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DIREITO DE REMIÇÃO
TITULAR DA REMIÇÃO
BENS DA SOCIEDADE
Sumário
I) O instituto jurídico da remição (enquanto ato ou efeito de remir ou resgatar) previsto, nomeadamente, no artigo 842.º e ss. do CPC, não se confunde com o da remissão (ato ou efeito de remetir ou perdoar) que constitui uma causa de extinção das obrigações para além do cumprimento, tal como regulado no artigo 863.º e ss. do CC. II) No artigo 842.º do CPC, a lei prevê a possibilidade de o cônjuge do executado que dele não esteja separado judicialmente de pessoas e bens, bem como os descendentes e ascendentes, haverem para si os bens alienados na venda executiva, mediante o pagamento do maior preço que tenha sido oferecido, recaindo sobre o remidor o ónus de depositar, para exercitar validamente esse direito, a totalidade do preço por que tenha sido feita a adjudicação ou a venda, nos termos e prazos estipulados no artigo 843.º do CPC, acautelando-se, dessa forma, tanto os interesses do exequente como os interesses da família do executado. III) Pela natureza deste direito e pela qualidade de terceiro do interveniente que pretende exercer o direito de remição, tem entendido a doutrina e a jurisprudência que se mostra dispensável a necessidade da notificação do remidor para exercer tal direito, presumindo a lei que o executado dará conhecimento oportuno ao interessado na remição das circunstâncias relevantes para o atempado exercício de tal direito. IV) Mas, deduzida que seja a pretensão de remição, ao remidor deve ser dado a conhecer o sentido da decisão proferida sobre uma tal pretensão, dado que a questão correspondente terá natureza incidental em que o requerente da remição tem manifestamente interesse, para o que, sem dúvida, teria que ser notificado de tal decisão (cfr. artigo 220.º, n.º 2, do CPC), dado que, desde logo, poderia impugná-la ou dela reclamar. V) A nulidade consistente na invocada falta de notificação da decisão da Agente de Execução à remidora, traduz a invocação de nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do CPC, por se tratar de questão de invocado erro de procedimento, como parte de uma sequência processual, não respeitando ao conteúdo do ato, a arguir pelo meio da reclamação (cfr. artigo 196.º do CPC), no prazo de 10 dias (cfr. artigo 149º, nº 1, do CPC), contados a partir do momento em que o arguente intervém em ato processual posterior, ou em que é notificado para ato processual posterior (cfr. artigo 199.º, n.º 1, do CPC). VI) No caso, em 13-07-2020, a remidora reclamou da não admissão do exercício de direito de remição, manifestando a sua discordância com a decisão tomada pela Agente de Execução e concluindo pela revogação da mesma, mas sem ter invocado a nulidade processual decorrente da omissão da notificação da decisão de 03-07-2020, invocação que apenas veio a ter lugar em 16-10-2020, com a alegação do presente recurso e respetiva motivação e conclusões, pelo que é extemporânea a invocação de tal nulidade, dado que, por força do sobredito regime legal e da ausência de reclamação sobre a mesma, a nulidade ocorrida encontrava-se, quando foi invocada, já sanada. VII) O artigo 154.º do CPC impõe ao tribunal o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, fundamentação que não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição da parte (n.º 2), mas nada impede que consista na adesão a outra decisão, em clara economia processual, caso em que não ocorre falta de fundamentação, se se concluir que a decisão apresenta uma percetível argumentação jurídica, ainda que por remissão, tendo sido dito o essencial, com um conteúdo, fundamentos e decisão, perfeitamente inteligíveis. VIII) O exercício do direito de remição não se encontra previsto quanto ao executado, mas sim, relativamente a terceiros. IX) Ainda que, em sentido estrito ou literal, se possa pugnar no sentido de que as pessoas enunciadas no artigo 842.º do CPC - a quem competirá o direito de remição - são todas as que sejam cônjuge, descendentes ou ascendentes de quem seja “executado”, qualquer que seja a sua posição relativamente aos bens a vender, os demais elementos de interpretação, designadamente, os elementos sistemático e teleológico, demandam uma interpretação no sentido de que deve existir uma relação entre a titularidade do direito de remição e o património sobre que incide o objeto do mesmo, sendo que, a razão de ser do instituto demanda que ocorra uma especial relação entre o património a tutelar e o beneficiário/remidor, a qual não derivará da mera qualidade parental ou matrimonial com qualquer executado, mas terá de ter em conta a viabilidade de o remidor proteger, por via do exercício da remição, o património do executado a que se reporta o bem a vender. X) A posição do executado é juridicamente distinta da posição da sociedade executada – a quem pertence o bem objeto de penhora – e esta autonomia patrimonial, não viabiliza que os familiares daquele se possam arrogar titulares de direito de remição sobre bens desta última. XI) A mera expectativa (mais ou menos remota e sempre dependente da liquidação social) de o sócio poder, em caso de liquidação da sociedade, vir a receber bens sociais (cfr. artigos 141.º e ss. e 156.º do Código das Sociedades Comerciais), não determina, nem confere qualquer posição particular ou preferência relativamente ao bem em execução, pertença da sociedade executada. XII) Não se vislumbra ofensa ao princípio fundamental da igualdade – artigo 13.º da CRP – se não ocorre algum tratamento diferenciado ou discriminatório da recorrente relativamente aos demais cidadãos que, na mesma situação e pressupostos factuais, pretendessem exercer a correspondente pretensão. XIII) No artigo 67.º da CRP, o legislador constitucional enuncia uma série de incumbências do Estado para a protecção da família, mas que constituem prestações não vinculadas, só ganhando o preceito um conteúdo positivo através da interposição do legislador, não conferindo um direito imediato a uma prestação efetiva, visto que não é diretamente aplicável nem exequível por si mesmo. XIV) O não reconhecimento à recorrente da titularidade do direito de remição não comporta violação do preceito do artigo 67.º da CRP, porque nele não se assegura o impedimento de toda e qualquer definição que a lei efetue sobre faculdades que os membros da família exerçam. XV) Em conformidade com o previsto no artigo 20.º da CRP, o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efetivação da garantia de acesso aos tribunais, incluindo aqueles que se prendem com a legitimidade, muito embora se encontra vinculado, nessa delimitação, às exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade. Mas, a garantia de acesso aos tribunais não significa que o legislador ordinário esteja vinculado a uma irrestrita admissibilidade, no sentido de que, toda e qualquer pretensão seja tutelada em juízo, independentemente da verificação de determinados requisitos ou pressupostos. XVI) Não se mostra violado o dispositivo constitucional vertido no artigo 20.º da CRP se foram asseguradas à recorrente as condições procedimentais para o exercício da correspondente pretensão, se foi permitido o seu acesso a juízo e a manifestação da correspondente pretensão em Tribunal, tal como lhe foi viabilizado o direito de reclamar e de recorrer e se os pressupostos legalmente prescritos, se afiguram perfeitamente razoáveis, adequados e proporcionais à natureza e à finalidade do instituto da remição.
Texto Integral
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório:
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1. Na execução ordinária, para pagamento de quantia certa, com o n.º 7128/16.3T8LRS (de que os presentes autos são apenso) instaurada por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., identificada nos autos, contra os executados ÁTRIO DE PEDRA – MÁRMORES E GRANITOS, LDA., AM, SS e MM, também identificados nos autos, em 19-12-2017 foi penhorado o prédio misto composto de cultura arvense, oliveiras, macieiras e armazéns de actividade industrial, denominado por Serrada, sito na Rua …, nº …, A-da-Gorda, Santa Maria, União de Freguesias de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa e concelho de Óbidos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº … e na matriz predial rústica sob o art. …, secção … e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob o nº …, pertença da executada ÁTRIO DE PEDRA – MÁRMORES E GRANITOS, LDA., após o que - não tendo sido deduzida oposição à penhora, nem reclamados créditos na fase de convocação de credores - foi dado cumprimento ao disposto no artigo 812.º, n.º 1, do CPC, quanto à modalidade e valor da venda pretendidos quanto a tal bem.
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2. Na sequência, foi determinada a venda por leilão eletrónico, na plataforma www.e-leiloes.pt, nos termos do artigo 837.º do CPC, com o Valor Base de € 130.000,00 e o valor mínimo de venda (85% daquele valor base) de € 110.500,00, em 10-05-2019 e, frustrada esta modalidade, foi determinada a venda por negociação particular não tendo, também, sido apresentadas propostas.
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3. Após, por requerimento entrado nos autos de execução em 04-02-2020 a exequente requereu a adjudicação do imóvel penhorado, pelo valor de € 61.600,00 e com dispensa do depósito do preço.
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4. Em 11-02-2020, o Agente de Execução decidiu aceitar a proposta de adjudicação apresentada atendendo ao seguinte: “1. Em 09-05-2019 a venda do imóvel através de leilão eletrónico, encerrou com o seguinte resultado: DESERTO por falta de propostas; 2. Desde então, prosseguiu a venda por negociação particular, com a respetiva publicidade no site e-leiloes.pt – entre 30-05-2019 e 04-02-2020 – não tendo a ora Agente de Execução recebido quaisquer propostas, que não a proposta do exequente supra indicada e que agora se decide aceitar; 3. Depreende-se assim que, em nenhuma das fases de venda - venda por leilão eletrónico e venda por negociação particular - houve lugar à apresentação de licitações/propostas, verificando-se assim, por um lado, o desinteresse do mercado imobiliário e por outro, que o valor base de venda outrora fixado será desproporcional/excessivo, mais se sublinhado o seguinte: Apesar do imóvel se encontrar em razoável estado de conservação, destina-se a atividade industrial, sendo uma especificidade sobre a qual existe menor público-alvo; 4. Lapso de tempo decorrido, sendo que a demora na venda, conduzem por um lado, atendendo às normais deteriorações, ao aumento da depreciação do imóvel e à consequente maior dificuldade na obtenção de outras/melhores propostas (situação esta a piorar com o passar do tempo) e por outro lado, ao aumento dos custos, designadamente no que diz respeito às despesas e juros da execução, sempre em prejuízo das partes e sem prejuízo da sua consequente mutação; 5. A venda por negociação particular, na sequência da frustração da venda através de leilão eletrónico, não está sujeita a valor mínimo, podendo os imóveis serem vendidos aos interessados que apresentem maiores propostas (…)”.
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5. Em 24-06-2020 foi proferido despacho do seguinte teor: “Considerando que o requerimento do exequente (pedido de adjudicação de imóvel por valor inferior ao valor fixado para venda) se mostra devidamente fundamentado, considerando que a oposição dos executados tem por base, apenas, o facto do valor ser inferior ao valor da venda e ao VPT, considerando ainda que o valor agora proposto não se situa muito abaixo do valor que estava fixado para a venda, autorizo a adjudicação pelo valor de € 61.000,00 (…)”.
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6. Na sequência, por requerimento apresentado nos autos em 03-07-2020, MM e mulher NM, “ao abrigo do disposto no artigo 842º e seguintes do Código de Processo Civil”, na qualidade de representantes legais da sua filha MGM, menor de idade, pretender exercer direito de remição quanto ao imóvel em questão, pelo preço de € 61.000,00, valor pelo qual foi autorizada a venda, ou caso se entenda existir lapso, pelo valor de € 61.600,00.
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7. Por requerimento de 07-07-2020, a exequente pronunciou-se no sentido de ser dado provimento ao direito de remição exercido, enviando-se aos legais representantes da remidora os dados para pagamento.
