunha e a do arguido, de resto, tal como sustenta a defesa deste.
Ora, apenas séria discrepância entre o que motivou o tribunal de 1ª instância e aquilo que resulta da prova por declarações prestada, no seu todo e à luz de regras de experiência comum, pode ser de molde a inverter aquela factualidade, impondo, nas palavras da lei, outra decisão, o que, de todo, não se verifica, como se deixou acima esclarecido e se pode verificar através da audição das gravações das declarações prestadas em audiência.
Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não equivale a um segundo julgamento, pois é apenas uma possibilidade de remédio para apreciação em que claramente se haja errado, em face do que é possível apreciar e na correspondente fase.
As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanas.
Nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento. De resto, tal como em relação à prova em geral, especialmente no que toca à prova por declarações e muito particularmente depois a todo o seu caldeamento com a generalidade do material probatório recolhido.
Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade.
Matéria tão importante quanto impossível de captar para futura reprodução.
Só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século.
 Não por acaso, a antecedente prova escrita (a velha assentada) foi obliterada do processo português, precisamente porque, eliminando o material supramencionado, facilmente permitia a afirmação judicial de inverdades e justamente na fase de recurso.
Paralelamente, é essa a razão de ser das apertadas e exíguas possibilidades de recurso sobre a matéria de facto. Maior abertura à sua restrição aumentaria, na exacta proporção, aí sim, a hipótese de erro judiciário.
Tudo para concluir ser de primordial importância saber-se que na concreta fixação da verdade do caso influem elementos determinantes que escapam por natureza a apreciação posterior.
Neste sentido, Ac RL de 11.3.2021 procº 179/19.8JDLSB.L1-9:
“Os Tribunais da Relação têm poderes de intromissão em aspectos fácticos (art.ºs 428º e 431º/b) do CPP), mas não podem sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto;
Normalmente, esses erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar;
Quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes.”
Como este caso constitui exemplo acabado.
A defesa pretende ainda e em recurso, fazer valer prova cuja produção lhe foi, exemplarmente, vedada na audiência.
Tendo-se oposto ao confronto daquela testemunha decisiva com declarações pela mesma prestadas em inquérito, já tencionava (e tenciona) que depois houvesse acareação com o teor do auto de notícia.
Ora, a faculdade de que legalmente se valeu, impede o que pretende, pois válida é apenas a prova produzida em audiência, não sendo, de todo, possível fazer aqui comparação de assentadas, como forma de esclarecer a verdade dos factos.
Teríamos, pois, a assentada trazida no recurso, em confronto com a efectuada no auto de notícia, uma espécie de regresso aos depoimentos escritos, também eles erradicados, há bem menos tempo, mas pelos mesmos motivos.
No que respeita à pretensa infracção às regras de experiência comum, radica a mesma na circunstância da vítima afirmar não ter aberto a porta ao arguido na altura dos factos sujeitos a julgamento, depois de afirmar que era seu amigo.
Mas, salvo o devido respeito, erro crasso de julgamento seria tal considerar como desconformidade, depois da vítima esclarecer que não abriu a porta, pois o seu irmão tê-la-á informado que o arguido lhe havia “levado a pensão”.
Estranha seria, isso sim, outra atitude.
Ou seja, a versão da vítima, ademais acompanhada por outros meios de prova (a começar pela documentação médica) mereceu o crédito do colectivo que o motivou de forma objectiva, clara e sem qualquer nota dissonante, inexistindo qualquer prova que sequer aponte qualquer possibilidade de alteração, muito menos que a imponha.
Improcede, pois, o recurso, nesta parte.
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Medida da pena única.
Nos termos dos artos 77º e 78º do Código Penal os crimes pelos quais foi o arguido condenado encontram-se em relação de concurso, tal como bem decidido pelo tribunal colectivo, pelo que procedeu ao cúmulo das respectivas penas.
O limite máximo da pena única aplicável é de 2 anos e 9 meses de prisão.
O limite mínimo é o de 2 anos de prisão.
“Como se refere no Ac. STJ de de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I - A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente - exigências de prevenção especial de socialização”.
De outro lado, “a proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no âmbito do ordenamento punitivo.”
Isto após recordar que:
“No ensinamento de Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87 - na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral. Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial”. (Ac. STJ de 9.6.2021, procº 1606/19.0PBFAR.E1.S1).
“Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, [1] «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena [do concurso], serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- 2ª parte]. (…)
Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16, em que foi relator o Conselheiro Santos Cabral, [2] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:
«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”
Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível, mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.
Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânica e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».
No mesmo sentido o AC do STJ de 12FEV14, em que foi relator o Conselheiro Pires da Graça, [3] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:
«O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adotando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.
Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspetiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.
Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.
Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstrato, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade».
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. nº 3177/07.
Como supra se referiu. o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.
Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04».
“Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.
À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e segs. (Ac. STJ de 23.6.2021, procº 3/19.1GBLSA.S1).”
