INVENTÁRIO
VENDA JUDICIAL
REGIME APLICÁVEL
AÇÃO EXECUTIVA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
REVISTA EXCECIONAL
PRESSUPOSTOS
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
NULIDADE DE DESPACHO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Na sequência do pedido formulado na conferência de interessados nos autos de inventário para partilha dos bens comuns subsequente ao divórcio de AA e BB foi ordenada a venda do imóvel identificado sob a verba nº 1 da respectiva relação de bens por propostas em carta fechada e, caso a mesma se frustrasse, por negociação particular.

Frustrada a venda por propostas em carta fechada veio e Encarregado da Venda (EV) apresentar, em 23MAR2019, proposta de aquisição no montante de 144.800 €, a qual foi notificada às partes.

Em 31MAI2019 foi proferido despacho fixando o valor mínimo da venda (144.500 €) e, reconhecendo-se que o preço constante da proposta apresentada era superior ao valor mínimo fixado, exortando o EV a envidar esforços tendente a obter melhor oferta em 30 dias.

Na sequência da sua notificação para permitir a realização de seis visitas veio a inventariada requerer nova avaliação do imóvel, o que lhe foi indeferido, mantendo-se o já fixado preço mínimo.

Em 20SET2019 veio o EV informar que se mantinha a oferta de aquisição, não tendo obtido melhor proposta.

Tendo então sido ordenada a emissão de certidão para a realização da venda, a qual se veio a realizar em 16OUT2019, por documento particular autenticado.

Vieram então os inventariados arguir a nulidade da venda por violação do contraditório, designadamente por falta de comunicação da proposta, da sua aceitação e da data da venda; arguição essa que não foi atendida com o fundamento de que, ainda que se considerasse ocorrer irregularidade na falta de comunicação da data da venda, isso não teve qualquer influência no desfecho da mesma, uma vez que os inventariados não só bem sabiam que a venda por negociação particular estava há muito determinada como tiveram conhecimento da proposta apresentada, não lhes faltando oportunidade de diligenciarem pela obtenção de melhor proposta, resultando do seu silêncio uma aceitação tácita da mesma, não se vislumbrando aí qualquer quebra do contraditório. Posição essa que veio a ser, inteira e unanimemente, sufragada, pela Relação.

Vieram os inventariados interpor revista excepcional do acórdão que confirmou o despacho de indeferimento da arguição de nulidade da venda, com fundamento no art.º 672º, nº 1, als. a), b) e c), do CPC.

O Relator não admitiu o recurso.

Os Recorrentes reclamaram para a conferência, invocando ainda a nulidade do despacho reclamado por omissão de pronúncia.


Apreciando:

 - o despacho reclamado não se pronunciou quanto à verificação dos fundamentos específicos da revista excepcional (rectius, não ordenou a remessa dos autos à formação a quem está cometida competência para o efeito) porquanto essa questão estava prejudicada pela conclusão alcançada de que se não verificava um pressuposto de admissibilidade da revista excepcional – a admissibilidade de revista em termos gerais não fora a ‘dupla conforme’; não ocorre, pois, a invocada omissão de pronúncia;

- mostra-se regularizada a situação tributária;

- o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC);

- tal requerimento mostra-se devidamente instruído com alegação, conclusões e cópia do acórdão fundamento, satisfazendo os ónus de alegação específicos referidos no art.º 672º, nº 2, do CPC (artigos 637º, nº 2, e 639º do CPC);

- a revista excepcional é um meio de obviar à limitação do recurso de revista prevista no nº 3 do art.º 671º do CPC (‘dupla conforme’) e a sua aplicabilidade pressupõe que, não fora aquela dupla conformidade, a revista nos termos gerais (art.º 671º, nº 1, do CPC) seria admissível; não sendo tal revista de todo admissível é irrelevante a existência ou não de ‘dupla conforme’ e da possibilidade de a ela obviar através de revista excepcional;

- aplicando-se à venda de bens o regime do processo executivo (art.º 549º, nº 2, do CPC; anteriormente art.º 463º, nº 3) aplicar-se-á igualmente o respectivo regime de recursos, segundo o qual não cabe revista das decisões atinentes à venda de bens (art.º 854º do CPC);

- não se vislumbra a existência de qualquer especificidade da venda em processo de inventário relativamente à venda em processo executivo que determine a necessidade de qualquer adequação formal, designadamente uma diferenciação relativamente ao regime de recursos;

- ainda que assim se não entenda, também não é admissível revista nos termos do art.º 671º, nº 1, do CPC, porquanto o acórdão recorrido não conhece do mérito da causa nem põe termo ao processo;

- tão pouco seria de aplicar o art.º 671º, nº 2 do CPC porquanto este normativo apenas viabilizará, segundo alguma jurisprudência deste STJ – cf. acórdãos do STJ de 29JAN2019, proc. 1410/17.0T8BRG-A.G1.S2, 10FEV2020, proc. 383/17.3T8BGC-B.P1.S2, 12NOV2020, proc. 6333/15.4TOER-A.L1.S1, 10MAI2021, proc. 1641/19.8T8BRR.L1.S1, e 26MAI2021, proc. 5483/12.3TBFUN-I.L1.S1 -, o recurso de revista relativamente a acórdão da Relação que aprecie questões processuais quando esteja em contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, conforme preceituado na sua alínea b) (sendo que a autonomização dessa circunstância implica a exclusão da al. d) do art.º 629º do CPC – contradição com acórdão da Relação -  do elenco dos ‘casos em que o recurso é sempre admissível’ a que se refere a alínea a) do mesmo número) e o acórdão fundamento invocado é um acórdão da Relação.

- ainda que, na linha da tese contrária (cf. acórdão do STJ de 08SET2021, proc. 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1; ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, págs. 63 e 65-66; LOPES DO REGO, A dupla conforme – Cadernos do STJ – Secções Cíveis, Lisboa, 2021, págs. 16-17 e Problemas suscitados pelo modelo de revista acolhido no CPC: o regime de acesso ao STJ quanto à impugnação de decisões interlocutórias de natureza processual [a publicar]), assim se não considerasse, o certo é que não se verifica a invocada contradição como o acórdão da Relação de Coimbra de 15NOV2016 (proc. 2112/12.9TBLRA-F.C1) uma vez que não há entre o acórdão recorrido e o invocado acórdão similitude circunstancial (requisito integrador do conceito de oposição de acórdãos segundo jurisprudência consolidada): no primeiro considerou-se não ter influência no desfecho da venda a falta de comunicação da data da venda uma vez que o conhecimento anterior já permitia um adequado exercício dos direitos processuais dos inventariados, não se anulando a venda; no segundo anulou-se a adjudicação ao exequente por esta ter sido realizada na sequência de não terem sido admitidas duas propostas apresentadas sem prestação de caução, considerando não só que essa caução não era exigível, como deviam ter sido comunicadas as propostas tendo em vista proporcionar melhor oferta.


Termos em que se não admite o recurso.

Custas, do recurso e da reclamação, pelos Recorrentes.

Fixa-se a taxa de justiça da reclamação em 3 UC’s.


Lisboa, 08SET2021


Rijo Ferreira (relator)

[Com voto de conformidade dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos,

conforme o disposto no art.º 15º-A do DL 10-A/2020, 13MAR, com

a redacção introduzida pelo DL 20/2020, 01MAI]

Cura Mariano

Batista de Oliveira