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8. Em 08-07-2020, o Agente de Execução proferiu decisão do seguinte teor: “Na sequência da comunicação de 03-07-2020, ref.ª 35973846 anexa e nos termos do disposto no artigo 719º, n.º 1 do CPC, a ora Agente de Execução decide o seguinte: Não admissão do exercício de direito de remição, uma vez que o bem imóvel em causa não se encontra na esfera jurídica do pai da requerente, executado nos autos, mas sim da empresa executada Átrio de Pedra - Mármores e Granitos, Lda, sendo que tal obsta ao respetivo exercício do direito de remição por parte da filha.”.
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9. Em 08-07-2020 foi remetida a notificação da decisão referida em 8. endereçada ao Dr. CO, Mandatário da executada ÁTRIO DE PEDRA – MÁRMORES E GRANITOS, LDA.
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10. Na sequência, em 13-07-2020, MM e NM, em representação da sua filha MGM, menor de idade, apresentaram reclamação relativamente à não admissão do exercício de direito de remição, concluindo pela revogação da decisão da Agente de Execução, sendo decidida a admissão do direito de remição por parte de MGM, invocando o seguinte: “(…) 1º MM e mulher NM, vieram em representação da sua filha MGM, exercer o direito de remissão, do seguinte prédio “Prédio misto composto de cultura arvense, oliveiras, macieiras, e armazéns de actividade industrial, denominado por Serrada, sito na Rua …, n.º …, A-da-Gorda, Santa Maria, União de Freguesias de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa e concelho de Óbidos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº … e na matriz predial rústica sob o art. …, secção … e descrito na competente Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob o nº ….” 2º A adjudicação do mesmo prédio foi proposta pela Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. pelo valor de 61.600,00 € (sessenta e um mil e seiscentos euros), a qual pediu que lhe fosse adjudicado com dispensa do depósito do preço. 3º A Sra. Agente de Execução decidiu aceitar a referida e única proposta apresentada pela Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., no valor de 61.600,00 € (sessenta e um mil e seiscentos euros). 4º Por despacho judicial com a referência 145021414, foi autorizada a requerida adjudicação pelo valor de 61.000,00 €. 5º Em 03/07/2020, por requerimento com a referência 35973814, foi requerido pelos Requerentes, em representação da sua filha, MGM, menor de idade, o Direito de Remissão quanto ao bem acima identificado, pelo preço de 61.000,00 € (sessenta e um mil euros), valor pelo qual foi autorizada a venda, ou, caso se entendesse ter havido lapso na fixação daquele valor, pelo preço de 61.600,00 € (sessenta e um mil e seiscentos euros) correspondente ao valor da proposta aceite pela Sra. Agente de Execução. 6º O referido requerimento do exercício do direito de preferência foi no mesmo dia comunicado à Sra. Agente de Execução (referência 35973846). 7º Vieram agora os Requerentes, a ter conhecimento da decisão de não admissão do exercício do direito de remissão por parte da sua filha MGM, a qual lhes foi transmitida pelo Dr. CO, mandatário da executada. 8º Ora, os Requerentes não estão de acordo com a mesma e daí a razão da presente reclamação. 9º Consta da referida decisão, que como se depreende não foi devidamente notificada ao mandatário da remidora, e ora signatário, o seguinte: “Na sequência da comunicação de 03-07-2020, ref.ª 35973846 anexa e nos termos do disposto no artigo 719º, n.º 1 do CPC, a ora Agente de Execução deide o seguinte: Não admissão do exercício do direito de remissão, uma vez que o bem imóvel em causa não se encontra na esfera jurídica do pai da requerente, executado nos autos, mas sim da empresa executada Átrio de Pedra – Mármores e Granitos, Lda., sendo que tal obsta ao respetivo exercício do direito de remissão por parte da filha.” 10º Porém, parece-nos que tal decisão é ilegal. 11º Desde logo, a Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A. não levantou qualquer obstáculo ao exercício do direito de remissão por parte de MGM na sequência da notificação do seu mandatário judicial, sendo a Exequente a parte mais diretamente interessada na resolução da questão. 12º Aliás, a Exequente requereu à Sra. Agente de Execução que fosse dado provimento ao direito exercido pela Remidora enviando aos seus legais representantes os dados para pagamento. 13º Além disso, a lei não o impede, antes o permite, que a filha do executado MM exerça o direito de remissão. 14º Na verdade, dispõe o artigo 842º do Código de Processo Civil: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda” 15º Ora a requerente do exercício do direito de remissão, MGM, é filha do executado MM. 16º Tem por isso o direito de remir todos os bens adjudicados, neste caso, o bem acima identificado pelo mesmo preço ao que havia sido adjudicado à Caixa Geral de Depósitos, S.A.. 17º A Sra. Agente de Execução ao decidir a não admissão do exercício do direito de remissão do bem imóvel adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos, violou para além do mais o disposto no artigo 842º do Código de Processo Civil (…)”.
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11. Em 01-10-2020 foi proferido, pelo Tribunal recorrido, despacho do seguinte teor: “Questão prévia No despacho proferido em 24/06/2020 foi autorizada a adjudicação do imóvel ao exequente, constando do despacho que é pelo valor de € 61.000,00, quando se pretendia dizer € 61.600,00, valor correspondente ao montante proposto pelo exequente. Notifique. (…) Reclamação de ato – requerimento de 13/07/2020 MM, que nestes autos é executado, e mulher NM, em representação da sua filha MGM, menor de idade, reclamam da decisão da Sra. Agente de execução que não admitiu o exercício do direito de remissão por MGM, filha do executado MM. Foi observado o disposto no artigo 221º do Código de Processo Civil e dado conhecimento à Sra. Agente de execução do requerimento de reclamação, sem que ninguém se tivesse pronunciado. A reclamação é tempestiva, cumprindo apreciar a mesma, relevando, para tal, os seguintes factos/atos: - Por despacho de 24/06/2020, foi autorizada a adjudicação do imóvel penhorado e em venda por negociação particular ao exequente - Por requerimento de 03/07/2020 MM, e mulher NM, em representação da sua filha MGM, menor de idade, vieram requerer que se reconheça o direito de remissão à filha do executado, sendo-lhe o imóvel adjudicado. - Por decisão de 08/07/2020, a Sra. Agente de execução decidiu: «Não admissão do exercício de direito de remição, uma vez que o bem imóvel em causa não se encontra na esfera jurídica do pai da requerente, executado nos autos, mas sim da empresa executada Átrio de Pedra - Mármores e Granitos, Lda, sendo que tal obsta ao respetivo exercício do direito de remição por parte da filha». - O imóvel penhorado e em venda (prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Óbidos com o registo …) era propriedade da sociedade executada “Átrio da Pedra – Mármores e Granitos, Lda.”. Prevê-se no artigo 842º do Código de Processo Civil que ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda. Consiste o direito de remição num direito de preferência legal, de formação processual, e que tem por fito a tutela da manutenção e intangibilidade do património familiar, justificado, as mais das vezes, por razões sentimentais e memórias familiares que lhes estão associadas. A questão que se coloca nestes autos é a de saber se assiste à requerente, filha de um dos executados nos autos que não é o proprietário do imóvel vendido, legitimidade para remir. A nossa jurisprudência vem entendendo, em situações idênticas, que não assiste legitimidade para remir. A título de exemplo, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-novembro-2018, proferido no âmbito do processo 2387/16.4T8CBR-E.C1 [vide www.dgsi.pt], onde se explana que: «O direito de remição constitui um direito de preferência legal de formação processual que, tendo por finalidade a protecção do património familiar, evita, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado. É indiscutível que o direito de remição pode ser exercido sempre que o cônjuge ou o familiar do executado seja um terceiro perante a execução, isto é, não seja ele mesmo executado na execução em que se realizou a venda (ou a adjudicação). A sociedade comercial, independentemente do que seja essa realidade, é comerciante, pelo simples facto de existir como tal. Esta qualificação resulta do disposto no art.º 13º, n.º 2 do Código Comercial. A sociedade comercial é, assim, sujeito do Direito Comercial. Mas que realidades podem assumir, na sua actividade, a forma de sociedade comercial? A resposta deverá ser: as empresas comerciais. Uma empresa é uma organização produtiva ou mediadora de riqueza, que exerce, de forma estável, uma certa actividade económica em função do mercado a que se dirige. A noção jurídica de empresa conjuga dois factores: um, pessoal, no qual, para além do trabalho de uma comunidade de pessoas que na direcção e na produção asseguram o seu funcionamento, releva a concepção própria do empresário na sua estruturação, ou seja, na organização dos diferentes factores produtivos de modo a integrá-los numa mesma finalidade funcional; e outro, patrimonial, constituído por todos os bens e elementos com valor económico (bens imóveis e móveis, direitos, situações jurídicos e elementos imateriais) unificados/conjugados pela função unitária a que estão adstritos. Assim, a actividade económica é já objecto da empresa (é já um seu desenvolvimento), consistindo no funcionamento desta. Uma empresa comercial é o substrato necessário da sociedade comercial. A sociedade comercial tem por objecto a realização de actos de comércio ou de uma actividade empresarial, nos termos do art.º 230º do Código Comercial, com fins lucrativos; e deve, hoje, ser entendida como um ente jurídico que, tendo um substrato essencialmente patrimonial (e sendo composto por uma ou mais pessoas jurídicas), exerce com carácter de estabilidade uma actividade económica lucrativa que se traduz na prática de actos de comércio (maxime contratos comerciais). Diga-se, ainda, que tal como o comerciante (individual) da viragem do séc. XIX para o séc. XX cedeu o seu lugar às sociedades comerciais, estas, no dealbar do séc. XXI, passaram a organizar-se em grupos (jurídicos e económicos), formando estruturas jurídicas plurissocietárias e plurifuncionais que, gradualmente, irão ocupar no mercado uma posição cada vez mais relevante e central. O estabelecimento comercial, enquanto “organização concreta de factores produtivos como valor de posição no mercado”, radica “num lastro material ou corpóreo, que o concretiza”[9] (lastro ostensivo) - em idênticas palavras, poderá/deverá ser visto como uma organização concreta, que encarna em bens corpóreos e incorpóreos (v. g., firma, marcas, etc.), com um certo valor de posição no mercado, constituindo um bem imaterial. Nas sociedades por quotas a garantia dos credores é representada pelo património social; os sócios não respondem pelas dívidas da sociedade; em princípio, só respondem, com todos os seus bens, pela realização das prestações a que se obrigaram, ou seja, pela realização da sua quota (cf., designadamente, os art.ºs 197 e 198º do Código das Sociedades Comerciais/CSC, aprovado pelo DL n.º 262/86, de 02.9). A personalidade jurídica das sociedades (cf., designadamente, os art.ºs 5º e 146º, n.º 2 do CSC) depende de uma condição prévia: a autonomia patrimonial e esta, na sua modalidade mais perfeita, traduz um duplo fenómeno: por um lado, o da insensibilidade dos bens em causa a outras dívidas, que não as relacionadas com o fim especial a que tais bens estão afectados (respondem por determinadas dívidas); por outro lado, o da insensibilidade às referidas obrigações de qualquer outro património (responde só ele). O capital social pode definir-se como a «cifra numérica de valor constante, em dinheiro, expressa em euros [“moeda com curso legal em Portugal”], correspondente ao património de constituição da empresa», isto é, à soma de todas as participações dos sócios. Como vimos, classicamente, afirma-se que o capital social constitui garantia dos credores, o que carece de melhor explicitação, sendo que esta cifra é naturalmente utilizada para sustentar o arranque e desenvolvimento da actividade social. Quando a sociedade (por quotas) se constitui os respectivos sócios contribuem com bens, em dinheiro ou em espécie, à custa dos quais ela irá desenvolver a sua actividade. O capital social garante a todos os que contratam com a sociedade que se ela está a distribuir lucros pelos seus sócios é porque a sua situação líquida o permite, correspondendo, nesse caso, o património líquido a um montante superior ao do capital acrescido das reservas legais. O capital é, assim, um importante ponto de referência da capacidade económica da sociedade, mas é, de facto, o património que garante os credores. Toda e qualquer sociedade comercial, nas relações com terceiros, apresenta uma individualidade jurídica distinta dos sócios, o que terá de valer também para a esfera das relações entre a sociedade e os sócios. Na situação dos autos importa equacionar o pretendido direito de remição sobre bens penhorados e vendidos que pertenciam à sociedade executada, da qual o 2º executado será sócio e gerente, sendo o remidor filho deste. Naturalmente, a família do sócio e gerente da 1ª executada (sociedade) em nada se confunde ou identifica com a realidade jurídica, distinta e autónoma, da sociedade executada e, menos ainda, com o lastro ostensivo inerente à actividade da empresa/estabelecimento comercial a que respeitavam os bens móveis penhorados. Diversa poderia ser a solução se porventura estivesse em causa a penhora e a venda da quota social do 2º executado na sociedade 1ª executada (cf. o art.º 239º do CSC), o que não sucede, ou, então, se se tratasse da penhora e da venda do estabelecimento comercial pertencente a um ascendente ou descendente do recorrente (filho do legal representante da 1ª executada), o que também não se verifica, já que a empresa/estabelecimento comercial em causa encontra-se na esfera jurídica da 1ª executada». Concorda-se, pelas razões bem expostas no citado arresto, com a decisão da Sra. Agente de execução, não assistindo à filha do executado o direito à remissão (…)”.