Atendendo à globalidade dos factos provados e à personalidade do arguido revelada por aqueles, mostra-se inteiramente justa, por adequada e proporcional, a pena única encontrada pelo tribunal recorrido, pelas consideração expandidas na correspondente decisão e que aqui fazemos nossas, “o ilícito global apresenta-se com uma gravidade acima da média, havendo a este propósito que realçar a conjugação de a elevada violência do arguido relativamente a CC ter sido exercida no interior do domicílio deste.
Relativamente à personalidade do arguido, em desfavor do mesmo, há que atentar na circunstância de não estar familiar nem profissionalmente inserido, bem como no facto de ter antecedentes criminais, sendo que, tal como se conclui no relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social relativo à inserção familiar e sócio-profissional daquele, as vulnerabilidades pessoais associadas à ausência de apoio familiar sugerem um prognóstico reservado quanto ao futuro do arguido.
Analisando globalmente a conduta do arguido, verifica-se que há especiais necessidades de prevenção geral. Tendo em conta que a culpa do arguido manifestada no facto se situa acima do nível médio das necessidades de prevenção geral e que existem especiais razões de prevenção especial, assentes nas características pessoais do mesmo e nos respectivos antecedentes criminais (...)”.
Improcede, também aqui, o recurso.
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Suspensão da execução da pena.
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
Subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que o mesmo não cometerá futuros crimes. Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331), sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
O Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 344), acrescenta ainda que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade, que ilumina o instituto em análise”
Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida.
Motivou o tribunal colectivo a correspondente decisão pela seguinte forma:
“No caso dos autos, importa ter presente a natureza dos crimes praticados pelo arguido, nomeadamente do crime de roubo, sendo prementes as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, a que acrescem, pelas razões já expostas, as exigências de prevenção especial que se verificam, o que leva a que o tribunal considere que a simples ameaça da prisão não permite fazer supor que o arguido repensará a prática de novos ilícitos criminais, sendo que a comunidade não suporta que o mesmo não cumpra uma pena de prisão efectiva. Na verdade, para além de não se mostrar familiarmente inserido, antes de estar preso à ordem de outro processo o arguido não tinha profissão certa e após a prática dos dois crimes em apreço nestes autos cometeu mais dois ilícitos criminais.”
Realidade insofismável e incontornável.
Acresce ainda e no mesmo sentido, a postura do arguido perante os factos que cometeu.
Não os reconheceu e negou a sua prática, sinal inequívoco de falta de arrependimento e de repetição se para tanto lhe apresentar motivo, na sua maneira de ver e estar actual.
Nestas circunstâncias, o voto de confiança da comunidade (assim, extraordinariamente melindroso) não pode ser concedido pelo tribunal, com o elevado respeito pela opinião adversa.
Nem se diga que existe qualquer tipo de desacerto entre esta conclusão e a que aplicou ao arguido a atenuação especial da pena, atendendo à sua idade, à data da prática dos crimes.
Aqui, perante a idade do agente, perspectiva-se a evolução futura deste, logo sem esquecer que a ressocialização é um dos fins das penas, todas, portanto, inclusivamente e como não pode deixar de ser, a de prisão.
Só grave motivo, revelado pela factualidade apurada, será apto a afastar aquele regime especial, o que no caso e pelas razões adiantadas pelo tribunal recorrido, não se verifica, ao menos com grau de intensidade que viesse a ser considerado intolerável perante a sempre presente necessidade de ressocialização.
O que o recorrente busca, em boas contas, é aproveitar as considerações tecidas nesta sede particular, como forma de extrapolar para toda a arquitectura no estabelecimento da escolha, medida e formas de execução das penas.
Ora, cada instituto tem os seus fins e regime próprios e ainda que se possam tocar na apreciação e confluir para o mesmo fim, não se confundem.
Nada impõe por isso que considerações sobre a vantagem da atenuação para a ressocialização futura do jovem impliquem a suspensão de pena de prisão, logo que quanto a esta seja inviável um juízo de prognose mais imediato.
Acresce que é legalmente insustentável a petição de princípio de que arranca a correspondente pretensão, ainda assim, muito longe de ser minoritária.
Subordina-se à preocupação de evitar o cunho criminógeno da prisão. Mas, salvo o devido respeito, trata-se simplesmente de dogma tido por indiscutível e ainda que corresponda a alegação contra lei expressa, já que o segundo fim das penas, onde pontifica a de prisão, é o de ressocialização do agente.
E por outro lado está indemonstrado, a julgar pelos poucos casos de condenações por reincidência, a que acresce a circunstância de não ser avassaladora a expressão dos cidadãos que voltam à prisão, em comparação com os que cumpriram a respectiva pena.
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Consequentemente, improcede o recurso.
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Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC.
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Lisboa, 26 de Outubro de 2021
Manuel Advínculo Sequeira
Alda Tomé Casimiro