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12. Não se conformando com a referida decisão, dela apela a recorrente, representada por MM e NM, tendo formulado as seguintes conclusões: “(…) 1) Os Recorrentes, em representação da sua filha MGM, em 03/07/2020, requereram o exercício do direito de remissão relativamente ao prédio [prédio misto composto de cultura arvense, oliveiras, macieiras, e armazens de actividade industrial, denominado por Serrada, sito na Rua …, n.º …, A-da-Gorda, Santa Maria, União de Freguesias de Santa Maria, São Pedro e Sobral da Lagoa e concelho de Óbidos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº … e na matriz predial rústica sob o art. …, secção … e descrito na comptente Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob o nº …], penhorado nos autos e que havia sido adjudicado à Exequente pelo preço de 61.600,00 €; 2) A Sra. Agente de Execução, em 08/07/2020, notifica o Sr. Dr. CO, mandatário da executada Átrio de Pedra – Mármores e Granitos, Lda., da seguinte Decisão: “Na sequência da comunicação de 03-07-2020, ref.ª 35973846 anexa e nos termos do disposto no artigo 719º do CPC, a ora Agente de Execução, decide o seguinte: Não admissão do exercício do direito de remissão, uma vez que o bem imóvel em causa não se encontra na esfera jurídica do pai da requerente, executado nos autos, mas sim da empresa executada Átrio de Pedra – Mármores e Granitos, Lda., sendo que tal obsta ao respetivo exercício do direito de remissão por parte da filha.”; 3) Tal decisão, nem sequer é notificada ao mandatário do executado MM, NM, como representantes da sua filha MGM; 4) E só tiveram conhecimento de tal decisão por intermédio do Dr. CO 5) Nessa sequência apresentaram reclamação da mesma Decisão dirigida à Exma. Juiz do Tribunal a quo, nos termos e com os fundamentos acima reproduzidos; 6) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, decidiu, porém o seguinte: «… Concorda-se, pelas razões bem expostas no citado arresto, com a decisão da Sra. Agente de Execução, não assistindo à filha do executado o direito à remissão. …»; 7) Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos concordar com a referida decisão; 8) Ainda antes de entrar no mérito da questão, a decisão proferida pela Sra. Agente de Execução, não foi notificada nem aos ora Recorrentes, nem ao seu mandatário judicial; 9) Os Recorrentes por serem pessoas diretamente interessadas e serem afetados com a decisão deveriam ter sido notificadas, o que manifestamente não aconteceu; 10) Tal omissão, tem como consequência a nulidade de tal decisão, devendo proceder-se à anulação de todos os atos posteriores que dela dependam; 11) Nulidade da decisão que ora se invoca com todas as consequências legais daí resultantes; 12) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo também não se pronunciou acerca da alegada falta de notificação, pelo que o despacho que confirmou a não admissão do exercício do direito de remissão por parte dos ora Recorrentes, em representação da sua filha MGM, é igualmente nula, tendo em conta o disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC; 13) Nulidade que ora se invoca e deve ser declarada com todas as consequências legais daí resultantes; 14) Verifica-se ainda que de acordo com o elemento literal do artigo 842º do Código de Processo Civil, nada há que impeça o exercício do direito de remissão por parte da filha do executado MM; 15) Antes pelo contrário, tal disposição legal permite que tal direito seja exercido por parte da filha do executado; 16) Dispõe o artigo 842º do Código de Processo Civil, que tem como epígrafe “A quem compete” inserido na Secção VI, que tem como título “REMISSÃO”, o seguinte: “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”; 17) MGM é descendente, filha de MM, que por sua vez é executado nos autos, conforme se comprovou através da junção da respetiva certidão do assento de nascimento; 18) O bem penhorado nos autos foi adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos; 19) Pelo que os Recorrentes, em representação da sua filha MGM, têm direito ao exercício do direito de remissão do mesmo bem, tal como exerceram; 20) Tal exercício foi-lhes negado ilegalmente e sem fundamento válido, primeiro pela Sra. Agente de Execução e depois pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo; 21) A Exequente Caixa Geral de Depósitos, parte mais interessada na resolução da questão, não levantou qualquer obstáculo ao exercício do direito de remissão por parte de MGM; 22) É certo que o bem penhorado e adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos não pertence ao executado MM, mas à sociedade Átrio de Pedra – Mármores e Granitos, Lda., também executada nos autos; 23) Embora sejam pessoas juridicamente distintas, o referido artigo 842º não faz qualquer distinção a esse respeito; 24) Conforme é referido expressamente em tal disposição legal, “…aos descendentes … do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados …, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação; 25) Dúvidas não existem em como a filha do executado MM tem direito a remir o bem adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos; 26) Entrando na lógica que preside à figura do instituto da remissão, embora o bem penhorado e adjudicado não esteja diretamente na esfera jurídica do executado e ora Recorrente MM, certo é que este é sócio da referida sociedade e portanto com legítimas espectativas de, uma vez liquidado o património da sociedade, o mesmo bem poder vir a ingressar no seu património pessoal; 27) Mesmo considerando os fins que presidiram à criação da figura do instituto da remissão, este não poderá excluir a situação de a filha do executado, sócio da sociedade proprietária do bem adjudicado, poder remir este bem; 28) Especialmente quando nenhuma oposição foi manifestada pelo Exequente e a quem foi adjudicado o mesmo bem; 29) Assim, deve a decisão recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 842º do CPC, com todas as consequências legais daí resultantes; 30) O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 13º, 18º, 20º, 62º e 67º da Constituição da República Portuguesa; 31) Os Recorrentes, em representação da sua filha MGM, estão a ser tratados diferentemente dos outros cidadãos, que em idênticas situações, lhes é permitido a remissão dos bens que são adjudicados ou vendidos no âmbito de uma execução (artigo 13º da CRP); 32) A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º, n.º 2, da CRP); 33) O direito de remissão por parte da filha dos Recorrentes não pode deixar de constituir um direito, liberdade e garantia, quer no que respeita ao exercício do direito de adquirir a propriedade de um bem, quer no que respeita à salvaguarda da família como elemento fundamental da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigos 20º, 62º e 67º da CRP); 34) O exercício de tal direito por parte da filha dos Recorrentes não colide com outros direitos ou interesses legalmente protegidos, como sejam os da Exequente. 35) Julgamos que o Venerando Tribunal irá revogar tal Despacho, nos termos em que se deixou requerido; 36) Do mesmo modo que não foi efetuada a mais correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto; 37) Lendo, atentamente, na decisão recorrida verifica-se que não se indica um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos Recorrentes; 38) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”; 39) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada; 40) A decisão recorrida, viola o disposto no artigo 204º da C. R. P., uma vez que esta norma é tão abrangente, que nem é necessário que os Tribunais apliquem normas que infrinjam a Constituição, basta apenas e tão só, que violem “os princípios nela consignados”; 41) A decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos referidos artigos 13º, 18º, 20º, 62º e 67º; 42) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, circunstância que neste caso se não verifica; 43) O (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem sequer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto; 44) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo limitou-se, apenas e tão só, a emitir um Despacho “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões; 45) Deixando a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas, cometendo, pois, uma nulidade; 46) O Despacho recorrido não está fundamentado, tanto de facto, como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 158º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”; 47) Nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”; 48) Neste caso em concreto, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, pelo que a mesmo é nula; 49) Dúvidas não existem de que tenha de ser REVOGADO o Despacho recorrido (…)”.
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13. O recurso foi liminarmente admitido, por despacho proferido em 09-12-2020.
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14. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
* 2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
A) Se se verifica nulidade na notificação da decisão da Agente de Execução de 08-07-2020?
B) Se a decisão recorrida é nula, por o Tribunal não se ter pronunciado sobre a alegada falta de notificação (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC)?
C) Se a decisão viola os artigos 202.º e 205.º da CRP e é nula, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC)?
D) Se a decisão recorrida viola o disposto no artigo 842.º do CPC?
E) Se a decisão recorrida viola os princípios consignados nos artigos 13º, 18º, 20º, 62º e 67º da CRP (cfr. artigo 204.º da CRP)?
* 3. Fundamentação de facto:
Com pertinência para a decisão do presente recurso e com fundamento nos actos praticados no presente processo, mostra-se assente a factualidade constante do relatório.
* 4. Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão enunciada.
* A) Se se verifica nulidade na notificação da decisão da Agente de Execução de 08-07-2020?
Importa, desde logo, apreciar a questão de saber se ocorreu nulidade por a decisão de 08-07-2020 da Agente de Execução não ter sido notificada ao Mandatário constituído à requerente da remição (representada, como se sabe e em concordância com o disposto no artigo 16.º do CPC, pelos seus pais, o executado MM e sua mulher, NM, sendo que, na realidade, apenas foi efetuada notificação da mesma ao Mandatário da executada sociedade.
Vejamos:
Trata-se da invocação de uma nulidade processual e não de uma nulidade da decisão.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2020 (Pº 496/13.0TVLSB.L1.S1, relator PEDRO DE LIMA GONÇALVES) clarificou-se a distinção nos termos seguintes: “O CPC trata das nulidades processuais nos art. 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art. 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art. 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença? A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença. Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite. Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art. 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é. A nulidade processual decorrente do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art. 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art. 195.º, n.º 1, CPC. Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art. 615.º, n.º 1, CPC. O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art. 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC.”.
O instituto jurídico da remição tem raízes profundas no nosso sistema jurídico, que remontam às Ordenações e que, com alguma variação com respeito aos familiares abrangidos e à natureza dos bens sobre que poderia ser exercido, se manteve na ordem jurídica portuguesa até aos dias de hoje (cfr. artigo 153.º do Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832; artigo 248.º da Reforma Judiciária de 1837; artigo 602.º da Novíssima Reforma Judiciária de 1841; artigo 16.º da Lei de 16 de Junho de 1855; artigo 888.º do Código de Processo Civil de 1876 e artigos 912.º do CPC de 1939 e de 1967).
O instituto da remição encontra-se regulado nos artigos 842.º e ss. do CPC, preceito legal onde se dispõe que “ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”.
Como adverte Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das Obrigações; 5.ª ed., Almedina, 1991, p. 952, nota 3), “não se confunda a palavra remissão, acto ou efeito de remetir (=perdoar), com remição, acto ou efeito de remir (=resgatar)”, constituindo a remissão uma causa de extinção das obrigações para além do cumprimento, tal como regulado no artigo 863.º do CC.
A lei prevê, assim, a possibilidade de o cônjuge do executado que dele não esteja separado judicialmente de pessoas e bens, bem como os descendentes e ascendentes, haverem para si os bens alienados na venda executiva, mediante o pagamento do maior preço que tenha sido oferecido, recaindo sobre o remidor o ónus de depositar, para exercitar validamente esse direito, a totalidade do preço por que tenha sido feita a adjudicação ou a venda, nos termos e prazos estipulados no artigo 843.º do CPC, acautelando-se, dessa forma, tanto os interesses do exequente como os interesses da família do executado.
José Alberto dos Reis (Processo de Execução, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1985, p. 476) sintetiza que “o direito de remição consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução”.
Por força do disposto no artigo 845º do CPC, o direito de remição pertence, em primeiro lugar, ao cônjuge, em segundo lugar, aos descendentes e, em terceiro lugar, aos ascendentes.
Daí que, não se estranhe que a prova documental da relação familiar com o executado, constitua “requisito insuprível da constituição do direito de remição” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018, Pº 458/04.9TBVLN.G1, rel. FERNANDA PROENÇA FERNANDES).
A doutrina sublinha, de forma concordante, que o instituto da remição tem em vista a proteção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, assente numa relação de carácter familiar, constituindo como que uma possibilidade de resgate dos bens penhorados (cfr., assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2004, pp. 334-335; Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pp. 660-661; J. P. Remédio Marques; Curso de Processo Executivo Comum, À Face Do Código Revisto, SPB Editores, p. 357 e Amâncio Ferreira; Curso de Processo de Execução, 2010, 13.ª Edição, Almedina, p. 392).
Através da concessão deste direito pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados.
Por outro lado, a atribuição deste direito não implica um qualquer prejuízo do interesse dos terceiros credores.
A “estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são vendidos; ora, os remidores hão de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor” (cfr. Alberto dos Reis; Processo de Execução, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1985, p. 477). “O direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor. Homenagem justa, porque evita desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores” (Alberto dos Reis; Processo de Execução, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1985, pp. 488-489).
O direito de remição é distinto do direito de preferência, o que tem sido sublinhado pela doutrina e pela jurisprudência, prevalecendo aquele sobre este (cfr. artigo 844.º, n.º 1, do CC).
Conforme evidenciava Alberto dos Reis (Processo de Execução, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1985, pp. 477-478), embora na sua atuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”:
- Quanto à diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdobramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)”; - Quanto à diversidade do fim, pois, enquanto “o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”, já “o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas” (cfr. aut., ob. e loc. citados).
Pode dizer-se, assim, que o direito de remição consiste num “direito de preferência qualificado” (assim, Lebre de Freitas, A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Ed., 2017, p. 388)com o qual se quis proteger “o património familiar, evitando que os bens saíssem para fora da família, pondo o património do executado (membro dela) a coberto de outros maiores prejuízos, de qualquer das maneiras sem pôr em causa a essência da satisfação do interesse do exequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05-06-2008, Pº 844/08-2, rel. GOMES DA SILVA).
O prazo e condições para o exercício do direito de remição variam consoante a modalidade de venda dos bens e o tipo de formalização para ela exigida (cfr. artigo 843.º do CPC).
Pela natureza deste direito e pela qualidade de terceiro do interveniente que pretende exercer o direito de remição, tem-se entendido que se mostra dispensável a necessidade da notificação do remidor relativamente aos atos e diligências inerentes à tramitação da causa, presumindo a lei que o executado dará conhecimento oportuno ao interessado na remição das circunstâncias relevantes para o atempado exercício do seu direito.
Alberto dos Reis (Processo de Execução, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1985, p. 483) referia que “ao contrário do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer; têm, por isso, de estar alerta, a fim de se apresentarem no momento próprio ou dentro do prazo legal”.
Ou seja: Não é aplicável ao direito de remição, por analogia, a norma que prevê a notificação dos preferentes prevista no artigo 818.º do CPC, entendendo o legislador afastar a notificação dos titulares do direito de remição para o exercício desse direito porque, sendo eles familiares diretos do executado e dada a finalidade do instituto (proteção da família), parte-se do pressuposto de que o executado lhes deu a informação necessária sobre a venda, presumindo-se ser suficiente esse meio de conhecimento (recaindo o ónus sobre o executado).
A jurisprudência tem alinhado com este entendimento sobre a notificação do remidor para o exercício do respetivo direito, como se dá nota nas seguintes decisões (por ordem cronológica crescente):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2009 (Pº 321-B/1997.S1, rel. LOPES DO REGO): “O direito de remição configura-se como um «direito de preferência legal de formação processual», exercitado, - no caso de venda por negociação particular, até ao momento da assinatura do título que documenta a transmissão dos bens, - por um dos familiares do executado, previstos no art. 912º do CPC, que seja terceiro relativamente à execução, tendo como finalidade a protecção do interesse do círculo familiar em evitar a saída do património da família dos bens alienados em processo executivo. O titular do direito de remição – que não detém o estatuto processual de parte na execução –não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, nessa qualidade, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do direito - não impondo a lei de processo que seja notificada a data e local em que se irá realizar certa venda extrajudicial, cujos elementos essenciais já se mostram definidos e foram levados ao oportuno conhecimento dos interessados”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-01-2011 (Pº 414-F/1997.G1, rel. MANUEL BARGADO): “O remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução e, enquanto titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal, por força do preceituado no art. 892º do CPC.Por força deste estatuto processual de terceiro, o remidor não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2012 (Pº 4595/10.2TBBRG.G1.S1, rel. ABÍLIO VASCONCELOS): “O direito de remição (…) é um benefício de carácter familiar, dado ao cônjuge do executado, descendentes ou ascendentes, funcionando como um direito de preferência a favor da família no confronto com estranhos. Não obstante, direito de preferência e direito de remição são noções e conceitos diferenciados: enquanto o direito de preferência tem por base uma relação de relação de carácter patrimonial, o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar; enquanto o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou favorecer a passagem da propriedade imperfeita para propriedade perfeita, o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar do executado. Do estatuto processual do interessado na remição, como terceiro relativamente à execução, decorre que não tem o mesmo de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei que o executado – ele sim notificado nos termos gerais – lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito. Sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele encabeçado – e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou o legislador dispensar a normal tramitação da execução da averiguação da possível existência de familiares próximos do executado, bem como de diligências tendentes à sua localização e notificação pessoal para efeitos de exercício de tal direito”;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2015 (Pº 386/12.4TBSRE-B.C1, rel. ARLINDO OLIVEIRA): “Os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução. Dependerão assim para o exercício do seu direito do conhecimento que lhes advirá da publicidade que rodear a venda ou da informação que lhe prestar o executado seu familiar, que é sempre notificado do despacho determinativo da venda. Cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição. Incumbe ao executado e seus familiares interessados no exercício do direito de remição agir de forma a saber quando terá lugar a abertura de propostas e logo que efectuada esta, exercer tal direito, bem sabendo, ou devendo saber, que o mesmo só poderá ser exercido até à emissão do título de transmissão”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2015 (Pº 4666/11.8TBMAI-AA.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA): “Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para exercerem, querendo, este direito. Não é aplicável ao direito de remição, por analogia, a norma que prevê a notificação dos preferentes (art. 818.º do CPC)”;
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2016 (Pº 577/10.2TBSJM-B.P1, rel. FILIPE CAROÇO): “Em processo de execução, não sendo o familiar remidor parte no processo, não tem que ser notificado para remir; antes deve contar com a publicidade que rodeia o processo, designadamente a venda ou a informação prestada pelo executado (familiar próximo), que é sempre notificado do despacho determinativo da venda”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-10-2018 (Pº 263/09.6TBCUB.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO): “O titular do direito de remição não tem de ser previamente notificado pessoalmente para exercer o respectivo direito, pois o legislador parte do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda e ser suficiente esse meio de conhecimento”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2019 (Pº 104/09.4TCSNT-C.L1-7, rel. MICAELA SOUSA): Não exige “a lei a notificação dos titulares do direito a remir para o exercerem”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2019 (Pº 10984/17.4T8SNT.L1-7, rel. CARLOS OLIVEIRA): “Não há direito de remição do cônjuge do executado quando também ele for executado nessa ação executiva. O familiar que não seja parte na ação executiva, a que legalmente seja reconhecido o direito de remição, não tem de ser notificado pelo Tribunal para exercer esse direito no ato da venda judicial. Compete-lhe a si a iniciativa de intervir espontaneamente no processo e exercer o direito de remição”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2019 (Pº 1169/14.2T8VNF-G.G1, rel. HELENA MELO): “Os familiares do executado não têm de ser notificados para exercerem, querendo, o direito de remição, pois que tal notificação não está prevista na lei. Incumbirá ao executado dar a conhecer ao seu familiar o valor base do bem a vender e o preço pois que tem os elementos necessários para o informar, ficando este com as condições necessárias para decidir se pretende ou não exercer direito de remição e incumbindo-lhe manifestar nos autos essa pretensão”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-07-2019 (Pº 238/17.1T8ETZ-I.E1, rel. FRANCISCO XAVIER): “Os titulares do direito de remição não têm de ser notificados de que vai ser realizado o acto jurídico no qual têm o direito de remir ou para, querendo, exercerem o direito de remição”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-01-2020 (Pº 494/18.8T8CTB-A.C1, rel. ANTÓNIO CARVALHO MARTINS): “O remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução, e, como titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal. Deste estatuto processual decorre que o interessado na remição, como terceiro, não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar – executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito”; e
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-03-2021 (Pº 2895/18.2T8LLE-C.E1, rel. MARIA DOMINGAS): “A lei não prevê que os titulares do direito de remição sejam notificados da prática dos actos atinentes à venda executiva, antes presumindo que o executado, seu familiar directo, lhe vai dando conhecimento da tramitação processual, de modo a assegurar que aqueles possam exercer o seu direito”.
Sucede que, no caso, não está em questão alguma omissão de notificação da remidora para o exercício da remição, mas sim saber se, pretendido exercer tal direito e manifestada em juízo uma tal pretensão, teria a remidora de ser notificada da decisão que foi tomada pela Agente de Execução sobre essa pretensão?
A notificação consiste, em geral, no acto através do qual se chama alguém a juízo ou pelo qual se dá conhecimento de um facto – cfr. artigo 219.º, n.º 2, do CPC. “As notificações são os actos processuais destinados a facultar às partes o conhecimento da existência ou do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem o seu direito de defesa, face às pretensões da parte contrária, ou de exercerem os demais direitos de intervenção processual. As notificações apresentam-se assim processualmente como uma garantia prática do correcto funcionamento das regras do contraditório e da proibição da indefesa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-10-2018 (Pº 263/09.6TBCUB.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO).
No caso, temos por certo que, ainda que, previamente à manifestação da pretensão de exercício da remição, os potenciais titulares do direito de remição não têm que ser notificados para, querendo, exercerem tal direito (como decorre das considerações supra expendidas), pelo que, a ora recorrente não teria que o ser.
Mas, deduzida que seja a pretensão de remição, parece-nos elementar que ao remidor seja dado a conhecer o sentido da decisão proferida sobre uma tal pretensão, dado que a questão correspondente terá natureza incidental em que o requerente da remição tem manifestamente interesse, para o que, sem dúvida, teria que ser notificado de tal decisão (cfr. artigo 220.º, n.º 2, do CPC), dado que, desde logo, poderia impugná-la ou dela reclamar. “A competência fundamental do agente de execução é a prática de actos materiais da realização coactiva da prestação, desdobrando-se em actos executivos em sentido próprio, e em actos instrumentais ditos não executivos” (assim, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-09-2020, Pº 20046/16.6NT.B.L1-6, rel. GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES).
Neste sentido, cabe ao Agente de Execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não sejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, aqui se incluindo a realização das notificações relativamente aos atos por si praticados (cfr. artigo 719.º, n.º 1, do CPC).
Conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-04-2021 (Pº 4421/18.4T8FNC-7, rel. LUIS FILIPE PIRES DE SOUSA) “[a] existência do agente de execução implica a larga desjudicialização do processo executivo bem como a diminuição dos atos praticados pela secretaria, incluindo as notificações do processo executivo, sem prejuízo das competências gerais para a citação e a notificação nas tramitações declarativas que correm por apenso ao processo executivo”.
Assim, de acordo com as considerações que vêm sendo feitas, teria perfeito cabimento a notificação da decisão que fosse tomada sobre a pretensão de remição à remidora (claro está, na pessoa do respetivo Mandatário, constituído pelos seus representantes legais, atento o regime constante dos artigos 247.º e 248.º do CPC) e, não, apenas, ao Mandatário da executada sociedade.
A nulidade que vem invocada, relativa à apontada falta de notificação da decisão da Agente de Execução à remidora, reconduz-se à invocação de uma nulidade processual, nos termos do art.º 195.º do CPC, por se tratar de uma questão de invocado erro de procedimento, como parte de uma sequência processual, não respeitando ao conteúdo do acto.
Ou seja: Não está em questão um erro de julgamento que pudesse ser objecto de recurso, mas uma nulidade processual, com o regime do artigo 195.º do CPC, por, no entender da recorrente, a decisão que conheceu da reclamação ter sido proferida em momento impróprio, sem que se tivesse praticado um ato – a notificação da decisão da Agente de Execução - que devia ter sido praticado antes dela, de acordo com a sequência legal.
E, de acordo com tal regime, ocorrerá nulidade decorrente da omissão da referida notificação, no caso de se entender que a irregularidade verificada influi no exame ou na decisão da causa (cfr. artigo 195.º n.º 1, do CPC).
Consagra-se um sistema que remete para uma análise casuística das situações irregulares, em que se invalida apenas o ato que não possa ser aproveitado, sendo que, invalidado um ato tal acarreta que se invalidem todos os subsequentes que se lhe sigam que daquele dependam absolutamente.
Quanto ao regime e meio de arguição, a regra é a de que o juiz só conhece destas nulidades mediante arguição da parte e o meio processual próprio para o fazer é a reclamação (cfr. artigos 196º e 197º do CPC).
Na realidade, das nulidades processuais reclama-se, não se recorre.
Assim, se houver um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir será a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente. A reclamação e o recurso não são meios de impugnação concorrentes, cabendo à parte reclamar previamente para suscitar a prolação de despacho sobre a arguida nulidade.
Assim, o que pode ser impugnado por via do recurso é a decisão que conhecer da reclamação por aquela nulidade – e não a nulidade ela mesma. “A perda do direito à impugnação por via da reclamação – caducidade, renúncia, etc. – importa, simultaneamente, a extinção do direito à impugnação através do recurso ordinário. Isto só não será assim no tocante às nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal ad quem e no tocante às nulidades – exceções – que sejam oficiosamente cognoscíveis. Também Miguel Teixeira de Sousa afirma que “(…) quando a reclamação for admissível, não o pode ser o recurso ordinário, ou seja, esses meios de impugnação não podem ser concorrentes; – se a reclamação for admissível e a parte não impugnar a decisão através dela, em regra está precludida a possibilidade de recorrer dessa mesma decisão. Possível é, no entanto, a impugnação da decisão através de reclamação e, perante a sua rejeição pelo tribunal, a continuação da impugnação através de recurso ordinário”. Ainda na doutrina, Abrantes Geraldes, entende que: “As nulidades que não se reconduzam a alguma das situações previstas no art. 615º, n.º 1, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição que é incompatível com a sua invocação apenas no recurso a interpor da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se às decisões que tenham sido proferidas sobre arguições oportunamente deduzidas com base na omissão de certo ato, na prática de outro que a lei não admitia ou na prática irregular de ato que a lei previa”” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-03-2020, Pº 305/15.6T8MNC-E.G1, rel. ANTÓNIO BARROCA PENHA).
Ou seja, conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-09-2019 (Pº 240/16.0T8MAI-B.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA): “As nulidades processuais secundárias, inominadas ou atípicas, previstas no nº1, do art. 195º, do CPC, têm um regime específico de arguição e devem obedecer a meio próprio: têm de ser arguidas pela parte, dentro do prazo e pelo meio processual reclamação (cfr. art. 196º, parte final do CPC), sob pena de sanação”.
Contudo, como se viu, tem-se admitido que, se interposto recurso em vez de se ter arguido a nulidade processual, poderá o indevido uso do meio processual ser ainda corrigido pela via da convolação (art. 193.º, n.º 3 do CPC), se tal se mostrar ainda possível, ou seja, se o recurso tiver sido interposto dentro do prazo da arguição da nulidade (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-10-2018, Pº 2121/09.5TBALM.L1, rel. PEDRO MARTINS).
Nesta medida, deveria a remidora ter arguido a nulidade processual por reclamação para o juiz, ou, então, recorrer no prazo de arguição da nulidade, caso em que poderia ser convolado um tal meio processual.
Como se disse também, relativamente às nulidades em geral (ou seja, ressalvados os casos especialmente regulados a que se refere o artigo 198.º do CPC, por referência às nulidades mencionadas nos artigos 186.º, 193.º, n.º 1, 187.º e 194.º do CPC, que não têm aplicação ao caso dos autos), o n.º 1 do artigo 199.º do CPC estabelece que, “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição [por força do disposto no n.º 1 do artigo 149.º do CPC, o prazo para o efeito é o de 10 dias] conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
Assim, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-01-2018 (Pº 80/12.6TBMAI-C.P1, rel. MIGUEL BALDAIA DE MORAIS), relativamente a nulidade processual de cariz secundário, “tratando-se de nulidade perpetrada na ausência da parte, tem esta de a arguir, sob pena de preclusão, no prazo geral de 10 dias (art. 149º, nº 1 do Código de Processo Civil), contados a partir do momento em que intervém em ato processual posterior, ou em que é notificada para ato processual posterior”.
No caso, a remidora, representada pelos seus pais, apresentou reclamação “relativamente à não admissão do exercício de direito de remição”, o que fez, em 13-07-2020, manifestando a sua discordância com a decisão tomada pela Agente de Execução e concluindo, como se viu, pela revogação da mesma, mas sem que, nesse ato processual tenha, por qualquer modo, invocado a nulidade processual decorrente da omissão da notificação da decisão de 03-07-2020, invocação que apenas veio a ter lugar em 16-10-2020, com a alegação do presente recurso e respetiva motivação e conclusões.
Em face do exposto é, pois, de ter como extemporânea a invocação de tal nulidade, dado que, por força do sobredito regime legal e da ausência de reclamação sobre a mesma, a nulidade ocorrida encontrava-se, então (quando foi invocada), já sanada.
Não tendo, assim, arguido a nulidade apontada (perante o Tribunal recorrido), que, por isso, não foi objeto de decisão (daquele tribunal) a apreciá-la, não pode o recorrente vir, agora, erigi-la em concreto e específico fundamento de recurso de apelação, tudo conduzindo à conclusão de que inexiste motivo para a declaração da invocada nulidade.
Conclui-se, pois, inexistir motivo para declarar a nulidade arguida, já sanada, pelo que, improcedem as conclusões, em contrário, expressas pela apelante.
* B) Se a decisão recorrida é nula, por o Tribunal não se ter pronunciado sobre a alegada falta de notificação (cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC)?
Noutro plano, mas ainda relacionado com a ausência de notificação da decisão de 03-07-2020, conclui-se na alegação de recurso o seguinte: “(…) 12) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo também não se pronunciou acerca da alegada falta de notificação, pelo que o despacho que confirmou a não admissão do exercício do direito de remissão por parte dos ora Recorrentes, em representação da sua filha MGM, é igualmente nula, tendo em conta o disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC; 13) Nulidade que ora se invoca e deve ser declarada com todas as consequências legais daí resultantes;(…)”.
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, uma sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Vejamos se, no caso, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer, sabendo-se que, é “frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132).
Apenas existirá nulidade da sentença por pronúncia indevida ou por omissão de pronúncia com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Processo 07A091, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608.º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
Conforme se clarificou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2020 (Pº 496/13.0TVLSB.L1.S1, rel. PEDRO DE LIMA GONÇALVES): “De harmonia com o disposto no artigo 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença (…) deve conhecer, em primeiro lugar, de todas as questões processuais (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica. Seguidamente, devem ser conhecidas as questões de mérito (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no n.º 2 do mesmo artigo 608.º. Nesta linha, constituem questões, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente. Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito. E a omissão de pronúncia quanto a tais questões constitui fundamento de nulidade do Acórdão, por força do disposto na 1ª. parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666.º, n.º1, do mesmo diploma)”.
Como se referiu, tendo presente o n.º 2 do art. 608º do CPC, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção. “O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que, a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
Contudo, importa sublinhar que “a questão de saber se ocorreu no decurso do processo uma omissão de notificação susceptível de influir no exame e decisão da causa nos termos previstos no artigo 195.º do CPC, com a consequente anulação dos termos processuais posteriores à mesma, designadamente da sentença recorrida, não se confunde com a nulidade por omissão de pronúncia a que alude agora o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por referência ao artigo 608.º, n.º 2, a qual está configurada para a decisão de mérito do juiz que lavra a sentença sem decidir todas as questões que as partes lhe colocaram para resolução” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-06-2016, Pº 406/13.5TBVNO-A.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que, como resulta do supra exposto, consideradas as questões a decidir pelo Tribunal recorrido e que foram objeto da reclamação operada, entre elas não constava a da nulidade por falta de notificação.
Assim, a aludida questão não se inscrevia no conjunto de questões que constituíram o objeto da decisão da reclamação apresentada – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Mas, para além disso, a questão em apreço não era, como se viu, de oficioso conhecimento, antes dependendo de arguição dos interessados na respetiva anulação (cfr. artigos 149.º, n.º 1, 196.º, 199.º, n.º 1, do CPC).
Inexistia, pois, dever do Tribunal recorrido proferir alguma decisão sobre a aludida questão que, repita-se, não foi tempestivamente arguida pela interessada, apenas o tendo sido em sede recursória.
Não se verifica, pois, ter a decisão recorrida incorrido na nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, por omissão de pronúncia, improcedendo a arguição de nulidade correspondente.
* C) Se a decisão viola os artigos 202.º e 205.º da CRP e é nula, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC)?
Conclui-se na alegação de recurso que: “37) Lendo, atentamente, na decisão recorrida verifica-se que não se indica um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos Recorrentes; 38) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 205º da C. R. P., uma vez que segundo esta disposição Constitucional, “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei”; 39) A decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada (…); 42) A decisão recorrida viola o disposto no artigo 202º da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”, circunstância que neste caso se não verifica; 43) O (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, ao não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem sequer aplicar as normas legais aplicáveis ao caso em concreto; 44) A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo limitou-se, apenas e tão só, a emitir um Despacho “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões; 45) Deixando a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas, cometendo, pois, uma nulidade; (…) 46) O Despacho recorrido não está fundamentado, tanto de facto, como de direito, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 158º do C.P.C.: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”; 47) Nos termos do n.º 2 da mesma norma legal/processual: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”; 48) Neste caso em concreto, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, pelo que a mesmo é nula; (…)”.
Vejamos:
Estabelece o artigo 205.º, n.º 1, da Constituição que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Vol. III, 2.ª ed., Universidade Católica Portuguesa, 2020, pp. 61-62) “a fundamentação das decisões judiciais deve ser expressa, clara e coerente e suficiente. a) Antes de mais, a fundamentação há de ser expressa. Apesar de, em confronto com o artigo 268.º, n.º 3, que trata da fundamentação dos atos administrativos, nada se dizer no artigo 205.º quanto ao carácter expresso da fundamentação, uma opção que deixe ao destinatário a descoberta das razões da decisão não cumpre a exigência constitucional de fundamentação, justamente porque “fundamentar é pôr em comunicação” e “O próprio ato de pôr em comunicação não pode deixar de ser comunicado” (ANTÓNIO CORTÊS, A fundamentação, pág. 301) b) A fundamentação deve, além disso, ser clara e coerente. Os motivos apresentados pelo órgão decisor não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos, que tornam o raciocínio que lhe está subjacente em algo imprestável para a inteligibilidade da decisão. Como refere VIEIRA DE ANDRADE [O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Coimbra, 2003 (reimp.), pág. 234], uma declaração incongruente “não é uma fundamentação, porque não pode ser um discurso justificativo, faltando-lhe a racionalidade que é uma condição necessária de toda a decisão pública de autoridade num Estado de Direito”. c) Por fim, a fundamentação há de ser suficiente. Naturalmente, como foi sublinhado nos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1997 pelo deputado Miguel Macedo, a Constituição não pretende impor “fundamentações densas, particularmente de origem doutrinária”, mas antes uma “fundamentação adequada, obviamente, à importância e circunstância da decisão judicial em causa” (Diário da Assembleia da República, de 26.7.1997, pág. 17 (…)). Mas, para que a fundamentação seja suficiente, dela devem constar os motivos, de facto e de direito, que justificam o sentido da decisão, de modo a que o destinatário a possa compreender e, sobretudo, apreciá-la criticamente. Na medida em que toda a questão jurídica é simultaneamente uma questão de facto e uma questão de direito, a fundamentação da decisão há de refletir essa bidimensionalidade (…)”.
Mas, a fundamentação deverá também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
A lei processual concretiza no artigo 154.º do CPC o comando constitucional.
Prescreve o n.º 1 do artigo 154.º do CPC que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
O dever de fundamentação apenas é dispensado no caso das decisões de mero expediente. “Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a respetiva decisão deverá ser fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso. Naturalmente que tal dependerá da complexidade das questões ou da maior ou menor discussão que exista na jurisprudência ou na doutrina acerca das mesmas. Noutros casos a simplicidade da fundamentação é expressamente anunciada por preceitos legais (art. 385.º, n.º 3, a respeito dos alimentos provisórios, ou o art. 664.º, n.º 5, a respeito de certos recursos de apelação). (…). Não pode medir-se a fundamentação pelo seu “volume” ou “extensão”, antes pelo seu conteúdo substancial.” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 188).
Por sua vez e na linha da previsão constitucional, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, será nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Sobre a nulidade por falta de fundamentação, “o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 140).
Na verdade, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 615º do CPC. A fundamentação deficiente, medíocre, incompleta ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-1975, in BMJ 246º, p. 131; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-03-1980, in BMJ 300º, P.438; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-1982, in BMJ 319º, p.343, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, P.º 983/11.5TBPBL.C1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2012, P.º 5313/11.3YYLSB-A.E1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-03-2018, Processo 908/17.4T8FNC-B.L1-8, relatora TERESA PRAZERES PAIS e o Acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-03-2016, Processo 171/15.1T8AVR.P1, relatora PAULA MARIA ROBERTO).
Dispõe o n.º 2 do artigo 154.º do CPC que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não se tenha oposto ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Para além desta previsão, tem-se entendido que a forma de fundamentação – por remissão – é admissível (neste sentido, o Ac. Tribunal Constitucional n.º 147/2000, Proc. nº 56/00, rel. ARTUR MAURÍCIO; o Ac. Tribunal Constitucional n.º 396/2003, de 30-07-2003, proferido no Processo n.º 485/03, rel. PAULO MOTA PINTO, publicado no D.R., II Série, de 04-02-2004; o Ac. Relação de Lisboa 13-10-2004, proferido no Proc. 5558/04-3; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-09-2017, Processo 18/16.1T9MAC-B.G1, rel. ALDA CASIMIRO), não determinando, por si, nulidade por falta de fundamentação, “desde que cumpra com a razão de ser da imposição constitucional e legal da fundamentação: dar a conhecer as razões de decidir de modo que, nomeadamente, permita dissentir” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-12-2019, Processo 3689/19.3 T8LRS-F.L1-6, rel. ANA DE AZEREDO COELHO).
De facto, conforme evidencia Rui Pinto (“Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC”, in Julgar Online, maio de 2020, p. 11, disponível em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamat%C3%B3rios-comuns-da-decis%C3%A3o-civil-Rui-Pinto-v2.pdf): “(…) o artigo 154.º impõe ao tribunal o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, a qual fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição da parte. Poderá, porém, consistir numa adesão a outra decisão, em clara economia processual. Exemplos: é “nulo um despacho que omite por completo a fundamentação em que se baseia, limitando-se a deferir o requerido” (RG 21-5-2015/Proc. 1/08.0TJVNF-EK.G1 (ANA CRISTINA DUARTE)); porém, nada “obsta a que a fundamentação se faça por adesão à fundamentação jurídica de anterior acórdão de tribunal superior” (STA 20-5-2015/Proc. 050/15 (PEDRO DELGADO)) (…)”.
No caso, verifica-se que a decisão recorrida de 01-10-2020 enuncia, por um lado, a sua tempestividade e, por outro, a matéria de facto/atos pertinentes para a decisão da mesma.
A decisão recorrida encontra-se, nesta medida, devidamente fundamentada em termos de facto.
Mas, para além disso, divisa-se na decisão recorrida a apreciação da questão jurídica suscitada, com referência à previsão do artigo 842.º do CPC e adesão aos argumentos expendidos no acórdão citado na mesma, concluindo-se e decidindo-se no sentido de que não assistia à reclamante, legitimidade para remir/direito de remição.
Olhando à decisão recorrida, conjugada, claro está, com os factos resultaram apurados, verifica-se que nela se apresenta uma percetível argumentação jurídica, ainda que por remissão, tendo sido dito o essencial, com um conteúdo, fundamentos e decisão, perfeitamente inteligíveis: foi feita uma correlação entre o comportamento solicitado pela requerente e a ausência de verificação dos pressupostos de facto e de direito para a concessão do direito pretendido exercer, com alusão aos argumentos da jurisprudência citada, que permitem conhecer as razões da decisão e permitindo delas discordar, tendo sido cumprido, de forma suficiente, o dever de fundamentação que se impunha ao tribunal (cfr. artigo 205.º, n.º 1 da Constituição e artigo 154º do CPC).
Não se verifica qualquer inobservância do disposto no n.º 2 do artigo 154.º do CPC, sendo certo que, não foi efetuada a adesão a fundamentos alegados sobre a questão (pelo requerente/opoente), antes, foi explicitado o entendimento do Tribunal sobre a temática, com o auxílio e acolhimento dos argumentos constantes de decisão judicial pregressa em situação análoga, o que era legítimo ao Tribunal recorrido efetuar.
E, como tal, resta concluir pela improcedência da arguição de nulidade da decisão recorrida, fundada no artº 615º, nº 1, al. b), do CPC, não se mostrando inobservadas as prescrições constantes dos artigos 202.º e 205.º da CRP, sendo certo que, o Tribunal recorrido atuou nos autos em apreço de harmonia com a pauta de exigência da sua intervenção relativamente à questão suscitada a respeito da remição.
Já questão diversa é a discordância com os fundamentos sucintamente enunciados, mas aí a divergência não se resolve no plano da nulidade da sentença, antes, no do eventual erro de julgamento inscrito na decisão recorrida, o que coloca a questão no plano da sua eventual revogação por ilegalidade.
Improcede, pois, a nulidade arguida.
* D) Se a decisão recorrida viola o disposto no artigo 842.º do CPC?
Vem também alegado no recurso que: “(…) 14) Verifica-se ainda que de acordo com o elemento literal do artigo 842º do Código de Processo Civil, nada há que impeça o exercício do direito de remissão por parte da filha do executado MM; 15) Antes pelo contrário, tal disposição legal permite que tal direito seja exercido por parte da filha do executado; 16) Dispõe o artigo 842º do Código de Processo Civil, que tem como epígrafe “A quem compete” inserido na Secção VI, que tem como título “REMISSÃO”, o seguinte: “Ao cônjuje que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”; 17) MGM é descendente, filha de MM, que por sua vez é executado nos autos, conforme se comprovou através da junção da respetiva certidão do assento de nascimento; 18) O bem penhorado nos autos foi adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos; 19) Pelo que os Recorrentes, em representação da sua filha MGM, têm direito ao exercício do direito de remissão do mesmo bem, tal como exerceram; 20) Tal exercício foi-lhes negado ilegalmente e sem fundamento válido, primeiro pela Sra. Agente de Execução e depois pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo; 21) A Exequente Caixa Geral de Depósitos, parte mais interessada na resolução da questão, não levantou qualquer obstáculo ao exercício do direito de remissão por parte de MGM; 22) É certo que o bem penhorado e adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos não pertence ao executado MM, mas à sociedade Átrio de Pedra – Mármores e Granitos, Lda., também executada nos autos; 23) Embora sejam pessoas juridicamente distintas, o referido artigo 842º não faz qualquer distinção a esse respeito; 24) Conforme é referido expressamente em tal disposição legal, “…aos descendentes … do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados …, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação; 25) Dúvidas não existem em como a filha do executado MM tem direito a remir o bem adjudicado à Exequente Caixa Geral de Depósitos; 26) Entrando na lógica que preside à figura do instituto da remissão, embora o bem penhorado e adjudicado não esteja diretamente na esfera jurídica do executado e ora Recorrente MM, certo é que este é sócio da referida sociedade e portanto com legítimas espectativas de, uma vez liquidado o património da sociedade, o mesmo bem poder vir a ingressar no seu património pessoal; 27) Mesmo considerando os fins que presidiram à criação da figura do instituto da remissão, este não poderá excluir a situação de a filha do executado, sócio da sociedade proprietária do bem adjudicado, poder remir este bem; 28) Especialmente quando nenhuma oposição foi manifestada pelo Exequente e a quem foi adjudicado o mesmo bem; 29) Assim, deve a decisão recorrida ser revogada por violação do disposto no artigo 842º do CPC, com todas as consequências legais daí resultantes; (…)”.
Apreciemos se a decisão recorrida é violadora da invocada disposição legal.
Como já se aludiu antes, o direito de remição, que se encontra previsto nos artigos 842º a 845º do CPC, consiste num direito de preferência legal, de formação processual, na medida em que visa tutelar a manutenção e a intangibilidade do património familiar, evitando, por essa via, e quando é exercido, a saída dos bens do campo do património da família do executado, muitas vezes, por razões sentimentais e memórias familiares que lhes estão associadas (cf. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, p. 621).
Pretende-se por este instituto jurídico proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, atribuindo-se a pessoas próximas do executado, por razões de ordem económica e moral, a possibilidade de aquisição do bem alienado na execução, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução (cfr., v.g., o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-12-2014, Pº 306/05.2TBPCV-F.C1, rel. MARIA INÊS MOURA, onde se sublinhou que “o direito de remição encontra a sua origem na ideia de protecção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência”).
E, daí, a razão pela qual tal direito só ser deferido por lei ao cônjuge (não separado judicialmente de pessoas e bens do executado) e aos familiares (descendentes ou ascendentes) do executado, referidos no artigo 842º do Código de Processo Civil, pela hierarquia estabelecida no artigo 845º do mesmo Código.
É certo que, alguma doutrina (cfr. Miguel Teixeira de Sousa; no Blog do IPPC, consultado em: https://blogippc.blogspot.com/2018/05/pode-o-executado-exercer-o-direito-de.html) admite a possibilidade de o direito de remição ser exercido pelo próprio executado, se, ainda que tenha tal qualidade processual, o mesmo não for o devedor da dívida exequenda, concluindo o referido Autor que, “(…) o exercício do direito de remição pelo executado só está excluído quando a dívida for do próprio executado, dado que seria estranho que se admitisse que o executado que não pagou a dívida exequenda pudesse adquirir o bem cuja venda se destina a pagar essa mesma dívida. Se o executado possui liquidez para comprar o bem vendido na execução, o que se pode esperar é que essa liquidez seja utilizada para pagar, pelo menos parcialmente, a dívida exequenda, o que, aliás, até pode deixar sem justificação, atendendo ao princípio da instrumentalidade da venda executiva (cf. art. 813.º, n.º 1, CPC), a própria venda do bem que tinha sido penhorado. De acordo com o critério enunciado, o herdeiro que se torna executado por habilitação pode exercer o direito de remição na venda do bem da herança que se encontra penhorado, mas já não o pode fazer o cônjuge executado quanto a um bem comum ou a um bem próprio do outro cônjuge que responde por uma dívida comum. Dado que o que releva para o reconhecimento do direito de remição é que o executado não seja o devedor da dívida exequenda, o mesmo há que concluir no caso da pluralidade de executados, designadamente por haver uma pluralidade de devedores, uma pluralidade constituída pelo devedor e pelo fiador e ainda uma pluralidade integrada pelo devedor e pelo terceiro que é titular do bem sobre o qual recai a garantia real (cf. art. 54.º, n.º 2, CPC)”.
Contudo, se bem se vir, o exercício do direito de remição não se encontra previsto quanto ao executado, mas sim, relativamente a terceiros. Caso o executado pretenda solver a dívida exequenda, poderá sempre fazê-lo, de harmonia com o regime previsto no artigo 846.º do CPC, faculdade que, aliás, tem qualquer outra pessoa. Mas, ao invés, não parece que a lei pretenda “estender” ao executado, que dispõe de uma tal faculdade de proceder ao pagamento voluntário, a possibilidade de exercer a remição sobre bens em execução, instituto com beneficiários tipificados, finalidade específica e caráter excecional (neste sentido, não vislumbrando interesse prático na “extensão” de tal faculdade ao executado, vd. Cátia Marisa Rodrigues; O (des)equilíbrio das partes na ação executiva; Universidade do Minho – Escola de Direito; Julho 2019, p. 111, disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/72156/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20C%C3%A1tia%20Marisa%20Rodrigues.pdf).
Assim, como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2017 (Pº 1629/13.2TBAMT.P1.S1, rel. LOPES DO REGO): “O direito de remição traduz-se na atribuição a determinados familiares próximos do executado – que não figurem, eles próprios, também como executados na causa – de um direito legal de preferência de formação processual, qualificado, na medida em que prevalece sobre os demais direitos de preferência, funcionalmente direccionado para a tutela do património familiar, obstando à sua transmissão a terceiros, adjudicatários ou compradores em processos de natureza executiva”.
Nesta linha, cumpre evidenciar que, no caso e relativamente à questão em apreço, quem se aprestou a remir foi a filha do executado MM (e não, pessoalmente, o executado, pelo que, não tem sentido a conclusão 19.ª expressa na alegação de recurso).
A questão apreciada pelo Tribunal recorrido foi, no contexto dos autos, a de saber se, face a imóvel penhorado da executada sociedade, era legítimo à filha de co-executado desta, pretender exercer o direito de remição, tendo concluído negativamente.
A decisão louvou-se e concordou com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2018 (Pº 2387/16.4T8CBR-E.C1, rel. FONTE RAMOS), cujo sumário é do seguinte teor: “1. O direito de remição que a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em linha recta do executado (art.º 842º do CPC) apresenta-se como um especial direito de preferência e tem por finalidade a protecção do património familiar, evitando, quando exercido, a saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado. 2. É um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens, que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência e que permite aos familiares mais próximos do executado preterir a proposta de compra apresentada por terceiros, evitando que os bens saiam da família e integrem património de estranhos. 3. Na situação dos autos, a família do sócio e gerente da sociedade (por quotas) executada em nada se confunde ou identifica com a realidade jurídica, distinta e autónoma, desta sociedade e, menos ainda, com o lastro ostensivo inerente à actividade da empresa/estabelecimento comercial a que respeitam os bens móveis penhorados e vendidos, o que obsta ao exercício do direito de remição por parte do filho daquele legal representante da sociedade (também executado). 4. Diversa poderia ser a solução se porventura estivesse em causa a penhora e a venda da quota social do executado na sociedade executada (cf. o art.º 239º do CSC), o que não sucede, ou, então, se se tratasse de penhora e venda do estabelecimento comercial pertencente, v. g., a um ascendente do remidor, o que também não se verifica, já que a empresa/estabelecimento comercial em causa encontra-se na esfera jurídica da sociedade executada. 5. Não ocorrendo as situações ditas em 4. em que se afigura admissível o exercício do direito de remição pelo familiar segundo a previsão do art.º 842º do CPC, e independentemente de estarmos em presença de “pequenas e médias empresas que fundamentalmente funcionam como empresas familiares” (não demonstrado), é de afastar o direito de remição, sob pena de quedar irrelevante a existência de uma individualidade jurídica distinta dos sócios (sociedade executada detentora da empresa) e da efectiva e necessária autonomia patrimonial dos bens da sociedade que integram o mencionado lastro ostensivo”.
Ora, concorda-se integralmente com este entendimento, porque, de facto, como se disse, o instituto jurídico da remição é conferido a um círculo de pessoas próximas do executado titular do bem a vender, titularidade essa que não existe relativamente ao executado MM.
Importa referir que interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (assim, Manuel de Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, pp. 21 a 26).
Nesse campo rege fundamentalmente o artigo 9.º do CC, sendo certo que, conforme decorre do n.º 3 do preceito, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
A letra ou o texto da norma é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, constituindo a apreensão literal do texto já interpretação, embora incompleta, tornando-se sempre necessária uma tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal.
A letra da lei funciona simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação, sendo-lhe assinalada uma dimensão negativa que é a de eliminar tudo quanto não tenha qualquer apoio ou correspondência ao menos imperfeita no texto.
Mas, para determinar o alcance da lei, o intérprete não pode limitar-se ao sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal, sendo necessário indagar com o pensamento legislativo. A missão do intérprete é justamente descobrir o conteúdo real da norma jurídica, determinar em toda a amplitude o seu valor.
Assim, na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal intervêm elementos sistemáticos, históricos, racionais e teleológicos.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões paralelas; compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pela edição da norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
A final, culminando todo um trabalho hermenêutico, o intérprete atingirá um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa; interpretação extensiva; interpretação restritiva.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger o sentido literal ou um dos sentidos literais que o texto direta e claramente comporta, por esse caber no pensamento legislativo.
Na interpretação extensiva, o intérprete reconhece que o legislador foi traído pelas palavras que utilizou, levando-o a exprimir realidade diversa, pois, o sentido da norma ultrapassa o que resulta estritamente da letra.
Na interpretação restritiva, o intérprete reconhece que o legislador, utilizou uma forma demasiado ampla, quando o seu sentido é mais limitado. Neste caso, deve proceder-se a operação inversa, ou seja, restringir o texto para exprimir o verdadeiro sentido da lei.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, afigura-se que, ainda que, em sentido estrito ou literal, se possa pugnar no sentido de que as pessoas enunciadas no artigo 842.º do CPC a quem competirá o direito de remição são todas as que sejam cônjuge, descendentes ou ascendentes de quem seja “executado”, qualquer que seja a sua posição relativamente aos bens a vender, os demais elementos de interpretação, designadamente, os elementos sistemático e teleológico de interpretação, demandam uma interpretação no sentido de que deve existir uma relação entre a titularidade do direito de remição e o património sobre que incide o objeto do direito de remição.
Com efeito, a razão de ser do instituto da remição – radicada na proteção do “património familiar”, obstando à sua transmissão a terceiros, adjudicatários ou compradores em processos de natureza executiva – demanda que, para existir legitimidade para o exercício da remição, ocorra uma especial relação entre o património a tutelar e o beneficiário/remidor, a qual não derivará de qualquer qualidade parental ou matrimonial com qualquer executado, mas terá de ter em conta a viabilidade de o remidor proteger, por via do exercício da remição, o património do executado a que se reporta o bem a vender.
De facto, não faria sentido prever o direito de remição com uma abrangência tal, que não se coaduna com a excecionalidade do instituto, desadequando-o da sua razão de ser e finalidade (finalidade esta que já seria considerada no caso, que não se verifica, de estar em questão a venda da quota social do executado MM na sociedade executada – cfr. artigo 239.º do Código das Sociedades Comerciais).
E, note-se que, como bem se sublinhou no acórdão citado na decisão recorrida, a posição do executado MM é juridicamente distinta da posição da sociedade – a quem pertence o bem objeto de penhora – e esta autonomia patrimonial, existente entre a sociedade executada e o referido executado, não viabiliza a que os familiares deste último se possam arrogar titulares de direito de remição sobre bens daquela.
Não infirma esta conclusão, a circunstância de o executado ser sócio da sociedade, titular do bem a vender, pois, de facto, uma e outra qualidade jurídica não se confundem, apresentando uma individualidade própria, o que, coaduna a interpretação normativa, com as regras legais que disciplinam a vida societária, inclusive nas relações da sociedade com os seus sócios.
E, note-se que, a mera expectativa (mais ou menos remota e sempre dependente da liquidação social) de o sócio poder, em caso de liquidação da sociedade, vir a receber bens sociais (cfr. artigos 141.º e ss. e 156.º do Código das Sociedades Comerciais), não determina, nem confere qualquer posição particular ou preferência relativamente ao bem em execução, caso em que, certamente a lei – sabendo-se que o legislador consagrou no texto normativo as soluções mais adequadas (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do CC) - não deixaria de contemplar, entre os beneficiários do artigo 842.º do CPC, o sócio da sociedade cujos bens fossem vendidos.
Finalmente, também não é a circunstância de a exequente não ter deduzido oposição à pretensão de remição que confere algum direito processual à requerente da remição, dado que, tal circunstância, não se inscreve nos pressupostos de aplicação do instituto em apreço, não dependendo a remição para a sua procedência ou improcedência da posição que o exequente tome no processo relativamente a tal exercício processual.
A decisão recorrida não merece, pois, qualquer reparo, não se mostrando violado o disposto no artigo 842.º do CPC.
* E) Se a decisão recorrida violou os princípios consignados nos artigos 13º, 18º, 20º, 62º e 67º da CRP (cfr. artigo 204.º da CRP)?
Finalmente, é também invocado no recurso o seguinte: “(…) 30) O Despacho recorrido viola o disposto no artigo 13º, 18º, 20º, 62º e 67º da Con[s]tituição da República Portuguesa; 31) Os Recorrentes, em representação da sua filha MGM, estão a ser tratados diferentemente dos outros cidadãos, que em idênticas situações, lhes é permitido a remissão dos bens que são adjudicados ou vendidos no âmbito de uma execução (artigo 13º da CRP); 32) A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo tais restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º, n.º 2, da CRP); 33) O direito de remissão por parte da filha dos Recorrentes não pode deixar de constituir um direito, liberdade e garantia, quer no que respeita ao exercício do direito de adquirir a propriedade de um bem, quer no que respeita à salvaguarda da família como elemento fundamental da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (artigos 20º, 62º e 67º da CRP); 34) O exercício de tal direito por parte da filha dos Recorrentes não colide com outros direitos ou interesses legalmente protegidos, como sejam os da Exequente (…). 41) A decisão recorrida viola os princípios consignados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente consignados nos referidos artigos 13º, 18º, 20º, 62º e 67º;(…)”.
Estão em causa os seguintes preceitos do texto constitucional:
- Artigo 13.º (Princípio da igualdade): “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”;
- Artigo 18.º (Força jurídica): “1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”;
- Artigo 20.º (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva): “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”;
- Artigo 62.º (Direito de propriedade privada): “1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição. 2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização”; e
- Artigo 67.º (Família): “1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família: a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares; b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade; c) Cooperar com os pais na educação dos filhos; d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes; e) Regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana; f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares; g) Definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global e integrado; h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar”.
Ora, reapreciada a decisão recorrida e ao contrário do que pugnado pela recorrente, não se vislumbra ofensa, pela mesma, de algum dos princípios contidos nos preceitos citados.
De facto, desde logo, não se vislumbra alguma postergação do princípio da igualdade.
Deriva do princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP - que o legislador deve tratar por igual aquilo que é essencialmente igual e desigualmente aquilo que é essencialmente desigual. Daqui deriva uma proibição do arbítrio.
Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 339), a respeito do estruturante princípio da igualdade, “o seu âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com os critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. nº2, onde se faz expressa menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas da natureza social, económica e cultural (cfr., por ex., arts. 9º/d e f, 58º-2/b e 74º-1)”.
Ora, não há desigualdade alguma, quando a norma estabelece uma forma de tratamento igual para todos os que estejam na mesma situação da respetiva previsão.
No caso, não se vislumbra que ocorra algum tratamento diferenciado ou discriminatório da recorrente relativamente aos demais cidadãos que, na mesma situação e pressupostos factuais, pretendessem exercer uma tal pretensão, pelo que, não se vislumbra alguma ofensa ao aludido princípio constitucional.
Por outra parte, também não ocorre restrição alguma de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados, limitando-se a decisão recorrida a atestar a inexistência do direito de remir, por parte da respetiva pretendente, sem que tal juízo influa, de qualquer modo, nas condições materiais relativas à aquisição do direito de propriedade por aqueles que detenham as qualidades legais para exercer o direito de remição e observem os seus pressupostos processuais de aplicação. Apenas sucede que a recorrente não se encontra nesse leque de titulares, por não ter relação alguma com a sociedade executada e cujo bem se encontra em venda. A fixação legal dos termos e limites de aplicação do direito de remição, proporcionados ou razoáveis, face à função e à finalidade do instituto jurídico em questão na ordem jurídica portuguesa, não ofende, de alguma forma, o núcleo o direito de propriedade, constitucionalmente garantido pelos artigos 18.º, n.º 2 e 62.º da CRP.
Quanto ao n.º 1 do artigo 67.º da CRP, prescreve-se que a família, elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
Por outro lado, “as várias alíneas do nº 2 do mesmo preceito, constituem normas de natureza meramente programática dirigida ao Estado” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018 (Pº 458/04.9TBVLN.G1, rel. FERNANDA PROENÇA FERNANDES).
Conforme referem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora 2010, p. 1359), “o legislador constitucional enuncia uma série de incumbências do Estado para a protecção da família. E, uma vez que se está perante prestações não vinculadas, o artigo 67.º só ganha, em princípio, um conteúdo positivo através da interpositio do legislador (Ac. n.º 24/00), não conferindo um direito imediato a uma prestação efectiva, visto que não é directamente aplicável nem exequível por si mesmo (Ac. n.º 829/96). Ou seja, “ao contrário do que sucede no artigo 36.º (…) a Constituição não prevê aqui nenhuma liberdade fundamental, que, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º, seja directamente aplicável e tenha, por isso, um conteúdo determinado e determinável a nível constitucional (e não legal)” (…) (Ac. n.º 569/08)”.
Em face do sentido deste preceito constitucional não se pode configurar que o não reconhecimento à recorrente da titularidade do direito de remição (expresso na decisão recorrida como ausência de legitimidade da recorrente para o exercício de tal direito) comporte, por algum prisma, violação do aludido preceito, porque nele não se assegura o impedimento de toda e qualquer definição que a lei efetue sobre faculdades que os membros da família exerçam.
Finalmente, a respeito do artigo 20.º da CRP, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 409), neste preceito “está consagrado o princípio de que ninguém pode ser privado de levar a sua causa à apreciação de um tribunal e que o direito de acção ou de agir em juízo terá de efectivar-se através de um juízo equitativo, no sentido de se conformar de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, baseada no direito de defesa e ao contraditório, a prazos razoáveis de acção ou de recurso e direito ao conhecimento dos dados processuais”.
Contudo, como advertem Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora 2010, p. 436) “o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efectivação da garantia de acesso aos tribunais, incluindo aqueles que se prendem com a legitimidade”. Porém, “na previsão dos requisitos ou pressupostos necessários para a efectivação da garantia judiciária, o legislador ordinário está vinculado, nomeadamente, às exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, nas vertentes da adequação, da necessidade e da proporcionalidade, em sentido restrito” (assim, Gomes Canotilho e Vital Moreira; Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pp. 392-393).
E, se é certo que o remidor, apesar de “não ser parte, beneficia, quanto às condições procedimentais do exercício do direito que lhe assiste, da tutela conferida pelo art. 20º da Constituição, não podendo ser-lhe criados ónus ou obstáculos desproporcionados à efectivação da pretendida aquisição dos bens familiares: assim, no Ac. nº 277/07, o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio do processo equitativo, consagrados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação da norma do n.º 2 do artigo 912.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, segundo a qual só se considera validamente exercido o direito de remição, por um descendente do executado, no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, se for acompanhado do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta aceite” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2009, Pº 321-B-1997.S1, rel. LOPES DO REGO), não é menos acertado dizer que, no caso, tais condições procedimentais para o exercício da correspondente pretensão foram-lhe viabilizados, não lhe tendo sido coartado o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva da recorrente, pois, na realidade, foi permitido o seu acesso a juízo e a manifestação da correspondente pretensão em Tribunal, tal como lhe foi viabilizado o direito de reclamar e de recorrer.
Contudo, como é natural, a tutela destes direitos constitucionais não contempla a garantia de procedência de toda a qualquer pretensão apresentada, mas apenas a tutela daquelas pretensões que se achem conformes com a lei e o Direito.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-04-2013 (Pº 16842/04.5TJPRT.P1, rel. CARLOS GIL): “A garantia de acesso aos tribunais para defesa dos direitos fundamentais, demais direitos e interesses legalmente protegidos não significa que o legislador ordinário esteja vinculado a uma irrestrita admissibilidade de que toda e qualquer pretensão seja accionável judicialmente, independentemente da verificação de determinados requisitos ou pressupostos”.
Pode, pois, concluir-se que, em conformidade com o previsto no artigo 20.º da CRP, o legislador ordinário tem competência para delimitar os pressupostos ou requisitos processuais de que depende a efectivação da garantia de acesso aos tribunais, incluindo aqueles que se prendem com a legitimidade, muito embora se encontra vinculado, nessa delimitação, às exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade. Mas, a garantia de acesso aos tribunais não significa que o legislador ordinário esteja vinculado a uma irrestrita admissibilidade, no sentido de que, toda e qualquer pretensão seja tutelada em juízo, independentemente da verificação de determinados requisitos ou pressupostos.
Ora, foi precisamente, balizada nos pressupostos legalmente prescritos, que se afiguram perfeitamente razoáveis, adequados e proporcionais à natureza e à finalidade do instituto da remição por pessoas com estreita relação com o executado, de acordo com os critérios de interpretação das normas jurídicas, que se desenvolveu a tarefa de aplicação do Direito do julgador.
Não foi, pois, violado o dispositivo constitucional vertido no artigo 20.º da CRP.
De acordo com o exposto, conclui-se que a decisão recorrida não violou os aludidos preceitos constitucionais.
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Tendo improcedido todas as questões suscitadas no presente recurso, o mesmo deverá improceder, mantendo-se, consequentemente, na íntegra, a decisão recorrida.
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No artigo 527.º, n.º 1, do CPC estipula-se que: “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cfr. artigo 529.º, n.º 1, do CPC).
As custas assumem, grosso modo, a natureza de taxa paga pelo utilizador do aparelho judiciário, reduzindo os custos do seu funcionamento no âmbito do Orçamento Geral do Estado (assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2°, 3.ª ed., p. 418).
A conjugação do disposto no art.º 527.º, n.ºs. 1 e 2 com o n.º 6 do art.º 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º do CPC permite aferir que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito, mas tal não sucede quanto à taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do respectivo impulso processual.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, p. 359). “Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., p. 419).
Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma actividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes.
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado, tendo presente, contudo, a especificidade acima apontada quanto à constituição da obrigação de pagamento da taxa de justiça, pelo que tal condenação envolve apenas as custas de parte e, em alguns casos, os encargos (cfr. Salvador da Costa; As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7.ª edição, pp. 8-9).
Como tal, sempre que haja um vencido, com perda de causa, é sobre ele que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial. “"Vencidos" são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas” (assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-1997, P.º 97S079, rel. MATOS CANAS).
Tendo em conta o referido e o vencimento havido, com total improcedência da apelação, a responsabilidade tributária inerente ao presente recurso deverá incidir sobre a recorrente.
* 5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 21 de outubro de 2021.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes